Os canhões da Fortaleza de São João, ainda na posição de tiro
Foto: Guia Histórico e Turístico da Ilha do Sol - Guarujá/SP, 1964,
reprodução pelo jornal Cidade de Santos
(filme 1150x80, de 5/3/1980)
Baluartes do Canal da Bertioga
A barra da Bertioga já foi teatro de sangrentos e
ferozes combates entre os bravos Tamoios e os primeiros povoadores que ali se instalaram, desde que o Donatário Martim
Afonso de Souza aportou nas suas águas em 1531. E, para combater os índios e outros aventureiros, foram erguidas tranqueiras ou trincheiras,
transformadas posteriormente em verdadeiras fortalezas que, no decorrer dos séculos, tiveram decisiva atuação na defesa do povoamento, surgindo
assim muitas lendas e muitas histórias fantásticas.
Dessas fortificações restaram, do lado do continente, a fortaleza de São Tiago ou São
João da Bertioga, toda de alvenaria, erguida sobre a areia da praia, à beira-mar, e onde se verificaram os primeiros combates navais de nossa
história, tendo de um lado os índios canoeiros e de outro os colonos.
Do outro extremo da barra, na Ponta da Armação, fincado sobre as rochas costeiras, foi
erguido o Forte de São Felipe ou da Paciência, que, por estar localizado na ilha de Santo Amaro (antiga Ilha do Sol), defendia melhor a entrada pelo
mar e cruzava fogo com o de São Tiago. Ambos foram baluartes de nossa Costa, verdadeiros marcos arquitetônicos conservados até a época atual.
O Forte de São Tiago - São João - Primitivamente chamado de Sant'Iago, o Forte
de São João da Bertioga remonta aos tempos da passagem de Martim Afonso de Souza pelo nosso litoral, em direção ao Rio da Prata, isso antes de
povoar São Vicente. Segundo descrição do historiador Frei Gaspar da Madre de Deus - baseado em antigas documentações -, o Donatário entrou pela
Barra da Bertioga e, já prevendo a invasão dos piratas que excursionavam pela costa brasileira, mandou erguer uma trincheira no extremo Sul junto ao
canal, na praia de Bertioga, onde deixou uma pequena guarnição.
Anos depois, a primitiva paliçada não mais existia, motivo pelo qual, em 1547, foi
levantada no mesmo local uma outra fortificação, cujo trabalho esteve a cargo dos irmãos Braga, considerados, por alguns historiadores, como os
primeiros defensores do lugar e que deram ainda à nova praça-forte a denominação de São Tiago.
Segundo a história, naquele mesmo ano de 1547, aquela fortificação sofreu o primeiro
ataque por parte dos Tamoios, que investiram contra a mesma, armados de arco e flecha, e utilizando canoas. Mas os irmãos Braga, juntamente com os
outros povoadores, resistiram heroicamente à carga de mais de mil flecheiros, marcando efetivamente a posse das terras daquela região.
Todavia, por volta de 1550, os Tamoios do Litoral Norte voltaram a atacar, destruíram
a casa-forte dos irmãos Braga e arrasaram o lugar. Anos depois, o sítio foi reconstruído, e, apesar das fortificações anteriores, a fundação do
forte é atribuída ao Governador do Brasil na época, o fidalgo Tomé de Souza. O certo é que, como forte, sua existência passou a ser contada
definitivamente a partir de 1557, quando foi reconstruído, ampliado e reforçado, merecendo, a partir de então, a denominação de forte.
Por ocasião da revolta dos Tamoios em 1563, os veneráveis padres Nóbrega e Anchieta
partiram de Santos, com destino a Iperoig, com a missão de tentar pacificar os índios. Antes de atingir o seu objetivo, a caravana (que viajava pelo
mar) fez escala em Bertioga, onde os religiosos celebraram missa na capela do Forte de São Tiago.
Dois anos depois, em 1565, coube ao padre Manuel da Nóbrega rezar missa na aludida
capela e dar sua bênção aos expedicionários liderados pelo Apóstolo José de Anchieta e os irmãos Adorno. Essa expedição seguiu para o Rio de
Janeiro, a fim de ajudar o nobre Estácio de Sá, na luta contra os franceses e os seus aliados, os Tamoios.
Devido à invasão francesa no Rio de Janeiro, a partir de 1710, o forte de
Bertioga foi novamente reconstruído e passou a ser mais aparelhado. Ao fazer referência às fortificações da Praça de Santos, em carta datada de 20
de maio de 1724 [1], o Governador da Capitania, Rodrigo Cezar de Menezes, usou
dos seguintes termos:
"Sr.: - Como pelo tempo adiante poderá o porto da Vila de Santos ser mais bem visto
das Nações Estrangeiras e de piratas, aumentando-se nele o comércio, pelas boas esperanças que nesta Capitania há de novos descobrimentos, procurei
pôr na última perfeição a fortaleza da barra da Bertioga, da mesma vila, e me parece foi a obra que se lhe fez de muita conveniência a Real Fazenda
de V. Majestade, porque, gastando-se com ela de três em três anos muito perto de quinhentos mil réis com madeiras e estacarias, ultimamente se fez
de pedra e cal, com muita regularidade e tudo o mais necessário para a sua boa defesa por um conto setecentos e setenta mil réis; e porque na outra
fortaleza grande da barra se achava a maior parte da Artilharia sem poder laborar por falta de carretas, pois estavam tão danificadas que mal podiam
sustentar o peso das peças, fiz com que se comprasse logo as madeiras para se principiar com toda brevidade a fazer as ditas carretas, tendo tudo
com mais comodidade do que se experimente nas mais praças, porém para que assim não só aquelas obras, mas as que se fazem muito necessárias na
Marinha daquele porto...".
Os canhões da Fortaleza de São João, ainda na posição de tiro
Foto: Guia Histórico e Turístico da Ilha do Sol - Guarujá/SP, 1964,
reprodução pelo jornal Cidade de Santos
(filme 1150x80, de 5/3/1980)
A fortaleza da Bertioga voltou a contar com um novo armamento em 1760, e em
1765, devido à restauração de sua capela erigida em louvor a São João, teve a sua denominação mudada de São Tiago para São João de Bertioga. Em
1770, contava com uma artilharia de seis peças de calibre 1, duas de 6, uma de 4, além de dois pedreiros de bronze [2].
Pouco depois, em 1772, estava com uma guarnição composta de soldados e, já em 1773, não pasava de um baluarte, quase coberto por espessa mata,
enquanto o armamento de suas muralhas estava reduzido a apenas cinco peças, das quais somente duas contavam com carretas.
Num velho manuscrito relatando o estado
das fortificações de Santos e da costa paulista [3], possivelmente de 1795 a
1815, e provavelmente esboçado pelo Marechal José Arouche de Toledo Rendon, que era inspetor geral de milícias e comissionado para exame das
fortificações existentes, consta o seguinte sobre a aludida fortificação:
"A fortaleza da Bertioga tem sete peças, todas desmontadas, e acho que só duas poderão
dar fogo; o quartel está arruinado e por ser muito úmido não pode conservar um só barril de pólvora, e nem tem parte onde se lhe possa fazer cômodo
para o ter sem grande risco. Nesta fortaleza por força a artilharia há de estar ao tempo e por isso precisa que o carretamem seja pintado para lhe
poder resistir. Este reduto não tem vantagem alguma mais do que servir de registro na ponta da terra firme, porque ali não defende a entrada da
barra e logo que qualquer embarcação entre da barra para dentro tem muito onde fazer desembarque e no caso de a quererem tomar (que não tem
necessidade disso) quaisquer 40 ou 50 homens a tomam.
"Pelo contrário, o forte de São Luís, que defende bem a barra, e não pode ser atacado
por terra, tem capacidade para se lhe fazer uma 'Casa de Pólvora'; os seus quartéis estão principiados e não se fará grandes despesas em acabá-los,
porém acha-se sem uma só peça; em cujos termos sou de parecer que se tirem da Barra Grande duas peças de calibre 1, uma de 18 do forte da Vigia e
uma de 8 da Estacada e creio que com estas quatro peças fica uma força suficiente para impedir a entrada de qualquer embarcação pequena, que são as
mais que podem entrar neste porto..."
Cumprindo determinação do Conde de Palma, Governador da Província, o oficial Rufino
José Filizardo e Couto - citado em Os Andradas como Porfírio José Felizardo e Costa -, esteve vistoriando aquela fortificação em 1817. Depois
de estudar detalhadamente o local, levantou uma planta para a reforma e ampliação do quartel, que foi aprovada e mandada executar pelo Conde de
Palma.
E no seu relatório, José Felizardo também fez referência ao armamento ali existente,
assim se expressando num dos trechos do mesmo: "Acham-se neste Forte 9 bocas-de-fogo, todas de ferro fundido, destas só
3 que ainda poderão servir, a saber, 2 de calibre 9 e uma de calibre 6 que é a melhor".
Em 1830, de acordo com um relatório do Marechal Daniel Pedro Muller, contava em tempo
de paz com 3 homens, mas em tempo de guerra contaria com uma guarnição composta por 1 oficial superior, 1 inferior e 20 soldados de infantaria. Por
volta de 1870 encontrava-se sob o comando do capitão Manoel do Espírito Santo Guimarães, e, em 1873, tinha no seu comando o alferes Antonio Plácido
Guimarães Cova.
A 25 de setembro de 1887, ocorreu a exoneração do alferes honorário do Exército,
Severino Veríssimo de Lima, do cargo de comandante da fortaleza de Bertioga, a seu pedido. E, a 16 de outubro daquele ano, o tenente reformado do
Corpo Policial Permanente da Província, Antonio Joaquim Dias, foi nomeado comandante daquela praça-forte.
Apesar de ter sido reformado em outras vezes no decorrer dos anos, o Forte de São João
sofreu o peso dos séculos e quase ficou em ruínas. Entretanto, foi totalmente restaurado a partir de 1945 pela Diretoria de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, ficando igualmente sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico de Guarujá-Bertioga, que posteriormente instalou no local o
Museu "João Ramalho".
NOTAS
[1] Documentos
Interessantes, vol. XXXII - pág. 71.
[2] Major Manuel Eufrázio de
Azevedo Marques, Apontamentos Históricos, Geográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo, pág. 274.
[3] "Sobre as fortificações
da costa marítima da Capitania de São Paulo", título de um manuscrito sem data ou assinatura, encontrado entre os papéis do Marechal Arouche,
provavelmente dos anos de 1797 a 1816 (Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, vol. XLIV, págs. 303/308).
As guaritas do Forte de São João permanecem firmes,
como se fossem eternas vigilantes da Barra da Bertioga
Foto: Guia Histórico e Turístico da Ilha do Sol - Guarujá/SP, 1964,
reprodução pelo jornal Cidade de Santos
(filme 1150x80, de 5/3/1980),
e publicada em Fortes e Fortificações do Litoral Santista, de J. Muniz Jr.,
Santos/SP, 1982
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