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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 60

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 451 a 460:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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QUARTA PARTE (1911-1915)

Capítulo LX

1915: reprise

Depois de tanta celeuma, veio, de lado a lado, a tranquilidade? Nada menos. Em 1915 perseverou o Estado no seu projeto de cais, precedido das mesmas ofensivas impressas e parlamentares, defendendo-se a Companhia não menos decididamente.

A parte impressa foi, desta vez, sob assinatura individual, no Commercio de São Paulo, transcritos também esses artigos no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro. Do punho de Mario Pinto Serva, que já se assinalava então por uma competência concreta de nossos problemas de ordem econômica, tão abandonados geralmente, esses artigos examinaram a empresa em alguns de seus aspectos tradicionais, combatendo-os: exigia-o a importância de Santos na vasta zona territorial que servia (Jornal do Commercio, 14 de março de 1915):

A zona tributária desse porto vem a abranger não só o Estado de São Paulo inteiro, como os de Goiás e Mato Grosso e parte dos de Minas e Paraná. Mas não é só ao Brasil que se limitam essas possibilidades, elas alcançam mais longe.

Assim, o ponto terminal da Noroeste é Corumbá, cidade próspera, em belíssima situação, a oito quilômetros apenas da fronteira boliviana. De Corumbá, diz o engenheiro Schnoor, deve necessariamente partir a estrada de ferro que porá em comunicação não só a Bolívia, como o Chile, com o Oceano Atlântico, dirigindo-se de Corumbá a Santa Cruz de la Sierra, daí a Cochabamba, rodeando a serra do Norte, apanhando as cabeceiras navegáveis do Guaporé, como o Chimoré e outros.

Assim, a Estrada de Ferro Noroeste vai ser o grande elo brasileiro da estrada de Ferro Transcontinental, do Pacífico ao Atlântico. Mesmo a parte Norte da Bolívia, tributária da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em virtude dos inconvenientes de uma linha de viação mista, fluvial e ferroviária, deverá, principalmente na época das águas baixas, contribuir para o movimento do porto de Santos.

Para só citar algumas das impugnações, era o porto insuficiente (30 de maio):

O porto de Santos, uma vez cessada a conflagração europeia e restabelecida a marcha normal do progresso do Estado, estará inteiramente desaparelhado para preencher as funções de escoadouro da região mais rica e adiantada do Brasil, a única em pleno desdobramento de atividade econômica.

Não só a extensão do cais será insuficiente para o seu movimento em futuro próximo, como ainda o serviço de dragagem, conforme consta do contrato e tem sido realizado, não permite a atracação dos vapores de 27 a 30 pés de calado. Os vapores da classe dos Cap e dos Koenig não poderiam fazer escala nesse porto por falta de profundidade de água, junto à muralha, o que importa em impedir a franca expansão do seu movimento de navegação.

Taxas, favores, tudo abundava em benefício da empresa, com aquiescência do Governo Federal:

Desde a inauguração do caias, em 1892, até o presente, a pesada série de taxas que, em Santos, onera toda a vida econômica e comercial do Estado só tem tido acréscimos, mantendo-se eternamente o mesmo statu quo, sem que às classes industriais, comerciais e agrícolas, sem que ao Governo do Estado, sem que às Associações Comerciais seja lícita interferência de espécie alguma, em assunto que interesse virtualmente a todas.

O Governo Federal, entretanto, único que pode interferir na questão, pela defeituosa organização do porto, nada tem feito em prol das classes produtoras de São Paulo, quando a sua ação deverá ser no sentido de uma cuidadosa revisão das taxas do porto de Santos, taxas que mesmo na hipótese de serem cobradas de acordo com os contratos, são absolutamente asfixiantes para o comércio e para a produção.

Abusos notórios, como esse da taxa de dragagem (30 de maio):

Quanto foi real e efetivamente despendido nesse serviço? Se a Companhia já arrecadou com a taxa de dragagem muito mais que despendeu efetivamente nesse serviço, não pode continuar a cobrar essa taxa adicional, mesmo quando seja legal, pois é objeto de um serviço especial, cujo custo não terá porventura atingido a importância total arrecadada, havendo nesse caso locupletamento indébito por parte da Companhia, que deverá cessar a percepção da taxa. Se a taxa referida foi contratada, legal ou ilegalmente, para um fim determinado, do qual não pode ser desviada, claro é que ela não pode estar sendo cobrada indefinidamente, sem verificação do excesso, já a tendo até a Companhia incorporado definitivamente à taxa de descarga.

Taxas pesadas, para o que bastava comparar Santos e o Havre, onde as rendas não passavam de 4 milhões de francos em 1909. E, ainda assim, as de Santos se cobravam ilegalmente (28 de dezembro):

Essa pretensa legalidade de taxas, essa inexpugnabilidade da Docas, é porém uma lenda.

Todas as taxas da Companhia Docas, em globo, são ilegais, porque se fundam na existência de um decreto injurídico e inválido, porque nunca houve revisão quinquenal, porque tendo ocorrido porventura excessos de rendas, nunca foi levada a efeito a correspondente redução, porque jamais se constatou a realidade do capital despendido e, portanto, o valor máximo a que pode atingir o produto das taxas arrecadadas.

Mas, se em globo todas as taxas da Companhia Docas estão sendo cobradas ilegalmente, não menos certo é que uma por uma todas essas taxas, que constituem a renda da Companhia Docas, são juridicamente de uma fragilidade completa. Todo o sistema de tarifas da Docas de Santos tem que ser remodelado, pois não há uma só taxa que se possa dizer cobrada legalmente.

Exagerado o custo do porto (15 de dezembro):

Ora o custo total de todas as obras e melhoramentos do porto de Vitória não é senão de 12.370:635$097. O custo total das obras de melhoramentos, cais, armazéns etc., do porto de Manaus não é senão de 16.976:406$070. Em 1909, por portaria de 18 de janeiro, foi organizada uma comissão destacada da Comissão Fiscal do Porto do Rio, com instruções minuciosas para estudar a barra e o porto de Paranaguá e, organizado por ela o projeto definitivo de seu melhoramento, as obras foram orçadas em 8.000:915$000 papel e 450:000$000, ouro.

Como, pois, admitir em Santos que só o custo de uma instalação hidroelétrica importe em 13.459:836$765?

Se o meio mais fácil de que dispõem as companhias para escapar à redução das taxas é exatamente aumentarem a conta de capital, por meio de todos os artifícios, como é que o Governo no caso vai ao encontro dos desejos da Companhia, fraudando a redução das taxas em bem do público, para reconhecer uma verba tão escandalosa, em colossal desproporção com as necessidades do serviço do porto?

De modo que se impunha, em meio de tanto favoritismo [56], a construção de outro cais (14 de março):

O Estado de São Paulo está quite com a Companhia Docas de Santos. Em troca do serviço feito, os concessionários da empresa já levantaram a maior fortuna que jamais houve no Brasil.

Santos precisa ser agora o instrumento para o desenvolvimento comercial do Estado de São Paulo, precisa se tornar o grande entreposto marítimo da América do Sul, precisa, na concorrência com os outros portos seus rivais, vencer com o único meio prático, que vem a ser tornar as suas tarifas as mais baixas, inferiores a todas as mais. Precisa enriquecer,não mais os concessionários do porto, mas o Estado de São Paulo, cujo progresso não se concebe que esteja entravado e subordinado a interesses individuais.

São Paulo precisa dispor desse porto e imprimir aos seus serviços, à sua administração, à sua tarifação, a orientação conveniente ao desenvolvimento do seu futuro.

No Jornal do Commercio, um anônimo respondeu em globo a essa campanha. Este, um de seus trechos:

Entretanto, sabido é dos mais ignorantes que a dragagem está incluída na taxa de carga e descarga e lá está, portanto, em todos os relatórios e balanços para ser vista por todos os cegos, concorrendo para o cômputo total aqueles 245.000 contos que assustam o sr. Serva como um total de renda bruta do porto em 23 anos!

Somente, por mais que se some e se espiche, por mais que se multiplique e se estique, nunca se chega a arranjar aqueles plurais de dezenas, destinados a escandalizar a plateia paulista.

Se o dr. Pinto Serva estivesse disposto a ser daqui por diante mais exato no que afirma, prontificar-nos-íamos a lhe mostrar os erros de palmatória de suas demonstrações, assim como o perigo social e o erro econômico das suas doutrinas.

O que no Havre se paga com o total anual de 4.076.000 francos é apenas o que se denominam direitos de entrada, farol, impostos sanitários, atracação etc. Tudo mais é pago à parte, ao passo que entra no cômputo total da renda do cais de Santos: a armazenagem, o transporte, a capatazia etc., são serviços que no Havre incumbem a outros, com outros se alastram e a outros passam.

No Senado, Alfredo Ellis novamente falou insistindo nos seus conhecidos ataques. Voltou à tona, com as mesmas censuras, o "decreto-gazua" que devia ser revogado, como também a iniciativa para o acordo de 1909. Fora iminente a intervenção federal no Estado, que Rodrigues Alves havia em público confirmado [57]. Ainda bem que o marechal Hermes, malgrado isso, nada concedera à empresa (Senado, 3 de novembro de 1915):

Durante o quatriênio passado, sr. presidente, o marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, honra lhe seja feita, não fez concessão alguma à gananciosa empresa; pelo contrário, antes de deixar o Governo, quando se assoalhava que no seu testamento ele pretendia legar às Docas de Santos o prolongamento do cais de Outeirinhos, desta tribuna, sr. presidente, em nome do Estado de São Paulo, escravizado à empresa, eu vim pedir a s. excia. que o não fizesse e s. excia. não o fez. Honra lhe seja feita.

Se o sr. Marechal Hermes, para nós paulistas, não goza de simpatias pelo fato de ter, no seu Governo, cometido atos que levaram o país à situação atual, não temos, além da tentativa de intervenção no Estado, aliás pronta e energicamente repelida, outras acusações a fazer a s. excia. Ao passo que, sr. presidente, em relação ao seu antecessor, São Paulo não pode dizer o mesmo.

São Paulo foi escravizado á empresa das Docas de Santos. No balcão do Catete, daquele triste período, pesou mais a influência da diretoria das Docas do que a influência que devia exercer um estado trabalhador e que concorre com o seu esforço e com o seu trabalho para a grandeza desta pátria. O decreto, sr. presidente, de 4 de outubro de 1909, não é um decreto; é uma gazua e uma grilheta.

Ao que respondeu "Um acionista" que não era senão o mesmo do ano anterior (Jornal do Commercio, 18 de maio de 1915):

Reeditando, repetindo, remoendo e repisando as suas estafadas acusações contra as Docas de Santos, o senador Ellis se encontra sempre diante de uma dificuldade muito calva que ele não procura sequer contornar: prefere fingir que não a vê.

Ato por ato, decreto por decreto, tudo quanto ele cita como bandalheira descabelada, ladroeiras cínicas das Docas de Santos (perdoem o estilo) pertencem a esse período da história nacional em que a Virginia Brasileira forneceu três presidentes da República sucessivos – Prudente de Morais, Campos Salles, Rodrigues Alves, 1896 a 1908, 12 anos.

Fora desses quatriênios, há apenas duas datas célebres na Codificação das patifarias das Docas de Santos.

Uma pertence ao Governo Provisório e traz a rubrica do ministro da Viação, Francisco Glicério. A outra é o decreto de 4 de outubro de 1909, Nilo-Sá, o Decreto-Gazua, o Decreto Procópio, o Decreto Pé de Cabra como lhe chama muito parlamentarmente o sr. Ellis.

As capatazias, essas célebres capatazias, que estão de novo na berra, quem as mandou cobrar, vintém por vintém, como hoje são cobradas em Santos, foi o sr. Rodrigues Alves, ministro da Fazenda na Presidência Floriano, e quem depois indeferiu a representação das Estradas de Ferro Paulistas contra a sua cobrança sobre água foi o sr. Bernardino de Campos, ministro da Fazenda na presidência Prudente de Moraes, indeferimento que foi mais tarde confirmado pelo ministro da Fazenda David campista, candidato de São Paulo à Presidência da República.

Só um período presidencial, o quatriênio Hermes, não fez favores nem concessão ás Docas; é o próprio sr. Ellis, quem o diz testificando que o nome do marechal é abençoado pela lavoura paulista.

Dizendo só haver então conhecido o teor do relatório da diretoria, publicado no Jornal do Commercio na véspera quanto à iniciativa do acordo de 1909, escreveu Miguel Calmon (Jornal do Commercio, 31 de outubro de 1915):

Quando o Supremo Tribunal decidiu que o Governo tinha o direito de examinar os livros dessa empresa, para dar plena execução ao contrato de concessão do porto de Santos, procurou-me o sr. Candido Gaffrée, presidente da Companhia, e disse-me que o dr. Francisco Bicalho, em conversa com um dos seus colegas da diretoria, trocara ideias sobre a possibilidade de pôr termo à luta que a empresa vinha sustentando com o Governo, e que, assim, desejava ele saber se este se recusava a mandar estudar uma solução para esse fim. Acrescentou que a Companhia não se opunha a que o Governo examinasse os seus livros, contanto que o não fizesse com caráter de perseguição.

Respondi-lhe, então, que o Governo timbrara sempre em recorrer aos meios legais, não tendo nunca exercido violência alguma, e, ao contrário, prestado a essa própria empresa o seu completo apoio, todas as vezes que se tratara de causa justa, pelo que não lançaria mão de recursos extremos para a execução do acórdão do Supremo Tribunal, se a Companhia viesse ao encontro de seus desejos. Desde que se verificava essa hipótese, não se negava o Governo a se entender com ela, para resolver definitivamente as dúvidas existentes.

Dias depois, entregou-me o sr. Candido Gaffrée um memorial relativo à questão, e que confiei ao dr. Bicalho, a cujo caráter e competência profissional sempre rendi o merecido preito. Enviou-me ele mais tarde, após detido exame, o seu parecer, com o qual concordei, mas, como consta do meu despacho, só em princípio, visto que o estudo da matéria ainda não se achava concluído nessa ocasião.

Como em 1914, não faltou polêmica. Na Câmara, e para começar pelo fim, a questão da iniciativa do acordo de 1909 levou à tribuna, como naquele ano, Raul Fernandes. A propósito da taxa de 2% ouro, Cardoso de Almeida havia relembrado o acordo, censurando-o. Fora preciso, disse s. excia., referindo-se às empresas de construção de portos, que "viesse um Governo honesto e zeloso pelo bem público, como foi o Governo Affonso Penna, tendo na pasta da Viação o honrado sr. Miguel Calmon, para que fossem chamados ao cumprimento do dever". Não passaria despercebida essa censura total aos três presidente paulistas que antecederam. Quanto a Santos, ocorreu este diálogo (28 de outubro de 1915):

O SR. CARDOSO DE ALMEIDA: - O Governo entrou em acordo e desistiu da demanda, apesar da decisão vitoriosa, e a Companhia, por sua vez, desistiu da que lhe movia.

O SR. RAUL FERNANDES: - O Governo Affonso Penna já tinha reconhecido a inutilidade da sentença obtida e já estava em via de acordo. (Protestos).

O SR. ANTONIO CALMON: - V. excia. não será capaz de provar; o acordo foi feito pelo governo do sr. Nilo Peçanha. Telegrafei a meu irmão, que estava na Europa, e ele respondeu, autorizando o senador Ellis a contestar que houvesse essa ideia de acordo no tempo do Governo Affonso Penna.

O SR. RAUL FERNANDES: - Mas já estava em elaboração. É matéria de fato. V. excia. pode contestar em nome de seu irmão que era ministro, mas eu estou no direito de afirmar que havia proposta de acordo.

UM SR. DEPUTADO: - Proposta podia haver por parte da Companhia. Não podemos discutir com intenções, mas com os fatos.

O SR. PALMEIRA RIPPER: - Foi um escândalo tremendo. (Há outros apartes).

O SR. CARDOSO DE ALMEIDA: - Quando o público esperava que o Governo cumprisse a decisão do Supremo Tribunal e compelisse a empresa a cumprir o seu dever, fornecendo os livros para o exame, o Governo, que era o do sr. Nilo Peçanha, e sendo ministro da Viação o sr. dr. Francisco Sá, entra em acordo com a Companhia, de modo que o Governo, que estava munido do acórdão do Supremo Tribunal a seu favor, desiste da ação. O acordo foi aprovado pelo decreto n. 7.578, de 4 de outubro de 1909, e foi firmado pelos srs. Nilo Peçanha e Francisco Sá, de modo que, sr. presidente, o Governo Federal, que tinha intentado a sua demanda no interesse público e em cumprimento da lei de 1869 e do decreto por ele expedido a abem da coletividade cedeu, suspendeu a execução da sentença! (Sensação).

A suprema aspiração da Companhia era justamente a apuração do seu capital, pelos orçamentos e não pelo efetivamente despendido como manda a lei de 1869.

Lavrou-se esse acordo que pôs termo a tudo, de modo que a empresa saiu vitoriosa, teve seu capital inteiramente reconhecido, e ainda mais, pela cláusula III do acordo, ficou exonerada da prestação de contas do custeio pela fixação da percentagem de 40% da renda bruta para esse fim.

Vale a pena inserir a resposta de Raul Fernandes (28 de outubro de 1915):

Não é demais resumir o estado da questão, quando se inaugurou o Governo do sr. Nilo Peçanha.

O sr. Calmon baixara o decreto n. 6.501, de 6 de junho de 1907, para regulamentar a lei de 1869, que rege os melhoramentos dos portos.

No espaço de tempo que mediou entre a lei e o decreto, concessões foram feitas, e entre elas à Companhia Docas de Santos, que data de 1888.

O contrato celebrado com esta Companhia obedeceu às prescrições da lei; e na sua execução, as medida complementares, ou de ordem regulamentar, que se tornaram necessárias, foram tomadas, por meio de decretos, avisos e instruções do Poder Executivo. Aliás, os Governos, tanto da Monarquia como na República, não fizeram mais do que exercer, assim, a prerrogativa inerente ao Poder Executivo de expedir provisões para a boa execução da lei; faculdade essa de que ele pode usar por meio de regulamentos de caráter geral, tanto como por meio de provisões, instruções e atos semelhantes para atender a casos singulares.

Em relação ao capital da Companhia Docas de Santos (quando digo capital, não me refiro ao capital da sociedade, mas ao capital invertido nas obras, o único que o Governo tinha de tomar em consideração para os efeitos da lei e do contrato) se havia estabelecido o regime de, orçadas as obras, submetido o orçamento á consideração do Governo, e aprovado com as modificações que ele entendesse, ou sem modificações, por decreto se mandar incorporar a respectiva importância ao capital da empresa, sendo assim fixado o custeio das obras.

Quando foi expedido o regulamento de 1907, esse custo era o constante do orçamento organizado pelo Governo para as obras projetadas e contratadas em 1888, aumentado do das obras acrescidas em virtude de modificações ulteriormente contratadas, o qual constava de orçamentos sucessivamente aprovados por uma série de decretos do Governo Federal, que expressamente mandavam incorporar as respectivas importâncias ao capital da empresa.

Adiante:

Pretendeu o Governo, em execução desse regulamento, verificar – inclusive por meio de medições – o custo das obras, para fixar esse capital, e para averiguar se, em relação a esse custo, a renda líquida da Companhia já atingia o limite de 12% para proceder-se à redução das taxas.

Opôs-se a Companhia a essa pretensão, alegando que o custo das obras até então executadas era constante do seu contrato e dos decretos de aprovação dos respectivos orçamentos; e que a verificação da despesa e do custeio para eventual redução das taxas era prematura, não estando, como não estavam, concluídas todas as obras, e sendo certo que o rendimento máximo de 12% assegurado pela lei de 1869 era função do custo integral das obras e não de uma parte destas.

Dada a divergência, o Governo recorreu ao Poder Judiciário requerendo a exibição dos livros da Companhia como preparatória de ação que declarava tencionar propor contra ela por violação do contrato. A Companhia se opôs à exibição e foi vencida, julgando o Supremo Tribunal Federal que o Governo tinha o direito de examinar os livros. A decisão nada mais abrangia além disso, deixando intacta a questão principal entre a Companhia e o Governo, a qual, aliás, era objeto de outra ação, precisamente a movida pela Companhia contra a União e a que se referiu o sr. Cardoso de Almeida

Entretanto, armado dessa sentença, o Governo reconheceu que não tinha nada; primeiro, porque a sanção de uma sentença de exibição de livros é a prisão do proprietário recalcitrante, como sabem os advogados com assento nesta Câmara, e em tese, como no caso de que se trata, assegurar a prisão não equivale a assegurar a exibição; segundo, porque quando mesmo os livros fossem exibidos, esse ato não seria senão o início de uma série de dificuldades e questões de classificações de despesas, já não falando na impossibilidade em que continuaria o Governo de, com ou sem inspeção dos livros, medir e avaliar obras que em grande parte, pela natureza da construção, já não eram suscetíveis de medição.

Concluindo:

Foi, sr. presidente, precisamente, para obviar dificuldades, que o exame da escrituração das empresas não remove, que nos contratos firmados pelo honrado sr. Lauro Muller sob o Governo Rodrigues Alves, para melhoramento de vários portos, e tais são os da Bahia, Pará, Vitória e Rio Grande do Sul, estipulou-se à forfait uma quota da renda bruta para custeio, representando o excedente a renda líquida, sistema este que não oferece inconveniente sério, pois que é mais ou menos constante a relação entre o custeio e a receita bruta, e simplifica a fiscalização, que com toda a segurança e facilidade se limitará à verificação da renda global e à técnica da construção.

A tradição administrativa, no Brasil, atesta, pela adoção deste processo, depois de ensaiados outros, que ele é o melhor; e o honrado sr. Miguel Calmon disso devia estar convencido, porquanto s. excia. novou o contrato do Rio Grande do Sul e aí o manteve, reconhecendo assim que o bom regime era o instituído pelo sr. Lauro Muller.

O que pareceu escandaloso aos nobres pre-opinantes de anteontem, foi que o Governo do sr. Nilo Peçanha, em vez de executar a sentença, entrasse em acordo com a Companhia. O Governo de então reivindicou para si a inteira responsabilidade do acordo que realizara, reputando-o um ato patriótico, honesto e liso. Mas não foi demais que eu aparteasse ao nobre orador, afirmando que já em tempo do Governo Affonso Penna, a despeito da sentença obtida, se entabulara combinação com a Companhia para, por meio de acordo e não por meio de execução da sentença, chegar-se ao resultado colimado.

Havia o presidente de São Paulo insistido de novo pelo cais, excluído todo o intuito de ofensa. Exarou em mensagem Rodrigues Alves (Jornal do Commercio, 15 de julho de 1915):

Ilude-se a grande empresa, que tem prestado reais serviços ao porto de Santos, e, digamos melhor, ao país, se está persuadida de que existe por parte de quem quer que seja o mais leve intuito de ofensa aos direitos dos seus acionistas. Ela se constituiu com um pequeno capital, e, ajudada por sua própria renda e alguns elementos estranhos, nasceu e se desenvolveu extraordinariamente.

Conseguiu chegar a esse resultado à custa dos enormes trabalhos realizados pelo produtor paulista ou pelo Estado, com a construção de vias férreas, o colossal crescimento da lavoura de café e a criação de várias indústrias. Os lucros têm sido avolumados, mas as taxas se conservam estáveis ou tão levemente alteradas que subsiste no Estado a impressão de que todas as suas forças produtoras estão ao serviço da renda da poderosa empresa.

Não é aceitável essa situação. Os capitais empenhados no trabalho de exploração do porto de Santos têm direito a uma justa remuneração, mas os elementos que concorrem para a formação da renda, se esta cresce em desusada proporção, carecem também ser atendidos, quando reclamam redução nas taxas.

É para satisfazer o interesse do produtor que o Estado mantém a ideia de se propor a construção do prolongamento do cais. Não tem o menor pensamento de causar prejuízo à Companhia e isto já foi afirmado, de modo claro e categórico, na Mensagem de 1913.

Ao que, e do mesmo modo que em 1914, retrucou no dia imediato o Jornal do Commercio (16 de julho de 1915):

É muito justa a aspiração do produtor paulista no sentido da redução das taxas. Mas não vemos em que, para chegar a esse resultado, seja absolutamente necessário que o Estado se proponha a uma concorrência que talvez aberrasse da lógica, ofendendo quiçá a um privilégio natural.

Um porto moderno não é só uma linha de cais para atracação de navios, embarque e desembarque de mercadorias e passageiros. Há uma porção de trabalhos complementares, cujo gozo privativo pode ser reclamado por quem teve a iniciativa e a despesa de realizá-los.

O cais das Docas, sem a dragagem do canal de acesso, seria apenas uma suntuosa inutilidade. O prolongamento, por outrem, da muralha desse cais, dos Outeirinhos em diante, iria se beneficiar de trabalho já feito para o livre ingreso dos navios. È o caso dos monopólios espontâneos inevitáveis, pela própria natureza das coisas e até pelos requisitos técnicos do serviço. Repetimos que isso não significa afirmar a improcedência das queixas de São Paulo.

Mesmo tendo em conta que as taxas das Doas não sofrem a sobrecarga dos 2% ouro, convém lembrar que o serviço nesse porto é perfeito e nenhum existe tão bem aparelhado; mas ainda assim nos parece que a justa redução almejada depende antes de compensações, que não resultariam lesivas à União nem ao estado, do que da represália no terreno da concorrência.

Encerrando seus discursos desse ano – não mais falaria desde então -, disse Alfredo Ellis, depois de aludir em termos violentíssimos a Nilo Peçanha (Senado, 3 de novembro de 1915):

Desde 1909 até 1915 tem a empresa das Docas se locupletado. Por que razão, por que motivo ela não continuou calada? Por que se insurgiu contra uma mesquinharia que o nobre deputado por São Paulo, sr. dr. Cardoso de Almeida, por meio de um projeto de lei, procurava obter do Poder Legislativo, diminuindo a taxa das capatazias, que era outrora de 50 réis por 50 quilos e ela camaradamente conseguiu aumentar para 300 réis por 50 quilos?

Por que ela não se conserva calada? Mas, tão gananciosa é esta empresa que mesmo os vinténs ela disputa. Arquimilionária, tendo constituído a maior fortuna deste país, ainda disputa os vinténs. Melhor era, sr. presidente, que essa diretoria continuasse a comer sem rusgas e sem brigas; que continuasse a comer calada.

Desde, porém, que ela afronta a opinião pública e afronta ao meu Estado, sinto-me rejuvenescido, sr. presidente; volto á tribuna disposto a continuar a campanha, fazendo um apelo ao nobre presidente da República. S. excia. é um homem honesto…

O SR. RIBEIRO GONÇALVES: - Apoiado.

O SR. ALFREDO ELLIS: - …é um homem fundamentalmente honesto, é um homem justo. Para ele, o povo de São Paulo apela para o estabelecimento da lei; não pede favor; pede o cumprimento, a execução da lei.

Estou convencido que s. excia., examinando o caso, há de proceder de acordo com as suas tradições.

E estas foram as palavras de resposta, as últimas também da diretoria, pelos seus cinco nomes (Jornal do Commercio, 6 de novembro de 1915):

O sr. senador Ellis, no discurso hoje publicado nesta seção, repete pela centésima vez as mesmas histórias, as mesmas invencionices, os mesmos desaforos e as mesmas injúrias, que se contêm nas suas arengas anteriores.

Convidamos os interessados a lerem essa peça preciosa.

Aquele senhor, não tendo razões novas a aduzir, recorre ao insulto a eminentes homens que passaram pelo Governo da República e aos diretores da Companhia.

A diretoria da Companhia julga-se dispensada de responder ao adversário que, resvalando para a agressão pessoal, manifesta o intuito de cevar ódios e despeitos.

Os direitos da Companhia Docas de Santos são inconcussos em face da lei e dos seus contratos modelados nos rigorosos termos desta.

Todas as vezes que houver contestação séria a esses direitos, a sua diretoria os explicará. Mas entre contestar direitos e insultar os administradores da Companhia, a diferença é grande. Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1915. Os diretores da Companhia Docas de Santos: C. Gaffrée, G. Osorio de Almeida, J. X. Carvalho de Mendonça, G. B. Weinschenck, G. Guinle.

Ainda no fim do ano, ao votar-se a receita, essa taxa de 2% não deixou de constituir, com a redução da de capatazias, objeto de polêmica, na qual entrou a Companhia. Deixando para o capítulo seguinte a segunda, é de se registrar o ocorrido com relação à primeira. Sucedeu que, apresentada na lei do orçamento uma emenda relativa à taxa de 2% dos portos, foi combatida pela representação paulista. Não só essa medida contrariava direitos das companhias em Santos e Manaus, como ainda viria gravar mais as taxas existentes.

"Naqueles portos, orou Galeão Carvalhal, os melhoramentos eram executados em virtude de contratos com empresas, que para os serviços de juros e amortização do capital, passaram a cobrar determinadas taxas". Já elevadas, as taxas santistas ficavam em desigualdade: e Santos era a segunda Alfândega do país (Câmara, 31 de outubro de 1915):

Os deputados paulistas precisam estudar com a maior reflexão a medida constante da emenda. O consumidor já está muito sobrecarregado. O povo naquela zona suporta ônus pesados, que agora vão ser aumentados com a cobrança da nova taxa, constituindo surpresa, e nem de outra forma se pode considerar a providência enxertada na cauda do orçamento, ficando além disso alterado o regime até agora adotado nas obras dos portos.

Adiante:

Assim sendo, como admitir-se a decretação da taxa de 2% ouro para Santos, quando o seu porto não foi construído à custa da União? Os decretos de 1903 e 1907 só tratam dos melhoramentos executados à custa da União. Nestes casos é justo que o Congresso estenda a cobrança da taxa aos portos nos quais a União terá de fazer as obras que forem necessárias.

A verdade era que, enquanto se atacava a empresa de Santos, nos outros portos a situação parecia de quase falência. No Rio de Janeiro não tinham sido suficientes os recursos. Nos outros, os encargos imediatos do Tesouro subiam a mais de 21.000 contos ouro. Comentaria uma folha (Imparcial, 18 de março de 1915):

A mania da grandeza que acometeu nos últimos anos a nossa administração se manifestou de um modo alarmante não só no delírio ferroviário como na febre dos portos. Ao mesmo tempo que sonhávamos varar os sertões em todos os sentidos, cobrindo o país de uma rede de ferro, empenhávamos os recursos e o crédito do país na construção de uma infinidade de portos.

A simples enumeração dos que receberam nos últimos anos atenção do Governo – e dinheiro do Tesouro – mostra com que ânsia nos metemos a resolver, de uma assentada, o problema do aparelhamento econômico do país. São eles os de Manaus, Pará, Maranhão, Amarração, Ceará, Natal, Cabedelo, Recife, Jaraguá, Bahia, Rio, Niterói, Vitória, São João da Barra, Paranaguá, Florianpópolis, Laguna, Itajaí, Rio Grande do Sul, porto e barra, Corumbá. Parece uma página de dicionário geográfico.

Na própria Câmara, dizia em parecer Carlos Peixoto, relator da Comissão de Finanças (Jornal do Commercio, 16 de outubro de 1915):

Nesses doze anos, o total das quotas correspondentes aos serviços de juros e amortização do empréstimo contraído para a construção do porto do Rio de Janeiro, inclusive o pagamento das respectivas comissões, deveria ter-se elevado a 66.412:948$928, ouro, sendo pois o produto do imposto arrecadado pelo mesmo porto insuficiente para atender aos serviços do empréstimo contraído para os melhoramentos nele realizados.

Examinando-se o quadro anterior é fácil verificar que somente nos anos de 1911, 1912 e 1913, a receita especial arrecadada pelo nosso porto foi suficiente para cobrir as quotas dos serviços de juros e amortização, correspondentes aos mesmos períodos.

Não pode, pois, a insuficiência da renda especial, que no período que consideramos se traduz em uma diferença para menos de réis 10.370:176$347, ouro, ser atribuída exclusivamente às circunstâncias especiais verificadas no ano de 1914, ou ao fato de, no período 1903 a 1905, ser o imposto ouro cobrado na base de 1½%.

Torna-se evidente a insuficiência da taxa de 2%, sobretudo quando se considera que ela vigora não só para o porto do Rio de Janeiro, como para todos os mai da República, cujo movimento de importação é extraordinariamente menor, não podendo portanto a renda especial neles arrecadada corresponder às necessidades do serviço dos empréstimos que sejam contraídos para o seu melhoramento.

Imagem: reprodução parcial da página 451


[56] "Até hoje ninguém conhece um ato por parte do Executivo Federal, com relação à Companhia Docas, que tivesse redundado em benefício do povo paulista, que lhe tivesse diminuído de um ceitil as taxas com que ela vem arrochando a produção do Estado. Até hoje se espera o primeiro ato de energia do Executivo Federal com relação à Companhia Docas de Santos, que conhece o segredo de dominar todas as resistências, de vencer todos os obstáculos. Agora, porém, que na suprema administração do país impera uma consciência honesta, esperamos que se iniciará uma fase em que o interesse público não seja sistematicamente desconhecido e eternamente lesado". Mario Pinto Serva, Jornal do Commercio, 15 de dezembro de 1915.

[57] Num banquete que lhe foi oferecido por motivo do seu regresso a São Paulo, a fim de assumir a presidência do Estado, disse Rodrigues Alves: "Vivendo assim, procurávamos evitar atritos e complicações com o Governo Federal, trabalhando na zona do nosso território, sem rancores nem provocações. Mas, enquanto assim procedíamos, ativando as forças produtoras do nosso Estado e pugnando pelo desenvolvimento da riqueza nacional, quando declarávamos com lealdade que, divergentes da ação política do Governo Federal, tínhamos resolvido realizar o grande empenho de apaziguamento de paixões, seguindo uma norma de conduta que não tornasse impossível em tempo oportuno a colaboração com os diversos elementos políticos do país, uma ameaça sinistra de intervenção surgiu e se avolumou, caracterizando-se logo por medidas violentas, quais as de serem preparados batalhões para invadir e conquistar o nosso território, obrigando-nos a uma multidão de providências que importavam em sacrifícios pesadíssimos. E a humilhação que nos impunha essa ameaça inacreditável? Poderia depor, senhores, sobre a verdade do aparelhamento militar para a invasão do nosso Estado, se todos vós não conhecêsseis, como eu, aquela tristíssima aventura.

"Ainda agora a voz poderosa do eminente parlamentar sr. Ruy Barbosa, em um dos notáveis discursos dessa grande série que há de passar à História como o melhor elemento para o estudo de uma situação infeliz, lembrou no Senado aquele célebre período de uma proclamação pública nesta Capital e lida como geral assombro em razão da responsabilidade política do jornal que a inseriu em suas colunas:

"É mister que a bandeira do Partido Republicano Conservador tremule nas ameias do Palácio de São Paulo ainda que crivada de balas e enlameada de sangue". Jornal do Commercio, 4 de janeiro de 1915.

[58]
(N.E.: inexistente no original)