TERCEIRA PARTE (1906-1910)Capítulo XLVIII
Remanso na tempestade?
Se os anos de 1906 a 1909 foram agitados, o de 1910 quase pareceu um remanso. Quase, pois, quando não estivesse no cartaz, por
causa de seus contratos, já vimos que a Companhia docas de Santos nele entrava por tangente, na discussão dos referentes às outras concessões.
Tendo sido suspensa por determinação do ministro da Viação, Francisco Sá, a taxas de 2% da Port of Pará, empenhou-se discussão entre aquela empresa, pelo seu representante, e o Jornal do Commercio. Sustentou Carlos Sampaio que o porto do
Pará não se construía à custa da União, com os 2% ouro, pois já estava em mais de dois milhões esterlinos e o Governo tinha para lhe entregar apenas 229.000 liras, produto da taxa em dois anos. Escreveu o velho órgão (9 de junho de 1910):
O sr. dr. Carlos Sampaio, contra a lógica dos nossos argumentos e até contra o próprio texto da lei orçamentária que designa o porto do
Pará entre os construídos à custa da Nação, insiste em afirmar que essas obras foram feitas com capital particular, tanto quanto as dos portos de Santos e Manaus.
Firma-se, para isto, na disposição da lei de 1869, segundo a qual é imposta às empresas desse gênero a obrigação de organizarem, com o excesso da renda líquida, um fundo de reconstituição do capital.
Esquece, porém, ou não quer lembrar que, enquanto no período da construção, em que a renda é nula, os portos de Santos e Manaus roeram o osso branco e duro, correndo exclusivamente com o capital próprio ou de empréstimo, o do Pará auferiu
comodamente o imposto em ouro cujo excesso, além das exigências determinadas pela ausência ou deficiência da renda, não é obrigado a restituir, segundo a cláusula 6ª do contrato.
Ainda o Rio de Janeiro ia mostrar, nesse mesmo ano, que, se para a empresa de Santos o ambiente era sempre de luta, assim se tornava excepcionalmente para as
outras, exploradoras de portos. Obtivera o Moinho Inglez (The Rio de Janeiro Flour Mills and Graneries Limited) concessão de um túnel para seus despachos, uma vez que o cais privativo, que construíra e que desfrutava, tinha que se destruir para
dar passagem ao novo.
Originou-se daí uma nova polêmica entre o Jornal do Commercio e o representante do mesmo Moinho. Tinha este por si, além de Francisco Bicalho, diretor técnico da comissão do porto, um parecer do visconde de Ouro Preto; e contra, além do
velho órgão, o diretor gerente da mesma comissão, Manoel Maria de Carvalho.
Pensavam os primeiros que, além de menos dispendiosa para o Governo, por evitar vultosa indenização, a pretensão do Moinho se ajustava perfeitamente ao regime legal e administrativo do porto; e o Jornal do Commercio viu
escândalo [169].
O caso aqui se refere apenas como depoimento acessório da época. Era de lembrar, também, em Santos, a questão do fornecimento de energia elétrica [170].
Mas foi o porto do Rio de Janeiro que ainda forneceu a São Paulo, nesse ano, motivo de emulação. Como se viu, o regime em que ele vinha ficar era especial; e, na aparência, pelo menos, deixava Santos em inferioridade. Reuniu-se, por isso, a
Associação Comercial da Capital (24 de fevereiro de 1910), tendo Cardoso de Almeida feito uma exposição. Ficou deliberado pedir o concurso da semelhante de Santos, no sentido da equiparação das taxas, telegrafando-se também ao presidente da
República, ministro da Viação e Associação Comercial do Rio de Janeiro. Foi do Estado de São Paulo do dia seguinte este resumo:
Disse o deputado paulista que a Associação Comercial de São Paulo, interessada direta no grave assunto em debate, não poderia silenciar
diante de tamanha injustiça, tal como a adoção de taxas para o porto do Rio de Janeiro, que prejudicariam os interesses do porto de Santos.
Ao mesmo tempo lembrou que a Associação Comercial de São Paulo, o comércio do nosso Estado, seguindo o patriótico esforço da Associação do Rio de Janeiro, deveria agir de acordo com a Associação Comercial de Santos e com o respectivo comércio, no
sentido de fazer cessar semelhante desigualdade, prejudicial aos interesses do Estado.
A Associação Comercial de São Paulo deve felicitar a Associação Comercial do Rio de Janeiro pelo triunfo obtido com a adoção de um sistema tão liberal de administração.
O dr. Cardoso de Almeida fez largas considerações acerca do porto do Rio e do de Santos, mostrando claramente que, com as medidas que se pretendem adotar, o porto de Santos ficará aniquilado, pois o centro para o qual convergirão as forças
comerciais do exterior, em seu primeiro contato com a América do Sul, será o porto do Rio, colocado em condições vantajosíssimas… O café, principal produto da exportação paulista, iria deslocar-se do porto de Santos para o do Rio, prejudicando
assim o Estado.
Já havia a questão tomado o frontispício das gazetas. Numa das de Santos fazia-se ver a diferença de situação entre o Rio e Santos, o que dificultava toda
equiparação nas taxas; alvitrando-se a encampação da Companhia pelo Governo, "cabendo ao porto de Santos a incumbência de pagar a dívida daí resultante (cerca de 120 mil contos) e mais as despesas precisas com o custeio dos serviços e conservação
do cais" (Na Tribuna, 3 de março de 1910):
Com efeito, o cais do porto do Rio de Janeiro não é obra de uma empresa ou companhia, não empenha ou onera capitais de monopólios ou
sindicatos; é obra do próprio comércio daquela capital, que, desde o segundo semestre de 1903, está concorrendo com uma taxa especial para a respectiva construção.
Entre nós, ao contrário, é uma companhia que tem a seu cargo todas as obras do porto e que se empenha ardentemente na respectiva exploração com as formidáveis taxas e largueza de concessão de seus amplos contratos.
É de ver, portanto, que os casos são radicalmente diferentes: enquanto no Rio é o comércio que acomoda aos próprios interesses as taxas dos serviços do porto, porque do comércio é que estão saindo os recursos precisos para a construção do cais,
em Santos é o comércio que paga à empresa particular, que fez o cais, as taxas que ela obteve por disposições legislativas e executivas, ora consolidadas em contratos sinalagmáticos.
Na Capital do Estado, um de seus porta-vozes, o Commercio de São Paulo, opinou do mesmo modo pela encampação, solução tanto mais fácil, escreveu, quanto
nada sofreria a empresa, indenizada no seu esforço e nos seus bens e podendo contratar, ela mesma, uma vez equiparadas as taxas, os serviços com o Governo. Nessa argumentação, as taxas do Rio eram, em média, um terço menores que as de Santos. Não
proibia, aliás, a Constituição Federal, que se criassem, de qualquer modo, distinções e preferências de portos de um Estado em relação aos de outros?
Foi a esse propósito que o maior órgão da mesma Capital alinhou alguns algarismos, que punham bem em saliência o progresso de Santos. Um quarto de século antes, escreveu ele, o movimento marítimo ali era apenas de um quarto da tonelagem total das
entradas e saídas de navios pelo porto do Rio de Janeiro. Desde, porém, que a lavoura cafeeira tinha tomado o desenvolvimento conhecido, Santos estava perto de alcançar a atividade do tráfego do Rio de Janeiro. No último decênio o movimento
marítimo desses dois portos, já rivais, assim se indicava pelo total das tonelagens de registro das embarcações entradas e saídas:
Anos Santos Rio de Janeiro
Toneladas Toneladas
1900 1.726.837 3.388.951
1905 3. 382.109 5.939.559
1909 6.678.354 9.886.600
Assim, explicou o Estado de São Paulo, a tonelagem registrada em Santos passou de 44% para 67% da apontada para o Rio , belo avanço augurando a esperança de que, dentro de poucos anos, o porto paulista igualaria ao carioca, já segundo da
América do Sul, conforme esta colocação (4 de outubro de 1910):
Toneladas
Buenos Aires 16.999.992
Rio de Janeiro 9.886.600
Santos 6.678.354
Em 1909 o movimento comercial pelo mesmo porto de Santos se havia distribuído desta maneira, nele incluído o intercâmbio com os países estrangeiros e com os outros Estados brasileiros:
Importação direta 114.055:285$000
Exportação direta 431.750:722$000
Importação por cabotagem 44.151:957$000
Exportação por cabotagem 16.579:693$000
____________
Total em papel 606.517:597$000
Caindo no equívoco de outros, alarmou-se o órgão paulista com a perspectiva de estagnação em que ficaria Santos em face das taxas do Rio de Janeiro.
Sobre o total do comércio de Santos, escreveu, o poder federal, o estadual e a Companhia retiravam nada menos de 22.4%. A Cidade de Santos comentou essa exposição, exaltando-a, no dia imediato:
Já grande parte dos produtos que procuravam o estrangeiro pelo porto de Santos, afastam-se dele, porque o exagero das taxas faz o preço
da venda não chegar para as despesas, quando se encontra a situação estabelecida com o maior cálculo e precisão mercantil na Capital da República, que matará pela concorrência a superioridade de nossa terra como entreposto comercial.
Tinham as duas Associações Comerciais (São Paulo e Santos) nomeado uma comissão especial para o estudo da questão. No relatório apresentado alegou-se que as
vantagens resultantes das taxas do porto do Rio de Janeiro criavam, de fato, ônus para as regiões que se serviam do porto de Santos, protegendo as trafegadas pela Central do Brasil, em detrimento dos paulistas. No café, por exemplo, de produção
média anual de dez milhões de sacas, o ônus seria de três mil contos se fosse despachado em Santos; no arroz de 540 réis por saca; o açúcar nacional, importado também por Santos, pagaria mais 830 réis por saca; o algodão em rama, 163 réis por
arroba e o carvão 7$000 por tonelada. Concluía esse relatório, depois de aludir a outros artigos de exportação (14 de julho de 1910):
Não seria razoável pedir-se que as taxas do porto de Santos fossem prontamente reduzidas até igualar-se às do porto do Rio e para a
totalidade dos artigos trafegados; mas é inadiável que, para os artigos sobre os quais o tráfego por Santos pesa exageradamente, sejam feitas concessões satisfatórias; basta que seja mantido o equilíbrio para os poucos artigos adiante
especificados; basta que, quanto a eles, as praças de Santos e Rio fiquem em pé de igualdade para a importação e exportação, e as comissões encarregadas do presente estudo dar-se-ão por satisfeitas e com elas todo o comércio, indústria e lavoura
do Estado de São Paulo.
As comissões, convencidas da impossibilidade de uniformizar, de pronto, as taxas para todos os portos do Brasil, como parece intuito do Governo Federal fazê-lo futuramente, e isso em virtude de contratos já existentes e que serão respeitados,
acreditam, entretanto, na eficácia da intervenção valiosa do Governo junto à Companhia Docas, no sentido de se conseguirem as concessões indicadas, certas de que na presente emergência essa Companhia se encontrará na defesa dos seus interesses ao
lado dos interesses do comércio, da indústria e da lavoura do Estado de São Paulo.
Nesse sentido oficiou a comissão à empresa, solicitando também o apoio do Governo do Estado. Prontificou-se este em auxiliá-la, para o que o secretário da
Agricultura se dirigiu à diretoria da Companhia, com dados comparativos, na sua própria expressão, mais completos. Incluído o frete ferroviário para o Rio de Janeiro, havia, nas despesas de transporte para esse porto, reunidas às do cais, uma
diferença de 5$150 por tonelada de arroz, milho ou feijão, a favor do Rio; e isto, acrescentou, apesar de ser o percurso da Central de 500 quilômetros, contra apenas 79 da São Paulo Railway. Para o café, ainda nas suas palavras, as despesas eram
de 22$120 em Santos contra 22$500 no Rio:
Santos Rio de Janeiro
Capatazias 5$000 1$500
Carga 2$500 1$000
Frete ferroviário 14$620 20$000
22$120 22$500
Escreveu A. de Padua Salles:
Assim, é de máximo interesse, tanto para o Estado de São Paulo como para essa Companhia, modificar essas taxas de acordo com as cobradas
no Rio. Importa que isso seja feito ao menos para as mercadorias de importação e exportação por cabotagem e para os cereais exportados para os países estrangeiros, a fim de evitar que tais produtos passem a trafegar pelo cais do Rio, pela Estrada
de Ferro Central do Brasil.
Com essas concessões, a vossa Companhia, cujos serviços reconhecemos todos os paulistas, não pode recear prejuízos ou má remuneração de capital empatado. O crescente movimento do porto de Santos não estacionará e, pelo volume do tráfego,
garantirá à empresa equitativa renda que já subiu de 4.384 contos em 1895 a 16.147 em 1909.
Demais, com os favores lembrados, tornar-se-á possível a formação de novas correntes comerciais, como seja a da exportação do arroz para os países estrangeiros – comércio que so aguarda a diminuição de encargos em nossos portos para
estabelecer-se francamente para a Argentina, Uruguai, Alemanha, Inglaterra, Portugal etc., em competência com o inferior artigo indiano.
Eram, na verdade, de impressionar os algarismos. Mas na aparência Santos não estava mais gravado que o Rio, pois os cálculos, oficiais ou não, haviam omitido a
taxa de 2% ouro, que o Rio pagava desde 1903 e não se cobrava em Santos. Era mesmo essa circunstância que iria desviar, depois, parte da importação do primeiro para o segundo. Respondendo ao ministro da Viação (que lhe remetera um recorte do
Commercio de São Paulo contendo o texto do relatório das Comissões das duas Associações Comerciais) à Associação de Santos e ao próprio A. de Padua Salles, explicou Candido Gaffrée esta divergência aparente.
Às Associações Comerciais de São Paulo e de Santos esta foi a comunicação (5 de agosto de 1910):
1º - As ilustres Comissões esqueceram-se de que no porto do Rio de Janeiro se paga além das taxas constantes do contrato de arrendamento
dos serviços do cais, a de 2%, ouro, sobre o valor oficial da importação, nos termos da lei n. 1.144, de 30 de novembro de 1903, art. 2º, n. IV, § 1º, sendo esta taxa destinada para indenizar as despesas com a construção daquele porto.
No porto de Santos esta taxa não é cobrada. A importação não é onerada com o imposto de 2%, ouro.
As Comissões, cujo relatório serviu de base ao vosso ofício,não levaram em conta nos seus cálculos essa taxa de 2%, ouro, nem se dignaram informar qual a mais produtiva, se a taxa de utilização do cais (atracação, carga e descarga), cobrada em
Santos e não no Rio, se aquele imposto em ouro, percebido no Rio e não em Santos.
Passou ainda despercebido às mesmas Comissões que o comércio do Rio de Janeiro, desde o segundo semestre de 1903, tem sido onerado com aquela taxa ouro, sobre a importação, e somente agora, sete anos passados, lhe é dado gozar os proventos de um
cais aparelhado, continuando aliás a pagá-la.
Em Santos, o comércio nunca pagou à empresa concessionária taxas que não remunerassem serviços efetiva e realmente prestados.
Adiante:
2º - As ilustres Comissões, parece, somente viram no contrato de arrendamento dos serviços do porto do Rio a cláusula VI, onde se
estabeleceram as taxas cobradas ao dono das mercadorias, sem observarem que há outras taxas, especialmente a de conservação do porto (um real por quilograma de mercadoria de importação estrangeira, salvo o carvão), cobrável desde que o navio
descarregue no porto do Rio de Janeiro, quer a descarga seja operada no cais, quer em outro qualquer ponto dentro da baía.
Taxa idêntica no porto de Santos está compreendida na de utilização do cais e incluída na de carga e descarga (decreto n. 2.411, de 23 de dezembro de 1896, cláusula VIII).
Ainda:
3º - As mesmas Comissões, enquanto que sob as rubricas importação e exportação contemplaram taxas cobráveis no porto do Rio, ao
examinarem as taxas do porto de Santos, dividiram-nas em cinco classes, a saber: estiva, descarga, capatazias, transporte e atracação.
Não atenderam, porém, a que há duas categorias destas taxas, que merecem ser assinaladas, para se apreciarem os seus efeitos
relativamente ao custo dos serviços do porto, a saber: taxas obrigatórias e taxas facultativas.
Se as primeiras representam o pagamento de um serviço que somente a Companhia Docas de Santos pode desempenhar em virtude dos seus
contratos, as segundas são a justa remuneração de um serviço em livre concorrência com particulares, e é bem de ver que se o comércio dá preferência ao serviço da Companhia é certamente porque ele não é o mais caro da cidade de Santos.
Se as honradas comissões tivessem prestado atenção a estas três considerações expostas, chegariam a conclusões muito diversas das exaradas no parecer de 14 de julho e com certeza não se impressionariam tão facilmente, a ponto de serem deserto de
navios o porto de Santos, abandonado o seu cais, estiolado o comércio da importante praça marítima.
Seria necessário lembrar em que condições ia se fazer no Rio o serviço do porto?
Não desconheceis, srs, diretores da Associação Comercial de Santos, que a lei n. 2.210, de 28 de dezembro de 1909, no art. 30,
autorizando a redução das taxas do porto do Rio de Janeiro, mandou: "Reduzir as taxas de modo a, como complementares do imposto de 2% em ouro, assegurar a receita necessária ao custeio do serviço e o das dívidas contraídas para a execução das
obras, não devendo a nova tabela exceder as taxas que pesam atualmente sobre os navios e mercadorias de procedência nacional ou estrangeira".
Na conformidade desse dispositivo, uma comissão nomeada pelo Governo organizou a nova tabela, que consta do contrato de arrendamento do porto do Rio.
Esta comissão no relatório de 17 de fevereiro de 1910 declarou ter-se esforçado por manter nessa tabela os preços habituais do porto do Rio de Janeiro.
Temos, pois, que as taxas que figuram no contrato de arrendamento do Rio, complementares do imposto de 2%, ouro, correspondem às despesas que fazia o comércio neste porto antes do arrendamento. Por outra: manteve-se no porto do Rio o statu quo.
Ora, se até hoje o porto de Santos não temeu nem sofreu a concorrência do porto do Rio, se o comércio de Santos e o de São Paulo nunca se derivaram para a Capital da República, se o Estado de São Paulo cresceu e prosperou, servindo-se sempre do
porto de Santos, como afirmar que mantidas as taxas do porto do Rio, só porque elas passam a ser percebidas pelo arrendatário dos serviços, o porto de Santos está condenado e a corrente comercial do Estado desviada?
Ao secretário da Agricultura do Estado, e depois de abundar nas considerações acima, escreveu Candido Gaffrée (21 de setembro de 1910):
A Companhia Docas de Santos tem o maior empenho em reduzir as taxas atualmente em vigor no porto de Santos e o fará espontaneamente logo
que as circunstâncias o permitam. Afirmais, com justa confiança no futuro, que o movimento daquele porto tende a crescer. Essa é a grande esperança da diretoria da Companhia, e logo que este aumento de serviços se acentue e, proporcionando renda
segura para a amortização e remuneração do capital empregado nas obras, podeis contar que aquelas taxas serão diminuídas.
Não obstante a renda líquida da empresa estar ainda longe de remunerar os capitais empregados, a Companhia tem feito redução considerável nas taxas dos serviços que mais de perto se ligam à lavoura e ao comércio do Estado de São Paulo. Atendei
para as tarifas dos armazéns gerais da Companhia, que absolutamente não remuneram com o mais baixo juro o capital ali empregado; vide as últimas reduções propostas pela Companhia e aceitas pelo Governo, não só quanto à estada livre, nos cais e
armazéns, de mercadorias de produção nacional durante o tempo preciso para o seu embarque e desembarque não excedente de oito dias, como quanto às taxas de transportes.
A diretoria da Companhia Docas de Santos tem feito o que está ao seu alcance e nas forças da sua situação econômica e financeira para o abaixamento das tarifas do porto de Santos e continuará a assim proceder, tendo como regulador e limite da sua
ação neste particular a garantia dos capitais empregados na obra, capitais de terceiros, confiados à sua administração e defesa.
Colocada a última pedra do cais, já era tempo de se suavizarem as asperezas em torno da empresa. Depois de cerca de vinte
anos de lutas, acaso inspiravam-se de outra linguagem as comunicações oficiais? O tempo não responderia pela afirmativa, porque outras tempestades iam ocorrer, a começar no Legislativo, pela própria voz que o vinha ocupando desde 1906; mais,
porém, por efeito da força adquirida do que por superveniência de outras razões de ataque. Novo, ao morrer do ano, só o texto de uma circular distribuída na Europa sobre a empresa [171], circular que, no entender de Alfredo Ellis, redundava na confirmação parcial de suas acusações [172]; e a isso voltaria depois.
Não teriam ainda meia medida suas palavras contra o "indecoroso ato" que também chamou "decreto-gazua", o decreto n. 7.578
de 1909 [173]: "Perante o Governo passado, mais do que a lei, mais do que três acórdãos do Supremo Tribunal Federal, mais, muito mais do que os interesses do povo paulista,
pesou a advocacia administrativa posta em atividade pela empresa arquimilionária…" Diante de uma reforma do regimento, s. excia. pretenderia mesmo se consultasse ao Senado se consentia fossem suprimidos dos anais todos os seus discursos
[174].
No correr de 1910 deu-se o falecimento de João Evangelista Vianna, membro do Conselho Fiscal, sendo substituído por Jorge Street, que teve como suplente Saturnino Candido Gomes.
"Dolorosíssima foi a perda de tão bom amigo e dedicado auxiliar", exarou em relatório a diretoria. Da ata da assembleia (30 de abril de 1910) consta a
deliberação, então tomada, de limitar o número de ações ao portador, acabando-se com a faculdade, constante dos estatutos de 1907, de reconversão.
Até 31 de dezembro de 1909, haviam sido emitidas 25.000 ações ao portador. "A prática, escreveu a diretoria, tem demonstrado os grandes inconvenientes de tão
grande faculdade. O serviço da conversão e reconversão, com a consequente emissão de novos títulos, demanda tempo considerável, além de exigir a máxima cautela, perturbando outros serviços urgentes e inadiáveis, a cargo do nosso escritório
central". Foi, em consequência, substituído o art. 4º dos referidos estatutos de 1907, pelo seguinte:
O capital social é de 60.000:000$000, dividido em 300.000 ações de 200$000 cada uma, sendo 200.000 nominativas e 100.000 ao portador.
Toda a ação é indivisível com referência à sociedade.
Parágrafo único - A diretoria, a pedido dos acionistas que quiserem, procederá à conversão das ações nominativas em ações ao portador,
até completar o número de 100.000. Preenchido esse número, não se permitirá mais a conversão.
Tendo sido aberta, pelo Ministério da Agricultura, concorrência para a instalação de entrepostos frigoríficos, expôs a Companhia que, no porto de Santos, ela
já ia fazer esses entrepostos, sem exigir os favores oferecidos no edital. Entre outras considerações, escreveu (25 de julho de 1910):
A Companhia Docas de Santos, cujo maior empenho tem sido e continua a ser acompanhar o progresso agrícola, industrial e mercantil do
Estado de São Paulo, já levou ao conhecimento de v. excia. que assumiu o compromisso para com uma empresa de matadouros modelos, recentemente constituída em São Paulo, de construir armazéns frigoríficos na zona do cais e, ainda depois de
autorizada por v. excia., encomendou no estrangeiro e espera em breve montar aqueles armazéns, nos quais receberá, para conservação e depósito, gêneros de fácil deterioração, tanto nacionais como estrangeiros sujeitos a impostos aduaneiros.
Foi nesse mesmo quinquênio que o cais havia sido visitado por personalidades de renome, entre as quais um futuro presidente da França, Paul Doumer; além do
referido ministro da Viação, Lauro Müller, futuro substituto de Rio Branco na pasta do Exterior; José Marcelino, governador da Bahia; drs. Luiz Carlos Barbosa de Oliveira, com uma turma de alunos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, e Eulalio
da Silva Oliveira, com outra da Escola Militar; e finalmente, dr. Raja Gabaglia, acompanhando outra turma da primeira, incluída então na visita a usina de Itatinga.
Descrevendo essa visita, disse o Jornal do Commercio que "os engenheirandos entusiasmaram-se com as sérias dificuldades de construção vencidas
principalmente nas fundações da usina" e que "não menos entusiasmo deles se apoderou pela disciplina e ordem que reinam em tais trabalhos". Ao que acrescentou um vespertino, no mesmo dia (A Noticia, 26 de fevereiro de 1910):
Não precisamos dizer que é com o maior prazer que registramos por nossa vez esta notícia; temos realmente a maior satisfação sempre que
vemos constatada a capacidade e o patriótico esforço de que são maravilhosos resultados essas obras colossais, a que, com tanta razão, o Jornal chama "orgulho da engenharia nacional", conceito que hóspedes nossos, profissionais do mais
alto valor, têm generalizado ainda mais, reputando o serviço do porto de Santos um dos primeiros do mundo, do ponto de vista técnico e do ponto de vista administrativo.
As obras do Itatinga ainda não são tão conhecidas, mesmo porque ainda não foram inauguradas, mas constituem positivamente um padrão de
glória nossa nessa especialidade em que, sem a menor dúvida, já está assente a base do progresso industrial do mundo.
Havia sido distribuído o Relatório da Diretoria de 1910. Nem sempre de rosas fora a vida da empresa, comentou um jornal do Rio, mas a má época, depois do
lançamento da última pedra, ia passando. Depoimento maior, entretanto, não podia haver que aquele que, no próprio porto, nem sempre viu com simpatia as coisas da empresa. Assim escreveu A Tribuna (Santos, 8 de setembro de 1910):
Isto aqui não era uma praça comercial. Era uma imensa câmara mortuária onde se faziam negócios. Mas um dia, dois homens de fé e
inquebrantável energia apresentaram-se aos poderes da República, solicitando uma concessão para a construção de um porto moderno.
A muitos, a simples enunciação desse projeto parecia uma loucura. Onde encontrar operários para trabalhos hidráulicos, numa terra onde
as proximidades do porto envenenavam, fermentando podridões assassinas? Qual seria o salário capaz de compensar os riscos daquela obra, que se apresentava com o hediondo caráter de um verdadeiro corpo a corpo com a morte?
Mas os srs. Candido Gaffrée e Eduardo Guinle, obtida a concessão pedida, nem um instante duvidaram dos resultados da sua empresa
gigantesca. Prepararam-se, reuniram elementos, dispuseram tudo para o combate colossal à natureza hostil e no dia 8 de setembro de 1890 era lançada a primeira pedra da muralha do novo porto de Santos. Deste dia em diante, Santos começou a ser uma
terra habitável.
Concluindo, depois de lembrar também os trabalhos de saneamento do Governo:
O santista que contempla hoje a imponente linha de cais que se estende do Valongo aos Outeirinhos, com a sua multidão de mastros e
chaminés de transatlânticos a se elevar para o céu, não pode se furtar a um legítimo sentimento de orgulho.
Santos é uma das maravilhas da civilização americana. O serviço aqui realizado pelas Docas não foi somente um inestimável benefício
para as regiões servidas pelo nosso porto. Foi também o maior passo dado pela ciência moderna para a reabilitação do clima do Brasil, que o estrangeiro julgava um país irremediavelmente voltado ao horror do vômito negro.
Além-mar, foi este o depoimento de Londres (Times, 26 de dezembro de 1909):
Aqueles que conheceram o porto de Santos 18 ou 20 anos atrás, ficarão certamente maravilhados diante dos melhoramentos por que passou.
Naqueles dias, a carga e descarga de mercadorias se realizava pelo meio de pontes de madeira ligadas aos trapiches alfandegados, em
número e tamanho totalmente inadequados. Em consequência, os vapores tinham que descarregar em pontões onde permaneciam semanas, aguardando despacho. Navios a vela ficavam 3, 4, 6 ou mais meses até que lhes chegasse a vez.
E depois de descrever a crise de 1892, com o cais abarrotado, o carreto da praia para a estação pagando-se acima de 2 libras, os desvios e roubos, com um
prejuízo, no mesmo ano de 1892, de mais de 1.750.000 libras para os importadores, escreveu o jornal londrino:
Nesse ano de 1892 duzentos metros de cais, construídos por uma firma local, com capitais nacionais, foram abertos ao tráfego e, dois
anos depois, mais mil metros estavam prontos para o serviço do porto.
Hoje, há uma muralha de cais, desde a estação da estrada de ferro até os Outeirinhos, na extensão de 4.800 metros, com espaço amplo
para os grandes transatlânticos que da Europa demandam a América do Sul. O belo cais de granito está aparelhado com os últimos e melhores aparelhos hidráulicos, e um navio trazendo ou levando 12.000 toneladas de carga pode estar despachado em dez
dias.
A cidade de Santos, vestígio malsão, em 1892, de tempos coloniais, tornou-se um conhecido porto de saúde, com belas
ruas e avenidas, bonitos edifícios e trens elétricos, tudo, cumpre confessar, devido à iniciativa e tino da Companhia Docas de Santos [175].
Candido Gaffrée
Foto: reprodução da página 366-a
[169] "Está quase ultimada a transação do Moinho
Inglez. O Governo, ou antes o sr. ministro da Viação, já mandou declarar que não voltará atrás… Pode o céu vir abaixo com o choque desse escândalo inominável; ainda assim, a administração pública continuará a afirmar que não recua" (Jornal do
Commercio, 5 de julho de 1910). "Estulta pretensão de tornar-se o mentor do Governo brasileiro", chamou Carlos Sampaio, na seção livre do próprio Jornal, a essa posição, lamentando ver-se na contingência de sair, na réplica, fora de
seus hábitos, "magoando talvez alguns redatores do Jornal do Commercio, aos quais o ligavam laços de antiga amizade". (N. E.: a nota 169 foi nomeada como 365 na obra original
e corrigida na Errata).
[170] Estava a se inaugurar a instalação elétrica de Itatinga. Como se viu, devia a empresa ceder o
excesso de energia para serviço da cidade, em bases que lhe seriam determinadas. Apareceu logo a suspeita de que seriam sacrificados os interesses urbanos pela cessão daquele excedente, a baixo preço, à Companhia City of Santos, que os revenderia
ao consumo a elevado preço, o que não se deu. Ver adiante.
[171] Senado, 12 de 13 de novembro de 1910. Disse s. excia. ter recebido do Velho Mundo essa circular, comentando-a. "Arrangement" foi trasladado
pejorativamente por "arranjo". Onde se dizia que ela "la Compagnie, s'est dejà créé de larges réserves latentes", a interpretação foi de lucros exagerados, indevidos. Se o acordo de 1909 ali se anunciava como "particulièrement favorable
à la Compagnie", queria dizer que com ele se beneficiaria indevidamente a empresa. Sobre essa circular, ver adiante.
[172] Assim a cachoeira da Fazenda Pelaes. A escritura consignava que Gaffrée & Guinle, donos da fazenda Pelaes, depois Senador Vergueiro, que haviam
adquirido pela soma de cinquenta contos concediam à Companhia Docas de Santos licença para se utilizar de uma faixa de 50 metros de largura, como servidão, para passagem dos fios condutores de energia elétrica subterrâneos ou aéreos, podendo ser
percorrida livremente pelo pessoal de vigia e conserva da mesma Companhia. Aprovadas as plantas de 1906 e 1907, só depois iriam passar os fios condutores, sendo a inauguração em 1910. Sobre esa venda, ver adiante.
[173] "Sr. presidente, ante mais esta bandalheira que é o manifesto que acabo de ler, quem não vê que o decreto de 4 de outubro de 1909 não é senão uma gazua
com que o sr. Nilo Procopio Peçanha presenteou a Companhia Docas de Santos? Sim, uma gazua, pois, graças a esse ato imoralíssimo, está essa empresa habilitada a receber lisamente do Tesouro Federal, por ocasião do resgate das obras, milhares de
contos de réis a que licitamente não tem direito, bem como a auferir, também desonestamente e em prejuízo do povo de São Paulo lucros líquidos superiores ao que lhe permitem a lei e o seu contrato". Alfredo Ellis, Senado, 12 de novembro de 1910.
[174] Foi o caso que o Senado tinha votado por unanimidade uma indicação
proposta pelo representante de Mato Grosso, ampliando as atribuições do presidente quanto ao artigo 14 do Regimento, que proibia expressões agressivas da tribuna. Justificando sua indicação, assinada por mais 26 senadores, disse Antonio Azevedo:
"Não é justo que cada senador, investido de sua imunidade, venha injuriar, caluniar, insultar colegas ou membros dos outros poderes". Orou Alfredo Ellis:
"Entendendo que a indicação do senador por Mato Grosso, ontem votada, envolvia, até certo ponto, uma censura a esta cadeira que
imerecidamente ocupo (não apoiados) pela confiança do povo paulista, pretendia apresentar, antes de deixar a tribuna, um requerimento verbal para que v. excia., sr. presidente, se dignasse consultar ao Senado se consentia que fossem
suprimidos todos os meus discursos dos Anais do Senado Federal". Senado, 18 de novembro de 1910.
[175] "Digno de
apreciação se torna, cada vez mais, o movimento deste porto, cujos serviços são executados e regulados pelo decreto n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893. O seu aparelhamento tem-lhe permitido, pontual e satisfatoriamente, atender ao comércio, à
lavoura e às indústrias do Estado de São Paulo e às exigências e necessidades consequentes de seu maior desenvolvimento". Relatório do ministro da Fazenda, Leopoldo Bulhões, 1910.