TERCEIRA PARTE (1906-1910)Capítulo XXVI
Novas dificuldades administrativas
A 15 de novembro de 1906 passava o Governo Federal de Rodrigues Alves para Affonso Penna. Ministro da Viação, Indústria e Obras
Públicas, Miguel Calmon du Pin e Almeida substituiu Lauro Severiano Müller.
Ia a empresa experimentar logo os efeitos da transição. Continuando no tempo, ela se ressentiria, de algum modo, da maneira pela qual cada uma das administrações e seus servidores eventuais interpretariam as disposições contratuais e legais que a
regulavam. Mas nunca como no período presidencial então iniciado.
Bem é certo que não havia, nessas atitudes, mais que o temperamento pessoal de cada um, as afinidades e antipatias, a maneira de ser e de servir. Entretanto, já não se podia dizer de uns e de outros, sem surgir a pecha de adversários da empresa
ou de presos a ela por motivos materiais. Eram de renovar-se, a todo tempo, aquelas expressões de Serzedello Corrêa, em resposta a Cincinato Braga, onze anos antes, a propósito dessa e de outras críticas (23 de outubro de 1896):
S. ex., procurando justificar o seu substitutivo, encaminhou o discurso no sentido de demonstrar que quase todos os governos têm feito a
esta empresa favores excepcionais, favores que se tinham convertido dia a dia em novos ônus, em novas dificuldades para o comércio de São Paulo, extraordinariamente prejudicado pelas taxas exageradas, múltiplas, cobradas por essa empresa.
S. ex. procurou mesmo fazer a crítica desta série de concessões mostrando que os diferentes governos mais ou menos tinham atendido, ora a pedidos de prorrogação de prazo, ora a pedidos de novos favores etc.
Dando como certas e como seguras, apenas para argumentar, as proposições de s. ex., eu diria que só isto revela – desde que não podemos partir do pressuposto de que os governos da Monarquia e os da República que se lhes seguiam não foram levados
senão pelo intuito de atender aos interesses públicos, não tiveram outra cogitação senão o bem do Brasil e principalmente do Estado de São Paulo, revela a importância dessa empresa e os grandes melhoramentos que ela tem introduzido no Estado de
São Paulo.
É isto que pode justificar a atenção que esta empresa tem merecido dos diferentes ministros da Viação, os mais diversos, em épocas diferentes, todos eles, com exceção do humilde orador, de inquestionável competência, e todos, posso dizê-lo sem
receio, dotados da mais rigorosa e escrupulosa honestidade.
Elemento ativo da empresa, Candido Gaffrée não era um corruptor; ao contrário, a crônica deixou dele, a este respeito, depoimento antes bravio.
Fator essencial de equilíbrio interno, na mesma Companhia, nunca se soube tampouco Eduardo P. Guinle um comprador de consciências. Tinha a empresa seus meios de defesa indireta, quando não bastavam os diretos, que em geral preferia, os folhetos,
a imprensa. Era diverso, noutra esfera, o processo de Rio Branco, então em plena glória, e tendo em torno de si uma plêiade capaz para explicar seus atos e realizações?
Justamente porque se atacavam rudemente, é que as Docas de Santos tinham que se defender; e não fugiam a isso, pelo contrário. Podia-se dizer que permanentemente estavam na berlinda, quando não no resguardo de
seus direitos, no sabor de certas lendas e histórias, inocentes umas, ferinas outras, como essa de que seu presidente dispusesse do Ministério da Viação, onde penetrava de chapéu na cabeça [38] ou a outra, que a si mesma também se destruía, de uma vaidade que nos fizesse também terra de argentários [39].
De uma maneira ou de outra, contra ou a favor, elas tinham, em seu derredor, os príncipes do jornalismo brasileiro – Eduardo Salamonde no Paiz, José do Patrocinio na Cidade do Rio, José Carlos Rodrigues no Jornal do Commercio,
Ferreira de Araujo na Gazeta de Noticias, Manoel da Rocha, Medeiros e Albuquerque na Noticia, Alcindo Guanabara na Imprensa, para não falar senão dos mais altos. Na história da empresa de Santos vai um pouco a da política e
do jornalismo entre nós.
Durante os primeiros meses de 1907, foi, pode-se dizer, regional a impugnação. Ela começou na Capital do Estado, revivendo a questão dos despachos sobre água, objeto em 1896, como vimos, de uma representação das Estradas de Ferro Paulistas e
indeferida, mais tarde, pelo Ministério da Fazenda. Como um refrão, esta e outras coisas hão de soar durante toda a vida da Companhia. Para M. de A. no São Paulo (20 de dezembro de 1906) era esse um dos grandes abusos da Companhia, ao que
se respondeu nove dias depois no Estado de São Paulo:
Em 1896, as estradas de ferro paulistas apresentaram ao Governo Federal uma cerebrina representação, pedindo se obrigasse a Companhia
docas de Santos a fazer gratuitamente em seu cais a descarga do carvão e outros materiais, que tivessem despachado sobre água.
Essa representação, depois de devidamente estudada por longo tempo, mereceu o seguinte despacho, publicado no Diario Official, de 17 de novembro de 1898:
"Representação das Companhias de Estradas de Ferro de São Paulo contra o fato de estar a Companhia Docas de Santos cobrando a taxa de capatazias das mercadorias que se despacham sobre água e não dão entrada na Alfândega desta última cidade: - Em
face das informações e pareceres, não procede a reclamação dos suplicantes".
A cobrança dessa taxa é também feita no porto de Manaus, e se-lo-á no porto do Rio, logo que comece o tráfego do cais. Ainda recentemente, o Governo declarou à Alfândega de Manaus que era legal a taxa de capatazias daquelas mercadorias, percebida
pela Manaus Harbour C. Ltd.
À completa ignorância das leis fiscais e dos contratos da Companhia docas de Santos, e a uma interpretação filha do ódio e do despeito, pode-se atribuir a ressurreição atual da cerebrina representação das estradas de ferro, já indeferida pelo
Governo, há mais de oito anos, por inepta.
A 7 de maio de 1907, e já sob o nome de Martin de Aguilar, o mesmo São Paulo voltou às taxas do cais, a propósito do Relatório da
Diretoria, "imenso polvo a envolver nas dobras de seus formidáveis tentáculos a mísera presa que em vão se lhe estorce, apertada nas longas membranas viscosas" [40].
Havia o fiscal do Governo junto à Companhia, então o dr. Ewbank da Camara, feito publicar na imprensa notícia de que estava encarregado de informar sobre os exageros da cobrança das taxas, convocando os interessados (Diario de Santos, 26 de
janeiro de 1907):
Recebi do exmo. sr. ministro da Viação, por intermédio da Diretoria de Obras, ordem para informar sobre reclamações que a cobrança de
taxas feita pela Companhia Docas de Santos tenha dado lugar pelo exagero das despesas determinadas pelos respectivos serviços de carga, descarga, capatazias, transportes, armazenagens etc. Muito grato ficarei a v. s. dando publicidade ao que
comunico, a fim de que os interessados ou prejudicados tragam ao escritório desta fiscalização, à Praça da República número 1, as suas comunicações, para que se possa proceder às concessões devidas.
Era o começo de uma ação de longo termo, refletindo em Santos a posição do Ministério da Viação no Rio de Janeiro. Entre essas taxas estava a de armazenagem nos
domingos, feriados e dias de eleição, sobre que haviam representado interesses locais. Por um decreto de 6 de abril de 1907, sob o número 6.446, logo posto em execução, ficaram excluídos do prazo para a contagem das isenções de taxas de
armazenagem os dias em que não funcionava a Alfândega. A hostilidade do engenheiro fiscal se manifestara desde 10 de fevereiro, ao telegrafar ao ministro da Viação sobre o que lhe pareceu a resistência da Companhia, acentuando-se cada vez mais.
No Rio de Janeiro, exultou o Correio da Manhã (7 de fevereiro de 1907):
A Companhia Docas de Santos estava até aqui acostumada a não receber ordens de quem quer que fosse, fazia o que muito bem queria e
entendia… Agora, porém, parece que a Companhia está mal de sorte; o ministro da Viação já ordenou o cumprimento das cláusulas esquecidas até aqui e, há pouco, o da Fazenda proibiu em aviso a cobrança de armazenagem aos domingos, dias santos e
feriados.
Além disso, fora a Companhia multada em dois contos de reis, por haver cobrado taxas "fora das estabelecidas no seu
contrato". Ainda rejubilou-se com isso o mesmo órgão carioca [41], acompanhado pelo santista [42]. Mas ainda
aí sem razão, porque a multa só se podia impor pelo inspetor da Alfândega, cabendo ao fiscal apenas as atribuições técnicas relativas à construção:
A cláusula IX do contrato, celebrado em virtude do decreto número 9.979, de 12 de julho de 1888, declara expressamente: "O serviço de
carga e descarga de mercadorias, uma vez encetado, ficará sujeito à fiscalização do inspetor da Alfândega, que dará aos concessionários as precisas instruções, de acordo com o regulamento a que este serviço estiver subordinado.
Os mesmos concessionários ficarão sujeitos, além disso, às obrigações que os regulamentos impõem aos administradores de trapiches
alfandegados, na parte em que lhes forem aplicáveis, pela guarda, conservação e entrega das mercadorias recebidas nos seus armazéns, as quais serão todas as que o inspetor da Alfândega designar".
Como se vê: o fiscal dos serviços aduaneiros a cargo da Companhia é, única e exclusivamente, o inspetor da Alfândega de Santos, pois se trata de serviços sujeitos aos regulamentos e instruções fiscais.
Se houvesse alguém com o poder de impor penas administrativas pela infração de tais regulamentos e instruções, seria o inspetor da Alfândega de Santos (decreto número 2.647, de 19 de setembro de 1860, artigo 284), com recurso para o exmo. sr.
ministro da Fazenda.
O engenheiro fiscal das obras hidráulicas nada tem absolutamente com o serviço aduaneiro.
Convinha, além disso, saber que se tratava de uma redução, autorizada por lei, e aprovada pelo mesmo inspetor da Alfândega, com satisfação do comércio, que a
havia solicitado. Era de si mesma explanatória a representação da Companhia (30 de março de 1907):
A lei número 1.746, de 13 de outubro de 1869, artigo 1º § 12, e o decreto número 1.286, de 17 de fevereiro de 1893, artigo 1º, dispõem
que a Companhia Docas de Santos goza em seus estabelecimentos todos os favores e vantagens concedidos por lei aos trapiches alfandegados e entrepostos.
Pois bem: um desses favores e vantagens é o seguinte, textualmente transcrito da Nova Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas, artigo 238, § 1º: Fica salvo aos trapiches o direito de reduzirem, de acordo com as suas conveniências e
em benefício do comércio, a taxa de armazenagem do segundo mês em diante, sempre que as mercadorias hajam de demorar-se nos trapiches.
O texto legal supra transcrito prova, à luz do sol, que a Companhia Docas de Santos tem a faculdade de reduzir as taxas de armazenagem se achar conveniência a seus interesses, dos quais é ela o único árbitro, e em benefício do comércio. Pode
mesmo a Companhia fazer favores excepcionais a um depositante, e negar a outro.
Adiante:
Entretanto, esta Companhia, por escrúpulo muito justificável, não só nunca fez exceções entre depositantes, mas também reduziu somente
taxas de armazenagem de mercadorias já nacionalizadas pelo pagamento dos direitos fiscais.
E, mais, para que assim procedesse, ela solicitou e obteve a aprovação do inspetor da Alfândega de Santos. O inspetor da Alfândega de Santos, ao tempo em que a Companhia iniciou a aplicação da taxa reduzida, chamada taxa de convênio, em benefício
do comércio, atesta o que se escreve: "Não só tive conhecimento, como aprovei a tabela (100 reis por volume de 60 quilos no primeiro mês e 50 reis nos seguintes), visto que tal acordo era conveniente aos interesses do comércio importador,
atendendo a solicitação por ele feita, de acordo com o que está estabelecido na Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas".
Parece à Companhia Docas que nada mais decisivo para justificar o seu procedimento. O comércio importador do Estado de São Paulo não podia ter reclamado contra um benefício que a Companhia lhe fez dentro das suas faculdades. Somente o engenheiro
fiscal dos serviços hidráulicos entende que beneficiar o comércio, sem preferências ou exceções, é um grande crime, punível, sem forma de processo, com uma multa que não existe cominada em lei nem nos contratos da Companhia!
Por sua vez, a inauguração dos trechos do cais, que, durante tantos anos, não fora objeto de dúvida, constituiu também motivo de impugnação. A inauguração, de
então em diante, devia ser formal, precedendo aviso do ministro da Viação. No caso, houvera desejo das companhias de navegação, como dizia este pedido de seus agentes (30 de abril de 1907):
Os abaixo-assinados, agentes de companhias de navegação nacionais e estrangeiras, vêm, com a devida vênia, solicitar a vv. Ss. As
precisas providências para que seja permitida a atracação de vapores no trecho do cais entre Paquetá e a Doca do Mercado.
Este trecho, tendo os trilhos já assentados, muito contribuirá para maior facilidade do movimento do porto e do serviço a cargo dessa Companhia e o constante aumento da navegação para este porto está exigindo essa facilidade, a fim de evitar, o
mais possível, que os vapores fiquem à espera de lugar para atracação, como sucedeu ontem, e ainda agora, quando pode em parte ser facilitado o serviço para minorar os prejuízos dos vapores surtos no porto.
Sendo a concessão assim pedida, de grande vantagem para os armadores e para o comércio em geral, os signatários deste, habituados com a boa vontade de vv. Ss., estão convictos de que merecerão a consideração, que esperam, em auxílio do comércio
marítimo deste porto.
Expondo ao ministro da Viação a dúvida suscitada, a seguinte representação da empresa era elucidativa (14 de fevereiro de 1907):
A Companhia Docas de Santos, tomando conhecimento do Aviso número 25, de 23 de janeiro, em que determinastes, referindo-vos ao trecho do
cais de Paquetá a Outeirinhos, no qual desde julho do ano próximo findo, têm estado atracados alguns navios, que nenhuma extensão do cais poderá ser entregue ao tráfego, sem a formalidade da inauguração oficial, devidamente autorizada por esse
Ministério, pede a devida vênia para levar ao vosso conhecimento algumas considerações, tendentes à justificação do seu procedimento, não só em relação ao referido trecho, como a todos os outros anteriores.
A Companhia declara, porém e previamente, que tais considerações não exprimem, de modo algum, qualquer relutância de sua parte em cumprir a ordem contida no aviso em questão; ela respeitará como nova norma a adotar no regime da execução de seu
contrato, caso dela façais questão.
Têm elas, apenas, por fim, como já disse, demonstrar-vos que a praxe posta em prática, no trecho de Paquetá a Outeirinhos, não foi senão a continuação da que presidiu à entrega ao tráfego do porto de dois quilômetros de cais em serviço há alguns
anos, os quais o foram por pequenas extensões e à medida que iam elas ficando aptas para que fossem nelas realizadas as operações previstas pela lei de 12 de outubro de 1869 – atracação dos navios, carga, descarga e armazenagem de suas
mercadorias. O fato, porém, teve sempre por causa o acúmulo de serviço no trecho anteriormente utilizado e foi também sempre reconhecido pelo Governo, quer diretamente por esse Ministério e pelo da Fazenda, quer por intermédio do engenheiro
fiscal junto à Companhia.
Adiante:
Tanto a Companhia, como o Governo, reconheceram pelos fatos anteriores à inauguração provisória do primeiro trecho de cais, na extensão
apenas de 260 metros, sem que entretanto estivesse completo com o aparelhamento necessário em tais obras, os danos materiais e os prejuízos resultantes da demora na carga e descarga dos navios, que demandavam o porto de Santos, como que
tacitamente combinaram na entrega ao serviço do cais, à medida que iam ficando prontos diversos trechos, sem a menor formalidade, ainda mesmo que a sua conclusão não estivesse completa, mas apenas permitissem as operações que constituem o
objetivo da lei básica de 1869, isto é, atracação dos navios, carga, descarga e armazenagem das mercadorias.
A Companhia Docas, assim procedendo, não procurou jamais visar os seus interesses pecuniários; pelo contrário, pô-los sempre de lado para atender de preferência aos do fisco, do comércio, da lavoura e da indústria, que muito teriam sofrido com a
demora na expedição de suas mercadorias, que, como é claro, se daria se a entrega ao tráfego de uma pequena ou grande extensão de cais ficasse sempre dependente da sua perfeita e completa conclusão e ainda do ato oficial de sua inauguração.
Em tais trechos, não completos, as operações de carga, descarga e armazenagem de mercadorias, as de capatazias etc., não se podiam fazer com a mesma facilidade, com que seriam realizadas em um cais completo, munido de todos os acessórios; as
despesas feitas com todas aquelas operações eram necessariamente mais elevadas naquele caso; a renda líquida da Companhia ficava diminuída; em compensação, o comércio pagava por elas as mesmas taxas e se forrava dos ônus resultantes da demora a
que ficariam sujeitos os navios, por falta de cais a que atracassem.
E depois de citar os antecedentes, todos no sentido indicado:
Destes documentos consta, por conseguinte, que de 1892 a 1901 foram entregues ao tráfego, sem que ao ato presidisse a formalidade da
inauguração, especialmente autorizada por esse Ministério, perto de dois mil metros de cais, ocorrendo ainda a circunstância de que nunca essa entrega se fez depois de completo o trecho com todo o seu aparelhamento. Tudo, porém, se fez como já
foi expendido neste ofício, para satisfazer às necessidades do serviço, sem que deste fato resultasse o menor acréscimo nos interesses da Companhia Docas.
Foi um fato semelhante ocorrido com o trecho do cais entre Paquetá e Outeirinhos, causa da expedição do aviso a que responde esta Companhia.
Em julho do ano próximo findo, estando anunciada a vinda a Santos do ilustre atual presidente da República no vapor Maranhão e estando o cais, do Valongo a Paquetá, completamente abarrotado de vapores, sem um único lugar em que pudesse
atracar o Maranhão diretamente ao cais, como convinha, foi designado um lugar no cais novo para desembarque do ilustre viajante e sua comitiva.
Para isso, dias antes do designado para a chegada do Maranhão a Santos, prolongaram-se as linhas férreas do cais até o canal da doca do mercado, de modo a poderem os viajantes desembarcar logo para os carros da Companhia Docas ou mesmo da
Estrada de Ferro São Paulo Railway.
No caso dos armazéns, a observação oficial tampouco nada criava de novo, porque o que se acabava de fazer era o que se vinha fazendo desde o princípio.
Comunicara o fiscal ao Governo estar a empresa construindo dois grandes armazéns de ferro, no prolongamento do cais entre Paquetá e
Outeirinhos, sem ter apresentado os necessários planos e obtido que fosse aprovada a respectiva locação; pelo que determinou o ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas (22 de janeiro de 1907) que se suspendessem as obras até o preenchimento
da formalidade legal [43]. A essa determinação respondeu a empresa, depois de citar também os antecedentes observados desde 1892 (6 de fevereiro de 1907):
Todos estes atos oficiais traduzem a natureza e a espécie do regime, dentro do qual são feitas as obras de melhoramentos do porto de
Santos. Elas não constituem o objeto de uma empreitada, por preços de unidade, de obra projetada pelo Governo, por intermédio de seus agentes, cuja ação se manifesta, além da concepção do projeto em todos os seus detalhes, na determinação do
local que ela deve ocupar; daí resultando natural e forçosamente a nenhuma responsabilidade do empreiteiro quanto à relação entre a obra executada e o objetivo que ela tem de satisfazer.
No caso em questão, a Companhia Docas de Santos constrói à sua custa obras autorizadas pela lei básica de 13 de outubro de 1869, devendo satisfazer às condições determinadas nessa lei: fácil atracação dos navios, conservação e guarda das
mercadorias, sua carga e descarga, além da movimentação das mesmas, necessária para que se torne possível a respectiva conferência, de modo a ser arrecadada a receita aduaneira.
Elas não são pagas pelo Governo à Companhia cessionária, cujo capital só tem para remuneração taxas cobradas, quer pela utilização das obras construídas, quer pelos serviços prestados nessas obras.
Trata-se, por conseguinte, de contrato diverso do de empreitada de construção.
Concluindo:
No caso do porto de Santos, o projeto das obras, com delineamento da sua forma e a determinação das suas dimensões, é feito pela
Companhia cessionária, que é quem delas usa, o que traz como consequência sua inteira responsabilidade, não só quanto à solidez das mesmas obras, mas ainda quanto à proporcionalidade que deve existir entre amplitude ou capacidade das mesmas e as
necessidades dos serviços a cargo da Companhia. Daqui decorre naturalmente que a esta Companhia cabe, como não podia deixar de caber, a iniciativa da execução do aparelhamento do cais, do qual faz parte a construção dos armazéns necessários ao
serviço.
É este o princípio a que têm obedecido os atos oficiais enumerados, cuja aplicação, não aumentando aliás os lucros da Companhia, tem tornado possível o desenvolvimento do comércio do porto de Santos, de modo a satisfazer as maiores exigências,
fazendo desaparecer as demoras na carga e descarga dos navios que ali aportam.
Entretanto, esta Companhia jamais deixou de obedecer às prescrições da fiscalização do Governo e à aprovação deste submeteu sempre os projetos das obras que tem executado, todas elas constantes de ordens emanadas do mesmo Governo, o qual tem por
conseguinte pleno conhecimento dos atos da Companhia, quer por exposições escritas a ele dirigidas, como consta da que lhe foi enviada a 17 de setembro do ano próximo findo, que se refere aos armazéns, em construção daquela época, e a alguns
outros de grandes dimensões, encomendados para serem colocados fora da faixa do cais e destinados ao armazenamento do café, como ainda pelo relatório que em todos os trimestres o engenheiro chefe da construção envia ao engenheiro fiscal.
É assim que no relatório correspondente ao terceiro trimestre do ano próximo findo e enviado em outubro àquele engenheiro fiscal vem mencionado o início da construção dos armazéns números 14 e 15, aqueles exatamente a que se refere o aviso número
22 de 22 de janeiro próximo passado, que provoca esta exposição.
Espera, por conseguinte, a diretoria da Companhia Docas de Santos, que, lendo esta exposição, v. ex. lhe fará inteira justiça, reconhecendo que ela tem agido sempre de acordo com o seu contrato e com as ordens que dentro das suas disposições lhe
têm sido dadas pelo Governo.
Construção da muralha do cais no trecho entre Paquetá e Outeirinhos (1906)
Foto: reprodução da página 194-a
[38] "Quando os primeiros atos do atual ministro começaram a provocar
protestos por parte dos srs. Gaffrée & Guinle, dizia-se que estes poderosos capitalistas estavam habituados a entrar de chapéu na cabeça na Secretaria da Viação, e dar ordens ao ministro. Essa fantasia, sem o menor fundamento na verdade, passou
em julgado e amigos ursos do dr. Miguel Calmon elogiaram-no por, em contraste com a subserviência do sr. Lauro Müller, fazer pouco caso dos milhões do sr. Gaffrée e do sr. Guinle e tratá-los na ponta da bota, com o mais soberano desprezo.
"Como se vê, só quem desconhecer o caráter do jovem ministro da Viação, o seu critério e os seus escrúpulos, é capaz de atribuir-lhe a intenção mesquinha de perseguir uma importante empresa industrial, apenas com o intuito de alardear
independência e de mostrar que para s. ex. os poderosos merecem menos consideração do que os humildes.
"Não é verdade que o sr. Gaffrée entrasse no gabinete do sr. Lauro Müller de chapéu na cabeça; de resto, se isso fosse verdade e se o rico capitalista tivesse a grosseria de querer fazer o mesmo com o sr. Calmon, s. ex., que é um espírito
superior, limitar-se-ia a chamar um contínuo e mandar dizer ao sr. Gaffrée que fizesse como o Cunha – tirasse o chapéu e se fizesse anunciar antes de entrar no gabinete". – O Paiz, 29 de abril de 1908.
[39] "Basta refletir um pouco na pertinácia com que eles continuam na sua guerra sem tréguas contra a Light & Power, para se ter nitidamente a impressão de que
Gaffrée & Guinle têm feito e continuam a fazer colossais sacrifícios de dinheiro por mero capricho, por vaidade de capitalistas e até, sejamos justos, por um mal entendido amor próprio nacional que neste caso não deixa de ser um tanto ridículo,
no intuito de mostrar aos ousados americanos que nós também temos capitalistas e que os brasileiros não se deixam deslumbrar pelos milhões da poderosa Companhia". – O Paiz, 29 de abril de 1908.
[40] Respondeu o Diario de Santos (8 de maio de 1907): "Censurar a Companhia Docas é um direito, nós já o temos feito; mas, falsear a verdade baseando
acusações em dados errôneos, não é justo, e contra isto nos opomos, esperando que o colega melhor estude a questão". O São Paulo representa mesmo o propósito do despacho sobre água, contra a empresa ao ministro da Fazenda, tendo o seguinte
despacho: "À vista do parecer, nada há que providenciar". – Diario Official, 9 de maio de 1906.
[41] "E quer saber o público em que consiste essa infração? Em estar a Companhia cobrando taxas diferentes das estabelecidas no seu contrato. Há muito que era
conhecido esse procedimento da Companhia, por vezes nós o registramos, mas ninguém a chamava a contas, simples e unicamente porque se tratava de poderosos. As coisas agora estão mudadas. E é exatamente por isso que aplaudimos o atual Governo e o
aplaudiremos enquanto não se afastar dessa norma, exigindo o cumprimento dos contratos sem querer saber com quem está falando. É assim mesmo que os homens da atual administração se hão de impor ao respeito público". – Correio da Manhã, 1º
de março de 1907.
[42] "A administração do sr. Lauro Müller, como ministro da Indústria, foi a idade de ouro da poderosa empresa, que tudo obteve, tudo conseguiu. Assumindo,
porém, a direção daquele departamento federal, o dr. Miguel Calmon determinou estas providências no sentido de coibir os abusos praticados, entre os quais o que consistia em cobrar armazenagens pelos dias feriados ou como tais considerados". –
A Tribuna (Santos), 5 de fevereiro de 1907.
[43] Preliminarmente havia explicado a empresa: "Os armazéns a que se refere esse aviso são iguais aos de outros tipos, já construídos em outros trechos do
cais, todos eles aprovados em tempo por esse Ministério; estavam já em adiantada construção quando a 15 de novembro do ano próximo passado, se realizou a mudança do Governo da Nação e essa construção se fazia sob a vigilância do engenheiro fiscal
junto à Companhia, que em tempo algum fez a menor impugnação.
"Além desta circunstância que só por si isentaria a Companhia Docas de Santos da falta de respeito e consideração aos preceitos legais, acusação essa que implica o aviso em questão, ocorre que o seu procedimento em relação à construção dos dois
citados armazéns, se acha de perfeito acordo com inúmeros atos oficiais, expedidos por esse Ministério, alguns constituindo direitos, como decretos e os contratos neles baseados, outros em simples avisos que embora revogáveis por outros atos
semelhantes, só depois dessa formalidade podem anular praxes estabelecidas, instituindo novas normas, mas cujas ação não pode ser, entretanto, retroativa". – Representação da Companhia, 6 de fevereiro de 1907.