QUINTA PARTE (1916-1925)Capítulo LXIX
Algarismos irrefutáveis
Mas a resposta cabal viria pela própria Companhia. Seria no início do decênio seguinte (1926-1935); mas relativa a este em estudo.
Já se viu no capítulo anterior o movimento que, apoiando-se no abarrotamento do cais, pediu a construção de outro porto, S. Sebastião. Dirigira-o a Associação Comercial de S. Paulo. À sua representação, reunida
com grande cópia de documentos [38], respondeu Oscar Weinschenck também com um volume, logo no começo de 1926 [39].
Nessa exposição, o diretor-gerente da Companhia, baseando-se sempre em dados oficiais e precisos, estudou as causas da crise, de um modo geral e no que se referiam à empresa, bem como os remédios sugeridos pelas associações reunidas na
representação da Associação Comercial de São Paulo. Preliminarmente, foram suas palavras:
Longe estou de querer condenar o porto de S. Sebastião, que é, sem a menor dúvida, suscetível de ser aproveitado como porto comercial e
que o será certamente no futuro.
Desejo apenas fazer alguns reparos a certas informações, que as associações receberam e de que se utilizaram como bases seguras, no estudo que fizeram.
É, nesta fase da questão, a melhor contribuição que posso trazer para a boa e conveniente solução do momentoso problema, cujo estudo as referidas associações empreenderam com tão nobre e patriótico empenho.
Na exposição das associações paulistas podiam resumir-se três sortes de razões: 1º) de caráter geral; 2º contra a S. Paulo Railway; 3º) contra o porto de
Santos.
As razões de caráter geral se referiam à necessidade de acabar com o monopólio portuário e ferroviário de Santos, necessidade que as razões específicas adiante expostas destruiriam, além desta fundamental:
Constitui-se uma empresa que contrata com o Governo um determinado serviço público, mediante uma remuneração estabelecida. Com esses
elementos, ela organiza sua finança e realiza o objetivo contratual, sob a fiscalização da outra parte contratante, o Governo, e o faz sem se afastar uma linha do que sejam seus direitos e obrigações.
Passado algum tempo, porém, interessados na obtenção do mesmo serviço público, por menor preço, interessados de real e reconhecido prestígio, reúnem-se e resolvem conseguir esse proveito, e, para isso, se dirigem ao mesmo Governo, que contratou o
referido serviço com aquela empresa, para obter – não um contrato semelhante, ao que essa empresa executa, que já teria para eles a vantagem da redução dos riscos e a segura previsão da finança, mas sim, que o Governo se resolva a subvencionar
uma nova empresa, que venha executar o mesmo serviço público, que a outra… pagando eles preço menor, pois que a subvenção cobrirá a diferença.
E, nesse proceder, aqueles interessados não descobrem o menor mal, a menor inconveniência, desde que seja dirigido contra empresa de serviço público.
Por ser essa, lamentavelmente, a mentalidade atual em nossa terra, de dia para dia, mais difícil se torna conseguir capitais para empresas desse gênero. No comércio, na lavoura e nas indústrias, que as associações tão dignamente representam, o
capital encontra aplicação mais rendosa, sem os riscos, sem as peias contratuais, sem as lutas inglórias e estéreis que afligem as empresas de serviços públicos.
Além disto, era lógica a prática de portos concorrentes?
Estão inteiramente enganadas as associações, supondo que pluralidade de portos e de vias férreas concorrentes tem provado, otimamente,
em toda a parte. É justamente o contrário o que se tem verificado.
A construção de portos concorrentes se tem dado, unicamente, nos seguintes casos:
1º) quando a tonelagem de mercadorias a movimentar cresce de tal modo, em um porto, que as obras de ampliação de sua capacidade deixam de ser economicamente realizáveis;
2º) quando, ocorrendo o mesmo crescimento de tráfego, justificam-se obras que aproximem os navios do centro de consumo, de distribuição, ou de produção, das mercadorias, que neles são transportadas, visando o encurtamento do transporte terrestre,
alongando-se o flutuante, que é muito mais barato;
3º) quando ocorre uma grande tonelagem de um mesmo produto a transportar, que com vantagem possa ser localizado em um porto especializado, desde que favoráveis condições de transporte terrestre autorizem esse proceder.
Adiante:
É isso o que é lógico e de fato se dá em toda a parte, com ótimos resultados e sem aberrar das mais comezinhas leis econômicas. É porque
em França não se tem atendido a esse critério perfeito, que o grande engenheiro francês, especialista em portos de mar e de reputação mundial, Georges Hersent, diz em sua obra La mise au point de l'outillage français, o seguinte,
referindo-se à política portuária desse país: "Malheureusement se faisait jour dans ce programme une des plus lourdes erreurs que aient pesé sur notre régime des ports: à savoir la dispersion des efforts."
Mais:
Aproximem-se as associações dos que conhecem os segredos dos fretse marítimos e solicitem as razões da chocante diferença de fretes, que
se verifica entre a Europa e os portos brasileiros e argentinos, muito mais baixos para estes que para aqueles. A resposta será a seguinte:
São mais baixos os fretes para os portos argentinos, porque ali, em um mesmo porto, os vapores encontram carga completa de retorno, enquanto que nos portos brasileiros é necessário, para completar seu carregamento, tocar em muitos portos, do que
resulta, em condições normais, pouco mais de dois meses para uma viagem redonda à Argentina e quatro meses ou mais para essa viagem na costa brasileira. Além disso, a carga de retorno da Argentina é completa em um só porto e se destina, em geral,
a um só porto, enquanto que a brasileira, de muitos portos se destina a mais de um porto.
É, portanto, à abundância de carga e à sua concentração, que a Argentina deve os fretes favoráveis que a navegação lhe oferece. Essa grande vantagem de que dispõem nossos vizinhos do Sul provém exatamente do fato de não possuírem eles portos
demais, por não haver ali pluralidade de portos.
Concluindo:
Em relação às vias férreas, se tem feito um lamentável engano, supondo que um porto servido por três ou quatro vias férreas, como o de
Buenos Aires, tenha nessas três ou quatro estradas de ferro, linhas concorrentes. São vias férreas convergentes ao porto, cada uma, porém com sua zona de ação distinta, que, absolutamente, não se fazem concorrência.
A esse porto, há quinze anos passados, chegavam duas estradas estradas distintas, a Buenos Aires-Rosário e a Central-Argentina, se não me engano, que com linha dupla e quase paralelamente, iam de Buenos Aires a Rosario. Eram, efetivamente, linhas
concorrentes, mas não se puderam aguentar e, sob o patrocínio do Governo Argentino, se deu a fusão das empresas, para pôr termo aos inconvenientes da luta entre elas estabelecida. E esse fato se passou na Argentina, onde as planícies percorridas
pelas vias férreas permitem-lhes realizar seu tráfego mediante ínfimo custeio.
Se não existisse a Serra do Mar, essa barreira de difícil transposição, Santos ter-se-ia tornado, no Estado de São Paulo, o que Buenos Aires é na Argentina, o grande centro comercial e de distribuição, do qual irradiaria a viação férrea; Santos
seria servido por mais de uma via férrea.
Devido, porém, àquela barreira, devido às dificuldades de sua transposição, o centro referido se deslocou para o planalto, para a capital do Estado, de onde se deu a irradiação das estradas de ferro. A Santos, porto de mar, só interessa,
portanto, a comunicação com o centro distribuidor, isto é, com a Capital; de Santos o transporte só tem esse objetivo. É por uma via férrea, ligando-o ao interior do Estado; é por isso que ali não se observa a pluralidade de estradas de ferro,
que se nota em Buenos Aires e em outros portos.
Nas razões contra a S. Paulo Railway não se podia dizer que a capacidade da estrada estivesse esgotada, mas apenas quanto à serra, onde se
impunha a construção de nova linha, em vez de outra linha para novo porto [40]. Além disso: procedia a alegação de que a S. Paulo Railway estivesse supercapitalizada, ou que
fosse mal locada, oferecendo más condições técnicas e outros vícios insanáveis, que lhe elevavam o custeio? A construção de uma linha oferecia dificuldades muito grandes na serra?
Não é justo dizer que a S. Paulo Railway está supercapitalizada. O que se dá com essa via férrea é o que ocorre com todas as empresas
estrangeiras, com capital ouro, em tempo de câmbio baixo: o algarismo em mil réis, resultante da conversão da importância em ouro, cresce assustadoramente; a renda líquida em papel tem que se elevar muito, para que o capital receba a necessária
remuneração.
Esses inconvenientes do capital ouro ninguém mais duramente tem sentido que os governos, tanto da União como os dos Estados e dos Municípios, que viram crescer a somas enormes as verbas orçamentárias indispensáveis ao pagamento dos juros e
amortização de seus empréstimos externos, situação que os tem levado a procurar maior renda, pela agravação dos impostos existentes e criação de novos. É uma contingência a que não pode fugir o país novo, que não dispõe de capitais.
Ainda:
A S. Paulo Railway acusa, sem dúvida, um capital médio, por quilômetro, bastante elevado, se o compararmos com o capital correspondente,
em outras vias férreas, mas é necessário não se perder de vista que, para essa aparente anormalidade, concorre a grandeza de seu equipamento, exigido pela intensidade do tráfego, que a ela aflui; que, na construção, especiais cuidados foram
tomados pelos seus técnicos, de acordo com o governo, para assegurar o tráfego seguro e permanente; que seu sistema especial de tração na serra, de grande custo de instalação, reduz de muito, no entanto, a extensão da linha, contribuindo assim,
duplamente, para a elevação do capital médio por quilômetro.
Se fosse possível determinar com exatidão o capital atual da Central do Brasil e conhecer a parcela que corresponde ao seu tronco de 107 quilômetros, que vai da Central à Barra, estou certo de que o confronto da média quilométrica nesse trecho de
grande tráfego, da via férrea nacional, com o valor correspondente, na S. Paulo Railway, levaria as associações a uma apreciação menos severa do capital desta.
Adiante, depois de se apoiar em Fonseca Rodrigues, para quem nossa natureza muito mais rude e áspera, as dificuldades enormes da muralha da Serra do Mar nos
desafiavam a tenacidade, retendo-nos muito aquém do progresso argentino:
Foi exatamente nessa áspera e rude natureza que a S. Paulo Railway se viu forçada a traçar a sua linha que, ainda por cima, teve que
vencer as enormes dificuldades da muralha constituída pela Serra do Mar. Os fretes têm que ser altos, em uma via férrea nessas condições e isso acontecerá com qualquer outra que se construa de S. Paulo para o litoral, porque nenhuma poderá
escapar à natureza áspera e rude, nem às dificuldades da muralha a transpor.
É certo que os que defendem a construção de uma nova estrada de S. Paulo a S. Sebastião, com 200 quilômetros de extensão, como solução mais conveniente para o problema dos transportes, que a construção, pela S. Paulo Railway, de uma nova linha na
serra, com 40 quilômetros apenas, promete tarifas baixas, preços de transporte muito vantajosos, apesar de não haver ainda estudos sérios dessa nova linha e muito menos orçamento do custo de sua construção. Mas, está prevista no esquema proposto
a garantia de juros, que deverá ser assegurada à empresa futura, pelo Estado ou pela União.
Só assim se justifica a falaz promessa, porque não se pode contar com milagres. A nova estrada custará muito maior capital que a nova linha da S. Paulo Railway e a distância a vencer nos transportes crescerá de mais de 100%. Para que nessas
condições o transporte custe menos ao comércio, é necessário que o Estado cubra com subvenção o que faltar á renda da nova estrada, para fazer face aos encargos do capital nela empregado e do custeio de seu tráfego. Sem contar com a subvenção,
aquela promessa não passaria de uma pura fantasia.
Finalmente, quanto ainda à S. Paulo Railway, depois de estudar as três seções em que se divide sua linha:
A primeira seção nada apresenta de criticável. A linha é de grande capacidade e a tração muito barata.
A terceira seção apresenta, como único defeito, a rapa que ali se admitiu, demasiada, sem dúvida, para uma linha de grande tráfego e de tração a vapor, mas esse defeito que apresentam também as linhas da E. F. Paulista, perdeu quase completamente
sua importância, com os progressos da tração elétrica, que permite levantar a capacidade de tráfego, em tais linhas, e reduzir consideravelmente o custo deste.
Resta examinar o problema especial da serra, isto é, a segunda das três seções em que a estrada se divide, trecho em que os técnicos resolveram aplicar o sistema funicular. Condenar o sistema à simples vista, alegando custeio caro, não é
razoável. O engenheiro Fonseca Rodrigues, no parecer já citado, diz justamente o contrário, considerando-o muito econômico. Contra esse trecho da linha, o que se pode dizer, com segurança, é que sua capacidade de tráfego não corresponde,
absolutamente à que oferecem os outros dois trechos, e, mais, que essa capacidade está muito próxima do esgotamento.
Assim, nada se encontra no traçado da S. Paulo Railway que o torne responsável pelo elevado custeio.
Quanto aos "vícios insanáveis", não há na exposição das associações o que esclareça sobre sua natureza, mas não creio que possam efetivamente existir. Deve haver um erro de apreciação de quem observa de fora e seja, talvez, estranho ao ofício.
Não suponham as associações que o Governo seja fraco e não tenha elementos de ação contra as empresas, se elas se desviam do caminho reto.
Nem se podia dizer, tampouco, que a construção de uma linha oferecesse dificuldades muito grandes na Serra, com custo vultuoso que agravasse o defeito da
supercapitalização:
A S. Paulo Railway, procurando dar à sua serra maior capacidade de tráfego, estudou um traçado com linha de simples aderência, para a
tração a vapor, com rampa muito pequena e curvas de grande raio, pelo vale do Cubatão. Chegou, porém, a um preço de custo tão elevado que teve que abandonar o projeto. Além do custo da construção na serra, esse traçado exigia a construção de uma
linha nova no planalto, que só se entroncaria na linha atual nas vizinhanças de S. Paulo. Isso se deu em 1896 e foi o insucesso desse projeto que conduziu à construção dos novos planos inclinados; estava no seu berço a tração elétrica.
Deve ser esse antigo e abandonado projeto o que deu às associações a impressão denunciada pela terceira de suas razões contra a S. Paulo Railway, mas presentemente não se cogita daquela solução. O traçado que pareceu realizável, pelos resultados
de reconhecimentos feitos, se desenvolverá à direita dos atuais planos inclinados, do outro lado do espigão em que estes foram construídos e, partindo de Piassaguera, ligar-se-á à linha atual nas proximidades de Campo Grande. Nesse traçado,
prevendo-se a tração elétrica, admitir-se-á rampa mais forte e curvas de menor raio, que baixarão grandemente o custo de sua construção.
Foram, porém, as razões especiais contra o porto que mais atenção tiveram de Oscar Weinschenck. Na sua exposição, sobrelevou sempre a técnica, com uma série de
argumentos irrespondíveis. Aquelas razões foram assim resumidas:
1º - São unânimes as opiniões dos técnicos sobre a grande superioridade, a todos os respeitos, do porto de S. Sebastião sobre o de
Santos.
2º - (Da Associação Comercial de S. Paulo) Não se conhece no mundo porto algum que apresente, por metro linear de cais, um custo tão fabuloso.
3º - Santos oferece dificuldades grandes, devido às condições naturais do porto, para a execução das obras de ampliação, do que resultará a necessidade de vultuoso capital, que o tráfego terá de remunerar à custa de taxas elevadas.
4º - O porto de Santos está sujeito à exploração industrial de uma empresa concessionária, autorizada a cobrar taxas muito altas, excessivamente onerosas e prejudiciais ao desenvolvimento econômico do Estado.
5º - O custeio do tráfego em Santos será sempre muito mais elevado do que em S. Sebastião.
Era na verdade S. Sebastião superior?
A afirmação de que há unanimidade na opinião dos técnicos, quanto à superioridade do porto de S. Sebastião, a todos os respeitos, sobre
o de Santos, não pode ser sustentada, e sem sair do que tem sido publicado recentemente sobre o assunto, encontram-se diversas opiniões que, se ouvidas pelas associações, não as levariam à conclusão que adotaram.
São do eminente técnico dr. Alfredo Lisboa as informações sobre os efeitos dos ventos de Oeste-Sudoeste, que tornam necessária a construção de obras de abrigo ao ancoradouro de S. Sebastião; são do mesmo técnico as seguintes palavras sobre a
exploração do conjunto do porto e via férrea: "…; a grande empresa que se organizar para levar a efeito, simultaneamente, os dois grandes empreendimentos, não poderá dispensar o favor da garantia de juros sobre os capitais que neles envidar…"
Mais:
Ainda sobre a exploração do novo aparelhamento proposto, estrada e porto de S. Sebastião, diz o grande engenheiro brasileiro dr. João
Teixeira Soares, na entrevista que concedeu ao Estado de São Paulo: "Terá que viver no regime dos déficits. E creio que se poderá afirmar que só os déficits de alguns dos primeiros anos de operação seriam suficientes para aperfeiçoar o
aparelhamento existente".
Agora sobre a solução em seu conjunto, diz o dr. Carlos Stevenson, técnico cujo valor ninguém põe em dúvida: "Nessas condições, discordamos por completo da orientação dada pela Associação Comercial de S. Paulo a esta magna questão. Entendemos que
com quantia muito inferior à necessária para as obras da estrada de ferro e porto de São Sebastião, poderia ser perfeitamente resolvida a situação de Santos".
Concluindo:
Qualquer verdadeiro técnico não poderá deixar de reconhecer, pelo que se tem escrito sobre o porto de S. Sebastião, que esse porto
oferece as vantagens seguintes:
a) Profundidade e amplitude do canal;
b) Boa fundação para as obras de cais que se tornarem necessárias.
Mas o mesmo técnico não poderá deixar de apontar, também, diversos inconvenientes que o referido porto apresenta, a outros respeitos, como, por exemplo:
a) Ser desabrigado aos ventos fortes de Oeste-Sudoeste;
b) Ter, possivelmente, a rocha em grande inclinação, atingindo logo profundidades granes e encarecendo com isso a obra de cais;
c) Exigir tráfego terrestre 150% mais longo que Santos (na Europa grandes somas têm sido gastas, alongando o transporte marítimo para
encurtar o terrestre);
d) Nada dispor do que é acessório a um porto e essencial para o comércio que dele tem que se servir, o que exigirá a imobilização de
grandes capitais;
e) Exigir a imobilização de enorme capital na via férrea indispensável;
f) Pesar por longos anos, inutilmente, nas finanças do Estado ou da União.
Não são, nem podiam ser unânimes as opiniões dos técnicos, considerando o porto de S. Sebastião superior ao de Santos a todos os respeitos.
Isto quanto à primeira razão. Quando à segunda, escreveu a Associação Comercial de S. Paulo:
O capital da Companhia Docas de Santos já é altíssimo, elevando-se a 180.000 contos pelo último balanço publicado, embora o capital
reconhecido pelo Governo seja de 152.000 contos. Mesmo tomando-se esta última cifra, ainda assim não conhecemos no mundo porto algum em que cada metro linear de cais apresente um custo tão fabuloso…
Ora, em primeiro lugar, não andava na cifra referida o capital da Companhia. O balanço, apresentado à assembleia geral de 30 de abril de 1925, registrava
realmente o passivo de 179.368 contos, que era muito próximo do mencionado; mas a Associação Comercial não viu que no ativo figuravam como valor de títulos em carteira 30.101:200$000, o que reduzia aquele total mencionado como capital a
149.266:800$000. Em segundo lugar, o custo linear não era o fabuloso apregoado tantas vezes atrás, mas pelo contrário, o menor do Brasil. Esta tabela demonstrativa era concludente:
Porto |
Capital reconhecido – papel |
Metros de cais concluído |
Custo por m de cais construído |
1º Pará |
170.300:000$ |
1.223 |
139:300$000 |
2º Recife |
101.300:000$ |
2.245 |
41:200$000 |
3º Bahia |
38.500:000$ |
1.088 |
35:400$000 |
4º Rio de Janeiro |
140.000:000$ |
3.298 |
42:400$000 |
5º - Santos |
152.300:000$ |
4.720 |
32:300$000 |
A conversão do capital ouro em papel foi feita ao câmbio de 2$810 ouro, aplicado pelo dr. Lisboa na sua informação sobre o porto do
Pará.
Concluindo:
Vê-se, portanto, que ao invés de ser o porto de custo fabuloso, que maior não há no mundo, o porto de Santos é o mais barato de todos os
que foram melhorados no Brasil, sendo necessário notar que no capital total aplicado, que figura no quadro acima, está incluída a soma de 13.617:0204000, custo da instalação hidrelétrica de Itatinga, que nada tem que ver com as obras do porto.
Desaparece assim mais esta balela sobre o custo das obras realizadas em Santos.
Seria, por sua vez, exato – agora entramos na terceira razão contra Santos – que este porto oferecia dificuldades grandes devido às suas condições naturais,
para as obras de ampliação, as quais só poderiam se remunerar com taxas mais elevadas?
A construção de novos cais em Santos, o aprofundamento da barra, canal e ancoradouro e a ampliação e modernização do atual aparelhamento
são obras que não apresentam as dificuldades que as associações, mal informadas, declaram existir.
Prova-o o que ali já está feito, por preço muito inferior do que em qualquer dos outros portos melhorados do Brasil; afirma-o o dr. Alfredo Lisboa, com a responsabilidade de técnico especialista, pois conclui seu parecer recomendando, em primeiro
lugar, a execução dessas obras de ampliação do porto de Santos.
É pura fantasia o tal grande assoreamento do porto e um simples confronto de uma carta antiga com uma moderna mostrará imediatamente que a Companhia Doas, cumprindo sua obrigação de dragar, anualmente, no mínimo, 1.000.000 de metros cúbicos, não
tem mantido apenas a profundidade contratual, de 8,00 m em águas mínimas; a profundidade do porto tem sido levada a 9,00 m e a área beneficiada tem sido estendida. Quanto à barra, aquele mesmo confronto de cartas mostrará que, sem qualquer
trabalho local, a profundidade ali tem aumentado naturalmente, como consequência provável da regularização e aprofundamento do canal e do aumento do tráfego marítimo.
Previu Alfredo Lisboa, para as obras novas em Santos, um total de 108 mil contos, cifra que podia se reduzir de muito
[41], engano que se deu em São Sebastião, mas no sentido oposto [42] – 30.000 contos que, na verdade, seriam 66.000. Concluindo:
Usando desses dois elementos; considerando as muralhas de arrimo, por preço 50% mais baixo em S. Sebastião que em Santos; e admitindo
que lá não sejam necessárias obras acessórias e aparelhamentos maiores que os previstos para este último porto, pode-se organizar um orçamento semelhante ao que foi feito para Santos, demonstrando o seguinte:
1) – 2.000 metros de linha de atracação em 500 metros de cais corrido e 4 molhes, tudo para 10,00 m de calado – a 20:000$000 |
40.000:000$000 |
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2) – Muralhas de arrimo (metade do custo previsto para Santos) |
5.000:000$000 |
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3) – Aterro e aparelhamento com armazéns, calçamentos, vias férreas, encanamentos, guindastes, etc. etc. (o custo previsto para Santos) |
15.000:000$000 |
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4) – Quebra-mar |
6.000:000$000 |
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Custo total |
66.000:000$000 |
Nestas condições, o tal orçamento de 30.000:000$000 vai, imediatamente, a mais que o dobro!
Mais:
Serve, o que acabo de expor, para mostrar às associações, como andam próximos da fantasia alguns dos elementos que lhes foram
fornecidos, como base segura de estudo. Por esse processo e com elementos dessa ordem, não há dificuldades em provar que o branco é preto.
Se fossem justos os orçamentos de 108 e de 66 mil contos, para Santos e S. Sebastião, respectivamente, haveria em favor da execução das obras neste a diferença de 42.000:000$000. Mas, naquele há uma cidade feita e um centro comercial
estabelecido, o que não existe em S. Sebastião.
Seria suficiente essa soma para cobrir o custo do que, além das obras do porto, será necessário ali criar? Estou certo de que ninguém, com bom senso e lealdade, responderia pela afirmativa, e merecem a atenção das associações as seguintes
palavras do dr. Teixeira Soares, que transcrevo da entrevista desse ilustre mestre, a que já tenho feito referência.
Estas eram as palavras de Teixeira Soares: "Não quero discutir se a escolha da localidade, do sistema constituído pela estrada e proto, foi a mais acertada e sábia.
"É possível que um outro porto e um outro traçado de via férrea, à luz dos elementos que a técnica atual nos proporciona, tivessem outrora apresentado mais vantagens. Mas agora não é mais ocasião de se cogitar disso. Mais de meio século de
esforços, de energias, de capitais empregados, de tendências, de necessidades e de hábitos produziram uma orientação que se fixou naquela diretriz, criando um passado, uma história econômica, uma tradição comercial fixa. Isso tudo não se destrói
de momento. Argamassados pelo tempo, esses elementos constituem um bloco que não se pode remover sem grave perigo para a sua integridade.
"Não se desloca um sistema de comunicações sem acarretar sérias perturbações econômicas, cujas consequências podem ser gravíssimas e de vulto tal que não podemos prever".
Restava, nas razões contra Santos, a quarta – suas taxas eram altas, para não dizer proibitivas, onerando e prejudicando o desenvolvimento
econômico do Estado. Por ser de extensa refutação, pois constituía o âmago da questão, vai tratada adiante em capítulo especial [43].
Imagem: reprodução parcial da página 526
[38] Ver: A crise do porto de Santos. Estudo preliminar.
Associação Comercial de São Paulo, cit. 1925, 315 págs.
[39] Oscar Weinschenck, A crise do porto de Santos. Comentário à exposição apresentada aos srs. presidente do Estado e ministro da Viação pelas
associações representativas do comércio, da indústria e da lavoura do Estado de São Paulo. Rio de Janeiro, Tipografia do Jornal do Commércio, de Rodrigues & C., 1926, 74 páginas e 8 quadros.
[40] "Em relação à serra, a conclusão é perfeita e do mesmo modo se manifestaram, a própria administração da estrada, o sr. inspetor de Portos e o dr. Alfredo
Lisboa. Aos trechos de aquém e além serra, a conclusão não se aplica, pois nesses trechos a capacidade da São Paulo Railway é quase ilimitada.
"Nessas condições, o problema ferroviário não é, como as associações mencionaram em sua exposição, a urgente necessidade da 'construção de uma nova linha na serra, que reúna os trechos existentes de aquém e além serra, sem quebrar a capacidade
destes'. E que essa construção nada tem de impossível, os recentes estudos da Central do Brasil o provam. Com efeito, a região em que a nova linha da São Paulo Railway terá de passar é quase a mesma em que o dr. Carlos Euler, profissional de alta
e reconhecida competência, projetou construir o ramal daquela estrada, de Mogi das Cruzes a Santos, com a despesa total orçada em cerca de 50.000:000$000". Idem.
[41] "Estou certo de que o dr. Alfredo Lisboa, estudando
melhor o problema da construção do novo cais de Santos, optaria por um sistema de custo muito menor, que o daquele que sugeriu em seu parecer. Só nessa verba ele conseguiria uma redução, que não andará longe de 2/3 do preço considerado. Do mesmo
modo, não será pequena a redução que obteria na construção de muralhas de arrimo e na dragagem. E não é difícil compreender que essas reduções sejam possíveis, atendendo ao custo de tudo o que está feito, muralhas, aterros, armazéns, calçamentos,
toda a instalação do cais e mais a instalação hidrelétrica de Itatinga, custo que não excedeu de 32:300$000 por metro corrente de cais. Não há dúvida que os preços cresceram e que hoje a reprodução do que ali existe exigiria capital muito maior,
mas esse crescimento de preços não é tão grande que eleve o custo, apenas, da muralha, à importância 23% maior que o custo verificado do atual cais, instalado e em pleno funcionamento". Idem.
[42] "A esse excesso na previsão das despesas a realizar em Santos correspondeu, em relação a São
Sebastião, previsão excessiva, também, mas em sentido oposto. Lá, só a muralha, com 1.700 metros, exigirá 68.000:000$000; aqui, toda a obra, compreendendo cais com 300 metros mais, de desenvolvimento, com armazéns, com aterro, calçamentos,
linhas, guindastes e todo o aparelhamento, não custará mais de 30.000:000$000! Por muito especial consideração ao dr. Lisboa, essa soma se admitiu a adição do custo do quebra-mar, que a elevou a 36.000:000$000.
"Mas, o maravilhoso orçamento não foi organizado por aquele eminente técnico, que se limitou a dizer que 'as obras estão orçadas em 30.000:000$000'; nenhuma palavra ele escreveu em apoio desse valor. Em seu parecer, além do custo provável do
quebra-mar, só se encontra, em relação ao preço provável das obras do porto de São Sebastião, a previsão de 20:000$000, como custo do metro corrente de muralha". Idem.
[43] A quinta razão que, como se viu, alegava ser o custeio do tráfego em São Sebastião menos
elevado que em Santos, estava implicitamente impugnada com as outras. Escreveu Oscar Weinschenck: "A quinta razão oferecida pelas associações contra Santos se refere ao custeio dos serviços do porto, que dizem se elevar muito em virtude da
dragagem, de que São Sebastião não necessitará.
"Sobre a magnitude desse trabalho já disse o dr. Alfredo Lisboa o que podia dizer para demonstra a improcedência do argumento levantado contra a ampliação do porto de Santos. Já expliquei o que tem sido o trabalho de dragagem executado pela
Companhia Docas.
"Sendo esse o único motivo alegado como encarecedor do custeio de Santos, parece desnecessário alongar este trabalho em contestação dessa razão". Idem.