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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 65

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 494 a 504:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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QUINTA PARTE (1916-1925)

Capítulo LXV

Sua projeção de novo no foro

Propôs-se ação judicial para anulação da cobrança das capatazias, e, não prevalecendo, para sua redução, no Juizo Federal do Distrito Federal, por A. Alves Toledo & C., Naumann, Gepp & C., Société Financière et Comerciale Franco-Brésilienne e outros, firmas todas exportadoras de Santos (28 de junho de 1917).

Defrontaram-se então os mesmos antagonistas de 1912, J. X. Carvalho de Mendonça pela Companhia, M. Pedro Villaboim pelos autores. E o zelo de cada qual andou mais alto que nunca. Alegou o primeiro, referindo-se a um contrato cotalício
[17] para com os clientes, que o segundo "figura saliente do grupo que hostiliza sistematicamente os diretores da ré, colaborando na lei número 3.070 A, revelou, com o seu ulterior procedimento, ter preparado no Congresso, do qual é membro, elementos para o presente litígio, onde avulta o seu interesse patrimonial"; ao passo que ele, patrono da campanha, era apenas "seu procurador judicial, sem função pública nem situação política" [18].

Replicando, aludiu M. Pedro Villaboim à "infâmia" da asserção de ter promovido, como deputado federal, os dispositivos da citada lei n. 3.070 A; acusação absurda, porque "a presunção seria que a lei fosse imediatamente cumprida e, portanto, não desse lugar a pleitos contra a ré".

Não havia solicitado dos clientes a propositura da ação, a qual não se iniciara há mais tempo contra a "inveterada ilegalidade das capatazias cobradas pela ré" porque esta, para impedi-la, tinha lançado mão "de pedidos e empenhos, além das dificuldades com que se sentem ameaçados os exportadores e agentes de navegação no despacho dos cafés".

Os propósitos dos autores iam a todo terreno. Articulando:

Que a ré, à falta de argumentos jurídicos contra o inatacável direito dos autores e esquecida de que esta discussão se agita entre racionais, agride os autores e seu procurador, com injúrias e calúnias que não conseguirão perturbar a serenidade e absoluta firmeza com que há de levar até ao fim a missão de reivindicar o direito dos autores contra as extorsões da ré, e que terão, entretanto, em qualquer terreno, a repulsa necessária à intensidade da agressão.

Quanto ao fundo, alegaram os autores que, não tendo a Companhia direito às capatazias, não o tinha tampouco na parte mandada reduzir pela lei. Não dando a Companhia recibo dessas taxas, tinham sido eles obrigados a recorrer à Recebedoria de Rendas do Estado, segundo a qual a Companhia havia exportado, antes de 5 de janeiro de 1916, 11.672.274 sacas de café e depois 7.062.200 sacas, além de 25.000 de feijão, 27.100 de arroz, o que devia tudo ser restituído com os juros, mais a abstenção de cobranças no futuro.

Respondeu a Companhia com os argumentos conhecidos sobre seu direito às capatazias e sua não redução; sendo falsa a alegação da recusa dos recibos, pois os dava sempre e a todo o tempo, de acordo com o artigo 940 do Código Civil e seus regulamentos, com referência expressa à quantidade e peso da mercadoria embarcada e o cálculo das taxas a pagar
[19].

Acrescia que não tendo a União mandado aplicar a lei n. 3.070 A, de 1915, aos portos de Manaus, Belém, Bahia e Rio Grande do Sul (e mesmo diante da dúvida de um deles, ordenado se continuasse a cobrança), não podia excetuar Santos, cuja exploração se fazia, como aqueles, sob contrato.

Se houvesse dúvida sobre o caráter revogável da capatazia antes de 1909, depois dessa data não era isto mais possível, argumento tanto mais procedente quanto as reduções de capatazias sobre madeiras nacionais, a dispensa das recaindo nas mercadorias destinadas a instituições pias e beneficentes, entre as quais a Santa Casa da Misericórdia de Santos, a Santa Casa da Misericórdia de São Paulo, a Associação Paulista dos Sanatórios Populares contra a Tuberculose, a Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos e o Hospital Samaritano de São Paulo etc., se haviam feito mediante acordo com o Governo.

Além disso, dentre os autores, muitos eram companhias e exportadores por conta de terceiros e poucos por conta própria, "achando-se todos eles inteiramente embolsados das despesas porventura feitas com o serviço de embarque de mercadorias no cais de Santos, pois tais despesas, como os juros, ou correram por conta dos comitentes ou foram incluídas no preço da revenda".

Com o libelo, a contestação, a réplica e a tréplica, as alegações finais da Companhia na 1ª instância, subiram a 185 páginas, na edição impressa de 1919, e a 195 na de 1924. Passa-se aí em revista, como em 1912, as origens da Companhia, suas taxas, os decretos que as legalizaram, as tentativas de revogação sofridas e a inalterável decisão administrativa e judiciária mantendo a de capatazias
[20].

Agora, na primeira instância, ainda se reafirmaria essa tradição; não se reconhecendo, porém, à empresa direito à resistência à redução, depois de 1916. Proferiu a sentença o juiz Octavio Kelly (15 de abril de 1920). Quanto à legitimidade da capatazia:

A questão principal a se decidir nestes autos repousa em se saber se a ré tem ou não direito de cobrar, além das taxas de carga e descarga de mercadorias embarcadas ou desembarcadas no porto de Santos, a contribuição denominada "expediente de capatazias", e se esta, na vigência do contrato, celebrado com o Governo, é suscetível de alteração para mais ou para menos, por ato da legislatura ou do Executivo e sem aquiescência da concessionária.

O exame dos elementos fornecidos pelas partes para a solução do litígio não autoriza a se concluir que seja defeso à ré arrecadar a taxa de capatazias, porquanto:

a) O decreto n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, que rege os contratos para a construção de portos dotados de docas e armazéns apropriados à carga, descarga, guarda e conservação de mercadorias de importação e exportação, dispôs no art. 1º, parágrafo 5º - "Os empresários poderão perceber, pelos serviços prestados em seus estabelecimentos, taxas reguladas por uma tarifa proposta pelos empresários e aprovada pelo Governo", e no parágrafo 7º - "o Governo poderá encarregar às companhias de docas o serviço de capatazias e armazenagem das alfândegas";

b) O contrato a que alude o decreto n. 9.979, de 1888, depois de estabelecer,na cláusula V, as taxas de atracação, deu mais aos concessionários o serviço de capatazias, distinto de qualquer outro, na técnica fiscal. E nem é de se admitir que, conferindo tal encargo à empresa, tivesse o poder público o intento de exigi-lo gratuito, quando o próprio Governo não o desempenhava, nem o desempenha, sob essa forma, na Alfândega de Santos e nas demais do país.

Quanto à redução, depois de 1916:

Falta, porém, fundamento à ré para se opor à redução de taxas, decretadas pelas leis orçamentárias de 1915 e seguintes:

I) Porque o regime da irredutibilidade instituído em benefício dos concessionários só se aplica às que constam de "tarifas propostas pelos empresários e aprovadas pelo Governo" (decreto n. 1.746, de 1869, art. 1º, parágrafo 5º) e os autos não mostram que as elevações de taxas a partir de 1895, data em que a ré se encarregou do serviço de capatazias, tivessem sido precedidas de qualquer ajuste ou convenção expressa tal como exigira aquele decreto;

II) Porque, do estudo dos fatos, se apura que a ré achou preferível fazer o serviço de acordo com as taxas que vigoravam ou vigorassem para a sua retribuição nas alfândegas, a vê-las fixadas como as demais, que percebia, no pressuposto, aliás justo, de que não seria de esperar que a legislatura pudesse estabelecê-las sem margem que permitisse a retribuição dos gastos indispensáveis à sua manutenção e custeio;

III) Porque, assim agindo, a ré, com anuência tácita do Governo, criou para essa espécie de taxas uma situação extracontratual, que prevalecerá até que se observe o preceito do citado texto do decreto de 1869.

Mais:

Se, entretanto, de um tal abandono de interesses ou imprevisão resultaram para a ré prejuízos, que ora deseja evitar, socorrendo-se da interpretação que escolheu e sustenta, a si somente os deve imputar, porquanto ela própria nunca se dispôs a satisfazer a condição contratual de cuja realização dependeria a existência do direito à irredutibilidade de semelhante taxa.

E o dilema se impõe: ou todas as contribuições decorrentes da concessão são contratuais e, na falta de sua fixação sob a forma legal, a de "capatazias" não poderia ser cobrada, ou esta se reveste de feição extracontratual e, observado o critério da sua percepção consoante se arrecadava nas alfândegas, não se pode negar o aspecto variável, a que estão estes sujeitos, não colhendo o argumento de que, tolerando a sua elevação, fosse o Estado se vinculando à impossibilidade de as reduzir na vigência de um tal regime.

Por estes fundamentos, julgo em parte procedente a ação e condeno a ré a restituir aos autores, excetuados os que desistiram a fls. 213 e 237, a diferença de taxas de capatazias que tiverem pago à ré pelas mercadorias que exportaram por conta própria, em desacordo com as leis orçamentárias, a partir de 6 de janeiro de 1916, como se liquidar na execução. Custas em proporção.

Mas ainda aí a apelação daria razão à empresa. Dez anos depois, manteria o Supremo Tribunal Federal não só a taxa das capatazias, como a sua não inclusão no disposto da lei n. 3.070 A, de 1915. Arrazoando essa apelação, escreveu J. X. Carvalho de Mendonça (maio de 1924):

Transformaram-se as condições do trabalho no mundo inteiro.

No Brasil encareceu a vida; cresceram excessivamente os salários de operários e trabalhadores.

A apelante, depois de 1916, apesar da diminuição sensível de suas rendas, mantendo os quadros do seu pessoal, concedeu o dia de oito horas, até então de doze, e majorou, por muitas vezes, os salários dos seus empregados e trabalhadores. Tornaram-se assim, consideravelmente, maiores as despesas do custeio dos serviços do cais de Santos.

A ela foram impostos novos ônus pela lei de 1919, relativa aos acidentes no trabalho.

Em resumo, o acréscimo de despesas foi de mais de 40%, não falando no custo elevado ao dobro do material indispensável para a reparação e a conservação dos aparelhos e máquinas.

O Governo Federal levantou as tarifas da Estrada de Ferro Central, do Lloyd Brasileiro e de outros serviços industriais a seu cargo; autorizou o aumento das tarifas das estradas de ferro sob o regime da concessão e do arrendamento; estuda ainda agora as reclamações bem fundadas de muitas empresas de obras públicas solicitando urgentemente o acréscimo de taxas.

No porto do Rio de Janeiro, aumentaram-se 34% nos vencimentos dos operários do cais, entrando o Governo com a metade e a companhia arrendatária com a outra metade.

Ainda:

O Estado de São Paulo encampou estradas de ferro que, no juízo dos seus dirigentes, não davam conta do serviço por falta de meios, para no dia seguinte elevar as tarifas da exploração oficial; aumentou os preços de todos os seus serviços e ainda gravou o comércio, a indústria e a lavoura com pesadíssimos impostos.

Basta lembrar que uma saca de café paga de imposto estadual a soma de 7$200 ou 120 réis por quilo, além de outras taxas, entre as quais a de 1$000, a título de defesa e propaganda do café.

As empresas de navegação elevaram altamente os seus fretes anteriores à guerra.

Em Santos, os autores ora apelados, comissários de café, comprando o saco de aniagem por preço inferior a 1$700, passaram a exigir dos seus comitentes 2$400.

Pois bem, na amargurada situação do presente, é que se pretende impor à apelante, que desempenha, com geral admiração, os serviços a seu cargo, a redução das taxas que há 28 anos percebe!

Ao se aproximar a decisão da Justiça não faltou eco público. Em São Paulo, com raras exceções [21], o sentimento era em geral contrário à Companhia. Escreveu o Correio Paulistano (29 de março de 1916):

Conhecedor da controvérsia sobre as taxas de capatazias, o dr. Cardoso, que está certo de sua ilegalidade mas que entende que essa controvérsia só pelo Judiciário poderá ser solvida, procurou sabiamente diminuir os efeitos do inveterado abuso, por um meio inatacável, o de reduzir as taxas alfandegárias.

Se a empresa das Docas de Santos tem direito a taxas de capatazias, afirmou s. excia., essas só podem ser as das Alfândegas, reduzamos, pois, as das Alfândegas, como meio de atenuar desde já o abuso.

E é este mais um serviço inestimável a registrar entre os que s. excia. tem já prestado ao Estado.

No Rio de Janeiro, onde se processava a causa, não pequena foi a repercussão pública. Ruy Barbosa dera parecer pelos autores, aludindo ao "embrulho que vai convertendo em quebra-cabeças". Respondeu J. X. Carvalho de Mendonça e publicou-se:

O sr. Ruy Barbosa não é a lei, não é o contrato. É um advogado, como nós outros mortais. Não estamos no tempo do magister omnia

À sua opinião poderíamos opor as dos também eminentes jurisconsultos, os mais notáveis do Brasil, insuspeitos e sem interesse no êxito desta causa, cujos conselhos ouvimos desde 1916, logo depois de publicada a lei n. 3.070 A, de 1915, e cujos pareceres escritos guardamos conosco.

Não o faremos, pois é com a lei, é com os contratos, é com os atos oficiais, é com a probidade, é com a verdade que argumentaremos.

Aí está a força da Companhia Docas de Santos. Não são outras as armas da sua defesa.

Havia a Noticia feito referência à lide, vendo na emenda "um assalto diabolicamente concertado para polpudas indenizações"; ao que respondeu Manoel P. Villaboim (15 de novembro de 1920):

Cumpre-me, pois, esclarecer a v. excia. que nessa emenda, da exclusiva iniciativa do deputado Cardoso de Almeida, nenhuma parte, absolutamente nenhuma, tive eu. Ao contrário, quando já apresentada ela ao plenário, na Câmara, ponderei ao dr. Cardoso de Almeida que era preciso prestar muita atenção ao assunto, para que da emenda não pudesse ressaltar a suposição de que as companhias exploradoras dos portos têm direito a taxas de capatazias, pelo serviço de carga e descarga.

E desafio a quem quer que seja a que afirme a mínima intervenção minha a respeito dessa emenda, que aliás visava exclusivamente o interesse público.

Tanto assim, que foi aceita pela Comissão de Finanças, baseada nas irrespondíveis razões apresentadas pelo grande espírito que foi Carlos Peixoto, superior a paixões e avesso a frases vãs ou a conceitos inseguros.

Mais:

E, não podia meu prezado colega, resultar de tal emenda indenização alguma porque a presunção é que a lei fosse observada, o que, então, não daria lugar a restituições.

Ou as companhias de portos estavam sujeitas às taxas alfandegárias, e não é admissível que a lei deixasse de ser cumprida, ou não lhes podia ser imposta a redução das taxas e não haveria lugar para os pedidos de restituição, polpudos ou não.

O que ninguém podia esperar é que o Poder Executivo, no Brasil, se julgasse no direito de dispensar ou suspender a execução de leis, infringindo textos expressos da Constituição e a doutrina universal, constatada pacificamente em todos os tratados de direito público e de direito administrativo.

Ao que respondeu a Gazeta de Notícias (15 de novembro de 1920):

A consideração que nos merece o sr. deputado Villaboim não ficaria bem expressa aqui se nos limitássemos simplesmente a publicar, como s. s. pediu, a carta acima.

Devemos uma explicação, não só a ele, como também aos nossos leitores, o que procuraremos fazer nestas linhas.

Efetivamente, a emenda apresentada à lei n. 3.070 A, de 1915, não trouxe a assinatura do deputado Villaboim. Ela é de autoria do sr. Cardoso de Almeida. Mas também é evidente que o sr. Cardoso de Almeida não a formularia – tratando-se, no caso, de uma resolução que interessava a São Paulo – sem consultar aos seus colegas de bancada, entre os quais estava o ilustre sr. Villaboim, amigo íntimo do sr. Cardoso e já então, desde 1912, advogado da São Paulo Light and Power contra as Docas de Santos e, por consequência, interessado diretamente na aprovação da aludida emenda.

O Poder Executivo ficaria em saliência, primeiro porque o ministro da Viação se viu forçado a protestar em público contra certas alegações do advogado dos autores, e, depois, porque um dos órgãos de afago público, até então de apoio ao chefe da Nação, rompeu com s. excia.

Foi do gabinete do ministro Pires do Rio esta comunicação (Jornal do Commercio, 6 de junho de 1922):

O sr. dr. Manoel Villaboim, deputado federal, patrono de uma ação judiciária contra a Companhia Docas de Santos, em folheto há pouco impresso e que só ontem s. excia. fez chegar às mãos do sr. ministro da Viação, faz injustas referências à última revisão do contrato da Companhia Docas da Bahia.

Essa revisão teve por exclusiva base o despacho redigido pelo honrado sr. dr. Afranio de Mello Franco, despacho com que se declarou de acordo o sr. Pires do Rio.

Engana-se o sr. deputado Villaboim quando afirma que, no porto da Bahia, a fixação das taxas de capatazias importava em aumento de ônus para o Tesouro. No contrário do que avança esse deputado é que se acha o fato: a redução daqueles é que importaria no aumento da importância paga pelo Tesouro, como garantia de juros.

As insinuações injuriosas, contidas no folheto do operoso advogado, rebatem-se com o aviso n. 113, de 17 de agosto de 1921, publicado no último relatório da Viação, aviso com o qual a Companhia não se conformou.

Essa comunicação levou M. Pedro Villaboim à tribuna da Câmara. "A que vinha a nomeação do deputado federal, inquiriu a 7 de junho de 1922 se as minhas reclamações, se as minhas censuras ao decreto de 1919, que de fato é de 1920, eram feitas na minha qualidade de advogado? Naturalmente, acha s. excia. que há incompatibilidade entre o fato de ser deputado e o ser patrono de uma causa contra a Companhia Docas de Santos". Treplicou o ministro, para quem a explicação, no mínimo, fora evasiva. Havia concluído Villaboim:

Em Santos o contrato, depois de dar aos concessionários a antiga taxa de capatazias, que também se chamou sempre nas alfândegas taxa de carga e descarga, depois de ter dado essa taxa, com o nome de taxa de carga para o serviço de carga e descarga, estabeleceu na cláusula 8ª que os concessionários se obrigavam a fazer o serviço de capatazias das alfândegas, isto é, o serviço relativo às mercadorias que, descarregadas, tivessem de ser recolhidas à alfândega. Baseada nisto é que a empresa de Santos cobra pelo simples serviço de descarga as duas taxas de carga e descarga (do contrato) e a de capatazias da alfândega!

"Mais uma desilusão", foi o título do desabafo do Correio da Manhã (12 de novembro de 1920):

Verificamos agora que nos enganávamos. É mais uma desilusão. Não poucas são as questões resolvidas pelo sr. Epitácio Pessoa, em que a Nação tem sido sacrificada, por uma inexplicável condescendência do presidente da República em satisfazer as ambições dos homens de dinheiro e de negócios, quando é certo que a ganância dos tubarões da alta finança e dos grandes empreendimentos industriais está, as mais das vezes, em conflito com uma severa e rígida salvaguarda das conveniências do Tesouro.

Adiante:

Mas o que há ainda extravagante no caso é a lógica do presidente da República: além do absurdo, que bem se enquadra na hipótese de um crime de responsabilidade, de não cumprir uma lei, o sr. Epitácio Pessoa dá como motivo para assim agir a circunstância de que, vitoriosa a Docas, teria a União que pagar a importância da redução das taxas.

Veja-se que excelente prática administrativa: porque se fala na perspectiva, cada vez mais remota, do que a União venha a perder uma demanda, o presidente da República, magistrado, sabendo que um pleito judiciário não produz efeito suspensivo sobre uma lei, levado apenas pelo conselho de um consultor interino, que, antes de o ser, já decidira em negócio igual ao submetido hoje ao seu parecer, e opinião isolada entre todos quantos – inclusive o juiz federal que já deu sentença contra a Docas neste ponto – se têm manifestado até agora examinando bem a questão.

Um homem de governo que de forma tão estreita liga a responsabilidade dos seus atos aos interesses de uma empresa poderosa e atrabiliária, que extorque anualmente milhares de contos à produção de um grande Estado como São Paulo, está manifestamente incompatibilizado com a opinião,não apenas desse Estado, mas de todo o país.

Estabeleceu-se polêmica entre esse diário e o Jornal do Commercio, este em defesa do Poder Executivo. Disse o velho órgão (13 de novembro de 1920):

O sr. Epitácio Pessoa não proferiu nenhum despacho terminativo na questão das Docas, e hoje, como ontem, está inteiramente livre de opinar, se tiver de entrar no mérito da aludida questão.

É uma clamorosa injustiça, quase diríamos uma ofensa, imaginar-se que s. excia. transigisse em favor da Companhia, por ser esta poderosa. Quem conhece e priva com o presidente sabe que não há amigos, supostos ou reais, de s. excia., com força de influírem nas suas deliberações de chefe do Estado.

Não se pode acoimar de condescendente com as Docas o Governo que tornou efetiva a intimação a essa empresa para pagar nada menos de três mil contos de imposto de dividendo que a mesma julgava não estar obrigada a recolher ao Tesouro.

A administração atual foi apenas prudente, guardando-se de intervir num pleito que ninguém sabe ainda como terminará. Nada inovou na matéria, limitando-se a seguir, até com maior rigor, a linha de abstenção e de expectativa observada pelos governos passados
[22].

Também a Noticia (12 de novembro de 1920):

O Correio da Manhã entende que o sr. presidente da República deveria obrigar aquela Companhia a se submeter a determinada taxa votada para as Alfândegas para a cobrança de capatazias, taxa que as Docas asseguram não lhes ser aplicável em face de seu contrato.

Para forçá-la a essa cobrança recorreram alguns interessados ao Poder Judiciário, cuja decisão final ainda não foi proferida.

O sr. presidente da República aguarda o pronunciamento da Justiça para expedir qualquer ato obrigando as Docas a cobrar tal ou qual taxas e não a que aquela Companhia, nos termos expressos de seu contrato, vem cobrando até hoje.

Esta atitude é a única que a prudência mais elementar aconselha aos homens de Governo, porque não seria apenas a Companhia Docas de Santos atingida, mas todas as empresas concessionárias e arrendatárias dos demais portos do Brasil.

Estava bem fundado o Governo em não executar a emenda. O Poder Judiciário a declararia inaplicável sem acordo prévio com a empresa. Enviou Epitácio Pessoa ao Congresso uma mensagem na qual, depois de aludir à Port of Pará, privada da subvenção que gozava desde 1914, escreveu quanto à Companhia de Santos (6 de novembro de 1922):

Dois direitos claros tem o Governo de tocar nas taxas do porto de Santos: um, para fazer a redução geral de todas as taxas, quando 60% da renda bruta forem quantia superior a 12% do capital reconhecido; outro para reduzir a taxa de capatazia, quando o Congresso alterasse a capatazia das alfândegas, independentemente de qualquer consideração do juro obtido pelo capital empregado nas obras.

O acordo de 1909, como será facilmente compreendido pelos que estudaram a história do processo de tomada de contas semestrais da Docas de Santos, teve por fim exclusivo evitar as dificuldades que à fiscalização se deparavam no exame das contas de despesas; por isso é que se reduziu a tomada de contas ao simples exame da receita bruta e se acordou em que 40% dessa receita se considerasse a despesa.

A este mero acordo, feito para evitar desinteligências entre os funcionários do Governo e da empresa, não se poderia dar força de lei modificadora do contrato em parte da maior importância para a empresa e para o interesse público, que é do próprio Governo.

Pode ser o regulamento acusado de rigoroso por deixar a renda bruta da Companhia exposta a uma intervenção da lei orçamentária, feita sem audiência da empresa, mas, durante muito tempo, a Companhia se sujeitou a tal contingência, agora, sem nenhuma aquiescência do Congresso, pretende limitar o direito que este sempre teve de alterar as taxas de capatazias da empresa alterando as das alfândegas do país.

Mais:

Através do regulamento de 1893, a Companhia obteve o direito de cobrar uma taxa de capatazia além da que cobrava pelo serviço de carga e descarga, por esse regulamento, porém o Governo ficou investido do direito de marcar essa taxa e este direito não se poderia tolher por uma simples interpretação do acordo de 1909, no qual nenhuma declaração expressa se fez de que o Governo abria mão desse direito, privativo, aliás, do Poder Legislativo, em lei orçamentária.

Dependente como se acha do julgamento supremo do Poder Judiciário, esta questão fugiu à ação do Governo, mas seria de toda utilidade um pronunciamento especial do Poder Legislativo, sobre a matéria.

Cumpre lembrar, neste ponto, que a questão de taxas dos portos de mar se poderia resolver à maneira por que se trata o problema das tarifas ferroviárias.

O melhoramento do porto é obra pública realizada, no caso de Santos, por iniciativa particular, com capitais cujo serviço de juro e de amortização, no prazo contratual, deve se fazer com o saldo da renda bruta sobre a despesa de custeio. Nenhuma outra garantia tem esse capital além da estabilidade das taxas concedidas pelo poder público e que não se deveria poder modificar sem audiência da empresa industrial que o empregou.

Por fim:

A Companhia Docas de Santos, aceitando, em 1893, a condição de alterar a taxa de capatazia conforme o Governo alterasse a que cobra nas alfândegas, deu mostra de confiança no critério oficial, segura de que o Governo jamais determinaria uma excessiva redução daquela taxa, de tal maneira que pusesse em risco a estabilidade financeira da Companhia.

Se a redução legal e contratual, feita em 1916, está longe de ameaçar a vida financeira da empresa, força é convir que não seria equitativo negar-se o Governo a estudar uma revisão do contrato, de tal maneira que as taxas, não podendo ser alteradas sem prévia audiência da Companhia, representassem a justa garantia a que o capital tem direito.

Neste terreno, o de uma revisão geral das taxas, o de um completo esclarecimento das condições do contrato, é que o Congresso poderia, estudando diretamente a questão, facilitar ao Governo e à Companhia um amplo entendimento, de que resultasse maior benefício para o público e toda a justiça para a vida do capital empregado nas obras do porto de Santos.

Mais uma vez se havia falado nas taxas altíssimas da empresa. Santos era, entretanto, o porto que menor contribuição exigia de seus clientes. Assim se lia no Relatório do Inspetor de Portos, 1925:

  Custo médio por tonelada
Santos 11$236
Bahia 13$694
Rio Grande do Sul 13$820
Belém 15$932
Manaus 16$178
Rio de Janeiro 22$253
Recife 23$741

Além disso, vinha a propósito uma comunicação oficial a respeito [23]. A Comissão de Finanças da Câmara, no parecer 1490-1920, sobre a fixação da despesa do Ministério da Viação e Obras Públicas para 1921, inseriu um quadro, organizado pela Inspetoria de Portos e contendo as taxas em vigor nos portos melhorados por concessionários sob o regime da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869. Deduzia-se desse quadro:

1º - Que eram taxas distintas, a de carga e descarga, que a tabela oficial denomina utilização do cais por quilo de mercadoria, e a de capatazia.

2º - Que as taxas percebidas pela Companhia Docas de Santos eram as menores que se cobravam nos portos melhorados, sob o regime da lei de 1869, cumprindo observar:

a) que a Companhia Docas de Santos não gozava a garantia de juros, como se dava com as empresas concessionárias dos portos do Pará, Bahia e Rio Grande do Sul;

b) que, no porto de Santos, não existia o imposto de 2% ouro sobre toda a importação, sendo pago, entretanto, nos demais portos melhorados.

3º - Que as taxas de capatazias cobradas atualmente pela Companhia Docas de Santos estavam de acordo com o seu contrato, tendo sido aprovadas e reconhecidas pelo Governo Federal.

Este foi o quadro (Diario Official, 27 de julho de 1920):

Natureza da taxa Manaus Pará Bahia Santos Rio Grande do Sul
Atracação por metro corrente:          

Navio a vapor

$850 $850 $700 $700 $700

Navio a vela

$650 $650 1$500 $500 $500
Utilização do cais por quilo de mercadoria $003 $003 $002,5 $002,5 $002,5
Capatazia          

Até 50 kg

$200 $200 $200 $200 $200

Acima de 50 kg por 10 kg ou fração

$100 $100 $100 $100 $100
Armazenagem comum          

Até 30 dias por mês

1% 1% 1% 1% 1%

Até 60 dias por mês

1,5% 1,5% 1,5% 1,5% 1,5%

Até 90 dias por mês

2% 2% 2% 2% 2%

Mais de 90 dias por mês

3% 3% 3% 3% 3%

Depósito de óleo combustível por tonelada

 (sem prazo)

-- -- -- 1$600 --
Armazenagem para café:          

Armazém externo, sem prazo, por saca

-- -- -- $100 --

Armazém interno

  com navio -- -- -- $100 --
  sem navio -- -- -- $200 --
Estiva:          

Carvão

-- -- -- -- 2$000

Sal

-- -- -- -- 2$500

Diversos

-- -- -- 1$000 3$000

Volumes pesados

  até 4 toneladas -- -- -- -- 4$000
  mais de 4 toneladas -- -- -- -- convencional
Fornecimento de água -- 1$000 1$000 1$000 1$000

Imagem: reprodução parcial da página 494


[17] "Tão convencidos estão os autores da carência de interesse legítimo e moral, justificativo da presente ação, que não vieram a juízo por iniciativa própria, mas solicitados com insistência pelo procurador que a promove e seus auxiliares, aos quais cederam 50% do ganho que lhe viessem a dar os tribunais". Ver: Supremo Tribunal Federal, primeiros apelantes e apelada a Companhia docas de Santos e segundos apelantes e apelados R. Alves Toledo & C. e outros, 1º vol. 1ª instância. Tip. do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C., 1924.

[18] Manoel P. Villaboim julgou assim: "Que se o procurador dos AA. É parceiro na causa pelo interesse de seus honorários, o que acontece em geral a todos os que exercem funções idênticas, mais parceiro é o procurador da ré, seu acionista e seu diretor". Idem.

[19] "Em virtude do Regulamento para o serviço interno de administração e polícia da Companhia Docas de Santos, aprovado pelo Governo Federal, o recibo do pagamento da taxa pelo embarque de mercadorias de exportação (taxa de capatazia) é passado na terceira via autêntica do respectivo despacho (regulamento citado, art. 58, no doc. sob n. 17); entretanto, a ré, desde 1892, ao iniciar o tráfego do cais de Santos, fornece aos exportadores ou seus representantes a declaração de ter sido paga a importância das taxas mencionadas naquele despacho". Idem.

[20] "Tratando-se, pois, de impugnar uma cobrança, que a suplicante faz devidamente autorizada pelo Governo para remuneração do trabalho de que o mesmo Governo obrigatoriamente a encarregou, parece evidente o interesse da União em intervir no pleito ora movido contra a suplicante de modo a salvaguardar a inquestionável responsabilidade da Fazenda Nacional". Representação da Companhia ao ministro da Fazenda, 29 de outubro de 1912.

A 30 de junho de 1914 fez idêntico pedido, não sendo, desta vez, atendida. "A Companhia Docas de Santos, confiada no precedente do Governo Federal e na conveniência que esta tem de zelar e defender os interesses do Tesouro Nacional, ameaçados pela temerária demanda que ora surge, e de garantir os interesses comuns dos concessionários de obras portuárias, para que tirem dos respectivos serviços a remuneração de seus capitais empregados sob a garantia de contratos solenes, vem solicitar de v. excia. se digne providenciar para que lhe seja prestada, na causa acima aludida, a assistência da União Federal, mediante a intervenção do procurador da República",

Este foi o parecer do mesmo procurador: "Não tem a Fazenda Federal neste pleito interesse que lhe autorize a intervenção. O que se lhe atribui é, por enquanto, meramente ideal; pois que, decidindo o Poder Judiciário em espécie, a sentença que venha a proferir na presente causa não poderá ser ampliada a empresas que nela não forem parte, ainda que se encontrem na mesma situação da ré. Quando estas, que gozam de garantia de juros, forem chamadas a juízo, então, sim, poderá intervir a União, se entender que periclitam interesses seus, que devam ser acautelados. – Distrito Federal, 4 de setembro de 1920. – A. Pires e Albuquerque, procurador geral da República."

Carvalho de Mendonça havia opinado: "A União tem, portanto, o dever de intervir, tanto para auxiliar a defesa da concessionária apelada, que pugna pela validade da moeda que se lhe deu em pagamento de obras federais que construiu no porto de Santos e cuja legalidade ela não cessa de proclamar em atos administrativos, como para evitar maiores males, qual a sua responsabilidade eventual para com as empresas dotadas com a garantia de juros". Jornal do Commercio, 15 de novembro de 1920.

[21] A Tribuna (Santos), em uma série de artigos iniciados no 1º de janeiro de 1916, demonstrou a legitimidade da posição da empresa nesta questão da redução das capatazias. "Não obstante (a representação das companhias exploradoras) o Congresso sustentou a emenda, que faz parte do n. 4, art. 1º do orçamento da receita em vigor, dispondo-se, assim, à luta com as companhias concessionárias das obras e serviços dos portos. Terá razão para provocar essa luta? Lucrará com ela? Ser-lhe-á dado ganho de causa? Certamente a produção nacional conquistará grande alívio com a taxa. Mas será efetiva essa taxa por uma simples penada do poder legislativo? Poderá ele, com a maior sem-cerimônia, saltar á vontade por cima de leis, decretos, avisos e contratos signalagmáticos, que já firmaram direitos e criaram obrigações?" 7 de janeiro de 1916.

[22] Entretanto o velho órgão, caso único com referência à Companhia, tomou posição contra esta, refletindo sua edição de São Paulo. Mas voltou logo depois ao seu apoio tradicional. A linguagem fora, contudo, a da hostilidade paulista:

"Cingimo-nos ao particular das taxas ilegalmente cobradas, pois são cobradas duas vezes, como taxas de capatazias. A Companhia, no seu contrato, tomou o compromisso de fazer o serviço de capatazias. A taxa era uma só quando se fez o contrato. A Companhia biparti-a mais tarde para o efeito de uma cobrança dupla em seu benefício e com prejuízo para o comércio, assim obrigado a um novo ônus arbitrariamente criado.

"Mas pode-se desprezar tudo isso que está para trás e perguntar em que se funda a Companhia para desobedecer ao dispositivo expresso repetido na Lei da Receita desde 1915. Não é possível que em matéria desta magnitude os caprichos da omnipotência particular zombem eternamente da letra da lei.

"Não temos nenhuma má vontade contra as Docas. É uma empresa que faz honra à nossa capacidade técnica e ao nosso espírito de iniciativa. Mas nenhuma dessas virtudes ficaria diminuída se a Companhia capitulasse nesta defesa desesperada que está fazendo de um direito que não lhe assiste e é uma violação positiva das determinações do Congresso Nacional". Jornal do Commercio, 1 de março de 1911.

[23] Ver: Companhia Docas de Santos. Taxas em vigor nos portos melhorados. Tabella official, organizada pela Inspectoria de Portos. Rio de Janeiro, Tipografia do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C., 1920.