Refinaria Presidente Bernardes (RPBC), no ano seguinte à sua instalação em Cubatão
Foto: Boris Kauffmann, no Guia Santista 1956 (Tourist
Guide to Santos)
Petróleo: a história começa em Cubatão
Walter Hori (*)
Colaborador
A população brasileira, em 1954, não chegava a 55
milhões de habitantes. Dez milhões viviam no Estado de São Paulo, sendo dois milhões na Capital que, com o rótulo de "a cidade que mais cresce no
mundo", comemorava o Quarto Centenário. Santos, o mais importante porto da América Latina, estaria em torno de 200 mil.
A maior parte da receita cambial brasileira vinha da
exportação do café e a Rua Quinze, em Santos, era o agitado centro dos negócios cafeeiros.
O declínio do café foi a explicação para a redução dos investimentos na malha
ferroviária, onde nem mesmo a moderna Companhia Paulista de Estradas de Ferro escapou à fúria da política voltada
para o sistema rodoviário.
A Via Anchieta surgia como uma das melhores
rodovias do mundo. Tudo era importado: caminhões, automóveis, combustíveis e até mesmo o asfalto que substituiria o cimento na pavimentação. O
consumo nacional de combustível era da ordem de 70 mil barris por dia (barril = 159 litros).
Nessa época, iniciava-se, em Cubatão, a fase pré-operacional da Refinaria de Petróleo,
visando, numa primeira etapa, processar diariamente 45 mil barris de petróleo. A empresa americana Hydrocarbon Research Inc. era
a responsável pelo projeto, montagem e início do processamento, ficando o fornecimento de equipamentos para um consórcio francês, Fives-Lilie &
Schneider.
No sopé da serra, junto ao pontilhão do Caminho do Mar,
barracões de madeira acomodavam da melhor forma possível o centro de treinamento, sala de projetos e restaurante.
A Petrobrás estava recrutando pessoal para a área de refino, exploração e transporte
de petróleo e derivados.
A preocupação maior era formar profissionais qualificados para aceitar o desafio de
trocar o romantismo político de "O Petróleo é Nosso" pela realidade industrial, que iria facilitar o modo de vida da população brasileira.
Profissionais de nível médio foram preparados no Centro de Treinamento de Cubatão e
naquela oportunidade muitas empresas e estabelecimentos educacionais abriram suas portas para estagiários da Petrobrás. O Senai ajudou nessa
formação de mão-de-obra especializada. No Rio de Janeiro, o Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisas de Petróleo (Cenap) preparava os engenheiros.
Novas profissões - Surgem, com o advento da Petrobrás, dezenas de novas
profissões: engenheiros e operadores de processamento, instrumentistas, inspetores de equipamento, operadores de transferência e estocagem,
operadores de utilidades, analistas de laboratório, mecânicos de máquina, encanadores industriais, montadores etc.
Estávamos começando uma atividade que implicaria modificar os hábitos dos jovens
contratados, tirando-os dos programas sociais, do convívio familiar nos fins de semana e, ainda, colocando-os em trabalho noturno, que exigia
elevada bagagem de conhecimento e atenção. Cada um tinha que ter alto grau de responsabilidade, pois um descuido poderia ser irreversível.
No início, recrutar trabalhadores para tarefas dessa dimensão seria inviável sem o
atrativo salarial. Usando o preço de um jornal como parâmetro, poderíamos dizer que um operador de processamento em início de carreira ganhava o
suficiente para comprar 3 mil jornais. E não era nenhum marajá. Hoje, o ocupante dessa função não conseguiria comprar 800 exemplares.
No mês de fevereiro do ano seguinte, o Laboratório da Refinaria Presidente Bernardes
analisava as primeiras amostras de derivados de petróleo produzidos em Cubatão. O pessoal da Hydrocarbon Research Inc. (HRI), altos salários,
morando no outrora luxuoso Parque Balneário Hotel, colocava em operação a primeira Unidade da Refinaria, com
uma vazão de 13 mil barris por dia.
Toda produção brasileira de petróleo vinha do Recôncavo Baiano e, para completar a
carga diária, o País importava da Venezuela e da Arábia Saudita.
Inaugurada oficialmente em 16 de abril de 1955, a Refinaria Presidente Bernardes
prestava homenagem ao ex-presidente da República Artur Bernardes, falecido no mês anterior.
Artur Bernardes foi um grande defensor da política nacionalista do petróleo. Em
conferência pronunciada no Clube Militar, em abril de 1948, citado por M.T. de Carvalho Brito Davis, dizia Artur Bernardes: "A distribuição do
combustível em nosso país acha-se praticamente em mãos das grandes companhias estrangeiras que importam petróleo refinado, oriundo em geral de seus
próprios campos petrolíferos e usinas no estrangeiro, ao preço do mercado mundial, sobre o qual são incluídos lucros extremamente elevados".
Incompatibilidade - À época, os interesses internacionais estavam voltados para
o Oriente Médio, que sozinho era capaz de abastecer o mercado mundial.
Nos primeiros anos, projetos originais da firma montadora resultaram incompatíveis com
a segurança industrial, provocando, lamentavelmente, as primeiras baixas. Foram vidas que cedo deixaram nosso mundo e, como nós, estavam empenhadas
em colaborar com um promissor empreendimento brasileiro.
Logo que os brasileiros assumiram o total controle operacional, foi preciso muito
estudo, acúmulo diário de novas técnicas, treinamentos simulados, revisão no lay-out dos equipamentos para que se montasse uma base segura e
que a qualidade dos produtos não custasse a vida das pessoas e nem a destruição do patrimônio.
Cubatão passou a produzir os principais derivados de petróleo consumidos na região.
Vamos, como parte desta história, lembrar da transformação provocada pelo mais social dos combustíveis: o gás liquefeito do petróleo.
Naquela época, o brasileiro comum desconhecia o uso de gás de petróleo no preparo
diário de seus alimentos. Em Santos, apenas pequena parcela da população recebia gás encanado, fornecido pelo
gasômetro da Campos Sales. A maioria queimava lenha ou carvão ou ainda utilizava-se das perigosas espiriteiras, espécie de aquecedor a álcool.
As queimadas voluntárias ou involuntárias, que hoje preocupam o País, não faziam parte
dos noticiários, porquanto diariamente árvores eram sacrificadas para virar combustível doméstico, industrial ou ferroviário.
Centro de Controle de Operações do Terminal de Derivados de Petrobrás,
em Cubatão, em 13/11/1980
Foto: Frazão - Assessoria de Comunicação Social da Petrobrás
Gás - A Refinaria Presidente Bernardes iniciava o fornecimento de gás
liquefeito, entregando 12 toneladas aos representantes da Companhia Brasileira de Gás. Era a modernização chegando aos lares brasileiros. Era a
cozinha limpa, a casa sem fumaça e a floresta preservada.
O gás liquefeito, de imediato, foi responsável pela criação de milhares de empregos no
setor privado. Surgiram grandes distribuidores e transportadores de gás, fábricas de botijões, construtores e montadores de tanques e cilindros para
armazenamento. Os mais variados e eficientes tipos de fogão passaram a ser produzidos com conhecimentos tecnológicos avançados para oferecer
produtos de qualidade.
O treinamento persistente, e a união da ousadia dos jovens com a experiência dos mais
velhos, permitiram que, ao longo destes 40 anos, a empresa continuasse cumprindo seus objetivos, mesmo com a total renovação que a aposentadoria
provocou no seu quadro de pessoal. A Refinaria Presidente Bernardes treinou e exportou técnicos e tecnologia para outras refinarias, que foram sendo
instaladas, e muitos partiram daqui para trabalhar nos campos de exploração e nas plataformas marítimas. A Refinaria Presidente Bernardes serviu de
base para estagiários das mais variadas modalidades profissionais. Enfim, na história socioeconômica do Brasil não deve faltar esta página de
Cubatão.
Injustiça - Não podemos imaginar a vida moderna sem os inúmeros produtos
derivados do petróleo. O gás liquefeito, o diesel no transporte de carga e de passageiros, o óleo combustível industrial, a gasolina automotiva e o
querosene de aviação são produtos estratégicos, pois ainda faltam no cenário mundial sucedâneos limpos, seguros e de baixo custo para combustíveis
líquidos e gasosos.
O Brasil hoje tem 160 milhões de habitantes e o consumo de petróleo já atinge a casa
do milhão e meio de barris por dia.
Se na década de 1950 qualquer explicação era aceita para a construção da refinaria,
hoje cada um procura atrair para seu estado, através das lideranças políticas ou da propaganda sistemática, a instalação de uma Planta de Refino. É
o reconhecimento da importância do empreendimento para a região e da qualidade técnica proporcionada pela Petrobrás.
São fatos que convergem para a reconsideração de alguns conceitos injustos, e às vezes
impensados, contra aqueles que ajudam a produzir a riqueza nacional.
Temos certeza de que, com o apoio da sociedade brasileira, apontando as falhas e
propondo soluções técnicas e viáveis, para a preservação e constante crescimento deste patrimônio estratégico, dentro de uma refinaria, nos navios,
nas selvas, na solidão das plataformas marítimas, nos terminais de carga e descarga, no controle dos oleodutos, nos escritórios, nas pesquisas ou
nos mais distantes lugares deste país, sempre haverá um petroleiro comprometido com o abastecimento nacional de combustível.
(*) Walter Hori é engenheiro e ex-empregado da
Refinaria de Cubatão. |