QUINTA PARTE (1916-1925)Capítulo LXVI
Candido Gaffrée
Ocorreu o passamento de Candido Gaffrée aos 27 de dezembro de 1919.
Na Europa, mal haviam cessado, com o armistício preparatório da paz geral, as hostilidades que desde 1914 a abrasavam. A voz do sangue não vacilara, desde o princípio na escolha. A do lugar onde nasceu e viveu, viu a Companhia retomar a linha
ascendente, interrompida pela guerra.
Apesar de verão pleno, muitas foram as homenagens prestadas no Rio de Janeiro. Mais em contato com a opinião pública que o amigo e companheiro Eduardo P. Guinle, falecido cerca de oito anos antes, pode ela seguir-lhe de perto a enfermidade e o
trespasse. Fez-se o Governo da República representar no enterro pelo seu ministro da Justiça, Alfredo Pinto, com outras manifestações de pesar.
Em Santos, a Câmara Municipal votou moção, deliberando se ajardinasse uma das praças que levaria o seu nome, quando não sua herma ou estátua
[24]; na Câmara Federal aprovou-se um voto de pesar, proposto por Octavio Rocha; e no Senado, a voz amiga, que tantas vezes por ele acudira restabelecendo a verdade posta em
dúvida ou alterada, Victorino Monteiro, fez-se órgão de outro, logo aprovado. Foram estas algumas de suas palavras (28 de dezembro de 1919):
Nasceu do nada e morre deixando à sua Pátria um acervo grandioso de iniciativas e serviços que o tornam um filho benemérito, vulto de
tal destaque e grandeza que valeu sempre por uma legião.
Concorreu mais do que ninguém para o engrandecimento da Nação e aí está esse marco miliário da sua nobilitante existência, as Docas de Santos, realizada unicamente por ele quando todos haviam recuado de semelhante tentativa, incluído o próprio
poder público de S. Paulo.
Sua vida é um fecundo exemplo de tudo quanto é grande e nobre, cobrindo-se de luto o Brasil e o humilde orador, que perdeu o seu mais velho, mais querido e mais dedicado amigo, verdadeiro irmão pelo coração e por um carinho sem nuvens, há mais de
40 anos.
Morria, de fato, um homem de começos modestíssimos, cuja vida fora uma ascensão pelo trabalho e cuja abastança não havia prejudicado, antes aperfeiçoara os
dotes com que nascera.
De peão de fazenda no Uruguai, ainda menino, a essa madureza de realização total, haviam decorrido muitos, longos anos; e Candido Gaffrée não mudou: a mesma
devoção à tarefa de cada dia, os mesmos hábitos frugais. Outros viajariam, fazendo do conforto e do mundo um prolongamento da abastança; ele não, jamais atravessou o oceano, circunscrevendo a felicidade ao seu ofício. Este, pode-se dizer, foi, do
princípio ao fim, a empresa de Santos.
Não falaram de outro modo os jornais do dia imediato, entre traços de seu caráter, ao lembrarem essa obra e os embaraços que deparou. Assim o Imparcial (28 de dezembro de 1919):
Sempre operoso e empreendedor, obteve a concessão para a construção das obras do porto de Santo e levantou esta empresa colossal que é a
Companhia Docas de Santos, que construiu o cais do importante porto, obra admirável da engenharia nacional.
Não pararam aí os esforços e os trabalhos de Candido Gaffrée, a quem muito deve o progresso industrial do país, por isso que não poucas são as grandes conquistas industriais em que seu honrado nome figura, como aparecido tem sempre como um
interventor benéfico, nas grandes instituições de caridade.
Por sua vez, o Rio-Jornal:
Começando a vida nos misteres mais modestos da carreira comercial, o sr. Candido Gaffrée, enriquecido já de natureza por uma
inteligência vivaz e curiosa, soube aproveitar as suas energias no desdobramento de um plano que o destino lhe permitiu realizar.
Operoso, quase aventureiro pelo arrojo das tentativas, hábil no meneio dos homens e lucidíssimo na percepção dos fenômenos que enchem a atmosfera dos negócios comerciais e industriais, o sr. Gaffrée pôde sempre aproveitar, com felicidade, o
momento e os fatos econômicos, para, dentro da mais rígida honorabilidade, prosperar até a esplêndida situação que desfrutava.
As grandiosas obras do porto de Santos foram de sua iniciativa e execução, ainda quando pensar em realizá-las parecia a muita gente um desvario de imaginação. Unido sempre, em todos os passos de sua vida de negócios, ao sr. Eduardo Guinle, o
grande industrial ontem falecido realizou não só aquele formidável empreendimento como outros do mesmo modo notáveis, que honram o espírito de iniciativa dos nossos.
Escreveu a Gazeta de Notícias:
Pôde o notável brasileiro desmentir a palavra dos céticos, que proclamam sempre a nossa incapacidade para as realizações práticas, para
a construção de obras duradouras.
É que ao porto de ontem nunca faltaram vontade e fé, as duas forças invencíveis que triunfam de todos os obstáculos, afastam todas as resistências e aniquilam todas as oposições.
O sr. Candido Gaffrée, apesar de ter todas as suas energias concentradas na tarefa sobre-humana da direção da empresa, não parecia nunca estar envolvido no "intense life".
Vivia modestamente a sua vida, discreto sempre nas suas atitudes, arredado do turbilhão, espalhando a mancheias os benefícios e os favores.
Ninguém nunca soube de um gesto espetaculoso desse multimilionário, que detestava a réclame e se comprazia na solidão da sua vivenda, depois de terminada a labuta diária, cercado sempre por um grupo de amigos dedicados.
O Paiz, que muito combatera a empresa, publicou-lhe o retrato:
No fundo de todos os empreendimentos mais notáveis de Candido Gaffrée, no domínio dos negócios em que o seu gênio prático e a sutileza
da sua inteligência desabrochavam com tão acentuado vigor, deve-se ver, e vê-se cristalinamente, a ideia da grandeza social e da potencialidade econômica do Brasil.
A esse respeito não é mister referir senão a sua atuação na obra fundamental de riqueza e patriotismo, que são as Docas de Santos, que ele empreendeu com o seu saudoso companheiro Eduardo Guinle.
Quando eles obtiveram a concessão, o segundo porto da República estava absolutamente longe de prometer sequer compensar aos concessionários as agruras morais que lhes causaram o assumir de pronto compromissos e responsabilidades muitíssimo acima
das possibilidades reais com que, ao tempo, se defrontava na exploração da obra.
Adiante:
Por longos anos, resistiu às tremendas dificuldades que lhe criava a incipiente exploração do porto, a despeito dos melhoramentos
admiráveis que nele introduzia e que, por fim, em parte considerável, estimularam na produção do solo paulista e desdobramento propulsivo dessa incomparável riqueza agrícola, que teria nas Docas de Santos o escoadouro natural da sua expansão,
exatamente como previra Candido Gaffrée.
Entretanto, até que o porto chegasse a essa etapa de prosperidade, o ilustre brasileiro curtiu com serena dignidade as vicissitudes que apenas se adivinham nesse período de incerteza e de esperança, havendo sempre terminantemente resistido às
contingências, que não foram poucas a assediá-lo, de passar a concessão ao capital estrangeiro.
A Razão:
O porto de Santos era uma lástima na parte relativa à atracação de navios; umas pontes de madeira de cinquenta e mais metros de
comprimento, por uns seis a oito de largura, concorrendo para a aglomeração de terras vindas das montanhas próximas e, portanto, para a obstrução lenta mas certa do porto e do canal, o qual já não dava vazão ao grande movimento marítimo daquela
praça comercial.
Grandes eram, pois, as dificuldades de carga e descarga e, mais alguns anos neste estado, ficaria o porto inutilizado, e mais custosas se tornariam as obras do cais indispensável. Foi nesse estado precário do porto de Santos, e assim do Estado de
São Paulo, Sul de Minas, Goiás e Mato Grosso, servidos por esse magnífico porto, de completo abandono pelo capital nacional e estrangeiro; foi nesse estado que Candido Gaffrée, audaz, consciente e valentemente, se atirou a essa obra gigantesca,
arrojando-se à feitura do grandioso monumento, verdadeiramente nacional, que aí está hoje aos olhos de todos, a causar espanto aos estrangeiros, ao saberem que é de execução e direção absolutamente brasileira, sendo a mais puramente nacional que
se conhece.
Também o Brazil Ferro-Carril (15 de janeiro de 1920):
Nunca esse homem teve esmorecimentos ou desconfiança na sua causa; sabia-a justa e fiava-se no bom cumprimento que dava aos seus
contratos. A longa série de Avisos dos Ministérios a que o prendiam os seus compromissos e ainda sentenças de tribunais dizem não só dos ataques a que se viu exposto, das batalhas que sustentou em defesa dos interesses da obra que construía.
A sua morte foi uma grande perda para o Brasil inteiro. Era um notável exemplo de trabalho constante e pertinaz.
Por fim o Jornal do Commercio (28 de dezembro de 1919):
O sr. Candido Gaffrée, que faleceu ontem, era, nos círculos comerciais, industriais e financeiros do Brasil, uma das figuras mais
proeminentes.
O grande trabalhador, que venceu de um modo tão honesto e exemplar a vida, que pelo esforço inteligente e pelo espírito de iniciativa se elevou aos mais altos postos de seu ramo de atividade, pela criação formidável das Docas de Santos, pela
multiplicidade de empreendimentos e empresas que dirigia, pela variedade de interesses que superintendia, por sua clarividência acolhedora, pela amável bondade, pela maneira eficiente para a pátria e caridosa para os infelizes com que aplicava
sua imensa fortuna, era, sem dúvida, na sociedade brasileira, uma personagem de primeira plana.
Foi com o seu grande amigo Eduardo Guinle o criador das Docas de Santos, esse monumento que honra a atividade, a capacidade de iniciativa e de administração da nossa raça. Distribuiu depois os seus interesses, a sua colaboração eficaz, o seu
auxílio financeiro, o seu talento de administrador, a sua coragem em assumir encargos e em fundar e desenvolver serviços por uma porção de trabalhos, de empreendimentos e empresas e casas de comércio.
Adiante:
O seu nome está ligado à história do nosso progresso, do aparelhamento técnico do Brasil, e a sua iniciativa benemérita marcou etapas da
nossa evolução industrial.
Assim a sua morte não pode deixar de ser consignada como um lamentável acontecimento para o país inteiro. O sr. Candido Gaffrée, sempre pronto para ajudar os bons e salutares empreendimentos, era assim, no nosso meio, um contínuo elemento de
vida, de energia, de trabalho. Depois de ter sabido, de uma maneira honrada e feliz, vencer pela coragem de suas concepções, pela tenacidade em aplicá-las, ele não descansou, e continuou a aperfeiçoar a sua obra, e a distribuir de um modo largo e
magnífico a sua ação.
Assim, o sr. Candido Gaffrée foi um construtor, um fomentador de energias novas, um dos máximos beneméritos do Brasil, que dos fins do século XIX se abriu ao contato da civilização moderna. Foi dos maiores brasileiros do nosso tempo, e no seu
campo de atividade, tão largo e criador, prestou ao país serviços que jamais poderão ser esquecidos.
Por sua vez, a diretoria assim se exprimiu no Relatório de 1920:
Bem conheceis a proeminente figura que no nosso meio comercial e industrial representou o benemérito compatriota, e, particularmente, a
direção magistral, sábia, inimitável, que imprimiu a esta Companhia, sua obra carinhosamente amada.
Deve-lhe o Brasil a maravilhosa organização do porto de Santos, iniciada, em 1888, logo após o fracasso de outras concessões largamente privilegiadas, feitas a particulares e ao próprio Estado de São Paulo. Esse empreendimento, auspiciosamente
rematado, que serviu de ponto de partida e de estímulo aos melhoramentos dos outros portos nacionais, bastaria para perpetuar o nome do insigne trabalhador, ligando-o à história do progresso e do aparelhamento técnico do nosso país.
Não eram somente o gênio do empreendedor e a alta capacidade de organização e direção que se admiravam no saudoso chefe. Salientavam a sua prestigiosa personalidade, ainda, o acrisolado amor à Pátria, a probidade modelar e a vontade bem
orientada.
Sempre disposto à prática do bem e da caridade, foi pródigo em atos de generosidade e de filantropia.
Muito valia para nós esse homem extraordinário como companheiro e como amigo. O seu posto aqui é insubstituível; o que nos há de valer e confortar são os exemplos e os ensinamentos que nos deixou, pelos quais teremos de levar avante, enquanto a
vossa confiança nos apoiar, a pesada tarefa da administração da Companhia, de modo que esta não deixe de ser a obra daquele esforço continuado de mais de um quarto de século.
Era grande a falta, na verdade, pelo que havia representado na Companhia o homem que acabava de existir [25]. Mas o período incandescente de construção e consolidação estava a se encerrar nessa batalha (redução das capatazias por ato unilateral da União), a sexta empreendida na defesa de seus direitos – entre
as sete que, durante o quase meio século de existência, teve a empresa – batalha cuja maior parte dirigiu e cujo triunfo não presenciou. O espírito com que se criou e defendeu não morreria. Sua sucessão, como a de Eduardo P. Guinle, antes, a de
Guilherme B. Weinschenck depois, a de Carvalho de Mendonça mais tarde, recairia sobre ombros capazes, defensores e conservadores no tempo do que, com tanta luta e tino, se havia construído.
Já dissemos atrás do acaso que reuniu, desde meninos, para toda a vida, os dois homens aos quais devem as Docas de Santos a sua existência. Não teve Eduardo P. Guinle, filho de um comerciante da Rua da Praia, em Porto Alegre, recursos com que
continuar os estudos, fazendo-se professor na escola primária onde aprendera; ao passo que Candido Gaffrée, cujo lar foi o de um pequeno lavrador em Francisquinho, perto de Bagé, viu-se obrigado a emigrar, e não tinha mais de 12 anos de idade,
para o país vizinho, à procura de trabalho.
O destino os reuniu depois no Rio de Janeiro, onde vieram, muito moços, procurar fortuna, como empregado de comércio um, guarda-livros outro. Candido Gaffrée já punha à prova esse traço pessoal seu, o de fazer relações, saber cultivá-las só pelo
dom da simpatia pessoal: aí seu maior recurso nas lutas que o aguardavam. Eduardo P. Guinle cuidava da economia da casa, fazia-lhe a escrita, era dela o espírito interior silencioso; e a divisão do trabalho naquele balcão da Rua da Quitanda, onde
por mais de três lustros comerciaram com artigos de importação, constituiu o prefácio do que depois prevaleceu em Santos.
Poucos lucros então. Mas a projeção social havia se ampliado, de modo que entre Aux Tuileries (1871) e os começos da iniciativa em São Paulo (1888), mediou larga operosidade na subempreitada de estradas de ferro em Pernambuco e Alagoas e
empreitada no Rio de Janeiro e São Paulo. Já podiam então dizer-se ricos, sendo comum a propriedade do mesmo modo que tinham partilhado os riscos. O ócio, que podia atraí-los, não se coadunava com a sua natureza empreendedora; seduziu-os, então,
o porto de Santos, repelido por todos, incapaz mesmo de se melhorar pelo próprio Governo da Província, à qual o Império cedera a construção, e afinal, por iniciativa e ação dos dois, através vicissitudes que as páginas atrás bem descreveram,
resultando no que depois se viu.
Sem filhos, os bens de Candido Gaffrée voltariam na sua maioria ao lote comum, iniciando-se, por disposição não acabada sua, mas executada pelos herdeiros, essa obra de assistência social a que nos referimos, a Fundação Gaffrée-Guinle. Dele,
entretanto, pouco se soube em vida, porque, recatado como o amigo morto, não fez a caridade ostensiva. Da dispensa das taxas para os institutos pios de São Paulo, por exemplo, só teve conhecimento a opinião quando, requerida mais tarde sua
continuação, a publicou o Governo. Mas era o feitio exterior que mais importava. Um instinto seguro de coisas a acontecer, o que explica seu ato lançando-se na construção do porto; e, ao mesmo tempo, um dom de servir, el don de gentes dos
castelhanos, que o amparou sempre nas maiores crises.
Rico, cortejado, a corrupção, a lisonja não foram do seu gosto. Sua força era a tenacidade, servida por um tato humano, um tal conhecimento das qualidades e das deficiências alheias, que o fizeram à parte. Esses atributos
explicam como pôde se mover entre lutas ásperas e paixões desencadeadas, enfrentar dois ou três chefes de Estado [26], ter contra si a imprensa de São Paulo, a maioria de seus
políticos, algumas vezes os seus Governos, e sair disso tudo cada vez mais forte.
Seria que o amparasse a sua estrela, de modo tão invariável? Ou que muito sólida se tivesse construído sua obra? Aí, sim, de preferência a resposta. Candido Gaffrée anteviu o futuro de Santos, no qual a concessão daqueles 860 metros de cais
parecia um brinquedo de crianças. E ideou sua teia, amparando-se – às vezes com que estorvos! – seja nos órgãos de administração da cidade, seja nos amigos já numerosos, seja no Governo Federal, para tecê-la, aumentá-la, defendê-la, consolidá-la.
Nessa teia, a palavra "direito", a expressão "base contratual" soam a cada passo.
Por iniciativa sua, fez acompanhar cada decreto federal de um termo de contrato, bem se imaginando as consequências para o desenvolvimento da concessão. Como
tinha sabido escolher o construtor material, nesse Guilherme B. Weinschenck cuja modéstia era tão grande quanto a competência técnica, elegera também a dedo o consultor jurídico, nesse Carvalho de Mendonça, que seria seu arrimo legal em todas as
vicissitudes por que ia passar. Nada mais curioso nesse empreendedor, do que o zelo da lei escrita. A qualquer dúvida ocorrente, ia ao seu consultor jurídico para que a estudasse; e, informado do que deveria ser sua posição, nada o detinha no que
chamava a defesa do seu direito.
Esse feitio de Candido Gaffrée explica a posição que assumiu na questão da Alfândega de São Paulo, na da exibição de livros, na do direito exclusivo de construção e melhoramentos do porto, na da redução das capatazias por ato unilateral do
Governo, para não falar senão das campanhas mais altas. Ele explica também a atitude em que se colocou vis-a-vis do Estado, a que procurou servir e onde, apesar de tudo, passou pelo que atrás ficou descrito. Há imponderáveis que muito
pesam às vezes na vida. Assim, ainda depois das campanhas ásperas de 1894 e 1896, a admissão de algumas das grandes personalidades paulistas no seio da empresa, a localização ali de um seu escritório, a redução da capatazia sobre o café, motivo
de tanta querela, poderiam quiçá ter atenuado de certo modo o dissídio.
Mas a Candido Gaffrée aprazia responder golpe a golpe, dando pelo que recebia. O tema das taxas abusivas, ilegais, a incriminação de contrabando, de lucros excessivos, a luta pelo desafogo do cais entregue àquele polvo, essas e
outras histórias de um quarto de século, mais o decidiam na concepção da Companhia, como empresa federal. E não errou, porque vingaram com o tempo todos os seus pontos de vista. Mais do que a estátua que a Câmara Municipal votou e se inauguraria
em sua memória e do companheiro falecido, o monumento a Candido Gaffrée em Santos seria sempre a obra que ali soube levantar e consolidar com singular tenacidade [27].
Imagem: reprodução parcial da página 504
[24] "Após fez uso da palavra o sr. comendador Alfaya, que leu uma longa
indicação referente à pessoa do sr. Candido Gaffrée, há pouco falecido.
"Nessa indicação lembra o sr. Alfaya os extraordinários melhoramentos que Santos recebeu pela operosidade do distinto brasileiro que, como fundador da Companhia Docas de Santos, assegurou o intercâmbio comercial marítimo. Assim, depois da longa
exposição dos beneméritos serviços desse cidadão, termina pedindo constar da ata da sessão um voto de profundo pesar pelo falecimento do sr. Candido Gaffrée, e que a Câmara oficie à Companhia Docas enviando sentidos pêsames.
"Como homenagem a Candido Gaffrée, indica o sr. Alfaya que a Municipalidade mande construir um jardim na área do terreno em frente ao escritório central da Docas, onde em tempo oportuno será erigida uma estátua ou herma, ao benemérito brasileiro,
ereção que correrá à custa de amigos seus.
"Sobre essa indicação falaram vários vereadores, apoiando-a e fazendo largos elogios à personalidade de Candido Gaffrée. A indicação foi aprovada unanimemente". Sessão de 7 de janeiro de 1920. No Estado de São Paulo, de 8 de janeiro de
1920.
[25] Consta da ata da sessão da diretoria de 3 de janeiro de 1920: "O dr. Guilherme Guinle, presidente interino da Companhia, abriu a sessão dizendo que
indefinível era a sua dor ao cumprir o dever de comunicar oficialmente aos companheiros da diretoria e aos dignos membros do Conselho Fiscal, para os fins legais, que, às seis horas e vinte minutos da tarde de vinte e sete de dezembro próximo
findo, faleceu nesta cidade o sr. Candido Gaffrée, preclaro presidente da Companhia e seu fundador; que ele e todos os seus companheiros sentiam a irreparabilidade da perda do chefe excelso, que dedicara à empresa das obras de melhoramento do
porto de Santos a parte mais ativa da sua trabalhosa vida e onde revelou notável espírito de iniciativa e incomparável dom de organização e de direção; que,não tendo a intenção de fazer aqui panegírico desse grande brasileiro, glória de uma
Nação, modelo de probidade, de energia e de vontade bem orientada, e, muito menos, lembrar nas ligeiras palavras que mal proferia, embargadas pelo pranto da saudade e da gratidão, o que valia para todos nós esse homem extraordinário como
companheiro e como amigo, se limitava a propor que, antes de qualquer deliberação, se lançasse nesta ata a declaração de que a diretoria da Companhia Docas de Santos, dominada pelo sentimento de profunda tristeza, manifesta a sua mágoa
irremediável pela perda do inolvidável presidente e do amado amigo.
"O dr. Paulo de Frontin fez diversas considerações sobre a personalidade do sr. Candido Gaffrée e terminou pedindo que na proposta do dr. Guilherme Guinle se compreendesse também o Conselho Fiscal, que acompanha a diretoria na sua manifestação de
pesar. Cada um dos outros diretores se refere, com palavras de ternura, saudade e gratidão, ao desaparecimento do magnânimo presidente, que pela sua tenacidade, esforço e honestidade ergueu no Brasil um dos maiores monumentos em obras públicas. A
proposta do dr. Guilherme Guinle com o adendo do dr. Paulo de Frontin foi inanimemente aprovada".
[v26] Entre os quais, por motivos políticos, Floriano Peixoto quando da
revolução federalista; e, em relação às coisas da empresa, Prudente de Morais, na questão da Alfândega de São Paulo; e Affonso Penna na da exibição de livros. Quanto ao primeiro, constituiu-se durante a revolta da Armada uma comissão da Cruz
Vermelha. A circular foi assinada, entre outros, por Demetrio Ribeiro, Candido Gaffrée, Hilario de Gouveia e almirante Tamandaré, dirigindo-se aos compatriotas do Sul em termos que despertaram comentários. "O partido federalista, lia-se aí,
defende apenas minguados elementos que lhe supre seu patriotismo e a confiança que lhe inspira a justiça inabalável da sua causa, apoiada pela Constituição Federal". Gaffrée foi preso no Rio de janeiro sob a alegação de fazer passar armas sob
essa bandeira ou asilar revoltosos. Ver, entre outros, "A Caridade… política", no Paiz de 24 de maio de 1893.
[27] "Em seguida pediu a palavra o sr. Alfredo Loureiro Ferreira Chaves,
que disse que antes da assembleia tratar dos assuntos para que foi convocada, julgava-se no dever de se referir ao profundo golpe que sofreu a Companhia com o falecimento em fins do ano próximo findo do seu criador o sr. Candido Gaffrée, que, com
o seu espírito de iniciativa, a sua robusta inteligência e, principalmente, a sua grande tenacidade, conseguiu construir os melhoramentos do porto de Santos e formar com as obras ali executadas um padrão de glória para a engenharia nacional e
para o Brasil um atestado de capacidade dos nossos patrícios. Propõe, então, que na ata da sessão quese realiza, seja inserido um voto do mais profundo pesar pelo falecimento do sr. Candido Gaffrée, que fique a diretoria autorizada a mandar
colocar no salão de suas sessões o seu busto em bronze e que igualmente concorra com os meios necessários para que na praça que, por determinação da Câmara Municipal de Santos, passou a se denominar Candido Gaffrée, seja erigido o monumento
lembrado na mesma Câmara. Corroborando os conceitos emitidos por esse senhor, o presidente põe em discussão essa proposta, que é aprovada unanimemente, pondo-se de pé todos os acionistas presentes". Assembleia Geral Ordinária, 30 de abril de
1920.