Parque Estadual da Serra do Mar e os monumentos na encosta da Serra do Mar
Imagem publicada no jornal O Estado de São Paulo, em 21 de abril de 2004
Os monumentos do Caminho do Mar
TOLEDO, Benedito Lima de. "O Caminho do Mar". In: Revista do
Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), S. Paulo, 1971.
O autor destaca, em primeiro lugar, a importância dos
caminhos indígenas aproveitados para a penetração, o povoamento e a manutenção da colonização portuguesa no Brasil. Em especial, no caso paulista,
cita S. Paulo de Piratininga, no interior, separada por rudes caminhos, do litoral e todas as conseqüências políticas, econômicas e sociais da
utilização do áspero Caminho do Mar.
OS POUSOS E BELVEDERES
À vista da breve abordagem precedente do problema, oferecemos, a seguir, algumas
sugestões para o restauro e conservação do Caminho do Mar, "a primeira estrada brasileira revestida com concreto" como vai registrado na placa
comemorativa existente no pontilhão da base da serra.
Esse fato e outros emprestam àquela rodovia quase o significado de marco de uma era
tecnológica, o que bem se pode avaliar na preocupação de quem fez transcrever no azulejo de um dos pousos a frase: "As
grandes linhas férreas de penetração pouco valem sem todo um sistema de bons caminhos por onde possam vir às estações os produtos de toda sorte. A
estrada de rodagem é hoje, em toda parte do mundo civilizado, tanto ou mais importante que a via férrea. Basta lembrar que o automóvel será o
principal meio de locomoção no futuro... Tropas e Tropeiros, junho 1904. Afonso Arinos".
É oportuno, aqui, lembrar a proeza que Antonio Prado Junior e alguns amigos realizaram
em abril de 1909, quando nos dias 16 e 17, pela primeira vez, fizeram o percurso Santos-São Paulo de automóvel, utilizando um bravo "Motobloc" de
fabricação francesa, pelo antigo Caminho do Mar.
Ora, não obstante o otimismo dos entusiastas do automóvel, as máquinas da época
exigiam paradas durante a árdua arrancada serra acima e daí os diferentes "pousos" e "belvederes" colocados à margem da rodovia, com admirável senso
da paisagem. Todos eles com fácil acesso à nascente de água, com óbvia utilidade no resfriamento dos motores e das gargantas secas pelo calor
abafadiço da serra.
Esses pousos, de simples pontos de descanso na serra, são, a nosso ver, monumentos
arquitetônicos significativos de uma fase da arquitetura paulista, merecedores de restauro à forma primitiva e conservação atenta.
Como é sabido, constituem obra do arquiteto Victor Dubugras e colaboradores e
enquadram-se em sua experiência de fazer uma "arquitetura tradicional brasileira", a qual
"tinha um caráter de pitoresca elegância, possuía o cunho de sua personalidade; suas obras eram inconfundíveis".
A observação é do professor Silva Neves, seu ex-aluno, que se refere carinhosamente ao mestre como "o genial arquiteto
Dubugras", o qual "oferecia uma arquitetura de elevado padrão artístico"
e que "era muito evoluído para a mentalidade medíocre da época em que viveu", o que lhe
causava dissabores com clientes e alunos.
Merecem cuidados específicos as seguintes obras que tornamos a visitar para a
confecção do presente trabalho:
1) Pouso de Paranapiacaba (Casa de Pedra), Km 43.
2) Belvedere do Km 45.
3) Pouso da Serra (Segunda Casa de Pedra), bem próximo ao precedente.
4) Belvedere da Baixada (ou Padrão do Lorena)
5) Pontilhão na base da serra, com placas comemorativas.
6) Cruzeiros na raiz da serra.
7) Pontilhões sobre o rio das Pedras, no planalto, obras de arte da engenharia da época.
8) Capela de S. Lázaro, próxima ao pontilhão da base da serra.
A) Implantação:
A implantação dos pousos na Serra é feita com grande respeito à paisagem e de todos
eles a vista da serra é deslumbrante, além de, como já dissemos, marcarem pontos de oportuna pausa para os automóveis da terceira década deste
século.
a) No pouso de Paranapiacaba, o arquiteto pretendeu unir a arquitetura à paisagem de
forma mais íntima, criando acesso direto à serra por meio de escadas de pedra na meia encosta. Não seria esse fato revelador da intenção do
arquiteto em fazer daquele pouso um ponto de reuniões festivas para quem quisesse passar um dia aprazível na serra? Parece claro este aspecto e deve
ser respeitado na restauração.
b) No pouso da Serra, a vista sobre o Cubatão é insuperável e os azulejos de Wasth
Rodrigues ali empregados rememoram etapas da vida do Caminho do Mar, sendo, portanto, elementos de educação histórica para os visitantes, além de
obras de azulejaria merecedoras de destaque como tal.
Esse pouso, edificado em acentuada curva da estrada, apresenta uma derivação para
maior facilidade de acostamento e, além disso, um banco de pedra ao longo da mureta representa uma comodidade para quem quiser observar o sítio.
Há, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, uma maquete em gesso deste pouso, para
ali levado por iniciativa do Prof. Flávio Motta.
c) Em dois outros pontos da serra foram situados belvederes de construção mais sumária
que as "casas", porém não de inferior qualidade arquitetônica. No belvedere da baixada pode-se observar na azulejaria o retrato de Bernardo José
Maria de Lorena, a quem o Caminho do Mar deveu grandes melhoramentos. Neste monumento podem ser vistas duas pedras com inscrições que pertenceram ao
monumento mandado erigir em 1790, por Lorena, em homenagem à Rainha D. Maria I.
d) No sopé da serra, o grande cruzeiro de granito evoca o significado histórico do
caminho. A cruz, de magnífico lavor, situa-se ao centro de uma pequena praça resultante da bifurcação da pista, a qual, portanto, envolve a cruz.
Dois bancos curvos de pedra, simétricos, colocados de lado, dão um sentido espacial autônomo a essa área e ambientam o monumento. Portanto, na
expressão "cruzeiro" pretendemos incluir essas obras complementares que, com a cruz propriamente dita, formam um conjunto harmônico.
No pedestal estão gravados os nomes insignes de
Tibiriçá, Anchieta, Mem de Sá, Nóbrega, Leonardo Nunes, Martim Afonso, João Ramalho, Brás Cubas, e as datas 1500 e 1922; o azulejo de Wasth
Rodrigues, colocado à volta da base, nos mostra, em uma face, a figura do Pe. José de Anchieta, cujo nome ficou ligado ao antigo caminho; em outra
face, são representadas caravelas, homenagem aos navegantes descobridores.
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B) Técnica:
Os pousos, como ocorre em obras de Dubugras, revelam apurada técnica construtiva;
inegavelmente, sua característica "rompeu com a tradição, procurando e realizando com rara felicidade novas formas arquitetônicas, aplicando e
trabalhando os materiais de maneira diferente da rotina".
No aproveitamento do granito, a habilidade do mestre fica mais evidenciada. O aparelho
da pedra é primoroso, além de atingir, em alguns pontos, inegável sentido escultural. Hoje, castigada pelos rigores dos intemperismos da serra, a
pedra apresenta-se escurecida e de cor ricamente variegada - fato este que, associado à vegetação que se insinua à sua volta, contribui para a
assimilação dos monumentos à paisagem, como se ali sempre houvessem existido.
No pouso de Paranapiacaba, na parte voltada para a serra, no piso resultante do
desnível do terreno, há uma arcada que deveria prover a varanda de excelente vista. Todavia, o Departamento de Estradas de Rodagem fechou os vãos da
arcada com parede de tijolos para aí fazer depósito de materiais.
Com grande propriedade foram usados os azulejos e neles figuram datas, versos,
retratos, mapas, alegorias e diversas referências históricas através de desenhos e inscrições.
As escadarias que levam aos patamares da serra estão em total abandono. Porém, não
seria difícil restaurá-las à sua forma original.
Mais abaixo, no pouso da serra, uma barra de azulejos contorna o edifício e nela vemos
sucessivamente as figuras históricas de Antonio Carlos, Martim Francisco, Senador Vergueiro, Regente Feijó, Brigadeiro Tobias, Duque de Caxias,
Brigadeiro Machado, Marquês de S. Vicente, Marquês de M. Alegre, Paula Sousa. Na pedra, em inscrição central, figura a palavra Maioridade. No
alpendre, os azulejos mostram dentro de primorosa cercadura uma vista de Itanhaém, na qual se vêem duas igrejas históricas daquela cidade.
No belvedere da baixada vê-se no intradorso do arco central um medalhão de azulejo com
a figura de Bernardo José Maria de Lorena. Neste pouso, de engenhosa organização, os trabalhos na pedra ostentam grande apuro.
C) Outras observações:
Em alguns pontos da serra o viajante poderá, após caminhar algumas dezenas de metros,
atingir pontos onde ainda podem ser vistos vestígios do primeiro caminho do mar.
Ao longo da rodovia, encontram-se
ainda diversos monumentos de certo interesse; por exemplo, a Capela de S. Lázaro, ao sopé da serra, à qual já nos referimos e onde eram realizadas,
em outros tempos, festas populares. Havia ali também um cemitério, removido com a construção da Refinaria de Cubatão. Segundo o que nos foi narrado,
com grande mágoa, por antigo morador do local, ossos do cemitério puderam ser vistos durante o revolver da terra por meio de máquinas no preparo do
terreno para as obras da refinaria. Estas obras acabaram por espantar do local os antigos festeiros daquela capela e, hoje, os festejos não têm, nem
de longe, o brilho de outrora [1].
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Proposta
"A estrada de Ferro Santos-Jundiaí, marco ferroviário de
uma época, que aproveitou, como vimos, o primitivo caminho dos silvícolas abandonado em 1560, por suas características, mereceria igualmente
cuidadoso estudo".
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"Pelas conclusões que pudemos tirar no momento,
podemos propor o seguinte:
1) Preservar o Caminho do Mar, entendido como a auto-estrada que definiu o início de uma
época, com a restauração do revestimento de concreto original. Isto, sem cogitar em saber se é uma estrada de emergência, questão que foge ao âmbito
do presente trabalho.
A exuberante vegetação, à margem da pista, merece ser carinhosamente preservada, para
tanto devendo-se proibir qualquer tipo de publicidade, que, sabemos, é feita em clareiras obtidas pela derrubada de parte da mata. Placas, somente
as indispensáveis à sinalização para segurança da estrada e assim mesmo não precisarão ultrapassar as muretas das margens.
2) Restaurar os pousos, recolocando-os em sua forma
original. Quanto à sua utilização, sugerimos que seja respeitada a intenção inicial, ampliando o sentido de convívio com a paisagem".
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"O Belvedere da Baixada merece especial atenção. É
neste monumento que poderemos ver as mencionadas pedras que outrora pertenceram ao monumento mandado erigir por Lorena.
A Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional teve a gentileza de nos enviar o
seguinte documento de seus arquivos:
Estrada de Lorena
Declarou o Dr. Ernesto Dubugras, filho do engenheiro Victor Dubugras, autor das
construções e pousos do caminho da serra de Santos, que seu pai fez certo dia uma excursão com o Dr. Washington Luís e outras pessoas pelas matas,
subindo um trecho da Serra, a partir de um dos pousos em construção e descobriram um caminho de pouca largura, calçado de pedras irregulares, que
subia pela encosta em linha reta até o alto e todo fechado de mato. Nesse caminho ou ao alto, encontraram uma pedra, com inscrição gravada à moda
antiga, e que se referia à estrada e ao governador Conde de Sarzedas. O Dr. Washington já sabia da sua existência. A pedra foi aplicada no dito
pouso, e lá se acha. Quanto ao resto da estrada, pela parte de baixo, isto é, do pouso para baixo, não foi procurada devido aos precipícios e matas.
Tanto no planalto como na raiz da serra, não se descobriu indícios da continuação daquela primitiva estrada, pois a estrada nova, então já
existente, cortara-a naturalmente em vários pontos da serra e reformara-a tanto no Planalto como no Cubatão.
Maio de 1955
(a) José Wasth Rodrigues.
Este depoimento do autor dos azulejos dos pousos da serra e assíduo colaborador de
Dubugras, mostra-nos que Washington Luís, além do respeito pela obra pública, demonstrado na preocupação com a sua qualidade arquitetônica, esteve
presente também na qualidade de historiador. Da procedência das pedras, encontramos alguns dados:
A Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, vol. VI, 1900-1901,
à página 478, reproduz o ofício da Câmara Municipal de 22 de setembro de 1790 em que esse comunica ao governador sua decisão de mandar erigir "no
alto da dita serra do mar" um monumento em sinal de "gratidão e reconhecimento" por suas
obras, principalmente pelo "primeiro canal de seu comércio, que V. Exma. acaba de segurar-lhe terraplanando e
calçando-lhe a serra mais bravia e intransitável que a natureza como barreira impenetrável, devido da sua tão precisa marinha".
O ofício conclui com a inscrição latina constante do monumento.
Na Revista do Arquivo Municipal de fevereiro de 1940 há uma "Biografia de D.
Bernardo José de Lorena" escrita por M.L. Franco da Rocha, na qual consta uma relação das obras executadas por Lorena em seu governo, e que
traz, inclusive, "um plano para guiar a cidade no seu desenvolvimento". Nesse artigo,
consta que a estrada foi feita com auxílio em dinheiro dado pelos comerciantes de Santos. Parece-nos particular interesse o seguinte trecho:
"De todos os seus trabalhos, o mais importante foi, sem dúvida, a construção da
Estrada da Serra, em zigue-zague, com 180 ângulos, numa largura de 3 metros, com um comprimento de 9 quilômetros, e toda calçada de pedras, trazidas
de grande distância.
"Essa estrada era tão bem feita que excitou a admiração dos contemporâneos de sua
construção e, mais tarde, até de viajantes estrangeiros que por ali passaram. Kidder, norte-americano que a viu em 1839, a descreveu com grandes
elogios. Além de Kidder, outros viajantes como o norueguês Beyer, o inglês Mawe e o francês Hércules Florence, todos se referiram com entusiasmo
sobre as obras gigantescas da Estrada do Lorena".
Conta, a seguir, a decisão da Câmara em mandar erigir um monumento em homenagem ao
governador, acrescentando:
"Com toda diplomacia, D. Bernardo endereçou essa
homenagem a Maria I, mandando erguer no mesmo lugar um padrão, cuja base era formada por quatro pedras lavradas, nas quais mandou gravar:
1º - Omnia vincit amor subditorum
2º - Maria Regina
3º - Anno 1790
4º - Fez-se este caminho no feliz governo do Ilmo. Exmo. Sr. Bernardo José de Lorena,
General desta Capitania".
A seguir lembra o interesse de Washington Luís pela estrada e que este, "em
companhia dos Srs. Antonio Prado Júnior e Bento Canabarro, e com turmas de trabalhadores, conseguiu desvendar a célebre calçada, e encontrar duas
pedras do padrão que jaziam enterradas na lama. Essas duas pedras, a primeira e a quarta, foram colocadas, ad perpetuam rei memoriam, em
1922, no segundo dos monumentos coloniais, que no governo do Dr. Washington Luís foram erigidos na estrada do mar".
Por aí vemos a importância daqueles documentos existentes no monumento, fato que
deveria ser evidenciado ao visitante através, por exemplo, de uma placa móvel a ser deixada no local.
Nota final
O restaurador que pretender trabalhar em qualquer
obra de Victor Dubugras deverá dedicar particular atenção aos materiais e acabamentos. As publicações da época e o relato de pessoas, que conviveram
com o mestre, insistem no grande critério com que se havia nesses pontos.
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Adendo
Há algum tempo atrás, indo a Santos, pudemos ver no Pouso da Serra os azulejos de J. Wasth
Rodrigues sendo arrancados da parede a golpes de marreta.
"Estão velhos e vão ser substituídos por novos", foi o que nos informou o marreteiro.
De fato, agora alguns azulejos novos podem ser vistos naquele local. De execução
bisonha, depreciam o monumento.
Acreditamos numa boa intenção de quem mandou motivar esse atentado contra aquela obra,
mas não atinamos com o critério.
Esse fato nos faz insistir em nossa proposta: os
monumentos do Caminho do Mar devem ser imediatamente tombados pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a fim de que nenhuma obra
de conservação possa ser feita sem supervisão daquele órgão".
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As providências a serem tomadas são urgentes.
São Paulo, março de 1965.
Nota complementar
[1] A Capela de S. Lázaro
localizava-se no sopé da serra, pouco antes do primeiro pontilhão da Estrada do Mar, do lado direito de quem sobe. Foi recentemente demolida. |