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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO: BILLINGS & BORDEN
A usina proibida

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Com as mudanças na política governamental para o setor de água e esgotos na Grande São Paulo, criou-se uma situação no mínimo curiosa, mas que chega às raias do absurdo: num país carente de energia elétrica, uma usina já instalada é proibida de gerar energia. A história foi contada na edição de 7 de setembro de 2003 do jornal santista A Tribuna:


Construída há 80 anos, a usina poderia gerar 800 megawats, o suficiente para abastecer uma cidade com dois milhões de habitantes
Foto: José Moraes, publicada com a matéria

HENRY BORDEN
Modernizada, usina é proibida de funcionar

Motivo é a poluição da Represa Billings, cujas águas fariam acionar as turbinas

Manuel Alves Fernandes
Da Sucursal

O Estado de São Paulo é um dos poucos lugares do mundo que mantém uma hidrelétrica ociosa, numa época em que o temor de apagões, por deficiência do sistema de energia (que cobra preços elevados), faz parte do cotidiano do brasileiro. Por força de um artigo da Constituição Estadual, o Governo está impedido de utilizar as águas poluídas da Represa Billings, cuja precipitação serra abaixo é essencial para gerar eletricidade no complexo da Usina Henry Borden, localizado em Cubatão.

Construída há 80 anos por um canadense que idealizou um sistema simples (formado por um reservatório cujas águas retidas gerariam eletricidade), a usina passou por renovações tecnológicas e tem capacidade para gerar até 800 megawats de energia no pico de funcionamento, e 400 megawats na média, potências suficientes para iluminar uma cidade de até dois milhões de habitantes.

Porém, desde 1992 (embora permanentemente ligada), opera com uma carga mínima de água que gera 35 megawats. A única alternativa para retomar a produção de energia, respeitando a exigência da Constituição, é despoluir a represa (contaminada pelos esgotos do ABC) e também as águas dos rios Tietê e Pinheiros, que antes enchiam a represa e hoje, por causa da carga de poluentes, são desviadas para o Alto Tietê.

A favor - O Governo do Estado encontrou uma solução paliativa para o problema: a Empresa Metropolitana de Águas e Energia Elétrica (Emae) instalou na usina de Pedreira duas estações de tratamento em condições de iniciar, experimentalmente, a flotação (um sistema químico de tratamento) das águas do Rio Pinheiros (poluídas por esgotos), para lançá-las, já despoluídas, na represa.

O secretário estadual de Meio-Ambiente, José Goldemberg, defende essa proposta. A etapa experimental do processo envolve a flotação de 10 m³ de água por segundo, possibilitando a limpeza de cinco quilômetros do canal do Rio Pinheiros. Se o sistema funcionar a contento, a Emae terá um indicativo de que o prosseguimento do sistema garantirá, com o tempo, a limpeza da represa e a retomada do bombeamento de 50 m³/s de água pela Henry Borden, que é o regime que a usina usava para gerar energia até 1992.

Porém, uma ordem liminar concedida pelo Juízo da 13ª Vara da Fazenda Pública (atendendo a objeções técnicas levantadas à realização do teste pelo Ministério Público) impede que esse sistema entre em operação, mesmo que experimentalmente, segundo o secretário.

Contra - Para o promotor de Justiça de Meio-Ambiente da Capital, Geraldo Rangel de França Neto (ex-promotor ambiental em Cubatão e um dos autores da ação), o sistema de flotação é comprovadamente limitado e não retira da água todas as substâncias químicas, notadamente as mais perigosas (cancerígenas e mutagênicas), e a Sabesp não tem condições de fazer o tratamento convencional. Ele assinala que a flotação é apenas um sistema clarificador das águas, de efeito estético. E considera o teste de 10 m³/s tecnicamente imprestável para servir como parâmetro para o bombeamento a 50 m³/s, "posto que são situações incomparáveis".

A Justiça se baseou no "princípio da precaução" para proibir o teste. Um argumento que não se justifica, segundo o secretário Goldemberg, porque todos os anos são bombeadas para a Billings grandes quantidades de águas dos rios, sem tratamento, além dos esgotos de 700 mil habitantes (que residem na região da grande ABC).

Em artigo publicado recentemente no jornal O Estado de São Paulo, o secretário considera que estamos "diante de uma tempestade em copo d'água, que possivelmente tem por objetivo embaraçar a administração do Estado".

De acordo com ele, o bom senso indica que a Justiça devia permitir o teste do sistema já instalado.

 

Na década de 80 as águas desciam misturadas com espuma

 

Só quando há cheias as águas são bombeadas

Quando foi construída para gerar a energia que permitiu a industrialização de São Paulo, a usina usava o reservatório preenchido pelas águas (na época ainda limpas) de diversos rios, entre eles o Tietê (bombeadas através do canal do Rio Pinheiros). Com o tempo, as águas tornaram-se sujas, a ponto de, na década de 80, descerem pela tubulação da usina cobertas de espuma: uma paisagem comum, hoje, em Pirapora do Bom Jesus, no Alto Tietê.

O Governo só pode bombear as águas dos rios Tietê e Pinheiros para a represa nos períodos de verão (para evitar cheias), quando as enchentes obrigam o lançamento de 150 m³ por segundo a 300 m³/s, durante horas e, por vezes, dias.

A proibição só poderá ser revista quando os rios Tietê e Pinheiros forem despoluídos. Conforme o secretário estadual de Meio-Ambiente, José Goldemberg, cerca de 50 m³/s de esgotos ainda são lançados nos rios da Região Metropolitana de São Paulo. Somente 60% dos esgotos da Capital recebem tratamento. Todos os demais municípios poluem os rios que deságuam no Pinheiros e no Tietê, e alguns lançam esses poluentes diretamente na represa.

Flotação - Goldemberg assinala que, mesmo após grandes investimentos para a coleta e tratamento desses esgotos, as águas provavelmente não atingirão a qualidade exigida para o retorno do bombeamento para o reservatório Billings.

"A única alternativa, no momento, é utilizar a experiência da flotação", assinala. O sistema de flotação é uma antecipação da etapa que objetiva a recuperação da qualidade das águas do Rio Pinheiros.

Trata-se de uma combinação de processos físicos e químicos, por meio dos quais se promove a aglutinação do material sólido em suspensão presente nas águas poluídas (chamada de floculação), e a sua ascensão pela insuflação de ar na forma de microbolhas. A partir daí, é feita a remoção do lodo pela superfície da água.

O experimento foi usado em testes no Canal do Rio Pinheiros, entre 1998-99, para regar as árvores do projeto Pomar, na Capital.

CONFIANÇA

"É uma das usinas mais eficientes do mundo,

por conta do alto rendimento"

Paulo Sérgio de Ponte, engenheiro

Complexo conta com 14 grupos de geradores

O complexo da Usina Henry Borden, localizado no sopé da Serra do Mar, em Cubatão, é composto por duas usinas de alta queda (720 metros) denominadas de externa e subterrânea. Existem 14 grupos de geradores acionados por turbinas Peltin, perfazendo uma capacidade instalada de 889 megawats, para operar a plena carga, com uma vazão de 157 m³/s.

Segundo o engenheiro Paulo Sérgio de Ponte, gerente do Departamento de Operações Hidráulicas da Emae, mesmo diante do impedimento de usar as águas da Billings, a Henry Borden não está parada.

"É uma das usinas mais eficientes do mundo, por conta do alto rendimento, e altamente estratégica para o sistema. Só não está gerando na sua capacidade máxima por conta das restrições do bombeamento".

As máquinas estão constantemente ligadas, prontas para atender a uma emergência no sistema de fornecimento de energia ao qual estão interligadas. A usina gera em média 35 megawats diários. Cada uma das 14 máquinas "engole" 10 m³/s de água em condições normais para produzir energia a plena carga.

Canadense - Com as restrições de só usar 35 m³/s de água, cada máquina utiliza de 3 a 4 m³/s. A usina gera energia de forma ativa (para consumo) ou reativa, para ser lançada no sistema interligado e destinado à correção do fator de potência das linhas. Ou então para atender a pedidos da Sabesp, para usar a água no abastecimento da região, depois de tratada. A usina entra em operação, em questão de minutos, para regulação de cargas ou estrategicamente, num blecaute.

A unidade externa foi idealizada, juntamente com o conjunto do lago artificial (para alimentar a usina), na década de 20, por um canadense cujo nome acabaria sendo dado à represa: Asa Billings. Inaugurada em 1926, a primeira unidade da mais antiga das usinas possui oito condutos forçados externos e uma casa de força convencional. As demais unidades, instaladas até 1950, num total de oito grupos geradores, têm capacidade para gerar 469 megawats.

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