HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CAMINHOS
Cubatão e os caminhos da Serra do Mar (6)
A difícil subida da montanha, a partir do porto de Piaçagüera
Texto incluído na obra Antologia Cubatense, selecionada e organizada pela professora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade e publicada em 1975 pela
Prefeitura Municipal de Cubatão, nas páginas 56 a 67:
Cubatão - entreposto entre São Paulo e Santos PETRONE, Maria Thereza S. A Lavoura
Canavieira de São Paulo - Expansão e Declínio - 1765-1851. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968, p. 219.
TROPAS E TROPEIROS
"Na estrada de Santos, um ponto tornou-se particularmente importante - o Cubatão. Antes da construção do aterrado, o embarque do açúcar fazia-se aí, como já foi dito, onde havia o
Registro, e a partir de 1836, a Barreira. Acaba aí a serra e começa a baixada. Para o comércio do açúcar o Cubatão importou principalmente antes da construção do aterrado. Muitas vezes, estragava-se o produto enquanto esperava o embarque. Era o
centro para onde convergiam todas as tropas que desciam e subiam a serra.
Já vimos as impressões de Mawe. Hércules Florence também ficou maravilhado com o movimento que lá presenciou em 1825: "Presenciando a atividade que
reinava em Cubatão, conheci quanto é ponto freqüentado, bem que não seja mais que um núcleo de 20 a 30 casas mal construídas. É o entreposto entre São Paulo e Santos. Durante os oito dias que lá fiquei, vi diariamente chegar três a quatro tropas de
animais e outras tantas partirem" (o grifo é nosso). O movimento tendia a aumentar cada vez mais com a crescente produção do planalto.
As tropas, com esse aumento da produção em "serra acima", tornavam-se cada vez mais numerosas. Kidder e Fletcher afirmam que anualmente chegavam a Santos 20.000 mulas carregadas. Todos
os autores, especialmente os viajantes estrangeiros, são unânimes em elogiar as tropas e os tropeiros paulistas.
Na época em que Hércules Florence fez a viagem, cada tropa constava geralmente de 40 a 80 bestas de carga guiadas por um tropeiro e divididas em lotes de oito animais, aos cuidados de um
camarada. Já, à época de Kidder, as tropas que desciam a serra eram de 100 a 300 mulas.
Esse viajante ainda descreve o aspecto de uma tropa: "Um dos animais é amestrado para conduzir os demais. Esse, que é geralmente escolhido pela sua prática e conhecimento dos caminhos,
além de outras qualidades - leva em geral um penacho na cabeça, fantasiosamente ornamentado de conchas marinhas, fitas e penas de pavão. Leva ainda um cincerro pendurado ao pescoço e caminha sempre à frente dos outros. O tropeiro chefe vai sempre
muito bem montado e leva um laço preso à cinta, pronto para ser arremessado sobre qualquer animal que desgarre".
O trabalho de carregar os animais era considerado verdadeira arte. Já vimos as impressões de Mawe a respeito. Beyer também descreve esse trabalho, tal como presenciou no Cubatão:
"O sossego e a compreensão destes animais durante o arreamento são comparáveis unicamente à perícia dos carregadores, especialmente pretos, de repartir a carga igualmente nos dois lados. A carga é fixada sobre uma cangalha de
palha e coberta de couro cru com dois cabeços para cima e nos quais se fixou as cargas, sendo mais difícil a evitar que a cangalha pise o animal pelo atrito. As mulas são amarradas umas às outras pela cauda e como elas assim caminham em linha, são
necessários apenas poucos tropeiros, a cuja voz elas seguem e obedecem".
TROPEIRO PAULISTA
"Kidder e Fletcher dão uma descrição interessante do tropeiro paulista: "Os tropeiros paulistas, como classe, diferem muitíssimo dos mineiros e condutores
que visitam o Rio de Janeiro. Têm certa rusticidade de aspecto, que, misturada à inteligência e algumas vezes à benignidade, dá às suas feições uma expressão peculiar. Usam geralmente uma grande faca pontuda, metida atrás da cinta. Essa faca de
ponta é para eles talvez mais essencial do que a faca do marinheiro é para este. Serve para cortar mato, para consertar arreios, para matar e preparar um animal, para cortar o alimento, e em caso de necessidade, para defender ou assaltar"...
Apesar da precariedade inevitável num sistema de transporte baseado em tropas de animais, as queixas são poucas. Kidder, que fez sua viagem na época em que o açúcar paulista está em
pleno apogeu, dá seu parecer sobre o transporte pelas tropas: "O transporte comum entre o interior e litoral é feito sem grandes irregularidades apesar do sistema empregado"... "Um cavaleiro, que por muitos anos se
tinha servido exclusivamente de tropeiros para o transporte de suas mercadorias, informou-nos de que raramente, ou talvez nunca, tenha tido conhecimento de que determinada encomenda não tenha chegado ao seu destino". |
A Antologia Cubatense continua as transcrições, em sua página 58:
Os ranchos Ao longo dos árduos caminhos desde o "quadrilátero do açúcar"
até o porto de Santos eram necessários ranchos onde os tropeiros e viajantes pudessem descarregar suas tropas, cozinhar e descansar da estafante viagem. Além disso, o açúcar não podia ficar molhado, sob pena de perder o valor. Por isso, os próprios
condutores do açúcar ofereciam contribuições para construção dos ranchos. Um deles ainda existe e bem conservado: é a Casa do Grito, no Ipiranga, a alguns metros do monumento da Independência. Dentro funciona um Museu do importante ciclo do muar.
PETRONE, Maria Thereza S. A Lavoura Canavieira de São Paulo - Expansão e Declínio - 1765-1851. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968, p. 214.
OS RANCHOS
"Os ranchos eram, ao que parece, construções muito simples e de material não muito durável, pois, pouco depois de construído por Melo Castro e Mendonça e por Franca e Horta, esse último
governador já teve que dar ordens para o conserto dos mesmos na estrada de Santos. Na "Relação dos lugares em que se devem fazer os Ranchos para repouso dos Condutores de açúcares"... encontramos uma descrição e um desenho de como os
condutores de açúcar desejavam que se efetuassem as construções: "Cada Rancho deve ter sessenta palmos de comprido, e trinta de largo, dividindo em duas metades, uma fechada até acima, com estibas na quadra interior das
paredes, para nelas se guardarem as cargas, e outra com a parede do outão até acima, e nas frentes meia parede com duas porteiras seguidas no meio, para neste lanço descarregarem as tropas, e fazerem as suas cozinhas: e que para total duração dos
Ranchos devem ser feitos de taipa de pilão, e cobertos de telhas, conforme a planta"...
Os condutores pretendiam construções resistentes para os ranchos. Mas sempre se tratava, aparentemente, de construções mais ou menos improvisadas, que deviam ser constantemente
consertadas e reedificadas. Em 1818, o escrivão da junta dos caminhos observa como "os Ranchos, que existem na Estrada que segue desta cidade para o Cubatão de Santos, forão feitos pelo cofre do rendimento da
contribuição voluntária e pelo mesmo têm sido por vezes reedificados"... Isso mostra como os ranchos eram mal construídos, necessitando de constantes cuidados". |
A Antologia Cubatense completa nas páginas 73 e 74 as suas transcrições sobre esse tema:
A barreira do Cubatão PETRONE, Maria Thereza S. A Lavoura Canavieira de São Paulo -
Expansão e Declínio - 1765-1851. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968, p. 157 e seguintes.
"A partir de 1836 temos, (..) dados sobre a exportação de Santos, aparentemente fidedignos. Provêm dos "Livros de Exportação da Barreira de Cubatão
na Estrada da Vila de Santos". Nesses livros registravam-se o "Açúcar, Café e Fumo que passarem pela Barreira de Cubatão de Santos e dos quais se deve cobrar na Alfândega da mesma Vila o respectivo Dízimo Provincial
em Direitos de exportação".
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"No ano financeiro de 1836-1837 passaram pela Barreira do Cubatão 433.268 arrobas de açúcar, sendo 239.474 de açúcar branco, 168.134 do redondo e 25.661
do mascavo. Vê-se, pois, que a cifra de 433.268 arrobas, destinadas ao porto de Santos, está muito longe da registrada por Muller, para a exportação daquele porto, embora não se referisse ao mesmo ano. A cifra registrada no Livro da Barreira
está, isso sim, mais próxima à da que registra aquele autor para a produção.
A partir dessa época, as exportações de café por Santos têm certo significado.
Nesse mesmo ano passaram pela Barreira do Cubatão 87.659 arrobas de café. A exportação de café, portanto, aumentou muito desde 1799, quando Santos exportara 592 arrobas. Em 1807, a
Capitania exportou 2.804 arrobas de Café e, em 1813, a produção foi de 4.867 arrobas. Em 1836-1837, Santos exportou apenas uma pequena parte da produção cafeeira paulista.
Segundo Muller, sua produção foi de 588.136 arrobas, mas não precisa em que ano, e a exportação de Santos foi de 76.336 arrobas, em 1835-1836. Esta última cifra está, por consegüinte,
muito próxima da registrada no Livro de Exportação da Barreira do Cubatão.
A grande produção de café naquela época estava concentrada no vale do Paraíba, não sendo portanto drenada para Santos. O Oeste
paulista, as vilas do "quadrilátero do açúcar" [1] contribuíram ainda com muito pouco café para a exportação. Mais da metade da exportação pelo
porto de Santos provinha de Jacareí (45.739 arrobas e 20 libras)".
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"1846-1847 é, certamente, o ano mais importante, o ano decisivo para a cultura canavieira. Os agricultores do hinterland de Santos
(N.E.: hinterland, ou interlândia, é a região geográfica influenciada pela cidade a que se refere - no caso, a área que realiza negócios com Santos ou através desta cidade), a partir de
então, resolvem abandonar o cultivo da cana-de-açúcar para se dedicarem ao do café. O "quadrilátero do açúcar" vai transformar-se em zona cafeeira.
O café plantado em 1846-1847 produzirá, em 1850-1851, ano em que ultrapassa, em volume a exportação de açúcar pela Barreira do Cubatão (o grifo é nosso). Estranha coincidência! No ano de maior exportação de açúcar também foram formados grandes cafezais, e daí a pouco produzirão tanto que o açúcar passará para o segundo lugar nas exportações de Santos. O açúcar paulista neste ano já
tinha, inclusive, importância no quadro geral das exportações brasileiras. A média anual de sua exportação, no quinqüênio de 1844-1845 a 1848-1849, foi de 7.551.980 arrobas.
A partir de 1846-1847, sua exportação tende a diminuir e a do café a aumentar. O açúcar saído pela Barreira do Cubatão assim se distribui:
1847-1848 - 414.230 arrobas
1848-1849 - 278.823 arrobas
1849-1850 - 289.389 arrobas
1850-1851 - 344.904 arrobas
A do café foi a seguinte, no mesmo período:
1847-1848 - 246.893 arrobas
1848-1849 - 223.588 arrobas
1849-1850 - 130.681 arrobas
1850-1851 - 470.054 arrobas
A queda brusca da exportação, tanto de açúcar, como de café, em 1848-1849 e 1849-1850, se deve, como em 1842-1843, à geada e à seca de 1848, que muito prejudicaram canaviais e cafezais.
Depois de 1850-1851, temos uma exportação de café maior do que a de açúcar. Essa tendência acentua-se cada vez mais e, em 1854-1855, o açúcar, com 184.049 arrobas e dez libras, excede de
pouco os totais de 1816. O café, entretanto, chega no mesmo ano a 773.892 arrobas, tendo duplicado sua exportação num quadriênio. O destino da lavoura canavieira já está decidido, portanto, a partir de 1846-1847, mas torna-se mais patente a começar
a segunda metade do século. O "quadrilátero do açúcar" deixou de sê-lo, para se dedicar com verdadeira obsessão à cultura do café.
NOTA EXPLICATIVA
[1] "Quadrilátero do açúcar" - Expressão criada pela autora para indicar a maior área produtora de açúcar da Província de São
Paulo, na segunda metade do século XVIII e na primeira do século XIX: Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçu e Jundiaí.' |
Movimento de cargas na Barreira do Cubatão, em 1860
Publicado no jornal paulistano O Comercial, de Santos, no número 128/Ano IV, de sexta-feira, 27 de janeiro de 1860, página 4 (acervo do Arquivo do Estado de São
Paulo - acesso em 17/10/2015) |
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