TERCEIRA PARTE (1906-1910)Capítulo XXXII
Fundamentos da União
Não tendo dado despacho à representação que lhe fora feita, o ministro da Viação indeferiu
depois, baseando-se nela, a que a empresa endereçou ao presidente da República. Publicou o Diario Official essa refutação, que saiu também em volume [76].
Não se discutiu aí a preliminar levantada (podia o decreto aplicar-se ao regime contratual em que viviam as Docas?) mas tacitamente ficou ela respondida pela afirmativa, uma vez que se lhe examinou a procedência nos três aspectos: 1) verificação
do capital; 2) revisão da tarifa e redução geral das taxas; e 3) intervenção oficial na parte econômica da empresa.
Quanto ao primeiro ponto, sustentou o Ministério da Viação que o capital, até então, não era a soma dos anteriores orçados e aprovados, mas o "efetivamente empregado na empresa, o custo das obras, o preço despendido com a
construção". Pois orçamento não era o cálculo aproximado da despesa a fazer-se na execução de qualquer trabalho? [77]
Podia a quantia orçada ser, e muitas vezes era, superior à na realidade despendida, como também ficar aquém das exigências da construção; e o conhecimento exato
devia prevalecer para o preço do resgate e a redução das taxas. Tanto era isso verdade que, não podendo arcar com as despesas do capital primitivamente orçado, pediu e obteve a empresa, em 1892, que fosse elevado ao dobro:
Como se vê os concessionários foram prontamente atendidos, sendo a importância dos orçamentos do trecho do cais referido elevada, como
pediram, ao dobro.
E note-se que, ao serem os três orçamentos elevados ao dobro, isto é, em 15 de julho de 1892, não só os concessionários tinham concluído, mas já estava em tráfego, desde 2 de fevereiro desse ano, um trecho de cais de 260 metros, cuja inauguração
lhes tinha sido permitida pelo aviso número 33, de 29 de janeiro do mesmo ano!
Assim, embora já concluídos e já em tráfego 260 metros de cais, foi elevada ao dobro, quase seis meses mais tarde, a quantia em que tinha sido orçada a construção deles, com a circunstância de que correspondem a quase um terço
de todo o trecho de cais contratado em 1888! [78]
Depois de citar vários autores estrangeiros:
E, no mesmo sentido, o dr. Carvalho de Mendonça:
"O direito de perceber as taxas pelos serviços prestados representa a moeda com que a União paga a empreitada do construtor, isto é, o seu trabalho e capital empregados nas obras, e o custeio e conservação destas durante o prazo estipulado" (Dir.,
vol. Cit., p. 395).
E é por isto que dispõe a lei argentina sobre o porto de Rosario que os concessionários terão "como única compensacion, el derecho de explotar el puerto por un plazo determinado".
Se a remuneração da Companhia consiste, pois, unicamente, no uso e gozo das obras, se a Companhia é paga com as taxas que, ex vi do disposto no § 5º, art. 1º, da lei de 13 de outubro de 1869, percebe pelos serviços prestados nos seus
estabelecimentos, como poderá ela pretender que, por ocasião do resgate, lhe pague o Governo a quantia orçada, mesmo no caso de ser superior ao custo das obras, ao preço despendido, ao capital efetivamente empregado? Donde lhe vem o direito à
diferença para mais entre o orçamento e o custo?
Quanto ao segundo ponto, tampouco se admitia a pretensão de que a revisão da tarifa e redução geral de taxas se pudessem fazer somente quando terminadas as
obras. No caso de resgate e do fundo de amortização, essa conclusão era o ponto de partida. Na aparência duvidosa, a redação do § 5º da lei de 1869 não deixava margem a dúvida, quando dizia: "Será revista esta tarifa pelo Governo de cinco em
cinco anos; mas a redução geral das taxas só poderá ter lugar quando os lucros líquidos da empresa excederem a 12%. E o Ministério da Viação acrescentou:
Basta a simples leitura deste parágrafo para convencer de que, na verdade, a lei número 1.746, de 13 de outubro de 1869, não faz
depender a revisão da tarifa e a redução geral das taxas, da conclusão das obras e da sua aceitação definitiva pelo Governo, como pretende a Companhia.
E essa convicção se torna inabalável, quando se compara o parágrafo que acaba de ser transcrito com os §§ 9º e 4º do mesmo artigo.
É assim que diz o § 4º dever a formação do fundo de amortização principiar, o mais tardar, 10 anos depois de concluídas as obras, e que o parágrafo 9º expressamente dispõe que as propriedades da Companhia só poderão ser resgatadas depois de 10
anos da sua conclusão.
Ora, se a intenção do legislador fosse fazer depender a revisão da tarifa e a redução geral das taxas da conclusão das obras, incontestavelmente o teria dito tão claramente, como o fez em relação ao resgate e à formação do fundo de amortização.
Era certo, ademais, conforme alegou a Companhia, que a verificação dos lucros líquidos, necessária à redução geral das taxas, só poderia fazer-se quando
terminadas as obras definitivamente aceitas? Não, pois ela já distribuía, com seu trabalho em meio, dividendos no limite máximo que lhe era permitido, isto é, 12%, cotadas suas ações de 200$000 a 312$000 e 325$000:
Mas, ao passo que a lei distingue a revisão da tarifa da redução geral das taxas, confunde-as a Companhia sob a denominação de "revisão
de taxas", a fim de poder fazer ambas dependerem da verificação dos lucros líquidos.
Para a revisão da tarifa, basta, porém, o decurso de cinco anos, e é somente para a redução geral das taxas que se torna imprescindível que os lucros líquidos se elevem a mais de 12%.
Por consequência, ainda mesmo que fosse verdade que "os lucros líquidos da empresa somente se poderão verificar depois de concluídas as obras", nem por isto deixaria de ser possível a revisão da tarifa: bastaria para ela o decurso de cinco anos!
Somente a redução geral das taxas seria então possível.
Mas, na realidade, nem isto, porquanto é inexato que "os lucros líquidos da empresa somente se poderão verificar depois de concluídas as obras".
Apesar delas ainda não estarem terminadas, estão sendo verificados lucros líquidos, que são o que resta da renda bruta depois de deduzidas as despesas do exercício.
Como sociedade anônima que é, tem a Companhia distribuído dividendos, e estes não são senão a parte dos benefícios líquidos da Sociedade, distribuída pelos acionistas.
Convinha, além disso, esclarecer que, mandando fazer, periodicamente, a revisão das tarifas, queria a lei que estas não se conservassem
inalteradas durante o prazo da concessão; e que, com a redução geral das taxas, visava fazer o público participar dos lucros da empresa; o que não se conciliava com a pretensão de que cumpria aguardar o fim de todas as obras
[79]. Além disso, não se tratava dos "primeiros metros de cais", mas dos "primeiros quilômetros" em tráfego regular – precisamente 2.675 metros. Não importava que o primeiro trecho
tivesse sido inaugurado provisoriamente, a verdade era que metade do cais estava dando lucros, os quais, via-se nos debêntures, subiam pelo menos a 12%.
O Ministério da Viação fez então um estudo da elaboração da lei de 1869, para mostrar que a taxa de 8% era a prevista primitivamente; e, pois, tendo-se fixado em 12%, podia afinal "ser de 13%... 15% antes da conclusão das obras?"
Ferindo o ponto do monopólio:
De fato, apesar da ideia dominante, tanto na Câmara como no Senado, ter sido que nenhuma empresa gozasse de monopólio, têm as de docas,
como escreve o dr. Carvalho de Mendonça, o monopólio de fato, assistindo-lhe o direito de excluir outrem de idêntico serviço no respectivo porto. (O Dir., vol. cit., p. 396). Por esta forma, foi excluída a concorrência, para a qual apelava
o visconde de Itaboraí, como capaz de estabelecer taxas razoáveis!
Antes da conclusão das obras, poderão os lucros líquidos aumentar indefinidamente, pois, como pretende a Companhia, somente depois de terminadas e aceitas, poderá o Governo fazer a revisão da tarifa e a redução geral das taxas!
Depois da conclusão, não só pretende que a redução é, como a revisão, periódica, feita de cinco em cinco anos, mas também que o Governo não tem o direito de verificar por si quais são efetivamente os seus lucros líquidos e deve se contentar com
os elementos que, para isso, ela lhe apresentar!
Finalmente, para o ministro da Viação, a intervenção do Governo na vida econômica da empresa, não só se autorizava, em virtude da lei de 1869, como se impunha:
"O Governo fará inspecionar a execução e o custeio das obras"…, diz a lei número 1.746. Incontestavelmente, o § 11 contém, mais do que
uma autorização, uma verdadeira obrigação imposta ao Governo: "fará inspecionar…"
E atenda-se bem aos próprios termos da citada disposição. O referido parágrafo não diz simplesmente "inspecionar a execução das obras", mas acrescenta "e o custeio delas". Trata-se, portanto, de dupla inspeção: a) a da execução, e b) a do custeio
das obras.
E a inspeção do custeio importa, necessariamente, a intervenção na parte econômica da Companhia, pois é justamente nisto que ela consiste.
Como conhecer, de outro modo, o custo das obras, a renda líquida, a fixação do preço de resgate? Dizia a empresa que, concluídas aquelas, saberia cumprir,
oportunamente, o dever contratual de apresentar ao Governo os elementos idôneos para verificação. Mas o Governo não podia se reduzir a este papel passivo, de receber elementos que a empresa entendesse apresentar-lhe. Os balanços? Mas contra estes
o próprio Carvalho de Mendonça punha-se em guarda, de modo geral, pelos abusos e infidelidades que continham; e sua lição adaptava-se ao caso. Citando estes seus trechos:
Sabemos todos como se têm desmoralizado, entre nós, as sociedades anônimas, sendo causa principal a deficiente legislação, incompatível
com o progresso jurídico moderno e as necessidades do país. Os fiscais, em regra, incapazes ou negligentes, não têm ação, nem força para conter as más administrações; os acionistas simples e de boa fé confiam na proteção ilusória da lei e somente
conhecem a situação da empresa quando se sentem roubados…
A organização dos balanços das sociedades anônimas está preocupando a atenção dos competentes.
Se a lei intervém na formação e na vida íntima dessas sociedades, já sob o fundamento da desigualdade da situação dos acionistas, já para os proteger contra os administradores, é mister que complete a sua ação benfeitora estabelecendo a
fiscalização dos balanços (Dos Livros dos Commerciantes, págs. 76 a 80, número 95 a 97).
A intervenção oficial, se recusada, podia se fazer pelo exame dos livros da Companhia. O Ministério da Viação alongou-se, também aí, em citações de escritores
estrangeiros e nacionais, para provar que o direito ao exame de livros resultava de convenção expressa ou tácita:
Ora, o Governo não pode saber qual o capital efetivamente empregado, qual o custo das obras, qual a quantia amortizada, e se os lucros
líquidos excedem a 12%, nem inspecionar o custeio, sem intervir na parte econômica da Companhia, isto é, sem conhecer os seus negócios, sem examinar os seu s livros, documentos e correspondência.
Portanto, se ela assim convencionou, submeteu-se expressa e tacitamente a essa intervenção.
Expressamente, quanto à inspeção do custeio, pois, ao mesmo tempo que, por ter sido a concessão feita com todos os ônus estabelecidos, é como se no contrato tivesse sido dito "o Governo fará inspecionar o custeio", - consiste a inspeção deste,
justamente, na intervenção na parte econômica… Tacitamente, porque, ao passo que o Governo tem o direito de pagar apenas o custo das obras, de reduzir as taxas quando os lucros líquidos excederem a 12% e de deduzir a quantia amortizada; não pode
saber qual o capital efetivamente empregado, nem se os lucros líquidos se elevam acima do limite estabelecido, e nem qual a importância já amortizada, sem intervir na parte econômica da Companhia.
No caso vertente havia verdadeira comunhão, a qual, segundo o Codigo Commercial, estava nos casos taxativos de exibição:
Visto a Companhia perceber taxas pelos serviços que presta nos seus estabelecimentos, não se trata, certamente, de simples preço, de
mera prestação de dinheiro apenas regulada pelo Direito Civil.
De fato, elas são percebidas em virtude de disposição de lei, reguladas por uma tarifa aprovada pelo Governo e devem ser, igualmente por ele, não só revistas mas também reduzidas (Lei n. 1.746, art. 1, § 5٥).
Além disto, as taxas de armazenagem e capatazias são as adotadas para a Alfândega de Santos (decretos número 1.072, de 5 de outubro de 1892 e 1.286, de 17 de fevereiro de 1893, art. 20), a qual não dá livre prática a nenhuma embarcação sem que
esta prove estar quite com a Companhia pelas taxas de atracação e descarga, nem livre trânsito às mercadorias nas mesmas condições (dec. cit. n. 1.286, arts. 13 e 15) etc.
Trata-se, pois, não de um simples preço de serviço, de prestações reguladas unicamente pelo Direito Civil, mas sim, como escreve o dr. Carvalho de Mendonça, de um direito que a Administração lhe outorgou, da cessão temporária do direito que lhe
cabe de perceber as taxas, do qual abriu mão em benefício da Companhia, do gozo temporário de um direito que pertence exclusivamente à Administração (O Dir. vol. cit., p. 385-6. v. Aucoc, n. 707 e Giron, n. 520).
Donde a conclusão, abrangendo os três pontos contestados:
I. O capital da Companhia, para os efeitos do contrato, não é o que se obtém pela simples adição dos orçamentos, mas sim o que se
verificar ter sido efetivamente empregado na empresa;
II. A revisão da tarifa e a redução geral das taxas, ao contrário do resgate e do início da formação do fundo de amortização, não dependem da conclusão das obras contratadas, nem da aceitação definitiva delas pelo Governo, e devem ser feitas, a
primeira, de cinco em cinco anos, contados da aprovação ou da última revisão da tarifa, e a segunda, quando, independentemente de prazo algum, os lucros líquidos da Companhia excederem a 12%.
III. Para assegurar o exato cumprimento dos contratos, tem o Governo, ao mesmo tempo, o direito e o dever de intervir na parte econômica da Companhia e, no caso de oposição da parte dela, de pedir a exibição integral dos seus livros,
correspondência e documentos necessários.
Foi essa posição que tomou, afinal, o Poder Executivo, indeferindo a representação da empresa ao chefe do Estado e, depois, propondo ação judicial para exibição
integral de livros. A esta responderia a empresa com outra ação, para anular, quanto a ela, as providências do decreto número 6.501. O despacho do ministro da Viação foi este (25 de outubro de 1907):
De acordo com os contratos da Companhia e com a lei número 1.746, de 13 de outubro de 1869, é preciso verificar quanto tem sido
efetivamente despendido com as obras, não podendo ser aceita como custo delas a importância obtida pela simples adição dos orçamentos, não só porque, sendo estes apenas um cálculo preliminar e aproximado, pode a quantia orçada ser superior ou
inferior à efetivamente gasta, mas também porque não representa o preço certo e inalterável das obras, tanto que já foram aumentados três orçamentos sob o fundamento de que eram insuficientes para a execução dos projetos, além de que na resposta
ao Senado, a que alude a representação, só se referiu o Governo ao capital orçado, ignorando então, como ainda hoje, a quanto monta o capital efetivamente gasto pela Companhia nas obras do porto de Santos.
A revisão da tarifa e a redução geral das taxas não dependem, ao contrário do resgate e do fundo de amortização, ex-vi da citada lei em virtude dos contratos, da conclusão e aceitação definitiva das obras, mas tão somente "a primeira, do
decurso de cinco anos contados da aprovação da tarifa" e "a segunda, de excederem os lucros líquidos a 12%, sendo que esta percentagem não tem de ser forçosamente calculada sobre todo o capital que se tornar necessário para a construção, como não
o é a dos dividendos que a Companhia distribui e que são os lucros líquidos de que trata a lei e contrato, e notando-se, ainda, que na citada resposta ao Senado, disse apenas o Governo que os dados sobre a renda bruta e a líquida dependiam de
verificação pela comissão competente, a que se refere o § 6º, art. 24, do decreto número 2.917, de 21 de junho de 1898.
Os gastos gerais da empresa e os da sua administração, independente da interpretação equitativa que solicita a Companhia, computam-se nas despesas de custeio de que se ocupam o art. 13 e o art. 31, parágrafo único, das instruções.
Finalmente, tem o Governo o incontestável direito de intervir na parte econômica da Companhia, já em virtude de convenção, já em virtude do legítimo interesse de conhecer não só o capital efetivamente empregado na empresa, mas também quais os
seus lucros líquidos, já em cumprimento do disposto no citado § 6º.
Nestas condições, mandando as instruções aprovadas pelo decreto número 6.501, de 6 de junho do corrente ano, verificar qual o capital efetivamente empregado e quais os lucros líquidos, bem como fazer a revisão da tarifa, uma vez decorridos cinco
anos, a contar da respectiva aprovação, e a redução geral das taxas quando os lucros excederem a 12%, limite este que nunca poderá ser ultrapassado, não ferem elas direito algum adquirido da Companhia, não lhe impõem novos deveres ou obrigações,
nem, muito menos, são ato arbitrário da administração, mas unicamente visam ao exato cumprimento dos contratos, a fiel execução da lei e à efetividade dos ônus com os quais, por cláusula expressa, lhe foi feita a concessão.
Embora parte contratante, tem o Governo o direito de expedir instruções, como as de que se trata, as quais, além de respeitarem inteiramente os contratos, são aplicáveis não a um caso particular, mas a todos os de concessão de obras de
melhoramentos dos portos nacionais.
Qual foi repercussão desse ponto de vista? Sustentara, no Senado, Victorino Monteiro que o remédio para a divergência estava no Poder Judiciário. Não se
aplicava o decreto número 6.501 à empresa de Santos porque, além de afugentar os capitais de fora, violava os contratos desta (20 de junho de 1907):
Será difícil encontrar capitalistas que arrisquem capitais em uma empresa correndo o risco de serem as obras empreendidas fracionadas, divididas em trechos, para cada um ter sua remuneração à parte, e principalmente sendo obrigados a reduzir suas
taxas, recursos estes destinados a remunerar seus capitais, antes mesmo de saber qual a soma definitiva a empregar, mormente tratando-se de obras hidráulicas, frequentes em surpresas e imprevistos.
O outro aspecto por que se pode considerar o decreto do Governo é na sua aplicação ao passado; isto é, as empresas que já têm contratos com o Governo, como a Companhia Docas de Santos. Em contraposição ao outro, este será o aspecto antijurídico e
ofensivo até ao nosso pacto fundamental.
Para Alfredo Ellis, depois de citar uma lenda javanesa [80], não havia dúvida que o Judiciário não se curvaria ao ouro da empresa:
Sabe-se, sr. presidente, que a empresa vai bater às portas do Poder Judiciário. Suporá ela, porventura, que, adotando os mesmos
processos do poderoso Dario, da Pérsia, conseguirá vencer os embaraços e resistência perante o Poder Judiciário? Todos nós sabemos que depois da batalha de Arbéle, esmagado o exército persa, Dario, querendo salvar-se, com o seu séquito, mandou
furar os surrões de ouro que levava, supondo que a falange macedônica demorasse a perseguição para recolher esse tesouro. Enganou-se, porquanto a falange macedônica não se abaixou.
Estou convencido, sr. presidente, de que a magistratura brasileira será uma falange macedônica em torno dos interesses do povo, que ela assegura e firma e nós aqui representamos.
Agradeço também ao honrado presidente da República, que vai fazer ressurgir a lei de 13 de outubro de 1869 e que tem sido sepultada há tantos anos, sob o montão de concessões feitas às Docas.
O povo vassalo daquela empresa pode ter confiança no atual Governo; o benemérito sr. presidente da República há de saber cumprir o seu dever; temos confiança nele.
Na imprensa carioca, a Gazeta de Noticias considerou irrespondível a representação da Companhia
[81], enquanto a Tribuna não via nela mais que um pretexto para fugir à fiscalização [82], no que a
acompanhou O Paiz. Em São Paulo, publicou o Estado de São Paulo os documentos da empresa [83], enquanto A Tribuna (Santos), escreveu ter "chegado o termo
dos desmandos da soberana Companhia, que até aqui sempre fez o que entendeu, gozando da benévola proteção dos governos passados" (15 de novembro de 1907). Por seu lado, escreveu o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro (24 de agosto de
1907):
Muito se tem dito e escrito a respeito das Docas de Santos. Esta empresa possui sem dúvida um título de recomendação que dificilmente se
lhe poderá negar: é nacional, fundada e desenvolvida à custa de muito labor, constituindo hoje uma riqueza que honra sobremodo a capacidade técnica e administrativa dos filhos do País.
Mas nem sempre os homens recordam a soma de esforços e sacrifícios que se tem de empregar para atingir a um certo grau de prosperidade.
Alcançada que seja a situação que a pertinácia e o trabalho tornaram possível, surge logo o clamor dos que não querem medir energias despendidas para a realização da obra.
Ora, a principal verdade em tudo isso é que São Paulo foi impotente para levar a efeito o grande melhoramento que as Docas representam.
E aludindo ao caso em questão, depois de resumi-lo:
São estas, em síntese, as ponderações que ressaltam da representação que a Companhia formula contra o decreto que aprovou instruções
para a execução do disposto nos §§ 4º, 5º e 9º do art. 1º da lei número 1.746, de 13 de outubro de 1869.
Essas instruções retroagem e interessam o cumprimento regular de obrigações anteriores, o que ninguém dirá que não seja uma anomalia jurídica insanável. Há um contrato que não se invalidou, e as partes que o ajustaram, contraíram ambas, por esse
instrumento, deveres e direitos. Cercear estes e sobrecarregar aqueles seria iludir o cumprimento de cláusulas explícitas, pela intromissão de exigências novas sem ao menos a equidade de regalias compensadoras.
Diretores e engenheiros da Companhia Docas de Santos (1909)
Foto: reprodução da página 242-a
[76] A tomada de contas das companhias concessionárias de obras de
melhoramento de portos e a Companhia Docas de Santos. Estudo da Representação da Companhia Docas de Santos. Imprensa Nacional, 1907.
[77] "Nestas condições, do mesmo modo que não se conhecem as receitas e despesas de um Estado durante um dado período somando os respectivos orçamentos, assim
também não se pode verificar qual o custo de determinadas obras, qual o capital efetivamente gasto com elas, pela simples adição dos orçamentos. Além disto, o orçamento feito previamente é o cálculo das despesas a fazer-se, do que será
necessário, pelo que os alemães o denominam Voranschlag, palavra em que o prefixo vor exprime o que acontece antes.
"Assim, ainda por esta razão, a ideia do orçamento é inconciliável com a de custo da obra, de capital efetivamente empregado, de preço despendido com a construção, pois, ao passo que o orçamento precede o próprio início da obra, só depois dela
concluída é que se pode conhecer o seu custo, o preço despendido com a construção, a quantia efetivamente nela empregada". Idem, pg. 10.
[78] Respondendo, além disso, ao Senado, na Mensagem referida (1906), não deu o Executivo, segundo o ministro da Viação, interpretação favorável à empresa: "É
inconcebível que a Companhia queira fazer crer que o Governo reconheceu nesta resposta que o seu capital, para todos os efeitos do contrato e, portanto, para os do resgate e da redução geral das taxas, é o que se verifica pela soma dos
orçamentos. Para isto seria preciso que tivesse reconhecido que o seu capital efetivamente gasto se eleva a essa importância, pois não só foi o que ainda se lhe perguntou, mas também é ele o que deve ser tomado em consideração para os efeitos do
contrato.
"Mas, em primeiro lugar, foi perguntado qual o capital autorizado e efetivamente gasto, e o Governo respondeu apenas que o capital autorizado era de tanto.
"Em segundo, se na própria quantia de que fala a Mensagem estão incluídas duas parcelas das quais uma corresponde a obras em construção e outra referente a obras que não tinham sido e nem foram ainda iniciadas, nunca se poderá afirmar ter o
Governo reconhecido, para os efeitos do contrato, ser o capital da Companhia de réis 95.508:732$845". – Idem, pg. 18.
[79] Tampouco aí a Mensagem favorecia a empresa: "Pretende a Companhia já ter o Governo 'reconhecido expressamente' que os seus lucros líquidos somente se
poderão verificar depois de concluídas e aceitas as obras, porque respondendo à pergunta do Senado – "A quanto montou a renda bruta e líquida do último quinquênio" – disse na referida Mensagem d e8 de agosto de 1906 que "os dados solicitados só
poderão ser fornecidos oportunamente e na forma do contrato".
"É a isto por dizer a Mensagem 'oportunamente e na forma do contrato' que a Companhia chama 'reconhecer expressamente' que os seus 'lucros líquidos somente se poderão verificar depois de concluídas as obras'!" "Mas 'oportunamente' não quer dizer,
expressa ou tacitamente 'depois de concluídas as obras'. Nem tampouco 'na forma do contrato', mesmo porque não contém uma só palavra neste sentido". Idem, pg. 31.
[80] "Havia um rajá em Java, há muitíssimos séculos, déspota feroz, que, tendo notícia de haver aportado às plagas da ilha a deusa Verdade, mandou
acorrentá-la, prendeu-a no mais escuro calabouço do seu palácio e fez correr o botado de que ela era a personificação da peste. Chamou seus súditos e mandou cavar um fosso profundíssimo para nele enterrá-la; e, não contente com isto, sr.
presidente, levantou montões de pedras, rolou blocos graníticos e foi acumulando-os até formar aquela montanha que se chama Krakatoa. Diz a lenda que, quando a montanha já quase se encimava com os astros ou com as nuvens, abriu-se uma cratera e
nela caíram o déspota e seus sequazes, surgindo então um grande e luminoso penacho que até hoje ali brilha, espancando as trevas daquelas tempestades do golfo ou estreito de Sudan. A verdade, sr. presidente, há de aparecer. A Companhia Docas de
Santos vai bater às portas do Poder Judiciário. A luz há de se fazer e o povo de São Paulo há de obter a reivindicação de seus direitos". Senado, 28 de julho de 1907.
[81] "A exposição apresenta as questões de fato e explana a doutrina jurídica. Não precisamos dizer que nos falha a capacidade profissional na matéria; mas é
tão lúcido, tão singelo, tão completo o exame aí feito dos direitos da Companhia, nas suas relações com o Governo e com o público, que mesmo ao espírito dos leigos se impõe desde logo a convicção de que a defesa não poderia ser nem mais
fundamentada, nem mais leal". Gazeta de Noticias, 23 de agosto de 1907.
[82] "De tudo quanto diz a Companhia com apoio de jurisconsultos de nota, claramente se infere que o que a incomoda é a fiscalização a que o Governo a quer
sujeitar. E é natural que assim seja, tão acostumada está ela a er satisfeitos todos os seus desejos, constituindo-se, de fato, não igual ao Governo, como entende que deve ser em relação a ela, mas superior". A Tribuna, Rio de Janeiro, 19
de setembro de 1907.
[83] "Iniciaremos amanhã a publicação de documentos importantíssimos, que mostrarão a natureza dos contratos das obras de melhoramento do porto de Santos e a
fiel e honesta execução que têm tido, e provarão que no porto de Santos é onde se pagam as menores taxas". Estado de São Paulo, 27 de agosto de 1907.