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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Os cinco Manoéis e a memória legislativa

Desde a chegada dos portugueses de Aveiro, seguida pelos nordestinos e outros imigrantes, e a criação do Município em 1949, Cubatão tem muitas histórias para contar, que vêm sendo recuperadas pelo Legislativo municipal, como relatou em 1998 o então presidente da Câmara de Vereadores, Ivaniel de França Abreu, em entrevista ao suplemento especial comemorativo do 49º aniversário de Cubatão, publicado com o jornal santista A Tribuna em 9 de abril de 1998:

Primeiros legisladores de Cubatão
Foto: reprodução, in jornal A Tribuna, 9/4/1998, caderno especial Cubatão 49 anos

"Cidade precisa resgatar sua memória"

Vereador está empenhado na criação do Arquivo Histórico do Poder Legislativo

Velhos portugueses da época dos cinco manoéis deram lugar aos nordestinos e mineiros, formando a nova identidade de Cubatão. Assim nasceu e cresceu a Cidade que recebeu - por uma decisão estratégica do Governo Federal - o primeiro pólo petroquímico do País. Despertar o interesse dos jovens para essa história é o principal objetivo da Câmara, nos 49 anos de emancipação.

Ivaniel arquiva documentos sobre o Legislativo cubatense
Foto de José Morais, jornal A Tribuna, 9/4/1998

A iniciativa é do vereador João Ivaniel de França Abreu, um pernambucano que veio ainda criança para a extinta Vila Parisi e acaba de se bacharelar em Direito, depois de uma infância e adolescência de muito trabalho nas indústrias.

Ivaniel quer despertar nas crianças e adolescentes o mesmo amor que sempre teve pela Cidade onde nasceram seus filhos. Ele diz que se sentirá gratificado quando essa juventude sentar nas mesmas cadeiras onde a primeira Câmara instalou os seus vereadores.

A Tribuna - Qual o objetivo da proposta de preservar a memória política de Cubatão?

João Ivaniel de França Abreu - Lamentavelmente, nunca houve um trabalho dessa natureza em Cubatão. Cheguei aqui em 1972 e sempre tive a curiosidade de conhecer a história desta Cidade e senti dificuldades, porque o próprio Poder Executivo nunca se preocupou em preservar a memória do povo que construiu tudo isso, alcançou a autonomia e estabeleceu este pólo industrial. Por isso, propus à Câmara criar um espaço destinado a essa atividade, para conhecimento da população mais jovem, principalmente. A Cidade precisa resgatar sua memória.

AT - Qual foi a receptividade a essa idéia?

Ivaniel - Tive o apoio de todos os vereadores e ex-vereadores, de funcionários da Câmara e, principalmente, da comunidade, de parentes, amigos e de figuras históricas ainda vivas. Em alguns depoimentos cheguei a me emocionar. Temos hoje um acervo respeitável que tende a crescer.

AT - Como era Cubatão na época da luta pela autonomia?

Ivaniel - Depoimentos e documentos indicam que tínhamos uma população totalmente diferente da de hoje. A maioria era portugueses de Aveiro e seus descendentes, e também italianos e espanhóis, que se dedicavam à agricultura e extração de areia, ou trabalhavam no DER, na conservação e construção de estradas, principalmente da Via Anchieta. Essa origem predominou entre a população até o começo da construção do pólo industrial, entre 1950 e 1960, quando chegaram os nordestinos e os mineiros, para construir e ampliar as fábricas. Hoje essa população precisa exteriorizar sua cultura, usos e costumes. Recentemente, demos o nome de Frei Damião a uma das praças da Cidade e lá pretendemos, com o apoio do prefeito, desenvolver atividades culturais dessa região.

AT - Mudaram, então, a cultura e a predominância demográfica?

Ivaniel - Pode-se dizer que sim. Na década de 70, quando a expansão do pólo estava no auge e se construiu a Imigrantes, a população flutuante de trabalhadores atingiu o auge, e a origem era principalmente nordestina e predominantemente masculina. Com a estagnação do pólo, muitos desses trabalhadores ficaram e constituíram famílias em Cubatão. Hoje temos 60% de uma população jovem (faixa de até 29 anos) vivendo na Cidade e 80% da população com menos de 49 anos de idade. Eu próprio sou exemplo dessa situação. Vim pequeno de Pernambuco e conheci aqui a minha esposa, que veio de Minas Gerais. Os meus filhos que aqui nasceram são parte dessa população jovem.

AT - Como se chamará esse espaço?

Ivaniel - Arquivo Histórico do Poder Legislativo. O objetivo não é apenas resgatar a memória, mas, sobretudo, fazer com que a nossa população adquira uma identidade junto com a sua cidade, principalmente a jovem. Há um certo descrédito da população jovem a respeito da vida política da Cidade. A maioria não quer saber disso, não está preocupada com isso. Mas, esses jovens é que serão amanhã os prefeitos e os vereadores de Cubatão.

AT - O arquivo presta homenagem aos emancipadores?

Ivaniel - Não apenas aos emancipadores, mas, também, aos primeiros vereadores e demais autoridades. Vamos dar a esse espaço, localizado no andar superior das galerias, abertas ao público mediante consulta, o nome do último emancipador vivo, Lindoro Couto, conforme projeto de resolução aprovado por unanimidade pelos vereadores. E mandamos recuperar todos os antigos móveis da primeira Câmara, para guardar esse acervo. Ali, vamos afixar também os nomes de todos os vereadores da época e dos suplentes que assumiram o cargo. Vamos descerrar um quadro pintado por Neide Pinho, artista de Cubatão, com os emancipadores de Cubatão. Esses homens tiveram participação decisiva na memória da nossa Cidade. Merecem toda a nossa gratidão e respeito. Além de Neide, também haverá exposições de Tânia Ramalho Dias e Irene de Jesus Catalice.

AT - Como se formou esse acervo?

Ivaniel - Os móveis estavam abandonados na Prefeitura. Restauramos todas as mesas e cadeiras, onde os estudantes poderão agora fazer pesquisas. Gravamos depoimentos em fita e fizemos vídeos de figuras ilustres do nosso passado. Muitos estavam esquecidos e se emocionaram ao serem lembrados. Há histórias notáveis. Tivemos o apoio de A Tribuna e TV Tribuna para que a população nos encaminhasse documentos históricos. Temos depoimentos dos três vereadores titulares da primeira legislatura ainda vivos: Mayr Godói, Gentil Jorge e Cláudio José Ribeiro e da primeira vereadora, Maria Milone. Não temos notícias de Gil Blaz. Os outros já faleceram.

Panfleto discriminava o nordestino Abel Tenório, candidato a prefeito, que acabou sendo eleito
Foto: reprodução, in jornal A Tribuna, 9/4/1998, caderno especial Cubatão 49 anos

Vereador negro foi preso no dia de sua posse

Os 49 anos e emancipação político-administrativa de Cubatão estão sendo comemorados com a instalação do Arquivo Histórico do Poder Legislativo, ocorrida ontem (N.E.:em 8/4/1998), durante a sessão solene em que foi oradora a advogada Zulaiê Cobra Ribeiro. O arquivo funciona no primeiro andar do prédio da Câmara, junto às galerias superiores e, segundo uma das suas organizadoras, Rose França de Abreu, pode ser visitado no horário de expediente da Câmara, mediante consulta prévia. Contém móveis, fotos, documentos, depoimentos gravados em vídeo e objetos pertencentes a políticos de Cubatão.

Segundo João Ivaniel de França Abreu, a maioria dos depoimentos confirma a luta política dos vereadores de Cubatão por um Município com qualidade de vida melhor para seus habitantes.

AT - Há manifestações importantes e curiosas sobre a Cidade e sua história?

Ivaniel - Sem dúvida. O depoimento que mais me emocionou foi o do ex-vereador Cláudio José Ribeiro, um nordestino humilde, de raça negra. No dia da posse, enquanto os outros vereadores foram comemorar com as famílias, ele foi preso, dormiu na delegacia.

AT - Por quê?

Ivaniel - Até hoje, ele não sabe o motivo. Tempos depois foi cassado, acusado de comunista. Assim como ele, tivemos outros casos de vereadores presos no exercício do cargo, por razões de ordem política e discordância com a elite governante, como José Edgard da Silva, Hugo Scanavaca, Sesimbra (que chegou a renunciar ao mandato, desgostoso com a situação do País) e Florivaldo Cajé. A Câmara também lutou pelo retorno da autonomia política, com destaque para os vereadores Armando Campinas Reis, Mychajlo Halajko Júnior, Florivaldo Cajé, Romeu Magalhães, Gigino Trombino e Dojival Vieira dos Santos. Eu me incorporei também a essa luta como vereador, ao assumir em 1983, dentre outros.

AT - Há também algumas histórias curiosas, pelo que demonstram os documentos?

Ivaniel - Sem dúvida. Tivemos pelo menos dois vereadores e um vice-prefeito que foram prefeitos por um dia. Na qualidade de presidentes da Câmara, assumiram os cargos Raul Santana Leite e Paulo de Souza Nogueira. E como vice-prefeito, Valdir Nascimento. Essa é uma história curiosa. Na época em que concorreu, Valdir teve mais votos que o prefeito eleito, Luiz Camargo da Fonseca e Silva (elegiam-se prefeito e vice em chapas separadas). Camargo foi cassado pela Câmara e voltou 24 horas depois por via judicial. Temos recortes de jornais e vários panfletos políticos. Na campanha política de Abel Tenório, havia um panfleto, guardado por Raul Santana Leite, que dizia: "Cubatense, não vote em cabeça chata". Não adiantou muito. O nordestino Abel Tenório foi eleito prefeito.

AT - O que foi mais gratificante nesse esforço para resgatar a memória da Cidade?

Ivaniel - Recebemos centenas de documentos e fomos procurados por ex-vereadores e por seus familiares. Quero destacar no trabalho de voluntários a participação de Arlindo Ferreira e de Marlene Ferreira Alves, que têm dedicado as suas horas vagas à busca de pessoas e documentos sobre a nossa história. Ex-presidentes de Câmara e ex-vereadores também estão dando entrevistas.

AT - Que mensagem ficará dessa iniciativa?

Ivaniel - Creio que ficará principalmente o amor e o respeito pela nossa Cidade e suas coisas. Algo assim como sempre quis o vereador Walter Monteiro Couto, que, eleito suplente, assumiu ainda na primeira Legislatura, no início dos anos 50. No leito de morte, ele fez um último pedido aos filhos. Disse-lhes que um dia, se deixassem o Município para morar em outras cidades, pelo menos mantivessem o título de eleitor, para que voltassem nos dias da eleição, para lembrar que o pai foi vereador em Cubatão.


O material relativo aos antigos políticos de Cubatão fica exposto no primeiro andar da Câmara
Foto: reprodução, in jornal A Tribuna, 9/4/1998, caderno especial Cubatão 49 anos

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