O Projeto da Serra do Mar e a Usina da Light em Cubatão
Certa ocasião, Franklin D. Roosevelt afirmou que, nos
tempos modernos, o desenvolvimento de uma nação pode ser medido pelos índices de consumo de energia elétrica em todos os setores de suas atividades
sócio-econômicas, uma vez que "a eletricidade é algo mais do que uma simples necessidade: ela é o próprio sangue de um povo sedento de progresso".
É exatamente no campo da eletricidade (e de seu consumo) que Cubatão revela a pujança
de seu crescimento, tendo para isso contribuído dois fatores de capital importância: primeiro, o ter-se instalado em seu território um dos maiores
conjuntos hidrelétricos do mundo (N.E.: o texto é de 1970, anterior ao surgimento da usina de Itaipu, entre outras)
- a Usina Henry Borden - responsável pela projeção da cidade para muito além das fronteiras do Estado e do País; segundo, o do suprimento de energia
elétrica, que, nessa região, também é feito pela Light Serviços de Eletricidade S.A., empresa que abastece a capital bandeirante e outros 92
municípios paulistas, mineiros e fluminenses e todo o Estado da Guanabara, abrangendo uma população global de 14 milhões de habitantes.
Pode, pois, Cubatão, com muita justiça, orgulhar-se de contar com as mesmas
disponibilidades de energia que fomentam o progresso de uma região que é, sem favor algum, considerada como a mais progressista do Hemisfério Sul.
O projeto da Serra do Mar - A população da metrópole bandeirante que, ao
entrarem em funcionamento os dois primeiros geradores da Light, em Santana do Parnaíba, em 1901, era de 239.000 almas, atingira em 1923 a 820.000
habitantes, cujo nível de vida apresentava contínua e acentuada melhoria.
Então, para serem dinamizados e completados os estudos que, desde 1911, haviam sido
empreendidos nas áreas de Itapanhaú e Alto Juquiá, sob orientação do eng. Charnley, foram confiados ao emérito eng. A. W. Billings, que, com a
colaboração proficiente do eng. F. S. Hyde, fez evoluir os planos iniciais até a concepção que, concretizada, constitui, indubitavelmente, ainda
hoje, um dos feitos máximos da engenharia hidrelétrica na orbe: a suplementação, para o acionamento das turbinas instaladas no sopé da serra de
Cubatão, dos modestos percursos representados pelo aproveitamento de um rio da vertente oceânica - o das Pedras - pelos caudalosos resultados do
lançamento para a encosta marítima das águas captadas em 5.600 m² da bacia do Tietê.
É, praticamente, o aproveitamento de desvio para o Atlântico, num salto de 720 m, do
débito total do "rio das Monções" na barragem de Pirapora, implantada 55 km a jusante de São Paulo.
O projeto, genial na sua simplicidade utilizadora de um complexo de condições
excepcionalmente favoráveis, foi apto a atender em delongado período ao rush industrial paulista - sem dúvida, um fato notável na história da
Humanidade nas últimas décadas.
As elevadas precipitações pluviais da orla do Planalto bandeirante (que se inscrevem
entre as mais altas do mundo), a conformação topográfica e as condições geológicas extremamente propícias ao projeto de inversão da corrente dos
cursos e à açudagem, a proximidade da usina do grande centro de carga, o reduzido valor de produção das terras a submergir e o extraordinário
desnível oferecido pela escarpa oceânica, constituíram a soma de elementos favoráveis que levaram Billings a propor-se transformar o ressalto
litorâneo, que durante quatro séculos fora entrave ao progresso das Terras Altas, em fator decisivo de seu desenvolvimento.
O potencial do Tietê, que modesto seria se explorado junto à fímbria do Altiplano, é
multiplicado dezenas de vezes pelo lançamento das águas na Baixada Santista, encurtando-lhes para bem menos de cem o estirão de três mil quilômetros
que teriam de percorrer para atingir o estuário do Prata.
A fim de criar as possibilidades de instalação, nas duas secções - uma de superfície,
outra subterrânea - da Henry Borden, da capacidade de 900.000 kw (ainda hoje, o maior conjunto gerador em total operação no Hemisfério Austral),
numerosas obras correlatas se tornaram necessárias, muitas delas de per si benéficas à coletividade usuária dos serviços da empresa.
Entre as principais, justo é destacar o canal de Pinheiros, que - destinado a
facilitar a adução de águas, por bombeamento, ao reservatório Billings - integrou na paisagem urbana da metrópole bandeirante 25.000.000 m²
conquistados num vale que se apresentava inteiramente inapto à ocupação humana, sujeito que era aos percalços de desastrosas e repetidas inundações.
Essa área foi aterrada até acima das cotas de enchente máxima anteriormente
registradas, com o material proveniente da escavação de uma hidrovia com 24 km de comprimento e secção para o escoamento de 240 m³/s, substituta do
curso natural - que, divagante na formação sedimentária, ao atingir o modesto débito de 90 m³/s, inundava a planura ribeirinha. O progresso de São
Paulo ostenta nesses recuperados alguns aspectos mui expressivos, como a Cidade Universitária, um estuante complexo fabril e formosos bairros
residenciais.
Outro benefício indireto advindo das obras da Serra é a atenuação da ameaça de
inundações das áreas marginais ao Tietê na Capital, pelo represamento de parte da bacia e o desvio, por bombeamento, através do canal de Pinheiros,
de parcela considerável das vazões do rio que foi "caminho para o sertão".
A própria criação de condições sanitárias que permitiram levar a bom termo a
construção da casa de força no sopé da Serra - onde a incidência de malária, na época das obras iniciais, era tal que cientistas do porte de Arthur
Neiva se manifestaram apreensivos quanto às possibilidades de êxito do empreendimento - se constituiu num feito notável e pródigo de ensinamento.
É, assim, a usina Henry Borden, o marco de inserção no panorama econômico do País, em
outros tempos agressivo e insalubre, trato da planície litorânea que aloja a imponente concentração industrial de Cubatão, onde tem destaque a
Refinaria Presidente Bernardes, da Petrobrás.
A usina Henry Borden - exemplo raro de elevada potência resultante de tão considerável
desnível, 720 m - tem a responsabilidade de suprimento de energia indispensável à evolução do Planalto Paulista partilhada, principalmente, com a
termoelétrica Piratininga. Esta, com 450.000 kW, é a imprescindível complementação térmica que, independente de fatores meteorológicos, assegura, em
porcentagem elevada, a continuidade de fornecimento num sistema que se agigantou.
As obras mencionadas (que representam os empreendimentos do Grupo Light somente no
Estado de São Paulo) - em cuja execução foram sistematicamente adotados os padrões da técnica mais evoluída na época da realização de cada uma - são
comprovantes incontestáveis de que a organização, que as levou com sucesso a termo, habilitada estaria em prossegui-las nas proporções mais amplas
exigidas pelo extraordinário crescimento do complexo de produção que delas recebeu energia. |