CÂMARA
E AGENDA 21 REGIONAL - PARTE I - Capítulo 2 (cont.)
Sílvia
de Castro Bacellar do Carmo
2.3.6 -
Município de São Paulo
O
processo de construção da Agenda 21 Local do Município
de São Paulo teve início em 1992, quando a então prefeita
da cidade convidou o "Conselho Consultivo da SP Rio-92", constituído
pela Portaria nº 296, de setembro de 1991, para elaborar a referida
Agenda.
Foi organizado
um Grupo de Trabalho composto por representantes do poder público,
de entidades da sociedade civil e especialistas de universidades, com o
objetivo de elaborar diagnósticos e propostas de ações
na busca do desenvolvimento sustentável. Considerado como uma primeira
proposta de política ambiental para o município, foi publicada
no Diário Oficial do Município em dezembro de 1992,
portanto, ao final da gestão administrativa municipal.
Em 1993 ocorreu
a troca de governo e em outubro do mesmo ano foram criadas a Secretaria
do Verde e do Meio-Ambiente (SVMA), e o Conselho Municipal do Meio-Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável (CADES). A Secretaria foi instituída
com as funções de planejar, ordenar e coordenar as atividades
do Meio-Ambiente, enquanto que o Conselho foi criado como órgão
consultivo e deliberativo para as questões ambientais municipais.
O compromisso
de retomar o desenvolvimento da Agenda 21 Local foi assumido pelo
novo Prefeito em meados de 1994, por ocasião do Fórum Global
sobre Meio-Ambiente realizado na Inglaterra, sendo atribuída a SVMA
a coordenação dos trabalhos pertinentes. Somente a partir
de dezembro de 1994 foi dado início às atividades para a
construção da Agenda 21, ficando definida como um
programa ambiental estratégico prioritário, dentro das diversas
diretrizes da Política Ambiental do Município.
A primeira
fase de construção da Agenda foi dedicada à
preparação da Administração Pública
Municipal para a discussão e incorporação dos temas
da Agenda ligados aos seus órgãos ou Secretarias. Criou-se
em dezembro de 1994 um Grupo Executivo interno a SVMA para a coordenação
geral do programa e um Grupo de Trabalho Intersecretarial em fevereiro
de 1995.
Elaboraram-se
dois Cadernos de Referências, com estratégias e linhas
gerais de ação no período até agosto de 1995,
passando-se em seguida para a realização de debates voltados
para a sensibilização junto aos agentes do poder público.
Foram produzidos dezessete documentos setoriais por órgãos
da administração municipal, que após terem sido organizados
e sistematizados deram origem a um documento preliminar para a Agenda
21 Local.
A partir de
agosto de 1995 iniciou-se o que pode ser chamado de segunda fase, com a
busca do envolvimento dos atores sociais, quando várias ONGs ambientalistas
foram chamadas a participar do processo através de convites realizados
pelo CADES. Em novembro deste mesmo ano realizou-se um workshop
intitulado "Agenda 21 Local e a Produção de Espaço
Urbano", com a presença de somente sessenta representantes da
comunidade civil e de instituições governamentais. O resultado
desta fase foi traduzido no documento Síntese das Discussões,
contendo um primeiro elenco de diagnósticos, prioridades e propostas
de ação.
Somente em
junho de 1996, após outras reuniões do grupo organizador,
foi apresentada uma primeira versão da Agenda 21 Local, durante
o "Primeiro Seminário sobre Gestão Ambiental do Município
de São Paulo". O documento final foi aprovado pelo CADES em agosto
de 1996, através da Resolução nº 17/96.
O documento
Agenda
21 Local: Compromisso do Município de São Paulo é
composto de um histórico até a data de sua divulgação,
um curto texto que reproduz os cenários futuros para o município,
e quatro capítulos temáticos, dedicados a discussão
e apresentação de diretrizes, e a propostas de ações
específicas ao tema. São eles: Desenvolvimento Urbano, Desenvolvimento
Social, Qualidade Ambiental, Estrutura Econômica e Administrativa
(SÃO PAULO, 1996).
Este documento
foi o único publicado até o final do ano de 2003, com referência
explícita à Agenda 21 Local. Realizado por técnicos
internos da Administração Pública Municipal, teve
participação insignificante da comunidade, conforme os dados
mostrados no referido documento. Segundo o Ministério do Meio-Ambiente,
este documento na verdade não caracteriza uma Agenda 21 Local,
por não ter seguido a metodologia indicada na Agenda 21 Global
(MMA, 2002c).
Sobre este
documento, Reis (1999) coloca que é apresentado como um produto
final, construído sem uma base de sustentação da sociedade,
não servindo como norteador para a construção de uma
cidade sustentável.
De acordo com
Kohler (2003), foram elaborados mais dois documentos em âmbito institucional:
1) Programa
Agenda 21 Local - Proposta de Continuidade - 3ª Fase: elaborado
em março de 1997 por uma equipe do Departamento de Educação
Ambiental e Planejamento da Divisão de Políticas Públicas;
2) Agenda
21 Local: compromisso do Município de São Paulo: elaborado
no 1º semestre de 2001. Composto por apenas sete páginas propõe
um processo de descentralização da implementação
da Agenda 21 Local no âmbito das sub-prefeituras a serem criadas.
Observa-se que manteve o mesmo nome do documento de 1996 (nota da autora).
Em 2001 houve
nova mudança do governo municipal. A Secretaria teve seu nome alterado
para Secretaria Municipal do Meio-Ambiente, e dentre as alterações
administrativas internas, teve designado um responsável pela Agenda
21 Local, como membro de um dos departamentos. Porém, a etapa
seguinte do processo, que seria destinada à implementação
das ações, foi interrompida.
O Decreto nº
42.318, de agosto de 2002, criou o "Programa Municipal de Qualidade Ambiental"
(PMQA), que em suas considerações iniciais faz menção
à Agenda 21 Local Municipal, somente no que diz respeito
ao uso do poder de compra do consumidor consciente como instrumento para
a promoção da qualidade ambiental nos processos de produção
de bens e serviços.
Complementa:
"[...] Considerando que o poder de compra da Prefeitura do Município
de São Paulo é meio eficaz para implementar os compromissos
e propostas de ação da Agenda 21 na busca do desenvolvimento
sustentável; [...]".
Segundo a Secretária
do Meio-Ambiente, em matéria publicada no jornal O Estado de
São Paulo sobre reunião realizada em dezembro de 2001,
entre os Secretários do Meio-Ambiente de São Paulo, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Buenos Aires e Rosário - Argentina, Montevidéu
– Uruguai, e Cidade do México – México, o documento intitulado
Agenda
21 Local produzido na maioria das cidades traduz mais uma declaração
de intenções do que um real instrumento de gestão.
Argumenta que:
"O papel dos municípios não foi suficientemente discutido
na elaboração da Agenda 21 e também não
foram dadas condições, como recursos financeiros e transferência
de tecnologias, para que realizassem essa tarefa".
A partir de
entrevistas realizadas com atores do quadro municipal que atuaram em momentos
distintos do processo Agenda 21 Local, Kohler (2003) elaborou um
quadro com as dificuldades e facilidades encontradas, e que traduzem as
observações e opiniões destes atores.
O referido
quadro é reproduzido a seguir, quadro 2.4,
com o intuito de ampliar as informações sobre o processo,
apesar de apresentar algumas discrepâncias, ressaltando-se as observações
sobre a participação da comunidade, que, oficialmente, demonstrou
pouco interesse, conforme relatado anteriormente, mas que também
não se constituiu em vetor de prioridade de acordo com a leitura
do histórico do processo, considerando-se fora do contexto a observação
sobre o "consenso da comunidade para estabelecer prioridades".
Não
se pode de deixar de considerar as dimensões territoriais do Município,
assim como sua pluralidade cultural e sua dinâmica, o que dificulta
a organização de eventos com a participação
de uma ampla gama de setores.
Dificuldades
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Facilidades
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Descontinuidade
com mudança de Secretário do Meio-Ambiente.
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Apoio
e credibilidade das Secretarias nas propostas apresentadas.
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Pouco
recurso financeiro para apoio logístico.
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Trabalho
integrado da Equipe da Divisão de Políticas Públicas,
da SVMA.
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Pouca
divulgação na mídia.
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Apoio
do Secretário e dos técnicos do 1º escalão da
SVMA.
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Pouco
interesse da comunidade.
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Autonomia
e coordenação do grupo responsável.
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Falta
de apoio dos Governos Estadual e Federal.
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Consenso
da comunidade para estabelecer prioridades.
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Dificuldade
em coordenar um processo de participação e articulação. |
Repercussões
da Rio-92 e da ECOURBS, para aquecer as discussões internas.
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Dificuldade
no avanço das discussões no CADES, pois este nasceu em um
Governo sem tradição democrática. |
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Intercâmbio
difícil entre sociedade civil e Governo.
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Vontade
política no início do processo.
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Questão
ambiental não é prioridade na atual administração.
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Ser referência
na elaboração da Ag21L, troca de informações,
trabalhos publicados em eventos internacionais.
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Resistência
dos técnicos para integrar.
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Falta
de compromisso político.
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Desenho
institucional da SVMA, onde o Programa da Agenda 21 deveria ser coordenado
pelo Gabinete ou CADES, e não por um Departamento.
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Quadro
2.4: Aspectos facilitadores e dificuldades encontradas no processo de construção
e implementação da Agenda 21 Local de São Paulo. Fonte: KOHLER,
2003.
A Agenda
21 Local do Município de São Paulo traduziu-se mais em
trabalhos internos do corpo funcional municipal do que em um processo democrático
e participativo.
2.3.7 Município
de Curitiba
A cidade de
Curitiba é detentora de vários títulos internacionais,
incluindo o de cidade de melhor qualidade de vida do Brasil (ZORZAL, 2001).
Muitos dos itens que são preconizados na Agenda 21 Global
estão incluídos nas diretrizes do planejamento urbano da
cidade, elaborado na década de 1960 (CURITIBA, 2002).
Em 1999, durante
a pesquisa para sua dissertação de mestrado, Reis constatou
a inexistência do processo de construção de uma Agenda
21 Local, e documentou que segundo os diversos órgãos
públicos consultados, que para se formalizá-la só
seriam necessários consulta à sociedade e a elaboração
formal do documento.
Complementa
com a observação de que várias políticas públicas
do município encontravam-se em sintonia com alguns capítulos
da Agenda 21 Global. Zorzal (2001) confirma a inexistência
de uma Agenda 21 Local para a cidade, em trabalho apresentado junto
ao Congresso de Engenharia Sanitária e Ambiental, passados dois
anos, justificando sua pesquisa como uma encomenda após várias
reuniões do poder local, ressaltando que a Agenda 21 Local
era um ponto de honra municipal devido à exposição
da cidade à opinião pública. Pesquisas na página
do Ministério do Meio-Ambiente sobre as Agendas Locais mostram
que a de Curitiba é considerada em andamento.
Durante o "Fórum
Regional da América Latina sobre Desenvolvimento Sustentável",
ocorrido em abril de 2002, Curitiba, evento preparatório para a
"Rio+10", foi lançada pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano de Curitiba (IPPUC), a publicação Curitiba, na
prática, considerada como a Agenda 21 Local do município.
Na Introdução
é realizado um breve relato das fases de planejamento da cidade,
relacionando-os às idéias defendidas pela Agenda 21 Global,
como:
"[...]
a adoção sistemática da prática da interdisciplinaridade
e interinstitucionalidade na ação municipal", a partir da
criação do IPPUC em 1965;
a
revisão do papel do administrador municipal, no início da
década de 80, com a preocupação de propiciar maior
participação da sociedade civil organizada; e,
a
partir do final da década de 80, a inclusão da questão
ambiental nas diretrizes urbanas.
No capítulo
seguinte deste documento, Conceito e Metodologia, é proposto
o conceito de sustentabilidade ampliada:
A sustentabilidade
ampliada realiza o encontro político necessário entre a Agenda
Ambiental e a Agenda Social ao enunciar a indissociabilidade entre os fatores
sociais e ambientais e a necessidade de que a degradação
do meio-ambiente seja enfrentada juntamente com o problema mundial da pobreza.
Este conceito
é o norteador da elaboração do documento apresentado. A gestão
pública urbana proposta pela municipalidade, adota alguns princípios
básicos, denominados marcos, e que são considerados vinculados
aos da Agenda 21 Global:
Marco
1: mudança de escala, incentivando o surgimento de cidades menores
ou de assentamentos menores dentro da grande cidade; preferência
pelos pequenos projetos de menor custo e de menor impacto ambiental; foco
na ação local;
Marco
2: incorporação da dimensão ambiental nas políticas
setoriais urbanas (habitação, abastecimento, saneamento,
ordenação do espaço, etc...), através da observância
dos critérios ambientais que visam preservar recursos estratégicos
(água, solo, cobertura vegetal) e proteger a saúde humana;
Marco
3: integração das ações de gestão,
visando criar sinergias, reduzir custos e ampliar os impactos positivos;
Marco
4: necessidade do planejamento estratégico, colocando sérias
restrições ao crescimento não planejado ou desnecessário;
Marco
5: descentralização das ações administrativas
e dos recursos, contemplando prioridades locais e combatendo a homogeneização
dos padrões de gestão;
Marco
6: incentivo à inovação, ao surgimento de soluções
criativas; abertura à experimentação;
Marco
7: inclusão de custos ambientais e sociais, no orçamento
e na contabilidade dos projetos de infra-estrutura;
Marco
8: indução de novos hábitos de moradia, transporte
e consumo nas cidades;
Marco
9: fortalecimento da sociedade civil e dos canais de participação
e suporte à ação comunitária.
Em relação
à participação da comunidade nas decisões da
gestão urbana, existem vários instrumentos utilizados: a
criação de Administrações Regionais aproximou
as demandas da população do poder público, o incentivo
à organização de Associações de Moradores,
e a realização de Audiências Públicas para a
discussão de temas de interesse da coletividade, onde são
apresentadas à população de cada Regional as propostas
de intervenções a serem implementadas, podendo ser referendadas,
alteradas ou mesmo rejeitadas. |