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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 74

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 581 a 589:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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SEXTA PARTE (1926-1935)

Capítulo LXXIV

J. X. Carvalho de Mendonça

Neste decênio entrou a Companhia em vida normal, sem os tropeços e vicissitudes que caracterizaram os anteriores.

É o último desta resenha histórica. Para o passado ficou o período incandescente. Ia aparecer uma impugnação de relevo, mas seria fugaz. É que se consolidou expressamente o regime, que se vinha processando, da Companhia como exploradora do porto e não apenas construtora de uma doca, ampliando-se aquele em vez de se fazer um cais ou porto concorrente, não distante.

Caracterizou-se também esse período pelo falecimento do último dos colaboradores iniciais, J. X. Carvalho de Mendonça; por uma maior agitação do elemento operário, com consequência de reivindicações sociais crescentes; pela repercussão dos movimentos revolucionários de 1930 no país e 1932 em São Paulo; pela refutação final e cabal de taxas extorsivas, mais caras do mundo etc. Mas o traço essencial foi aquele, a compreensão, por parte de São Paulo, de que a evolução do porto amadureceu com a confirmação do ponto de vista da empresa, que era também o do interesse do Estado e seu hinterland.

Na vida administrativa da Companhia, poucas alterações, fiel à regra de que mudar, só para melhor e assim mesmo em determinadas condições. O espírito de Gaffrée & Guinle presidia ainda, nos sucessores, ao desenvolvimento da empresa. Não estava aí uma das maiores razões do êxito desta?

Reformaram-se de novo os estatutos. A primeira vez foi em assembleia geral extraordinária de 18 de outubro de 1926. Assim, no artigo 4º, constituiu § 1º a alínea "toda a ação é indivisível com referência à Sociedade", passando a ser § 2º o então parágrafo único. No artigo 5º foi o texto substituído pelo seguinte:

§ 4º - Ao diretor-presidente competirá:

a) Representar a sociedade em todas as suas relações com a administração pública e com terceiros; representá-la em juízo nas ações por ela, ou contra ela, intentadas; constituir mandatário para fins determinados, que o represente em juízo ou fora dele, podendo ser nomeado, como tal, qualquer dos diretores;

b) Executar e fazer cumprir as resoluções das assembleias gerais.


§ 5º - Ao diretor-gerente caberá:

a) Dirigir todos os serviços a cargo da Companhia, quer de tráfego quer de construção;

b) Representar a Sociedade em suas relações com a administração pública, sem prejuízo de igual função concedida ao diretor-presidente, no § 4º, letra a.

§ 6º - As atribuições dos outros diretores serão estabelecidas pela diretoria.

§7º - Cada diretor caucionará a responsabilidade de sua gestão com (200) duzentas ações.

§8º - O diretor-presidente e o diretor-gerente serão substituídos nos seus impedimentos temporários, ou ausência, pelo diretor que a diretoria designar, sendo permitido, nesses casos, que o diretor-gerente acumule o caro de presidente e este o daquele.

§ 9º - A remuneração dos diretores será fixada pela assembleia geral, podendo ser alterada quando convier.

O diretor-gerente terá uma remuneração especial arbitrada pela diretoria de acordo com o Conselho Fiscal, além da que se refere este § 9º. Esta remuneração especial poderá ser modificada do mesmo modo, quando convier.

§ 10º - As ações da Companhia e as debêntures por ela emitidas serão assinadas por dois diretores indistintamente.

O artigo 7º foi modificado no sentido de se suprimir o parágrafo único, cujo espírito passou a constituir o artigo 10º, com redação nova. Modificou-se o artigo 9º para o fim de acrescentar as palavras finais "ou em igual prazo, apresentando certificado de depósito em poder de estabelecimento bancário idôneo, a juízo da diretoria, designando-se os respectivos números dessas ações". O artigo 10º passou a determinar que o ano social começaria em 1º de janeiro e iria até 31 de dezembro. Aos artigos 11 e 12 substituíram-se os seguintes:

Art. 11 – Continuará a ser constituído o fundo de amortização, na forma do § 4º do artigo 1º da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, que deverá atingir a soma de cento e cinquenta e cinco mil contos de réis (155.000:000$000), no fim do prazo da concessão, de acordo com o que foi deliberado na assembleia geral extraordinária realizada no dia 30 de abril de 1923.

Parágrafo único – Além desse fundo de amortização, que se refere ao capital cuja conta está encerrada, um fundo suplementar será iniciado ao se findar o decênio 1926-1936, sobre o qual a assembleia geral deliberará oportunamente e cuja importância, no fim do prazo da concessão, deverá ser igual à do capital, aprovado pelo Governo, que for despendido com a ampliação das instalações e obras de melhoramento do porto de Santos, executadas por determinação do Governo, dentro do referido decênio.

Art. 12º - Será criado um fundo de depreciação, especialmente destinado a custear as substituições e reconstruções que se tornarem necessárias nas instalações da Companhia, em virtude do tempo de uso, ou por serem obsoletas, ou ainda, por terem sofrido danos extraordinários não cobertos por seguro.

§1º - A quota anual destinada à constituição do fundo de depreciação será calculada pela diretoria, de acordo com os princípios da boa técnica, ouvido o Conselho Fiscal, e sua importância, que poderá ser modificada quando convier, de conformidade com os ensinamentos da prática, será debitada à conta de custeio do tráfego.

§ 2º - A importância do fundo de depreciação não excederá de um quarto do capital aplicado nas instalações e obras de melhoramentos do porto de Santos.

Criou-se um novo artigo 13, preceituando que a diretoria fixaria o dividendo a ser distribuído pelos acionistas, prescritos em benefício da Sociedade os não reclamados dentro de cinco anos. E os antigos artigos 11 e 12 passaram a se numerar 14 e 15. Sobre esta reforma, escreveu a diretoria (Relatório de 1927):

A deliberação da assembleia geral extraordinária de 18 de outubro do ano próximo passado, que alterou diversos artigos dos Estatutos da nossa Companhia, entrou em execução, logo que foram cumpridas as formalidades legais do registro e da publicação.

São notáveis os resultados desta reforma, que tornou mais expedito o serviço administrativo e providenciou sobre assuntos urgentes.

Deu-se a segunda reforma dos estatutos em assembleia geral extraordinária de 22 de março de 1929, versando sobre modificações nos artigos 4 e 11 e revogação do artigo 12. Em consequência, os artigos 4 e 11 passaram a ser os seguintes:

Art. 4º - O capital social é de cento e sessenta mil contos de réis (160.000:000$000), dividido em 800.000 ações de duzentos mil réis (200$000) cada uma.

§ 1º - As ações poderão ser ao portador até o limite máximo de 300.000, e uma vez ao portador não poderão ser reconvertidas em nominativas.

§ 2º - Toda a ação é indivisível em relação à Companhia. Se, porém, pertencer a duas ou mais pessoas, somente a designada pelos condôminos figurará como representante junto à Companhia.

Art. 11º - Continuará a ser constituído o fundo de amortização na forma do § 4º do artigo 1º da lei n. 1.746, de outubro de 1869, de acordo com o que foi deliberado na Assembleia Geral Extraordinária, realizada aos 30 de abril de 1923, e depois da incorporação das despesas com as obras autorizadas pelo decreto n. 18.284, de 16 de junho de 1928 e respectivo contrato será para os efeitos da concessão da Companhia encerrada de novo a conta de capital e recalculada a quota necessária à reconstituição do referido fundo, nos termos das cláusulas II e IV do referido decreto de 1928 e contrato

Para o efeito desse aumento tomou a Companhia em assembleia geral extraordinária (22 de março de 1929) as necessárias medidas, por proposta da diretoria, sobre a emissão dos debêntures do empréstimo autorizado pela Assembleia Geral Extraordinária de 30 de dezembro de 1927, que em número de 150.506 não tinham sido ainda emitidos; o emprego das reservas da Companhia, as quais orçaram em cerca de 24 mil contos de réis; o aumento do capital, no valor de 40 mil contos de réis, dada aos acionistas a preferência para essa subscrição, tendo para isso de entrar em dinheiro com a importância de 16.000 contos de réis; subscritas pelos atuais acionistas, deveriam ser pela diretoria oferecidas ao público mediante ágio equivalente às negociações na Bolsa, cabendo porém àqueles acionistas a soma de 40$000 por ação atual, a qual não sendo reclamada no prazo de cinco anos prescreveria em benefício das reservas da Companhia.

O fundo de amortização estava, aos 31 de dezembro de 1934, em réis 5.681:483$000. A renda, por seu lado, chegaria em 1929 ao seu mais alto ponto, para descer depois, readquirindo no fim do decênio, de algum modo, o perdido em 1931 e 1932. É que ocorrera, com a do café, a grande crise geral que, começando em 1929, ia nos anos seguintes estancar o comércio internacional, fazendo cada nação se isolar o mais possível. A isso se referiu a diretoria (Relatório de 1931):

O ano de 1930 foi de brusca queda de nossas rendas. A crise, que em outubro de 1929 se manifestou no comércio do café, repercutiu em todo o país e particularmente no Estado de São Paulo, o hinterland de nosso porto, agravada pelo crack de Nova York.

Rompeu-se o equilíbrio econômico e financeiro e a situação difícil que assim se criou foi ainda agravada por acontecimentos de ordem política que agitaram o país, culminando no movimento revolucionário de 3 de outubro.

Daí decorreram as restrições de crédito e a baixa cambial que determinaram a grande redução observada na importação do estrangeiro e, consequentemente, grande queda na renda da Companhia, renda que, pela organização de nossas tarifas, depende primordialmente daquela corrente de tráfego.

No decênio, esta foi a renda bruta:

1925

50.243:476$114

1926

44.829:439$429

1927

47.715:017$071

1928

51.387:711$460

1929

55.812:500$470

1930

38.311:991:670

1931

35.154:944$592

1932

34.626:542$693

1933

40.873:933$717

1934

41.847:734$918

No pessoal diretor, administrativo e técnico, houve algumas alterações, continuando a prestar novos e velhos seu melhor concurso. Em Santos, Ismael Coelho de Souza, inspetor geral e os auxiliares, chefes dos departamentos em que se divide a administração- Antonio Candido Gomes, Victor de Lamare, José Cesario Monteiro Lins, Hans H. Heinzelmann, Aderbal Pougy, Affonso Krug, Edgard Boaventura, o advogado Freire Junior e seu assistente Washington de Almeida. No Rio, o chefe do escritório Mario Monteiro e um grupo de funcionários não menos dedicados [01].

Na diretoria, sobretudo, grande foi a mutação, por motivo quase único de morte. Tomou Oscar Weinschenck o lugar de G. B. Weinschenck (1926). Convidado para diretor do Departamento Nacional de Portos e Navegação, matéria em que já era longa e cabal sua competência (1931), afastou-se da diretoria, a ela voltando em 1934
[02].

Eleito em 1926, na vaga de Osorio de Almeida, faleceu Alberto de Faria em 1932, sendo substituído por Alvaro de Carvalho (1932), morto pouco depois e substituído por Linneu de Paula Machado (1934). Tendo se retirado Jorge Street, ocupou Carlos Guinle [03] sua vaga (1928).

Com o trespasse de J. X. Carvalho de Mendonça, substituiu-o na diretoria Raul Fernandes (1930) [04], o qual, nomeado consultor geral da República (1933), se afastou [05]; e, eleito depois deputado federal, renunciou seu lugar (1935); de modo que a diretoria, em 1935, é de Guilherme Guinle, presidente; Oscar Weinschenck, diretor-gerente; Carlos Guinle, Linneu de Paula Machado e Octavio Pedro dos Santos.

Do Conselho Fiscal, faleceu em 1926 Deodato Gesino Villela dos Santos, sendo substituído por Paulo Ottoni de Castro Maya
[06].

Falecido este em 1928, bem como Julio Miguel de Freitas, foram substituídos pelos suplentes Alfredo Ferreira Chaves e Manoel P. Miranda Montenegro [07]. Para suplentes foram escolhidos (1930) Eduardo Pederneiras e Octavio Pedro dos Santos.

Morto em 1933, Paulo de Frontin foi substituído por Octavio Pedro dos Santos; e em 1932 João Freire Junior, advogado da Companhia em Santos, ali foi substituído por seu assessor Washington de Almeida [08].

Falecido por sua vez, em 1933, foi M. P. de Miranda Montenegro [09] substituído por Americo de Almeida Guimarães, tendo sido eleitos suplentes em 1934, além de Eduardo V. Pederneiras, Alvaro Werneck e Raymundo Ottoni de Castro Maya, em exercício os três em 1935.

Não foi sem mágoa que a empresa viu partir esses bons companheiros.

Do primeiro, Alberto de Faria, já ficou nestas páginas o ativo de serviços. Bem é certo eu, diretor, não foram eles do feitio combativo que prestou como simples acionistas; mas o tempo, as circunstâncias eram outras e o mal que o levou já não lhe permitiria aquela atividade, se tivesse que renová-la. A diretoria assim se expressou no seu Relatório de 1932:

A Companhia Docas de Santos deve um preito de reconhecimento à memória do dr. Alberto de Faria pelos valiosos serviços dele recebidos durante muitos anos. Alguns desses serviços, e dos mais valiosos, remontam ao tempo em que ele não era ainda diretor, mas simples acionista, quando na defesa de importantes interesses sociais empenhou os seus grandes dotes de polemista vigoroso, saindo a campo, para enfrentar uma campanha injusta contra direitos irrefragáveis da Companhia.

Foram serviços, esses, de notoriedade pública e que concorreram para a sua entrada para o quadro dos diretores, ao qual o dr. Alberto de Faria trouxe o prestígio de um talento brilhante e de um caráter do melhor quilate.

O valor da sua assistência diária na tarefa de diretoria não podia ter, por sua própria natureza, a mesma notoriedade. Só os seu colegas podem testemunhar sobre esse valor e queremos consignar aqui todo o apreço que nos mereciam os seus conselhos judiciosos, a admiração que nos causava a sua assiduidade e constância mesmo no decurso e até às últimas etapas da cruel enfermidade a que ele sucumbiu, a dedicação com que em todas as ocasiões ele nos trouxe o valioso auxílio da sua longa experiência dos homens e dos negócios.

Pela primeira vez, na diretoria, entrou um paulista, Alvaro de Carvalho. Era dos melhores, com grandes serviços à República e ao seu Estado natal. Conhecendo os homens, dotado de um grande espírito de conciliação, fora de desejar que escolha, como essa, tivesse ocorrido antes; e se não se fez, deve-se certamente à defensiva em que ficaram perenemente os construtores do cais. A presença de Alvaro de Carvalho foi infelizmente curta, pois que, exilado em consequência dos acontecimentos de 1932 no seu Estado, faleceu longe do Brasil que tinha tanto no coração e no pensamento. A diretoria rendeu-lhe o preito de sua saudade nestas palavras (Relatório de 1934):

Como é do vosso conhecimento, em 23 de abril de 1933, ocorreu o falecimento do seu diretor dr. Alvaro Augusto da Costa Carvalho.

O companheiro que se rendeu à lei fatal prestou inestimáveis serviços na diretoria da Companhia, a cujos trabalhos ele trouxe o eficaz auxílio de sua ilimitada dedicação e de seus prudentes conselhos, inspirados por sua inteligência esclarecida e disciplinada.

Se grande, muito grande foi o vazio que cavou a morte no meio dos amigos, que o veneravam com afeto, não menor foi a consternação dos seus companheiros na administração desta Companhia, vendo-se privados da sua colaboração sempre útil e proveitosa
[10].

Veterano da Companhia desde os primeiros tempos, não lhe deu Paulo de Frontin menos sua assistência no Conselho Fiscal, de onde não saiu pelas múltiplas atividades que exercia. Sábio, oportuno, foi sempre seu aviso ali. Engenheiro dos maiores que tivemos, notável homem público, não é deste livro, limitado à história da Companhia Docas de Santos, sua biografia. Dele disse a diretoria (Relatório de 1933):

Cumpre-nos assinalar a imensa dor que nos trouxe o falecimento do grande brasileiro dr. André Gustavo Paulo de Frontin, ocorrido aos 15 dias do mês de fevereiro último.

Desde a fundação da Companhia Docas de Santos, o ilustre extinto fazia parte do seu Conselho Fiscal.

Bem conheceis a proeminente figura que, como técnico, administrador, parlamentar, professor e industrial, representou o benemérito compatriota no nosso meio social, e particularmente a sua ação no Conselho Fiscal da nossa Companhia.

Falecido, por sua vez, Ulrico Mursa, o grande auxiliar de Weinschenck na construção do cais de Santos (1934), sobre ele falou também a diretoria (Relatório de 1935):

A Companhia Docas de Santos deve um preito de reconhecimento à memória do dr. Ulrico de Souza Mursa, pelos valiosos serviços dele recebidos durante longos anos, com honradez, dedicação infatigável e diligência pouco comum.

Por ocasião do seu passamento, rendemos à memória do dr. Ulrico de Souza Mursa as devidas homenagens e sufrágios em nome da Companhia e em nosso próprio nome, e nesta resenha do ano transcorrido queremos deixar a expressão de profunda saudade e da mais viva gratidão com que nos recordamos do amigo e colaborador desaparecido.

Nenhuma dessas perdas, porém, por maiores que fosse, igual à de J. X. Carvalho de Mendonça, ocorrida a 20 de outubro de 1930. Ainda bem que a sucessão recaía em ombros sobradamente capazes, Raul Fernandes. Escreveu a diretoria (Relatório de 1931):

Como é do vosso conhecimento, em 20 de outubro do ano próximo passado, a Companhia sofreu profunda perda com o falecimento do diretor dr. José Xavier Carvalho de Mendonça. Devemos consignar aqui a expressão do nosso imenso pesar pelo desaparecimento desse devotadíssimo amigo, e da gratidão imorredoura pelos valiosíssimos e desinteressados serviços por ele prestados à Companhia durante quarenta anos, a princípio como seu advogado na cidade de Santos e, a partir de 1906, como diretor.

No exercício dessas funções, o dr. Carvalho de Mendonça deu à Companhia o inapreciável concurso do seu grande saber, assim como de sua brilhante e sólida reputação, alicerçada em caráter adamantino, vontade inflexível e infatigável operosidade. O esmero, proficiência e vigilância que ele pôs sempre no estudo e preparo dos atos jurídicos e contratos da Companhia proporcionaram a esta as armas com que ela sustentou e venceu importantes pleitos, alguns de importância vital.

Mais:

Tão grande lacuna, como a aberta no seio da diretoria pelo seu falecimento, é, em toda a força da expressão, impreenchível. O mais que podemos fazer é nos inspirarmos nos seus exemplos e nos aproximarmos - sem jamais atingi-lo – do protótipo, que ele encarnou tão soberbamente, do paladino forte, destemeroso e ao mesmo tempo prudente.

As excepcionais homenagens prestadas à memória do insigne jurisconsulto pelas autoridades, pelos tribunais, pelas faculdades de Direito, pelas corporações de advogados e pela imprensa, foram para nós motivo de secreto orgulho, mas ao mesmo tempo nos deram a medida da perda sofrida pela Companhia Docas de Santos.

A diretoria se associou a todas as demonstrações de pesar pelo lutuoso acontecimento e está certa de que bem traduz os sentimentos dos senhores acionistas rememorando neste relatório os grandes méritos e serviços do seu saudoso diretor jurídico, e deixando aqui uma palavra de profunda saudade pelo incomparável amigo de todos os tempos.

Na verdade, o vulto jurídico era sumo, e o testemunhou o Brasil inteiro, malgrado o momento de luta civil por que passava (3-24 de outubro de 1930). Grandes nomes no foro teve a Companhia para se amparar – Ferreira Vianna, Carlos de Carvalho, visconde de Ouro Preto, Lafayette, Costa Barradas, Clovis Bevilaqua, Pires Brandão, Raul Fernandes.

Mas o constante, o maior nela, foi J. X. Carvalho de Mendonça. Tratadista acatado aqui e no estrangeiro, com uma obra considerável sobretudo em direito comercial, bastava sua só assistência à Companhia Docas de Santos para lhe dar renome. A este respeito, sua ação se compara no termo jurídico à de Guilherme B. Weinschenck no técnico ou, ainda, à de Candido Gaffrée e Eduardo P. Guinle na parte administrativa e financeira.

Nos cento e tantos folhetos e livros sobre a Companhia – discursos parlamentares, razões jurídicas, polêmicas de ordem diversa, relatórios -, avultam os de J. X. Carvalho de Mendonça, alguns dos quais verdadeiras monografias sobre os assuntos em que foi chamado a opinar.

Da redação dos contratos às mais relevantes questões judiciárias, sua assistência foi constante, esclarecida, dedicadíssima. Nas páginas atrás ficou resenha de cada uma delas – desde a segunda grande campanha, a da Alfândega de São Paulo, até à maior, da exibição de livros, passando pela mais tenaz e de não menos relevo, das capatazias, ou pela do direito exclusivo no porto, para não dizer de outras de menor repercussão pública, como a de terrenos de marinhas, executivos fiscais e outros processos judiciais em que figurou.

Em todas, fora vencedor seu ponto de vista; e na última, da capatazias, em que alta andou a celeuma (de seu temperamento ficou exemplo na sessão memorável do maior tribunal do país, quando se doeu que lhe citassem truncadamente ou mal a lição de professor, perdendo, de fato, uma questão que, de direito, só podia se resolver de acordo com o seu articulado), viveu bastante para testemunhar, duas semanas antes de fechar os olhos, a mais completa das reivindicações numa sentença unânime do Supremo Tribunal Federal.

A Companhia Docas de Santos passou livre entre as sete grandes ofensivas que sofreu, por muitas razões, cada qual examinada no correr desta longa exposição. Mas uma das maiores, já se disse e vai repetido, estava na estrutura jurídica em que se baseou. E essa foi sobretudo obra de J. X. Carvalho de Mendonça.

Imagem: reprodução parcial da página 581


[01] Lê-se no último Relatório da Diretoria (15 de abril de 1935): "Com grande prazer deixamos aqui assinalados os bons serviços, a dedicação e eficiência dos esforços de nosso inspetor geral, doutor Ismael Coelho de Souza, e de seus dignos auxiliares, entre os quais citaremos os chefes dos departamentos em que se divide a administração em Santos, o sr. Antonio Candido Gomes, e os srs. Drs. Victor de Lamare, Hans Luiz Heinzelmann, Antonio Freire e Edgardo Boaventura, e assim também o dr. Washington de Almeida, nosso advogado naquela cidade. Do mesmo modo, nos é grato mencionar que foram dignos de nosso especial apreço os serviços e dedicados esforços do sr. Mario Monteiro, chefe do Escritório Central". Mario Monteiro, que servira à empresa durante mais de 30 anos, faleceria, com pesar geral, no fim desse ano, aos 22 de novembro de 1935.

[02] "Na assembleia ordinária realizada a 30 de abril de 1931, tivemos a oportunidade de vos comunicar que, atendendo ao convite que lhe dirigiu o sr. ministro da Viação e Obras Públicas, nosso diretor-gerente, dr. Oscar Weinschenck, se viu na contingência de aceitar o cargo de diretor do Departamento Nacional de Portos e Navegação, para o qual foi nomeado em 10 de abril de 1931. Não quis a diretoria aceder ao pedido de demissão que aquele diretor lhe dirigiu e resolveu licenciá-lo, apenas, tendo esse seu ato sido aprovado por vós. Em 30 de julho do ano próximo findo, tendo renunciado o mandato à Assembleia Nacional Constituinte e tendo obtido a exoneração que pediu do cargo de diretor do Departamento Nacional de Portos e Navegação, o diretor Oscar Weinschenck reassumiu o posto de diretor-gerente da Companhia, de que se achava licenciado desde 10 de abril de 1931, conforme dissemos acima". Relatório da Diretoria, 1935.

[03] "Passou-se à segunda parte da ordem do dia, tendo o sr. presidente convidado o sr. 2º secretário a ler a ata da reunião da diretoria realizada aos 18 de janeiro deste ano, donde constavam os motivos da renúncia do diretor, sr. dr. Jorge Street e as razões que a levaram a aceitar essa resolução do prestigioso amigo, a quem a Companhia muitos agradecimentos deve pela sua colaboração durante largo período de tempo. Procedida a leitura da referida ata, consultou o sr. presidente a Assembleia se com os seus termos se achava de acordo. Foi a deliberação da diretoria aprovada por unanimidade, não tendo votado os diretores. Em seguida o sr. presidente anunciou que se ia proceder à eleição de um diretor, para substituir o resignatário e pelo tempo deste. Recolhidas as cédulas, verificou-se ter sido eleito, por unanimidade, o sr. doutor Carlos Guinle. Este acionista, achando-se presente, agradeceu a confiança nele depositada, sendo logo empossado pelo sr. presidente". Assembleia geral de 30 de abril de 1928.

[04] "Para substituir nosso inesquecível companheiro de diretoria, foi convidado o dr. Raul Fernandes, que desde 1924 vinha prestando a esta Companhia os mais assinalados serviços e que nos últimos anos concordou em aceitar o cargo de nosso advogado, quando o dr. Carvalho de Mendonça, minado pela moléstia que encurtou seus dias, já não podia exercer aquela função, sem sacrifício. O dr. Raul Fernandes aceitou o convite que lhe dirigimos e assumiu o cargo de diretor no dia 1º de novembro do ano próximo findo, cargo que ocupará até à primeira reunião, quando tereis que eleger a diretoria, cujo mandato está a terminar". Relatório da Diretoria, 1931.

[05] "Atendendo à solicitação do Governo Federal, nosso diretor, dr. Raul Fernandes, aceitou o cargo de consultor geral da República, para o qual foi nomeado em 15 de fevereiro do ano passado. Por esse motivo foi licenciado nesta diretoria, em que reassumiu seu posto a 16 de novembro último, por ter sido exonerado daquele cargo". Relatório da Diretoria, 1933.

[06] "Temos a lamentar o falecimento do nosso prezado amigo, dr. Deodato Cesino Villela dos Santos, membro do Conselho Fiscal, aos 2 de novembro do ano findo. Eleito suplente deste Conselho em 1922 e 1924, servira neste último ano em substituição ao conselheiro Luiz Martins do Amaral, tendo sido eleito membro efetivo deste Conselho nos anos de 1925 e 1926. Prestou este amigo bons serviços à nossa Companhia e manifestamos aqui o nosso grande pesar e as nossas saudades". Relatório da Diretoria, 1927.

[07] "Durante o ano próximo passado perdemos dois distintos companheiros, membros do Conselho Fiscal, o comendador Julio Miguel de Freitas, falecido aos 20 de junho, e o dr. Paulo Ottoni de Castro Maya, falecido aos 3 de dezembro. Ambos prestaram relevantes serviços à nossa Companhia, sendo o primeiro eleito em 1923 para suplente daquele Conselho e em 1926 para membro efetivo e o segundo eleito suplente em 1924 e efetivo em 1927. A esses distintos amigos as nossas saudosas recordações". Relatório da Diretoria, 1929.

[08] "Do mesmo modo, temos a lastimar o falecimento ocorrido em 6 de setembro do ano passado, em Santos, do dr. João Nepomuceno Freire Junior, que por longos anos vinha exercendo, com grande proficiência e dedicação, o lugar de advogado desta Companhia naquela cidade. À memória desse amigo dedicado rendemos o preito da nossa saudade". Relatório da Diretoria, 1933.

[09] "Do mesmo modo, temos a lastimar o falecimento ocorrido em 25 de agosto do ano findo, do sr. comendador Manoel Pinto de Miranda Montenegro, que desde 1927 vinha exercendo o cargo de membro do Conselho Fiscal da nossa Companhia. À memória desse amigo dedicado, rendemos o preito da saudade". Relatório da Diretoria, 1934.

[10] Sobre a escolha escreveu-se em São Paulo: "E – rara coincidência – há grandes pontos de contato entre os dois brasileiros ilustres, o embaixador que biografou Mauá e fixou toda a grandeza do gênio esquecido e o ex-senador sutil e inteligentíssimo que liderou a política paulista numa hora de triunfos para nós e onde cada vitória era obtida à custa de esforços formidáveis que revelaram o talento vigoroso e agilíssimo e o poder de sedução desse homem que mais parecia um diplomata elegante e cético do que um enérgico condutor de vontade e coordenador de corrente. Para a grande empresa – a maior das empresas brasileiras – a quem tanto deve a nossa economia, foi esplêndida a aquisição e para São Paulo é alvissareira a notícia que gentilmente nos envia o sr. dr. Ismael de Souza, porque dentro da Companhia Docas, como nos conselhos políticos da República, o notável paulista saberá trabalhar pela sua terra". Diario da Manhã, São Paulo, 7 de maio de 1932.