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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 68

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 516 a 526:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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QUINTA PARTE (1916-1925)

Capítulo LXVIII

A sétima campanha

Como já ocorrera antes, acumularam-se em Santos mercadorias chegadas e a se exportarem, com as inevitáveis querelas sobre a responsabilidade disso entre a São Paulo Railway e a Companhia. Iniciada em fins de 1923, essa situação durou todo o ano de 1924, prolongando-se até o terceiro quartel de 1925. No início daquele, abriu as baterias a Tribuna, culpando de tudo a estrada. Depois de acentuar que desde o armazém 1 ao 27, inclusive os pátios, tudo estava cheio de cargas, escreveu (28 de janeiro de 1924):

É doloroso afirmar-se que, em muitos casos, a mercadoria permanece no cais tempo muito maior do que aquele que foi gasto pelo navio que a conduziu ao porto, por mais longa que tenha sido a viagem; e daí os incalculáveis prejuízos devidos à oscilação cambial, às avarias, constantemente verificadas, às depredações, à paralisação das indústrias etc.

A situação atual do cais é mais séria do que talvez imaginem aqueles que não conhecem os serviços do nosso porto nos seus múltiplos detalhes.

A pletora de cargas no cais, no momento atual, seria a repetição do que se deu há 10 ou 12 anos, se não tivéssemos de aduzir as circunstâncias de que naquela época, em que o cais foi, como agora, ameaçado de uma crise de transportes, a sua extensão era mais diminuta, com menor número de armazéns alfandegados, ao passo que a estrada de ferro inglesa não acompanhou a mesma evolução e se manteve estacionária com o mesmo ou talvez com menor número de vagões para atender aos constantes reclamos do nosso comércio e indústrias.

Nesse sentido, a Companhia União dos Transportes e o Centro dos Proprietários de Carroças da cidade solicitaram à mesma estrada de ferro providências sobre a falta de pessoal e material rodante [34]. Mas a São Paulo Railway declinou a responsabilidade, dividindo-a, como antes, com a empresa. Vinha soando, como um bordão também, quanto à estrada de ferro, a necessidade de se libertar o Estado de seu domínio, com o estabelecimento de outra linha, demandando porto novo, São Vicente ou São Sebastião.

Respondendo ao Centro dos Despachantes Aduaneiros, que também havia representado sobre a falta de vagões, disse a superintendência que já tinha a estrada tomado suas providências, mas que estas exigiam alguns meses. Se as Docas de Santos trabalhavam à noite, bem como nos domingos e feriados, o mesmo fazia a estrada. Além de que, era raro o dia em que tinha aquela carregados os vagões remetidos. Argumentou a São Paulo Railway (Tribuna, 13 de fevereiro de 1924):

Se a causa da congestão nas Docas é inteiramente devida à falta de vagões, que vantagem advém ao comércio em retirar as suas mercadorias do cais e transportá-las pela rua aos armazéns desta estrada, como está fazendo em proporção cada dia mais crescente, ao ponto de prejudicar o serviço próprio daqueles armazéns, que é lidar com o tráfego local da cidade e não de importação?

Como é que o fato do carregamento nos armazéns da estrada faz surgirem vagões se eles não existem? Deve haver, certamente, alguma vantagem, senão o comércio não incorreria na despesa do carreto. Isto parece indicar que há algum defeito na distribuição de vagões no cais, serviço esse que não está a cargo da São Paulo Railway. Além disso, um carregamento diário de 339 vagões está longe de poder ser considerado como diminutíssimo.

Tendo se agravado a situação, comunicou o Centro de Navegação Transatlântica ao público que as companhias nele associadas declinavam toda responsabilidade por qualquer prejuízo ocorrente (20 de março de 1924). E a São Paulo Railway decidiu, com protesto da Associação Comercial de Santos, suspender o tráfego de mercadorias do interior para Santos (20 de março de 1924). "A resolução da São Paulo Railway, de suspender o transporte de mercadorias para esta cidade, comentou a Tribuna local (21 de março), é simplesmente monstruosa".

Já presidente da Companhia, Guilherme Guinle esteve em São Paulo para combinar as medidas possíveis, entre as quais a revogação de uma circular do inspetor da Alfândega, revogação já pedida pela Associação Comercial e que se realizou
[35]; o transporte para os armazéns externos das mercadorias da tabela H, tais como juta, cimento e outras; e a construção de silos especiais para descarregamento do trigo, ficando cada moinho com o seu silo privativo; e a preferência para descarga do trigo, bacalhau, batatas e outros gêneros de importação de imediato consumo.

Sobre as demais providências, dizia o Relatório da Diretoria, de 1925:

Efetivamente, não nos temos descuidado da tarefa de manter as nossas instalações sempre capazes de atender ao tráfego crescente do porto, e, ainda no relatório anterior, a diretoria teve oportunidade de se referir às obras que realizou no período de 1914 a 1920, apesar das dúvidas e dificuldades decorrentes da conflagração europeia.

No momento atual, a Companhia não tem poupado esforços no sentido de minorar os efeitos dessa situação anormal sobre o comércio e a indústria. Assim é que:

a) Obteve do Governo o alfandegamento de 2 de seus armazéns externos, para que passassem a receber mercadorias de importação, e tomou a seu cargo a vultuosa despesa de transporte destas mercadorias, da faixa do cais para aqueles armazéns;

b) Resolveu aceitar a despacho para a estrada de ferro as mercadorias desembarcadas pela Alfândega, não obstante a demora das mesmas sob sua guarda à espera de transporte, evitando, com isso, para o comércio, a pesada despesa de armazenagem a que tais mercadorias ficariam sujeitas;

c) (N. E.: SIC - no original inexiste o item "c", aparecendo os itens "d" e "e") nenhuma restrição tem feito na movimentação da mercadoria, desde que dessa movimentação possa resultar vantagem para o desembaraço dos vapores, ou para melhor aproveitamento dos vagões da via férrea; e finalmente,

d) Atendeu à solicitação de seus operários no sentido de lhes ser elevada a remuneração, representando isso um aumento de mais de 2.000 contos anuais nas folhas de pagamento do seu pessoal.

Aludindo ao fechamento da conta de capital, havia dito J. C. de Macedo Soares, presidente da Associação Comercial (Estado de São Paulo, 16 de fevereiro de 1924):

Isso quer dizer que o Governo da União tem resolvido dar por terminado o cais de Santos. Sabe, entretanto, o comércio de São Paulo que as atuais instalações não bastarão, muito em breve, às necessidades do nosso porto.

O cais construído já tem sido, por vezes, totalmente ocupado, e ocasiões houve em que as empresas de navegação tiveram de encostar seus navios aos que já se achavam atracados, formando dupla e até tripla fileira. Além disso, é pouco profundo o nosso porto e não pode receber embarcações de maior calado.

Deve, portanto, o Governo de São Paulo pleitear contra a paralisação das obras do porto de Santos, que precisa acompanhar o vertiginoso progresso do Estado, para não entorpecer as forças vivas da lavoura, das indústrias e do comércio.

Se o cais precisava se prolongar no futuro – e isso constituiu o motivo da sétima e última campanha -, a verdade era que, então, não respondia ele pelo abarrotamento.

Em 1920 haviam pedido Augusto Ramos e Eugenio de Lacerda Franco concessão para um porto em São Vicente. Escreveu-se a respeito (Jornal do Commercio, 28 de julho de 1920):

Entre os motivos que justificam a construção do novo porto figuram como principais e dominantes estes:

As atuais Docas de Santos estão manifestamente reconhecidas como insuficientes para dar vazão ao tráfego marítimo, cada vez maior e mais crescente, principalmente pelo notável aumento da nossa exportação.

Além disso, o calado das Docas e mesmo da entrada da barra, não comportam vapores de certas tonelagens. O porto de Santos, o primeiro dos portos brasileiros, no ponto de vista de facilidades técnicas, é consideravelmente inferior aos do Pará, Recife, Bahia, Rio e, dentro em breve, inferior até ao do Rio Grande.

Adiante:

Ao mesmo tempo que perde em confronto, a zona por ele servida tem se desenvolvido assombrosamente. O porto de Santos não serve somente aos interesses de São Paulo, serve também aos do Triângulo Mineiro, do Norte do Paraná e dos estados de Goiás e Mato Grosso.

Além disso, num futuro por certo bem próximo, estará ligado à Bolívia e a outras repúblicas sul-americanas.

O memorial técnico, que instruiu o pedido dos concessionários e que deverá servir de base para os respectivos estudos por parte do Governo, é uma peça cuidadosamente confeccionada e bem acabada contendo numerosos detalhes sob todos os pontos de vista, sob todos os aspectos.

A Associação Comercial de São Paulo procedeu o inquérito, no qual era expressa a procura de outro escoadouro, com porto e linhas diversas. O resultado foi um extenso estudo técnico preliminar sobre que depuseram várias autoridades, concluindo pela necessidade da construção de São Sebastião
[36]. Oscar Weinschenck responderia a esse estudo conforme se verá adiante. Examinando as causas da crise tal estudo chegou às seguintes conclusões parciais:

a) O fator predominante, senão exclusivo da crise, foi a deficiência do serviço ferroviário entre Santos e o interior;

b) O congestionamento do porto não se deu por esgotamento da capacidade das instalações, quer das Docas, quer da São Paulo Railway.

E os remédios foram os seguintes:

a) Ligação ferroviária do porto de São Sebastião à cidade de São Paulo e a Santos, merecendo estudo o projeto de construção de um ramal de Mogi das Cruzes a Jundiaí, ou Campinas, ou ambas essas cidades, destinado a servir à exportação;

b) Aparelhamento do porto de São Sebastião;

c) Adoção, para esse porto, do regime de autonomia portuária;

d) Estabelecimento, nesse local, de um porto franco ou zona franca.

Um dos ouvidos, James Blandy, escreveu quanto a Santos e seu substituto:

Vultosas obras seriam necessárias para uma ampliação de sua capacidade, em condições de atender por mais alguns anos às necessidades sempre crescentes do nosso comércio.

Os algarismos que exprimem este aumento têm sido bastante divulgados, e mostram à evidência que, dentro de mais alguns anos, o porto de Santos, ainda que tenha aumentado a sua capacidade para as necessidades presentes, tornar-se-á de todo insuficiente para concentrar o movimento, não só do comércio de São Paulo, como também dos estados de Mato Grosso, Goiás, do Sul de Minas, Norte do Paraná etc., tributários que são do nosso único porto.

Por outro lado, as opiniões do ilustre técnico, que tem dirigido comissões encarregadas do estudo dos nossos portos, são unânimes em afirmar a superioridade do vizinho porto de São Sebastião, onde a par da grande extensão de costa naturalmente adaptada à construção de cais, acha-se mais que suficiente calado para atracação dos maiores vapores que fazem carreiras para a América do Sul.

Quanto à rede ferroviária, e depois de várias considerações:

Esta grande artéria, atravessando o nosso Estado em uma longa diagonal, é que precisa ser ligada a São Sebastião e, para que esta ligação desempenhe amplamente o papel a que é destinada, deverá derivar para aquele porto o comércio das três grandes ferrovias do Estado: a Paulista, a Mogiana e a Sorocabana, sem o que a sua eficiência seria diminuta. Ligar uma dessas estradas, isoladamente, ao porto, é solução acanhada e de pouca utilidade.

Para que se possa obter o desideratum de descongestionar o nosso sistema ferroviário, devemos abrir mão de interesses regionais e definitivamente estabelecer um plano de viação capaz de atender às necessidades de todas as ferrovias do Estado.

Além disto, uma companhia recém-criada, a Companhia de Melhoramentos do Litoral, propunha-se construir um porto, com 1.500 metros, garantido o juro de 8% sobre 24 milhões de dólares. Mudava, assim, a frente de luta para a empresa, pois a ameaça não estaria mais no prolongamento do cais em Santos, mas na construção de outro, vizinho.

Como os demais ensaios, este não passaria de projeto. Bastava provar que, para as necessidades do momento, era suficiente o cais em tráfego; e para que surgissem no futuro a Companhia estava pronta a fazer as necessárias obras. Guilherme Guinle deu a público, a este propósito, algumas palavras. Lembrando quejá em 1913 a Companhia propusera prolongar a muralha, voltando à carga desde então em diante, evocou dizeres de seu ofício ao ministro da Viação (O Jornal, 13 de junho de 1925):

O nosso aparelhamento atual e linha de atracação vão se tornando insuficientes à movimentação crescente das mercadorias, que passam pelo cais; e é lamentável que, em obras que exigem largo prazo para construção, se deixe a resolução do problema para a última hora.

A essas providências vem juntar-se a necessidade de solução do tráfego da São Paulo Railway, também deixada para o último momento, depois da crise manifestada e que entretanto se vinha desenhando há longos anos.

Concluindo:

Não estou longe de concordar com a Associação Comercial de São Paulo no que diz respeito à construção de novos portos no litoral paulista, mas desejaria que ela recomendasse ao Governo Federal ou Estadual, nesse estudo, que as concessões fossem sem garantia de juros, pois a Companhia Docas de Santos se prontifica a ampliar o porto de Santos sem esse ônus para o Governo Federal e não parece razoável que o Estado de São Paulo, que pode gozar de tal regime, vá conceder garantia de juros, onerando o Tesouro sem necessidade.

Foi, porém, o próprio Governo Federal que se incumbiu de provar em longo relatório da Inspetoria Federal de Portos, Rios e Canais que o abarrotamento de Santos não se devia à Companhia. No confronto com o Rio de Janeiro, ia resposta implícita às censuras, tão frequentes até então, sobre o aspecto material das obras de Santos e sua pretendida inferioridade, a certos respeitos, sobre o Rio de Janeiro.

Disse Hildebrando de Araujo Góes no seu relatório de 1924:

Preliminarmente, convém acentuar que a crise de abarrotamento manifestada ultimamente no grane porto santista, é a meu ver mera consequência da sensível falta de material rodante nas estradas de ferro que o servem.

Que a crise não é determinada pela insuficiência de extensão de seus cais acostáveis ou pela falta de correspondência entre a distribuição de seus armazéns e aparelhamentos com o presente movimento comercial, demonstram-no sobejamente os coeficientes de aproveitamento do seu cais durante os últimos cinco anos, cotejados com os verificados no quinquênio anterior à grande guerra europeia, como se depreende do quadro n. 1.

Nesse quadro, a tonelagem de exportação e importação, movimentada no cais por metro linear, passou de 332 em 1909 a 464 em 1913; e de 347 em 1914 a 431 em 1923. Dando ao segundo semestre de 1914 o mesmo movimento que o primeiro (o relatório era de setembro desse ano), ter-se-iam 472 toneladas movimentadas, o que não estava longe das 464 de 9113, isto é, a maior antes da guerra.

Continuou o Relatório:

O simples exame deste quadro evidencia, para logo, as seguintes imperiosas conclusões:

1º - que o tráfego do porto, depois de ter passado, em 1913, por um máximo, caiu, em seguida, devido primacialmente às consequências gerais promanantes da guerra mundial, para logo depois se elevar novamente durante os últimos anos, aproximando-se mesmo sensivelmente daquele máximo em 1923.

2º - que no ano fluente, tomando-se por base o movimento alcançado no primeiro semestre, o máximo verificado em 1913 será talvez ligeiramente excedido.

3º - que a flutuação do tráfego no porto de Santos resulta quase exclusivamente do movimento da importação de origem estrangeira.

Concluindo:

Como vê v. excia., bastavam tão somente estas conclusões a que chegamos, levados forçosamente pelas preciosas informações fornecidas pelo referido quadro estatístico, que reflete o movimento do porto santista, quer antes quer após a conflagração europeia, para ficar evidenciado à saciedade que é perfeitamente fantasista e infundada a alegação de haver crise portuária manifestada em Santos.

Se existe, realmente, essa crise portuária em Santos, como explicar-se então logicamente o fato de ter sido em 1923 movimentada, sem congestionamento algum, uma tonelagem de mercadorias maior do que no ano próximo passado, quando já se esboçava, ameaçadoramente, a crise atual?

O confronto com o porto do Rio de Janeiro mostra que, no cais do Rio, o movimento em 1923 foi 44,5% mais intenso do que o de Santos, visto o coeficiente de aproveitamento em nosso porto ter sido, naquele ano, de 623.218 toneladas por metro linear.

Tais argumentos eram bastantes. Mas a Inspetoria Federal quis ir mais longe, para provar, examinando Santos como porto e em relação ao Rio de Janeiro, que o abarrotamento não era proveniente da insuficiência do comprimento do cais, como não era tampouco do seu aparelhamento, da falta de armazéns, de instalações especiais ou de linhas férreas.

Assim, quanto ao comprimento do cais:

O comprimento útil do cais construído é de 4.720 metros lineares. Quanto à profundidade junto à muralha do cais, em águas mínimas, se observam as seguintes condições:

a) 2.271 metros lineares, com a profundidade mínima de 7,0 m.
b) 2.449 metros lineares, com a profundidade mínima de 8,0 m.

No ancoradouro e no canal de acesso, as sondagens recentes, executadas pela fiscalização do porto, acusaram a profundidade mínima de 8,0 m. No banco da barra, a profundidade mínima verificada foi de 9,0 m.

Vimos que o coeficiente de aproveitamento observado, em 1923, foi de 431 toneladas por metro linear, o que é folgado em comparação com as 623.218 toneladas verificadas no porto do Rio de Janeiro.

Quanto ao aparelhamento para carga e descarga:

Quanto ao aparelhamento para carga e descarga de mercadorias, estão instalados 31 guindastes hidráulicos, 60 elétricos e 5 a vapor, além de 4 carregadores mecânicos para café, que podem fazer cada um o embarque de 2.000 sacas por hora, sendo, entretanto, de 1.600 sacas por hora o carregamento normal.

Sendo o café o principal produto de exportação do Estado, tendo contribuído, em 1923, com 60% da tonelagem das mercadorias saídas pelo porto de Santos, vê-se de como aquelas instalações especiais cooperam valiosamente para o aumento de utilização do cais.

Cotejando o aparelhamento de Santos com o do Rio de Janeiro, quanto aos guindastes disponíveis nos dois portos, encontramos, em relação ao movimento geral de mercadorias, em 1923:

Em Santos - 95 guindastes para 2.035.844 toneladas.

No Rio – 90 guindastes para 2.055.375 toneladas.

É bem de ver que esse confronto está longe de exprimir a realidade absoluta dos fatos, pois no movimento geral de mercadorias foram computadas as que não se utilizaram dos guindastes para serem movimentadas.

Não obstante esta observação, pela comparação que vem de ser feita, tem-se uma ideia aproximada da grandeza relativa do aparelhamento instalado em Santos, que autoriza a se concluir que, ainda sob este ponto de vista, o porto santista está fartamente aparelhado.

No ponto de vista dos armazéns, ocorria o seguinte:

Sob o aspecto da armazenagem de mercadorias a situação atual é a que passamos a descrever.

Na faixa interna do cais, encontram-se 26 armazéns dispondo de 88 guindastes pontes e abrangendo 55.611 metros quadrados de área coberta. Esta área deve ser majorada de 10.809 metros quadrados, pois os pátios compreendidos entre os armazéns foram parcialmente cobertos e estão utilizados para abrigo e guarda de mercadorias.

Estas parcelas, somadas, acusam 66.420 metros quadrados de área coberta, ou sejam, em média, 14,07 metros quadrados por metro linear de cais em exploração.

Dos 26 armazéns supra mencionados, oito existem ocupados, presentemente, com mercadorias nacionais, ou nacionalizadas, sendo seis armazéns e pátios correspondentes, com 16.404 metros quadrados, reservados para cabotagem, e dois outros abrangendo 7.200 metros quadrados ocupados com gasolina e querosene em caixas, mercadorias que para ali entram já desembaraçadas pela Alfândega.

Mais:

Descontadas as áreas relativas a esses oito armazéns, das quais acima indicamos, restam, como disponíveis na faixa alfandegada do cais, para atender a toda a importação estrangeira, 42.816 metros quadrados de área coberta, que seriam amplamente suficientes se não ocorresse a demora anormal, que hoje se nota, na saída das mercadorias armazenadas.

Tendo v. excia. pelo aviso n. 155/G, de 12 de abril último, declarado alfandegados dois armazéns externos, a área disponível para abrigo das mercadorias, oriundas de exportação estrangeira, foi majorada de 16.000 metros quadrados.

Fora da zona alfandegada, dispostos em quatro filas, existem os grandes armazéns externos, em número de 16, compreendendo uma área coberta de 130.158 metros quadrados destinados a atender ao armazenamento do café e de outras mercadorias de exportação ou de mercadorias nacionalizadas. Nunca se manifestou qualquer deficiência nessa parte das instalações das Docas, que acabam até de ceder metade de um desses armazéns externos para funcionamento provisório da Alfândega de Santos.

Adiante:

Ainda, a este respeito, o porto do Rio de Janeiro não está em melhores condições, pois conta com 18 armazéns construídos na faixa interna do cais e vários pátios cobertos abrangendo uma área coberta de 69.400 metros quadrados e com 96 armazéns externos, ocupando uma área de 46.100 metros quadrados.

O porto de Santos dispõe ainda de vários armazéns especiais a que nos devemos referir:

a) Dois armazéns para inflamáveis e explosivos construídos no local denominado Alamoa, a cerca de dois quilômetros do extremo do cais, na direção do interior da baía, e servidos por via férrea;

b) Para o armazenamento de óleo combustível, estão instalados quatro reservatórios cilíndricos de ferro laminado, com a capacidade, cada um, de 8.000 metros cúbicos, localizados no extremo do cais, próximo à estação da São Paulo Railway, devidamente munidos com as necessárias bombas e canalizações;

c) Um armazém frigorífico para frutas, legumes, cereais e outras mercadorias que necessitem de ser refrigeradas, e onde se procede, também, à congelação de carnes, quando pedida;

d) Um armazém de bagagem, em Paquetá, com 1.325 metros quadrados de área coberta.

Todas essas instalações têm a capacidade necessária para os fins a que se destinam.

Assim, ainda sob este terceiro aspecto, do mesmo modo que sob os dois outros, não pode ser esta a causa do congestionamento de mercadorias que aí se verifica presentemente.

Quanto à rede ferroviária:

Quanto à rede de linhas férreas no cais, nota-se não haver dificuldade alguma no tráfego dos trens, nem na movimentação dos vagões, apesar de existir uma única ligação com a São Paulo Railway, em um dos extremos do cais.

Para atender a esse serviço há, ao longo dos armazéns, no mínimo quatro linhas.

É de grande conveniência, para facilitar o serviço de manobras entre as linhas existentes na faixa do cais e as da São Paulo Railway, uma modificação nas linhas de ligação. A nova ligação, na parte cuja execução dependia das Docas de Santos, já foi realizada, faltando apenas que a São Paulo Railway a complete na parte que lhe diz respeito.

No Rio de Janeiro o tráfego entre as estradas de ferro e as linhas assentadas ao longo da faixa do cais não assume importância de monta porquanto a Capital Federal é, de fato, um entreposto distribuidor da mercadoria importada, que, na sua totalidade, sai dos armazéns, pelas ruas, em demanda dos depósitos particulares existentes no centro da cidade.

Em Santos, no entanto, aquele tráfego adquire grande importância, porque quase toda a importação se destina ao interior do Estado e principalmente a São Paulo, que, no caso, funciona então como entreposto distribuidor.

Dessa circunstância resulta a estreita interdependência que em Santos se observa, entre o tráfego ferroviário e o tráfego do cais. Daí a necessidade de se dispensar especial atenção ao problema, sobremodo importante, da movimentação dos vagões da estrada de ferro sobre as linhas do cais. Daí também a necessidade inadiável de ser concluída urgentemente a ligação, a que acabamos de nos referir, e já realizada em parte, como se vê na planta geral do porto.

Não mais em documento oficial, mas numa entrevista pública, o inspetor federal de Portos, Rios e Canais comparou Santos a outros portos, afirmando (dentro da relatividade do paralelo, pois as condições mudavam em cada qual) que, para aquele momento, pelo menos, Santos correspondia ao que dele se exigia.

Já em 1907, relembrou Hildebrando de Araujo Goes, Francisco Bicalho havia dado a Calais o rendimento médio de 133 toneladas por metro; ao Havre, 350; a Boulongne, 479; a Buenos Aires, 540; a Gênova, 590; a Santos, 594; a Marselha, 605; a Antuérpia, 1.100. O coeficiente de utilização brasileira não eram, assim, dos menores, podendo ultrapassar as 600 toneladas referidas pela Associação Comercial de São Paulo.

O mais interessante, porém, era que a importação, sim, exigia desenvolvimento do cais. A exportação não mudara essencialmente – resposta cabal aos que, a propósito do café e outros artigos de São Paulo, viviam clamando contra a deficiência do cais como embaraço à "formidável exportação paulista" (O Jornal, 21 de junho de 1925):

A tonelagem atual da exportação de São Paulo através o seu único escoadouro não é muito diferente da verificada há vinte e quatro anos atrás:

  Anos Importação Exportação Total
  1902 532.942 584.915 1.117.857
  1924 1.459.829 767.872 2.227.701

A tonelagem referente à exportação, sendo em 1924 aproximadamente idêntica à verificada em 1901, o que triplicou foi a importação. Deve-se pois ao aumento de importação o fato de ter dobrado, num período de quase vinte e cinco anos, o movimento comercial de São Paulo, feito pelo porto de Santos.

A consequência é que o congestionamento do porto paulista se produz devido à flutuação do movimento, não da exportação, mas exclusivamente, unicamente, tão somente do de importação de origem estrangeira.

A situação atual do porto de Santos, como acabo de mostrar, não contribui, por forma alguma, para que o Estado de São Paulo deixe de exportar uma grama sequer da sua produção.

Ao contrário. Não haveria congestionamento algum, a esta hora, em Santos, se as 2.227.701 toneladas, que constituíram a totalidade do seu tráfego comercial, estivessem igualmente subdivididas entre a exportação e a importação.

Era para a adaptação do porto às necessidades futuras que olhava a empresa – importação de trigo, carvão, gasolina. Mas só seria possível com obras novas, aberta de novo a conta do capital, o que só sucederia no decênio seguinte. Disse o Relatório da Diretoria de 1925:

Se, porém, no momento atual, a situação do porto de Santos é satisfatória quanto à capacidade das suas instalações, é indispensável que se cogite desde já da sua ampliação, atendendo, por um lado, ao rápido desenvolvimento da região a que serve e, por outro, ao prazo necessário para a execução das obras respectivas, que é longo.

Há, além disso, a considerar:

1º - que, em um porto da importância do de Santos, é indispensável tornar independentes a descarga ou o carregamento dos vapores, do movimento dos vagões da via férrea;
2º - que o calado dos grandes transatlânticos tem crescido, impondo aos portos de primeira ordem a necessidade de oferecerem águas com 10,00 m de profundidade, no mínimo.

Concluindo:

Foram esses os motivos que levaram a diretoria da Companhia a mandar estudar a ampliação de suas instalações e a se entender com o Governo Federal para levá-las a efeito.

Já está autorizada a construção dos silos e a de quatro tanques de aço para o armazenamento de gasolina a granel, aos quais nos referimos acima no presente Relatório. Estas duas obras têm por objetivo tornar independentes a descarga dos vapores e o movimento dos vagões da via férrea.

Com o mesmo objetivo prosseguem os estudos das instalações necessárias à descarga e armazenamento do carvão e seu carregamento em vagões; em breve, será iniciado o estudo do aprofundamento do porto, do canal de acesso e da barra.

A 10 de setembro de 1925 estava normalizado o movimento. Congratulou-se o comércio local com o inspetor de Portos, Rios e Canais [37]. Noticiando-o, não deixou a empresa de acentuar que isso se deu apesar de crescer a tonelagem das mercadorias importadas, pois no primeiro semestre de 1925 foi ela superior em 36% à de 1924 e 43% acima do segundo semestre de 1924. Foram do Jornal do Commercio estas palavras (9 de setembro de 1925):

A questão do congestionamento do porto de Santos provocou muita discussão. Muitos interessados, na maior boa fé, começaram a atribuir a crise a uma porção de causas complexas, pedindo para isso as providências mais largas e de mais demorada aplicação.

Diante das reclamações que se repetiam e ampliavam, o sr. dr. Francisco Sá, ministro da Viação, encarregou o sr. dr. Hildebrando de Araujo Goes, inspetor de Portos, Rios e Canais, de proceder sur place a um inquérito sobre as causas do congestionamento que tanto prejudicava o comércio paulista.

O sr. dr. Hildebrando de Araujo Goes, com grande competência técnica e perfeita isenção, estudou o assunto e concluiu que o porto estava em condições de receber movimento ainda maior e que a causa real do congestionamento era a deficiência da capacidade de transporte da S. Paulo Railway. O rendimento do cais poderia ser maior, o que estorvava era o transporte para fora de Santos das mercadorias desembaraçadas agora; a situação vai melhorando e se vai normalizando em Santos, graças às providências da S. Paulo Railway, que confirmam as observações do sr. dr. Araujo Goes.

Imagem: reprodução parcial da página 516


[34] As mesmas corporações representaram à Associação Comercial de Santos, solicitando intercedesse "como legítima representante dos interesses do comércio desta cidade, junto à superintendência da São Paulo Railway Co., para que seja posto paradeiro eficaz ao atual modo pelo qual está sendo feito o serviço de recebimento de cargas para despacho, na seção de importação daquela estrada de ferro". 11 de fevereiro de 1924.

[35] "O sr. inspetor da Alfândega local, reconhecendo o erro em que incorreu o seu antecessor, baixando a portaria n. 514, que veio criar sérios embaraços ao comércio e à navegação, resolveu modificar em parte essa portaria, para o quê enviou hoje à Companhia Docas o seguinte ofício:

"Levo ao vosso conhecimento que, atendendo à crise de transporte de mercadorias na Estrada de Ferro São Paulo Railway, uma das principais causas do congestionamento de carga nos armazéns dessa companhia, e ainda aos interesses do fisco e do comércio em geral, resolvi, por ato de hoje, alterar, em parte, as determinações do meu antecessor, sobre o depósito e conferência de cargas estrangeiras nos respectivos armazéns, transmitidas a essa superintendência com o ofício n. 514, de 19 de julho do ano passado. Assim peço vossas providências no sentido de serem executadas aquelas determinações com as seguintes modificações". Telegrama de Santos. Estado de São Paulo, 1 de abril de 1924.

[36] Ver: Associação Comercial de São Paulo. A crise do porto de Santos (Estudo preliminar). São Paulo, 1925, 315 págs.

[37] "Temos a honra de congratular-nos com v. s. pela terminação desde o dia 1 do mês passado da crise que tantos prejuízos acarretou ao comércio e à indústria deste Estado, proveniente do congestionamento do nosso porto, cujos serviços se normalizaram devido aos esforços ultimamente empregados pela São Paulo Railway, fornecendo à Companhia Docas de Santos vagões em número suficiente para o transporte das mercadorias desembaraçadas. Atenciosas saudações. – Pela Associação Comercial de Santos. – A. S. Azevedo Junior, presidente. – Godofredo de Faria, 1º secretário'.