QUARTA PARTE (1911-1915)Capítulo LIX
Revide vigoroso
Nesse largo, variado debate, uma pena se sobressaiu, Alberto de Faria. Já
havia ele, conforme vimos, escrito pela empresa a propósito das concessões Farquhar e da ação da São Paulo Light & Power para reaver a taxa de capatazias. Agora saía de novo a campo, a fim de se opor à pretensão do Estado para construção de outro
cais.
Vieram a lume esses artigos na seção livre do Jornal do Commercio, durante o último quartel de 1914, reunindo-se, depois, por alguns acionistas, em volume [54]. Eles valeriam ao autor, então, um voto de louvor da assembleia geral e mais tarde um lugar na diretoria. No prefácio que se leu (8 de janeiro de 1915):
A publicação em folheto é uma homenagem que queremos prestar ao nosso distinto consócio e ao mesmo tempo exprime o empenho de tornar bem
pública a injustiça da campanha que um grupo de especuladores capitaneia contra a grande empresa nacional, alvo dos ódios de sindicatos estrangeiros.
Coube ao nosso consócio a glória de ter sido o primeiro a sair à imprensa em apoio da atitude patriótica da ilustre diretoria das Docas de Santos contra o trust canadense que pretendeu submeter a uma só mão de ferro toda a viação do Sul do
Brasil e ainda um grande número de empresas, que exploram serviços públicos e indústrias particulares.
Adiante:
Ao tempo em que a ilustre diretoria, amparada na responsabilidade jurídica do jurisconsulto pátrio Carvalho de Mendonça, mostrava a
absoluta indiscutibilidade dos nossos direitos, quis o ilustre consócio destruir pela imprensa a legenda da exorbitância das tarifas do cais e da ilegalidade da cobrança de certas taxas, acusações ridículas, já suficientemente rebatidas antes,
mas que tiveram nova edição, igualmente errada, nos discursos recentes dos senadores Alfredo Ellis e Adolfo Gordo.
Acreditamos que, a par da convicção do nosso direito, está também firmada no espírito do nobre e laborioso povo paulista a da clamorosa injustiça com que os interessados pretendem descarregar nas Docas de Santos o peso dos sofrimentos atuais da
lavoura e do comércio do grande e próspero Estado.
A insignificância da cifra de trezentos réis das decantadas capatazias, comparada com as cifras do imposto estadual, dos fretes ferroviários e das outras despesas até os portos europeus, que ascendem a 17$000, bem evidencia a má fé de uma
campanha indigna, que procura desviar de outros a animosidade, canalizando-a contra os capitalistas que levaram a cabo a arrojada empresa.
Apelava o autor, como o prefácio, do depoimento de alguns representantes paulistas, para a opinião do Estado. E o primeiro golpe, desferido sob o título "O
tartufismo paulista", era bem mostra do que ia ser aquela investida (12 de novembro de 1914):
Mascarando agora com o pretexto da concorrência pública a pretensão que tiveram de obter, pura e simplesmente, sem concorrência, o
prolongamento do cais de Santos no regime das mesmas taxas, favores, decretos e contratos da atual empresa e mais 2% ouro sobre a importação, esperam políticos de São Paulo fazer crer que é o interesse da lavoura e do comércio que os inspira.
Os antecedentes desmoralizam o embuste. Perdoem os homens honrados e de boa fé, que os há entre os políticos paulistas nossos adversários, a parte que lhes toca na crítica aos seus correligionários negocistas.
A ideia do prolongamento veio da complexidade de um vasto plano da Brasil Railway e do seu grupo financeiro.
Nessa ocasião, o sindicato açambarcador das estradas Paulista e Mogiana e arrendatário da Sorocabana quis ter também o seu porto. Era o monopólio, era o estrangulamento premeditado para a vastíssima zona, a completar com a projetada compra da São
Paulo Railway. O porto integrava o plano; e o prolongamento foi arma para amedrontar a empresa nacional.
Só agora, compreendendo a insensatez de ter requerido tal concessão de mão a mão, igualzinha à das Docas de Santos e agravada dos 2% ouro (uma ninharia de 5 ou 6 mil contos anuais), volta-se São Paul para a moralidade da concorrência. "Où la
vertu va-t'elle se nicher?"!
Em quatorze dias a censura, ora leve, ora veemente, respondeu assim à campanha adversa. Alberto de Faria não se limitou a defender o direito exclusivo, mas
revidou também em todos os outros pontos de ataque, inaugurados em 1894 e, desde então, pertinazmente repetidos, apesar de reiteradamente explicados ou desfeitos. Para não cair em já enfadonha repetição, adiante se transcrevem alguns tópicos.
Assim, a asfixia que se pretendia criar para o Estado por causa das Docas (27 de novembro):
As estradas de ferro paulistas acabam de elevar de 40% suas tarifas de transporte. Do clamor geral se fizeram eco em uma representação
ao Governo Estadual, as Câmaras Municipais de Salto Grande do Paranapanema e do Avaré.
Por uma coincidência, destas que Deus põe no caminho da existência para embaraçar os mais seguros viajores, o ministro superintendente deste serviço é o dr. Paulo de Moraes Barros… O secretário Moraes Barros, responsável pela viação férrea
paulista, e o diretor das estradas de ferro do trust, estão de acordo em que não há direito de recalcitrar contra o aumento de tarifas; e o despacho exarado pelo secretário da Agricultura na representação das Câmaras Municipais, datado de
17 de novembro corrente, foi este: "Não cabe providência alguma ao Governo, visto que o aludido aumento, devido à influência da depressão cambial, foi estabelecido de conformidade com os contratos em vigor".
Neste momento angustioso, neste mesmo instante crítico (queixam-se ainda os sofredores contribuintes paulistas), o Governo Estadual recomenda à Recebedoria de Santos que d 1 de dezembro em diante não se esqueça que o franco passou a valer 700
réis e que os cinco francos da sobretaxa são 3$500 e não 3$000.
A alteração cambial, perfeitamente legítima, coincide, porém, com a imutabilidade e a perpetuidade de uma pauta de 800 réis que é hoje apenas o dobro da realidade, o que permite ao Estado cobrar, não o que é legal, os 9% ad valorem, mas
18, de que precisa para cobrir o seu déficit.
E, acentuando o contraste:
É neste momento que as Docas de Santos tinham proposto fazer redução de 33% das capatazias do café e de 50% em muitas outras. A saca de
café que paga às Docas, atualmente, 300 réis de capatazia, passaria assim a pagar 200 réis.
Entretanto, tomando por base os dados exatos, precisos, de uma excelente publicação recente – o Guia do Fazendeiro -, calculando sobre a pauta de 600 réis (a pauta está elevada a 800 réis) esses mesmos 60 quilos de café gastam entre Ribeirão
Preto e o porto do Havre, até o momento da atração: frete de Ribeirão Preto a Santos, 4$280; comissário, saco, carreto etc., 3$180; Agente exportador etc., 1$180; frete marítimo, 1$800; imposto de 9% ad valorem, 3$240; sobretaxa de 5
francos, 2$985. Total, 16$671.
A esta despesa seria preciso adicionar 300 réis com que as Docas de Santos colaboram para a ruína do produtor?
São estas as taxas que ora vão sofrer agravação, quando a lavoura luta nos estertores da agonia!
Gravem-se elas e fixem-se bem na memória de todos, os que pagam, os que não pagam e os que berram a salário ou por gorjeta: uma saca de café (além de impostos municipais e de contribuições indiretas), paga, só ao Fisco estadual, às empresas de
transporte, e aos intermediários, até chegar ao Havre, 16$671. O seu valor bruto atual é 32 a 35 francos por 50 quilos, ou digamos 30$000 por 60 quilos no Havre. A produção agrícola paga, pois, de fisco e transporte até o primeiro mercado, mais
de 50% do seu valor bruto, dados todos os descontos.
Poder-se-ia, à vista disto, falar em polvo, com maiúscula, e outros epítetos menos verdadeiros, para não dizer injuriantes? (29 de dezembro):
Ninguém podia crer que o Polvo tivesse unhas tão curtas, tentáculos tão microscópicos. Lendo o senador Ellis, pensavam todos que as
Docas absorviam uns 10 a 15% do trabalho do produtor.
É compreensível, pois, o assombro com que, depois de ouvi-lo discursar, se lê, se verifica, que numa despesa total de 17$000 por saca de café, até o cais do primeiro mercado de consumo, o Havre, as estradas de ferro recebem de transporte 4$200, o
Fisco estadual 4$320 ad valorem, mais 3$500 de sobretaxa ou 7$820 etc., e o Polvo com P maiúsculo e com as cinco letras e os cinco dedos com que faz jogo de espírito o senador Ellis, apenas recebeu pelo serviço de capatazia no seu cais,
com os seus guindastes, com o seu pessoal, com a sua responsabilidade de guardar e conservar, 300 réis ou três tostões!
Quase duvida de si mesmo o próprio escritor destas linhas e procura fazer outro cálculo, para ver se não está mentindo aos leitores.
Numa safra de 10 milhões de sacas, ao preço real a pauta atual, isto é um preço razoável, 12$000 a arroba – o Fisco Estadual receberia 43.200:000$000, dos 9% ad valorem, e 35.000:000$000 de sobretaxa; as estradas de ferro receberiam
(digamos para sermos cautelosos no cálculo de média de distância) 36.000:000$000; o comissário (5% entre comissão honesta, saco, arranjo dos tipos e outros achegos) 24.000:000$000; ou adicionando as outras despesas até o Havre, digamos,
170.000:000$000 anualmente.
Nestas cifras que parecem de um outro planeta pelo volume, mas que são oficiais da terra roxa, a doca, o Polvo, a mão de ferro, embolsaria 3.000:000$000 (três mil contos) menos de 1¾% da despesa total ou pouco mais de ½% (meio por cento) do valor
do produto, em paga do seu trabalho de capatazia do porto de Santos.
E se lhe adicionarmos todas as despesas indiretas, que o café paga pela obra do cais, pela dragagem e melhoramento do porto etc., os dez milhões de sacas terão deixado à empresa do cais 4.500 contos, isto é, menos de 1% de seu valor, quando só de
imposto teriam pago 77.200 contos de reis ou 16% redondos.
Em si mesmas, sem relação com as outras despesas cobradas, podiam dizer-se extorsivas e sempre agravadas as taxas da Companhia? Não considerava o autor ao
secretário da Agricultura de São Paulo senão um homem honrado. Mas não procedia sua petição ao Governo Federal. Lembrando os primeiros anos da construção, a campanha Moraes Barros em 1896, a alfândega de São Paulo, mostrou Alberto de Faria que os
outros portos, como Pará e Manaus, construídos sem concorrência, não tinham taxas menores, pelo contrário; e que as de Santos desde 1896, quando se aumentaram as capatazias em todos os portos e pois não só em Santos, não tinham sofrido alteração:
Daí para cá não houve mais modificações, nem alterações, nem estabelecimento das médias que possam servir de pasto à crítica dos que
precisam forjar acusações.
Há 19 anos que não se toca nas tarifas do cais de Santos, senão para reduzi-las; e se, ainda recentemente, não foi feita a considerável redução cuja promessa o marechal Hermes obtivera da diretoria, importando em 1.500 contos anuais
aproximadamente, queixe-se São Paulo dos seus homens.
Quando o secretário da Agricultura de São Paulo diz, pois, que, apesar do crescimento extraordinário das rendas do cais, as taxas têm sido ainda agravadas, mostra que desconhece completamente o assunto, pois não o supomos capaz de faltar
cientemente à verdade.
Respeitável por muitos títulos, o contraditor maior merecia este retrato (12 de dezembro):
O sr. senador Alfredo Ellis é uma pessoa por muitos títulos respeitável.
Ninguém mais do que o "acionista das Docas" tem prazer em confessar a sua grande simpatia por essa nobre figura. Num período de mercantilismo político, como este que o mundo atravessa e o Brasil particularmente, os tipos como o sr. Alfredo Ellis
são muito de prezar.
Não esquecerá jamais o "acionista das Docas" a solidariedade que em outras causas deve à probidade do ilustre cidadão.
Feita esta justiça, ficamos à vontade para lhe apreciar a atitude contra as Docas de Santos, de que é, de longa data, o mais feroz e mais desarrazoado inimigo.
O ilustre senador paulista tem a idiossincrasia da honestidade. Basta que lhe possam suspeitar condescendência com os fortes ou poderosos, para que ele desembainhe a espada em ímpetos de ferir e na preocupação de se defender.
Muito perdoável moléstia em uma época em que quase há orgulho de alardear improbidade e da má fama se faz negócio, como um bom anúncio para clientela!
Em relação às Docas de Santos, atritos pessoais, questões de ofensas e melindres antigos, dão-lhe ainda maior calor que o habitual.
Um ódio certo na alma lhe ficou
Uma vontade má de pensamento.
Nem para um homem de bem, um homem digno, explicação mais elevada se ode encontrar de uns tantos processos de combate e de certos
ataques.
Esses processos se lembravam: a 25 de setembro de 1896, quando s. excia. acusava a empresa de embolsar 20.000 contos a mais do que tinha direito, quando ela não
recebia, até então, mais de metade dessa quantia. Ou, ainda para falar de seu recente discurso (28 de outubro de 1914), quando acusou a Companhia de receber pela exportação do café da valorização 4.000 contos de réis, sendo a taxa de 300 (a de
150 réis era de utilização do cais), o resultado não podia ir além de 2.700:000$000:
Estas cifras e estes arroubos de eloquência tiveram apoiados calorosos do sr. Adolfo Gordo, outro senador paulista.
Não admira que com representantes que assim lhe falam, o povo paulista vivesse armazenando esse ódio coletivo a que muitas vezes volta o senador Ellis. Só espanta que não tivesse feito algum disparate daqueles que tanto intimidam o marechal Pires
Ferreira, pai ou padrinho, pouco assombrado aliás, de uma lei, única no mundo, que ao militar reformado dá maiores vencimentos que ao militar em serviço.
É bem natural que esse ódio coletivo tenha existido.
É bem natural e, podemos dizer, é bem certo, entretanto, que ele vai desaparecendo e está quase extinto.
O mais bronco caipira do Piraju ou de Santa Cruz do Rio Pardo já não engole sem pestanejar todas as pílulas que os políticos lhe queiram administrar.
Ele, que paga às estradas de ferro quatorze vezes mais, ao Fisco Estadual vinte e duas vezes mais e ao comissário em Santos cinco vezes mais, não se pode deixar albardar com essa peta de que são os 300 réis (trezentos réis!) de capatazia nas
Docas que o estão arruinando.
As capatazias lhe provocam este comentário, depois de lembrar todas as tentativas das Estradas de Ferro Paulistas, da São Paulo Light & Power, dos
representantes do Estado no Congresso Estadual e no Legislativo Federal, para sua supressão ou condenação (14 de dezembro de 1914):
Admira, espanta, assombra, maravilha, que depois disto haja quem, com a responsabilidade de um nome feito na profissão, chame ilegal
semelhante cobrança.
O Governo, diz a lei, fixará as taxas (taxas, no plural) de acordo com os concessionários. O Governo as fixa uma vez no contrato e reconhece vinte vezes nas aprovações de contas; as sanciona por vinte e três anos de cobrança ininterrupta;
reprodu-las nos outros contratos; agravando-as, manda aplicar o Regulamento do Porto de Santos para Manaus, por decreto do presidente Campos Salles e para o Pará, Rio Grande do Sul e outros portos, por decreto do presidente Rodrigues Alves; impõe
silêncio com seus solenes indeferidos aos contrabandistas de Santos e aos engenheiros da Paulista e da São Paulo Railway; e depois de tudo isto, depois de 23 anos de jurisprudência administrativa uniforme, ainda há topete em São Paulo para
qualificá-las taxas ilegais!
Não existe mais naquela terra, naqueles escritórios de advocacia, um exemplar do Diccionario Juridico de Pereira e Souza? [55].
O direito exclusivo da Companhia, por último, teve sua parte. Pela primeira vez se encarou a questão não só em face da lei de 1869, reguladora da concessão de
docas, como também perante a de 29 de agosto de 1828, que regulou a de portos. Preliminarmente (16 de dezembro de 1914):
Não se pode contestar em boa fé o direito exclusivo da empresa atual ao prolongamento do cais.
É fácil esclarecer o espírito dos que desejam conhecer a verdade. O que se contratou em Santos não foi a construção de docas e armazéns, nos termos restritos da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869.
Foram as obras de melhoramento do porto de Santos, como está escrito na epígrafe e no texto do decreto de 12 de julho de 1888, autorizando o contrato com J. Pinto de Oliveira, C. Gaffrée, E. Guinle e outros.
Porventura, esta distinção será uma questão de palavras, que no fundo não importe diferença radical?
Pelo contrário, é fundamental.
A diversidade entre as palavras empregadas na epígrafe e no texto da lei de 1869 e as do decreto de 12 de julho de 1888, que contrata os melhoramentos do porto de Santos, tem explicação clara na discussão parlamentar da lei de 1869, que ilumina o
assunto, apagando todas dúvidas.
Assim:
O projeto que se converteu na lei de 1869, e que era um projeto governamental, poucas emendas sofreu até ser convertido em lei.
Uma delas, porém, a capital, a que motivou maior discussão, foi a que alterou o artigo 1º do projeto. O projeto dizia:
"Fica o Governo autorizado para contratar a construção, nos diferentes portos do Império, de Docas e armazéns para carga, descarga,
guarda e conservação de mercadorias de importação e exportação e bem assim a de quaisquer outras obras úteis ao comércio e navegação", sob as seguintes bases: etc. … (Annaes, 1869, Tomo IV, página 27).
As palavras que acabamos de grafar não existem, porém, na lei: desapareceram. Por que? Porque a deputação de Pernambuco, pela voz do deputado Augusto Oliveira, bateu-se para que ficassem sob outro regime as obras de melhoramentos de portos. Para
o porto de Recife, estava em elaboração uma lei especial e já no Senado.
O deputado Pereira da Silva, que era o defensor do projeto, interpelado fortemente, apresentou uma emenda supressiva, que o ministro da Agricultura, Antão, declarou aceitar:
"Suprimam-se no art. 1º as palavras 'desde quaisquer outras obras' até o fim. Pereira da Silva". (Annaes, 1869, tomo 5º, pág. 23).
O projeto, que se converteu na lei de 1869, fora apresentado como medida geral sugerida por um pedido de particular para docas e armazéns, com vários favores, no porto do Rio.
Adiante:
Visando fins mais gerais e incluindo obras mais vastas, esse projeto sofreu, entretanto, a amputação da emenda Pereira da Silva.
A lei de 1869 ficou, pois, exclusivamente regulando a autorização para "construção de docas e armazéns para carga e descarga de mercadorias de importação e exportação". O serviço do melhoramento dos portos, ficou excluído, com a supressão das
palavras "quaisquer outras obras úteis ao comércio e à navegação". Foi uma vitória da deputação pernambucana, subtraindo aos termos da nova lei os melhoramentos do porto de Recife.
O discurso do ministro da Agricultura, Antão, é claríssimo. (Annaes, tomo IV, pág. 198).
O deputado Pereira da Silva, declarando que neste ponto falava por si e não pelo Governo, explicou:
"Aqui, só posso enunciar minhas ideias, particulares. Penso por ora que não convém dar a companhias particulares os melhoramentos dos portos e que eles devem ir sendo feitos pelo Governo, segundo as forças do Tesouro". (Annaes, cit., pág.
22).
E, desde logo, declarava que entendia que o Governo não estava autorizado a contratar como empresas particulares a construção de portos. Como governista e homem cauteloso, porém, ressalvava assim outra opinião: "Mas, pode haver opinião diferente
e mais ilustrada e experimentada que a minha".
Essa opinião, prudentemente ressalvada, era a do ministro Antão. De fato, o ministro da Agricultura assim falava em defesa da sua opinião de que não havia necessidade de autorização para contratar docas e armazéns:
"Para justificar o direito que teria o Governo de fazer concessões, tenho de invocar a legislação existente que nos rege desde muitos anos e é a lei de 29 de agosto de 1828, lei que não está revogada… Por esta lei, senhores, no seu primeiro
artigo dizia-se o seguinte: "As obras que tiverem por objeto promover a navegação, abrir canais ou construir estradas, pontes, calçadas ou aquedutos, poderão ser desempenhadas por empresários nacionais ou estrangeiros, associados em companhias ou
sobre si".
Entendia o conselheiro Antão que, na autorização desta lei, estava incluído o direito de contratar docas com particulares, salvos certos favores especiais do projeto, tais como emissão de warrants; e, outrossim, o direito de contratar o
melhoramento de portos.
Concluindo:
Assim, pois, parece claro que a lei de 1869 autorizou a contratar, como se diz na epígrafe, "a construção de docas e armazéns para
carga, descarga, guarda e conservação das mercadorias de importação e exportação".
Ora, o que o decreto n. 9.979, de 12 de julho de 1888, contratou com J. Pinto de Oliveira, C. Gaffrée, E. Guinle e outros, foram "as obras de melhoramento do porto de Santos", como dizem a sua epígrafe, o seu texto e as cláusulas do contrato.
Portanto, o que se estipulou não foi contrato somente dentro dos termos da lei de 1869. Contratou-se alguma coisa mais. Se é em virtude da lei de 29 de agosto de 1828, como entendia o conselheiro Antão, se é em virtude de outra lei, pouco
importa; porque, se não houvesse lei de autorização, havia o decreto Glycerio-Deodoro, do Governo Provisório, que tudo revalidaria com seu poder ditatorial.
A construção de docas e armazéns, eis o objeto da lei de 1869.
Tão mesquinho era o plano da lei, tão limitada a sua esfera, que o presidente do Conselho, o visconde de Itaboraí, dos maiores estadistas do Império, respondendo ao senador Saraiva, dizia "nem haver necessidade de estabelecer taxas, podendo-se
permitir a cada um construir sua doca, deixando à concorrência, entre elas, estabelecer as taxas razoáveis".
Doca era, nesse sentido, uma bacia bastante para permitir atracação nos armazéns do empresário, obra apenas mais vasta do que os trapiches e pontes particulares que então existiam.
São, porventura, dessa natureza as obras de melhoramento do porto de Santos?
Aquele monumento de engenharia, aquela linha colossal de cais e aterro, aquele rasgo de audácia, aquela obra de saneamento, aquele grande esforço de um homem extraordinário reunindo um grupo poderoso de capitais, está porventura na categoria dos
armazéns e docas que o visconde de Itaboraí imaginava poderem ser construídos, dez ou vinte em cada porto, fazendo concorrência uns aos outros?
Seria pueril equipará-los.
O próprio Itaboraí, nesse mesmo discurso, salvava a hipótese:
"Que desvantagens resultam dessas concessões?" (com ou sem regulamentação de taxas e só com favores legislativos). "Nenhuma: exceto nos portos em que a faculdade de construir uma doca equivale a um privilégio exclusivo". (Annaes do Senado,
1869, tomo III, página 143).
Parece que o grande estadista, que foi quem redigiu de próprio punho essa lei do seu ministério, queria falar do porto de Santos.
Pelo menos, a exceção se lhe adapta como uma luva.
Essa interpretação não era só histórica (17 de dezembro):
Resulta também dos princípios de direito, consagrados na lei de 29 de agosto de 1828, a cujo espírito o contrato obedeceu.
A lei de 1869, cuidando apenas da construção de docas e armazéns, serviço evidentemente da indústria particular, que apenas deverá ser regulado pelo poder público, mui logicamente deixava de exigir a concorrência pública. Cada um, dizia até o
visconde de Itaboraí, pode fazer a doca em sua propriedade, sem dar satisfação ao poder público. Textualmente: "Se um particular quiser construir uma doca na baía do Rio e comprar para esse fim os terrenos necessários, quem lhe impedirá de
fazê-lo?" (Annaes do Senado, sessão de 16 de setembro de 1869).
Vê-se daí a estreiteza do objetivo da lei.
Outra coisa muito diferente foi tratada com os concessionários do cais de Santos, isto é, as obras de melhoramentos do porto de Santos.
A exigência da concorrência pública, que não existe na lei de 1869, não se faz de fato efetiva para as outras concessões anteriores, que eram só para doca e armazéns: ela existe, porém, na lei de 20 de agosto de 1828.
O conselheiro Diogo Velho, um dos mais respeitados estadistas do Império, foi o primeiro executor da lei de 1869; e dois atos seus deram concessões para uma doca a André Rebouças, em São Luiz do Maranhão, decreto de 20 de junho de 1870 e a
Stephen Busch & C. para docas da Saúde e da Gamboa, decreto de 28 de março de 1870, sem mais formalidade que o requerimento dos peticionários.
Para Santos, porém, houve concorrência.
Por que? Porque se tratava de coisa diferente, muito mais importante, sob outro regime jurídico, evidentemente. Tratava-se de um serviço federal que o Governo não queria ou não podia executar.
A concorrência versou exatamente sobre taxas a cobrar no porto para pagar as obras de seu melhoramento (cláusula 8ª do edital).
Se fosse dado a outrem concorrer mais tarde na exploração de docas e armazéns, com o preço de sua obra diminuindo por várias causas econômicas (no caso, até pelas facilidades e benefícios oriundos do serviço que lhe prestou quem melhorou o
porto), qual teria sido o objeto da concorrência pública?
"Para terminar", tal o último artigo. Vigoroso, como os outros, é o derradeiro lanço da defesa. "O velho sistema dos nossos inimigos, escreveu Alberto de Faria,
aludindo à guerra europeia, é aquele que a tática de um beligerante parece querer pôr em prática nas costas do Mar do Norte. De vez em quando, um ataque, uns disparos e depois o desaparecimento no nevoeiro; fica o eco do estouro dos petardos. Os
nossos inimigos não podem pretender efeito mais sério; se são perseguidos, ninguém lhes enxerga mais a sombra". Concluindo:
Vai um senador para a tribuna, o sr. Alfredo Ellis por exemplo, e diz que as Docas furtam 20.000 contos por ano; e logo outro lhe
responde, com os balanços da Companhia, que aquilo é história, porque a arrecadação total, nos maiores anos, não atingira ainda 10.000 contos.
Ele se recolhe; e daí a algum tempo vem dizer mais ou menos a mesma coisa, ou outra coisa mais ou menos.
Vai um senador para a tribuna, o mesmo sr. Alfredo Ellis por exemplo, e diz que as Docas receberam indevidamente de capatazias, por 9.000.000 de sacas de café, cerca de 4.000 contos. Responde-se-lhe que isso é história, que 9.000.000 de sacas a
300 réis dão réis 2.700:000$000; e ele acha jeito de ficar calado, talvez para repetir o cálculo e a multiplicação, com a mesma exatidão aritmética, na sessão vindoura.
Vai um senador para a tribuna, o sr. Adolfo Gordo por exemplo, e diz heresias jurídicas tão palpáveis como os erros da matemática do sr. Ellis; e quando se lhe mostram documentos contrários, leis, contratos, despachos etc., ele se abroquela nas
suas imunidades e se cala como o sr. Ellis.
Adiante:
Vai um secretário de Governo, por exemplo o sr. Moraes Barros, e diz oficialmente, em seu relatório, que as tarifas do cais são
excessivamente pesadas, que são continuamente aumentadas e que não há esperanças de vê-las diminuídas senão pela concorrência feita pelo próprio Governo estadual.
Prova-se por a+b que as tarifas são as mais módicas do Brasil e que a nós as deram os paulistas mais respeitados e a outros portos as impuseram, mais tarde, agravadas, outros paulistas respeitáveis, como o seu atual presidente Rodrigues Alves.
Prova-se por a+b que elas suportam confronto vantajoso com as dos grandes portos do mundo e que há 19 anos não sofrem alteração, senão para serem reduzidas.
Prova-se por a+b que o próprio Governo estadual pediu recentemente as nossas tarifas, os nossos contratos, os nossos favores, os nossos decretos, e mais uma coisa que nós não temos, os 2% ouro.
Prova-se por a+b que nós temos privilégio exclusivo sobre as taxas a cobrar para pagamento da obra de melhoramento e saneamento do porto, taxas que obtivemos em concorrência pública e sobre as quais portanto nova concorrência é um absurdo.
Prova-se por a+b que é a primeira vez que se vê no mundo (e no Brasil…!) o Poder Público pretender fazer-se concorrente de indústria particular para jogar com armas privilegiadas.
Prova-se… tudo!
Por fim:
E a nada disso se julgam obrigados a responder, nem os senadores que têm uma tribuna livre e uma imprensa oficial, nem o secretário da
Agricultura que bem podia fazer a justificação de suas asserções por essa imprensa que tão caro tem custado a São Paulo depois que se habituou com os cofres da valorização.
O sr. senador Ellis, num dos seus últimos discursos, vaticinou que os potentados das Docas triunfariam mais uma vez, porque eles vinham, de assalto em assalto, vencendo sempre e sempre obtendo novos escândalos.
O que as Docas obtiveram até hoje, obtiveram-no em presidências paulistas ou de ministros paulistas. Só uma das grandes ladroeiras citadas pelo sr. Ellis não tem a assinatura de presidente paulista ou de ministro paulista – é o decreto Nilo-Sá, o
decreto gazua, como lhe chama o impetuoso orador paulista.
Esse mesmo, para que o sacramento paulista não falte a todas as ladroeiras das Docas, tem a solidariedade de um correligionário e amigo do sr. Ellis, o sr. Candido Rodrigues, então membro do Governo; tem a aquiescência da bancada paulista que
então apoiava e continuou a apoiar o Governo, e tem o eloquente silêncio de onze meses do bravo e intransigente paladino da moralidade administrativa, o sr. senador Alfredo Ellis.
É tratando com gente desta ordem que a Companhia Docas de Santos tem obtido tudo.
Assim habituada, é natural que ela espere triunfar mais uma vez, quando se trata apenas de fazer respeitar seus direitos pelos tribunais e seus contratos por um Governo honesto. E… até outra vista.
Imagem: reprodução parcial da página 442
[54] Alberto de Faria. Ao Estado de São Paulo.
Artigos publicados no Jornal do Commercio em defesa da Companhia Docas de Santos, a propósito dos discursos dos senadores Alfredo Ellis e Adolfo Gordo. Rio de Janeiro. Typographia Leuzinger, 1915.
[55] "Não escapam nem as capatazias. Foi um aviso do sr. Rodrigues Alves, ministro da Fazenda, que lhes autorizou o começo de cobrança em Santos, e foram
decretos do sr. Rodrigues Alves, presidente, que as deram, tais como eram cobradas em Santos, ao sr. Farquhar, no Pará, sem concorrência pública, e a outros em outros portos. Foi o sr. Prudente de Moraes, a despeito da grita de seu irmão senador
Moraes Barros (o Ellis daquela época), quem, tendo por ministro o sr. Bernardino de Campos, indeferiu a reclamação das estradas de ferro de São Paulo contra a cobrança de capatazias. E foi o ilustre e benemérito Campos Salles quem as deu à Manaus
Harbour expressamente "como são cobradas no porto de Santos". Idem.