Algumas anotações sobre as divisas das três primeiras sesmarias brasileiras
A - Divisas da Primeira Sesmaria: Pedro de Góes
"Eu hei por bem de lhe dar e doar as terras de Taquararira com a serra de
Taperovira que está da banda donde nasce o sol com águas vertentes com o rio Jarabatyba o qual rio e terras estão defronte da ilha de S. Vicente
donde chamam Gohayó a qual terra subirá para serra acima até o cume e daí a buscar o Capetevar, e daí virá entestar com o rio adiante que está na
banda do Norte e por ele abaixo até Ygoar por terra em outro rio que tem aí o outeiro e daí tornará dentro a um pinhal que está na banda do campo
Gioapê e daí virá pelo caminho que vem de Piratininga a entestar com a serra que está sobre o mar [1]
e daí por uma ribeira que vem pelo pé da serra que chamam Maroré e daí dentro no pé da serra Ururai e virá dentro por este rio a entestar com a ilha
Caremacoara e então pelo rio de S. Vicente tornará a entestar com a dita serra de Taperovira donde começou a partir".
B - Divisas da Segunda Sesmaria: Rui Pinto
"Hei por bem de lhe dar as terras do Porto das Almadias onde
desembarcam quando vão para Piratinim quando vão desta Ilha de S. Vicente, que se chama Apiaçaba, que agora novamente chama-se o porto de Santa Cruz
[2], e da banda do Sul
partirá pela barra do Cubatão pelo porto dos outeiros que estão na boca da dita barra, entrando os ditos outeiros dentro nas ditas terras do dito
Rui Pinto. E daí subirá direito para a serra por um lombo que faz [3],
por um vale que está entre este lombo por uma água branca que cai do alto, que chamam Ytutinga e para melhor se saber, este lombo, entre a dita água
branca por as ditas terras não se mete mais de um só vale e assim irá pelo dito lombo acima, como dito é até o cume do serro alto que vai sobre o
mar [4] e pelo dito
cume irá pelos outeiros descalvados que estão no caminho que vem de Piratinim [5].
E atravessando o dito caminho [6]
irá pela mesma serra até chegar sobre o vale do Ururai que é da banda do Norte das ditas terras onde a serra faz uma fenda por uma selada, que
parece que fenece por ali [7],
a qual serra é mais alta que outra por ali ajunta [8]
e dela que vem por riba do vale de Ururai, da qual aberta cai uma água branca [9],
do alto desta dita barra desce direitamente ao rio de Ururai [10],
e pela veia d'água irá abaixo até se meter no mar e outeiros escalvados [11]."
C - Divisas da Terceira Sesmaria: Francisco Pinto
"Indo desta ilha [12],
para o Rio Cubatão, entrando por este rio acima, começará do Rio Perequê no Cubatão, e pelo Perequê acima vai ter ao longo da serra donde este rio
vem, partindo até o cume da serra alta com terras de Rui Pinto; e depois à esquerda por este dito cume até chegar ao Rio das Pedras, grande; e daí
desce pelo lombo da serra que dá vertente à direita de quem desce para as águas do último citado rio, seguindo pela direção deste lombo da serra até
o Rio Cubatão e daí desce por este rio até o ponto de partida".
D - Divisas da Sesmaria de Antonio Rodrigues de Almeida
"Indo desta vila de Santos pelo Rio Cubatão arriba, da borda do dito rio da banda do
Norte, direito ao cume da serra mais alta, partindo com terras de Francisco Pinto, ou de quem forem, lhe irá correndo pelo cume da serra mais alta,
uma légua em comprido para a banda do Sudoeste, e dali, donde se acaba a dita légua, descerá por aí abaixo ao Rio do Cubatão, que vem ao longo da
serra, em chãos dela correndo para a banda do Nordeste, e dali virá correndo pelo dito rio abaixo, até onde primeiro começou a partir com o dito
Francisco Pinto; e assim lhe dava mais a água grande, que chamam o Cubatão, que aparece desta vila de Santos, com todas as mais que dentro de suas
confrontações houver".
E - NOTAS:
[1] A respeito de
onde as divisas de Pedro de Góes vinham entestar sobre a Serra de Paranapiacaba com as terras de Rui Pinto, uma transcrição daquela mesma sesmaria
feita em 1537 assinala que "vão entestar sobre a serra que vem sobre o mar (...) desde a ponta
da serra a uma quebrada, que assim faz por onde Francisco Pinto parte e todo ele com esta". A quebrada da serra a que
se refere o texto da transcrição é a do Perequê. E a ponta é a do Ururai. E todo ele (Pedro de Góes) entesta com a serra, da quebrada do Perequê à
Ponta do Ururai. (Nota nº 7).
[2] Como se
depreende da presente introdução, esta é a sesmaria do ponto de transbordo junto à terra firme no fundo do grande lagamar de São Vicente: fim da
etapa marítima e início da etapa terrestre. O porto principal destas terras e o seu centro nevrálgico era o importante Porto de Santa Cruz, o Porto
das Armadias ou a Apeaçaba onde o primitivo Caminho de Piratininga vinha dar no rio Mogi e, por ele, no mar. Extinto em 1560, passou a ser
posteriormente conhecido como Piaçagüera de Cima. Para melhor compreensão desta introdução oferecemos a ordem direta gramatical do texto:
"Hei por bem de lhe dar as terras do Porto das Almadias, que se chama Apiaçaba, que agora novamente
chama-se o porto de Santa Cruz, onde desembarcam quando vão desta Ilha de S. Vicente para Piratinim".
[3] A descrição das
divisas começa pela referência a um outro porto nelas existente, ou seja, o porto dos outeiros da Ilha de Caremacoara ou dos Casqueirinhos, situado
numa das barras do rio Cubatão, junto ao Porto da Cosipa e pier da Ultrafértil. Entrando depois pelo rio Cubatão, a primeira etapa das divisas de
Rui Pinto prossegue por um lombo ao lado, até a confluência do rio Perequê.
[4] A partir do
ponto estabelecido na nota anterior, a etapa seguinte é descrita mais compreensivelmente na sesmaria de Francisco Paino, da qual é limítrofe, nestes
termos: "Pelo Perequê acima vai ter ao longo da serra donde este rio vem",
isto é, até o planalto, à altura da quebrada do Perequê, onde o primitivo Caminho de Piratininga vinha entestar.
[5] Dobrando para a
direita, a divisa seguirá ao lado do Caminho de Piratininga nas bordas da Serra de Paranapiacaba até as proximidades da confluência da Serra do Meio
com a Serra do Mogi, onde aquelas cristas, após se elevarem até 965 metros, caem para 700 metros.
[6] Verifica-se a esta
altura, no lugar descrito pela nota anterior, que o Caminho de Piratininga adentra o território da Sesmaria de Rui Pinto, cortando-o até o pé da
serra, junto à Apeaçaba no rio.
[7] A etapa seguinte da
divisa, no entanto, depois de atravessar o Caminho, continua ainda pelo alto, e seguia pela mesma Serra do Mogi até a sua ponta. A Ponta do Ururai,
como era chamada a extremidade ou quebrada da Serra de Paranapiacaba, bem se sabe onde é: é o atual topo dos Planos Inclinados da Cremalheira e
Linha Superior da R.F.F.S.A. (E.F.S.J.)
[8] A serra menos alta,
a que se refere esta parte do texto, e pela qual desce a seguir a divisa, é a Serra chamada Maroré situada à margem esquerda do rio Mogi. Da Ponta
do Ururai até o mar e Ilha dos Casqueirinhos as divisas de Pedro de Góes continuam confrontando-se com as de Rui Pinto.
[9] Esta água branca a
que se refere o texto é a ribeira ao pé da Serra do Maroré, bem abaixo da referida ponta da Serra de Paranapiacaba.
[10] A divisa
vem alcançar então, no piemonte, como se vê, o rio Mogi, reencontrando-se também com o primitivo Caminho na Apeaçaba, sua etapa inicial, isto é, na
"saída do Caminho na margem do rio" (Vocabulário Geográfico
Brasileiro - Theodoro Sampaio).
[11] Trata-se do mesmo
lagamar nesta região também denominado Caneú e que no texto da sesmaria de Pedro de Góes é chamado ainda de Rio de S. Vicente. Daí as denominações
de "Serra do Mar" e "Caminho do Mar" dadas à Serra de Paranapiacaba e ao primitivo Caminho de Piratininga, por estar sobre este rio ou mar de S.
Vicente ou vir ter início nele, respectivamente. Bem aqui, entre o Mar dos Terminais Marítimos de Piaçagüera e a Ilha dos Casqueirinhos, é que
termina a confrontação das divisas de Pedro de Góes com as de Rui Pinto.
[12] Segundo Francisco
Martins dos Santos, diversamente da versão existente nos documentos dos nossos arquivos, esta é a versão do original. A ilha a que o texto se refere
é a de S. Vicente.
NOTAS FINAIS:
- O texto do Alvará de D. João III dando a Martim Afonso a faculdade de conceder sesmarias é o
seguinte:
"Dom João por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, d'aquém e d'além mar e
África, Senhor de Guiné e da conquista, navegação, comércio de Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia. A quantos esta minha carta virem, faço saber que
as terras que Martim Afonso de Souza, do meu conselho, achar e descobrir na terra do Brasil, onde eu o envio por meu capitão-mor, que se possa
aproveitar por esta minha carta, lhe dou poder para que ele dito Martim Afonso de Souza possa dar às pessoas que consigo levar e às pessoas que na
dita terra quiserem viver e povoar aquelas partes das ditas terras que lhe bem parecer, segundo o merecerem as ditas pessoas por seu serviço e
qualidades e as terras que assim der serão para elas e para todos os seus descendentes e das que assim lhes der lhes passará suas cartas que dentro
de dois anos da data, cada um aproveite a sua, e que se no dito tempo assim não fizer os poderá dar a outras pessoas que as aproveitem com a dita
condição; e nas ditas cartas que assim der irá trasladada esta minha carta, para se saber a todo o tempo como o fez por meu mandado e lhe será
inteiramente guardada a quem a tiver, e porque assim me praz lhe mandei passar esta minha carta por mim assinada e selada com o meu selo pendente.
Dada na vila de Castro Verde aos 20 dias do mês de novembro. Fernanda Costa a fez. Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos
e trinta anos. - Rei".
- Todos os textos deste Apêndice vão transcritos conforme os documentos
constantes do Arquivo Histórico Municipal de Cubatão.
- O leitor curioso que deseje observar "in loco" as divisas das três primeiras
sesmarias brasileiras e o primitivo Caminho de Piratininga poderá fazê-lo, com muito proveito e agrado, utilizando os seguintes pontos principais de
observação:
Área do Porto
da Ultrafértil e da Cosipa.
Área da Indústria
Bayer.
Área da Indústria
Union Carbide.
Área da Refinaria
"Presidente Bernardes".
Área da Light,
com aproveitamento, no planalto, dos caminhos de conservação das torres em direção à serra.
Caminho ao longo
do Rio Pequeno, com acesso próximo da torre da Rádio Eldorado.
Torre da Telesp e
retransmissor da TV Tupi - Canal 4, com vista panorâmica simultânea do Planalto e da Baixada.
Elevados da
Rodovia dos Imigrantes.
BIBLIOGRAFIA
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Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Volume 29. São Paulo, 1932.
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