CÂMARA
E AGENDA 21 REGIONAL - PARTE I - Capítulo 2 (cont.)
Sílvia
de Castro Bacellar do Carmo
2.2 - Agendas
21 Locais no Âmbito Internacional
Esta
seção se inicia com a apresentação de um panorama
geral da evolução dos processos de Agendas 21 Locais
no âmbito internacional com o objetivo de verificar o engajamento
mundial no processo acordado por ocasião da "Rio+92".
Em seguida
são relatadas duas experiências: uma a nível nacional,
Suécia, um dos primeiros países a envolver-se efetivamente
com a implementação das Agendas 21 Locais em seu território;
e uma a nível municipal, Leicester, por apresentar significativas
contribuições ao entendimento prático de desenvolvimento
de uma Agenda 21 Local.
2.2.1 -
Panorama da construção de Agendas 21 Locais
No levantamento
global realizado pelo ICLEI para apresentação à Cúpula
Mundial de Johannesburgo sobre os avanços alcançados a nível
local, através de processos ligados à Agenda 21 Locais,
foi verificado que a maior participação está na Europa,
que apontou 5.292 municípios engajados, correspondendo a mais de
80% dos resultados mundiais.
O resultado
final apresentou a implantação de um total de 6416 Agendas
21 Locais, distribuídas em 113 países. Um aumento significativo
desde a pesquisa realizada para a "Cúpula Mundial Rio+5", quando
somente constatou-se 1.800 governos locais engajados no processo de planejamento
para uma Agenda 21 Local.
Em relação
a campanhas nacionais em apoio às Agendas 21 Locais, como
fator preponderante para a disseminação dos processos, a
Europa também apresentou liderança. Oito países da
Europa (total de 36 países envolvidos no processo), com campanhas
nacionais ativas, respondem por 2.011 processos, enquanto que na região
da Ásia e do Pacífico (total de 17 países), seis países
com campanhas nacionais, estão relacionados a 75% dos processos
em andamento.
Para efeito
de levantamento numérico e de avaliação foram definidas
as seguintes regiões: África, Ásia e Pacífico,
América do Norte, Europa, América Latina e Oriente Médio.
Em relação ao último, foram fornecidos poucos dados
por parte dos governos e associações, dificultando a clareza
das informações.
Do total dos
municípios que responderam à pesquisa, constatou-se que 61%
desenvolveram Planos Locais de Ação, apresentando um direcionamento
para a ação comunitária, objetivos, metas, estratégias
e compromissos específicos. Destes, 46% concentram a abordagem no
meio-ambiente.
Independentemente
da situação sócio-econômica de cada região,
a água foi considerada a preocupação primordial, tanto
no que se refere à sua qualidade, quanto à sua conservação
e disponibilidade.
Em relação
a efeitos alcançados através da construção
e implantação da Agenda 21 Local, os países
de média e alta renda relataram avanços na redução
de resíduos sólidos, enquanto que os de baixa renda identificaram
progressos na autonomia das comunidades e em sistemas educacionais.
As principais
prioridades apontadas por cada região são discriminadas a
seguir:
África:
mitigação da pobreza, desenvolvimento econômico, saúde,
desenvolvimento comunitário, gestão de recursos hídricos;
Ásia
e Pacífico: gestão de recursos naturais, qualidade do
ar, gestão de recursos hídricos, gestão da energia;
Europa:
gestão da energia, transportes, uso da terra, mudança climática,
biodiversidade;
América
Latina: desenvolvimento comunitário, turismo, desenvolvimento
econômico, mitigação da pobreza, gestão de recursos
hídricos;
América
do Norte: uso da terra, transportes, gestão de recursos hídricos,
desenvolvimento econômico, qualidade do ar.
A conclusão
desta pesquisa, baseada em todas as questões discutidas, recomenda
quatro medidas básicas a serem tomadas para alcançar-se os
objetivos de uma Agenda 21 Local:
elaborar
programas nacionais e internacionais de assistência ao desenvolvimento
e de investimentos, visando atender às diferentes realidades das
autoridades locais individuais;
apoiar
a criação de Campanhas Nacionais para as Agendas 21 Locais,
particularmente naqueles países de categorias econômicas médias/baixas
em que há atualmente o menor número de processos de adesão
à Agenda 21 Local;
apoiar
o desenvolvimento de mecanismos localmente pertinentes para o monitoramento
e avaliação dos avanços;
criar
políticas nacionais que fortaleçam a capacidade dos governos
locais de promover o avanço do desenvolvimento sustentável.
2.2.2 -
Suécia
A experiência
sueca no desenvolvimento de Agendas 21 Locais pode ser descrita
a partir das reuniões preparatórias para a "Rio-92" quando
a delegação deste país posicionou-se de formal radical
e favorável à adoção de instrumentos obrigatórios
de políticas públicas para o meio-ambiente.
No mesmo ano,
após a Conferência das Nações Unidas, foi realizado
um evento nacional com o objetivo de discutir as ações a
serem implementadas. Este evento resultou na elaboração de
um pequeno guia, denominado Nossas Tarefas após Rio, que
passou a ser considerado como uma fonte de inspiração para
muitas organizações.
No início
de 1994 o Parlamento Sueco adotou um programa nacional baseado na implementação
das diretrizes adotadas na "Rio-92", e, no final deste mesmo ano, o Ministro
de Meio-Ambiente publicou um guia para a Agenda 21 Local contendo
um esquema de possíveis estratégias para a busca da sustentabilidade
a partir de um contexto local, dando ênfase para a formatação
de visões de futuro.
Inicialmente
o governo nacional em exercício limitou-se a encorajar a troca de
informações e de experiências entre os diversos municípios
suecos. Em 1995 foi criado, pelo governo Social Democrata recém
eleito, o Comitê Nacional para a Agenda 21, composto por representantes
políticos do Parlamento, ONGs, setor corporativo e a sociedade científica,
tendo como objetivos estimular a implementação de Agendas
21 Locais, e, coletar e sistematizar iniciativas suecas.
No início
de 1996 foi publicada uma série de artigos sobre as Agendas 21
Locais na Suécia, tendo sido reportado que todas as 288 municipalidades
já haviam se decidido por iniciar suas Agendas 21 Locais:
quatorze municípios efetivamente iniciaram o processo em 1992, quarenta
cinco em 1993, cento e vinte e sete em 1994, e setenta e quatro em 1995
(ECKERBERG e FORSBERG, 1998).
Durante o ano
de 1996 o Comitê promoveu diversos encontros a nível regional
ou por setor temático, com o intuito de identificar as dificuldades
de implementação do processo. No mês de novembro foi
realizado o Fórum da Agenda 21, congregando as organizações
públicas e privadas, tanto a nível nacional quanto local.
Ao final deste
ano, aproximadamente metade dos municípios suecos já havia
contratado coordenadores, e estavam organizando seminários, cursos
e conselhos, sendo que em dois terços dos municípios a responsabilidade
pelo desenvolvimento do processo recaia sobre o Conselho Central Municipal
ou sobre um Comitê diretamente subordinado a este Conselho.
A pesquisa
de Eckerberg e Forsberg (1998) sobre as Agendas 21 Locais na Suécia
aponta para algumas características importantes:
as
parcerias formadas com os órgãos da municipalidade eram em
sua grande maioria formada por ONGs ou pelo empresariado. Poucos municípios
contaram com a colaboração de faculdades ou universidades;
em
relação à participação popular foi verificado
que no ano de 1996 somente 40% da população sueca estava
familiarizada com os conceitos de Agenda 21 Local, 20% estavam a par de
alguma atividade relacionada ao processo, e, somente 3% encontrava-se realmente
engajada em algum projeto específico da Agenda 21 Local de deu município;
os
recursos econômicos foram a principal causa de restrição
à adoção de novas estratégias voltadas para
a busca da sustentabilidade, sendo que 73% dos municípios consideravam,
em 1996, que a disponibilização de recursos financeiros nacionais
haviam sido insatisfatórios;
os
projetos desenvolvidos concentraram-se na área de gerenciamento
e manejo dos resíduos, sistemas de água e consumo sustentável.
Os projetos referentes aos resíduos sólidos incluíram
as questões de compostagem, métodos de reciclagem e reutilização
de resíduos.
2.2.3 -
Leicester, Inglaterra, Reino Unido
A cidade de
Leicester, que conta com uma população aproximada de 280.000
habitantes, é considerada um exemplo devido aos seus progressos
no caminho para o desenvolvimento sustentável. Em 1990 foi designada
a primeira Cidade Britânica Ambiental, e em 1996 foi selecionada
como Cidade Européia Sustentável.
Leicester se
destacou em decorrência do seu trabalho pioneiro na criação
e ampliação dos espaços urbanos abertos, e também
ao seu esforço em promover a construção de reservas
urbanas para a preservação da fauna e da flora natural. O caminho
trilhado por Leicester pode ser dividido em duas grandes fases:
1ª
Fase
Esta primeira
fase foi dedicada à estratégia de formação
de parcerias. Adotou uma visão holística para a busca de
soluções relacionadas às questões urbanas,
baseada não só na igualdade dos diversos atores envolvidos,
como também na junção dos trabalhos para o alcance
de um objetivo comum.
O quadro a
seguir retrata como era vista a cidade em 1990 e quais eram as estratégias
propostas.
Ambientalismo
Tradicional
|
Cidade
Ambiental
|
Despreocupação
com o urbano
|
Foco urbano
|
Objetivo
único
|
Holismo
[1]
|
Confrontação
|
Parcerias
|
Ênfase
nos problemas
|
Ênfase
nas soluções
|
Quadro
2.1: Aspectos de um Modelo de Cidade Ambiental Fonte: Roberts,
2001.
O desenvolvimento
dos trabalhos promoveu a alteração da ênfase inicial
na proteção ao meio-ambiente para a conquista do
desenvolvimento sustentável. Foram determinadas
algumas estruturas para agirem como fatores catalisadores do processo de
mudanças da cidade.
Primeiro foi
instituído o Conselho do Meio-Ambiente, composto pelo Conselho da
Cidade, pelo Conselho da Comarca, pela comunidade comercial e associações
locais, com igualdade de representação numérica, e
presidido pelo vice-reitor da Universidade de Montfort. Este Conselho criou
a Associação do Meio-Ambiente como órgão administrador
e executor das deliberações.
Foram também
instalados oito grupos temáticos, considerados como norteadores
das mudanças a serem introduzidas: tinham a função
de criar uma visão estratégica para cada área temática,
ampliando a participação da comunidade, fiscalizar as ações
sobre o meio-ambiente local e promover a demonstração de
projetos e experiências. Estas oito áreas temáticas
eram: construções ecológicas, trabalho e
economia, energia, alimentação e agricultura,
meio-ambiente
natural, desenvolvimento social, transportes, e resíduos
e poluição.
Na análise
de Roberts (2001), a experiência demonstrou que as parcerias podem
ser de grande valor quando comprometidas com o diálogo e com o mútuo
entendimento, tendo como ênfase a ação.
2ª
Fase
Privilegiou
a participação da comunidade e o planejamento. Em 1994 foi
lançada a Agenda 21 Local, com o título de Diagrama
para Leicester.
Esta fase foi
subdividida em duas:
A) Identificação
das aspirações e visões da população
e das organizações locais. Compreendeu o período
entre outubro de 94 a outubro de 95. Foram utilizadas cinco metodologias,
com o objetivo de motivar e agregar a maior parcela possível da
comunidade, conforme descritas no quadro 2.2,
a seguir:
METODOLOGIA
EMPREGADA
|
RESULTADOS
OBTIDOS
|
Seminários
de visões
– foram convidados grupos sem voz ativa na comunidade, como os jovens,
minorias étnicas, mulheres, idosos, deficientes físicos,
grupos de trabalhadores de pequenos negócios. |
Foram envolvidos
oitenta e oito grupos. |
Questionários
rápidos – um pequeno questionário foi entregue em cada
moradia e distribuído através do jornal local. As perguntas
versavam sobre as satisfações, insatisfações,
e aspirações para a cidade. Este método assegurava
que todos tivessem a chance de expressar suas opiniões. |
Retornaram
803 questionários. |
Questionários
de vizinhança – um segundo questionário foi proposto,
a vizinhanças que apresentassem contrastes marcantes, de modo a
obter um quadro mais detalhado das visões da comunidade. |
Foram entrevistadas
748 moradias. |
Grupo de
Trabalhos Temáticos – cada grupo foi incumbido de preparar recomendações
técnicas sobre a sua área de atuação, onde
estivesse incluído: os objetivos principais, as ações
chaves, e potenciais indicadores de sustentabilidade relacionados. |
Os oito grupos
de trabalho, que representavam 29 organizações, apresentaram
recomendações. |
Força
Tarefa – o Conselho criou oito grupos internos com a finalidade de
examinar o alcance de suas próprias ações. |
Cada grupo
fez uma série de recomendações. |
Quadro
2.2: Metodologias Empregadas. Fonte: Roberts,
2001.
B) Elaboração
de uma visão de futuro consensual, com a definição
de princípios e planos de ações para o futuro da cidade.
Teve início em 1996 com a organização de uma oficina
que envolveu a participação das organizações
chaves em dois dias de debates.
Estes debates
basearam-se na compilação dos dados obtidos na primeira fase,
e resultou na formatação da visão de futuro desejável
e dos princípios norteadores para construí-la.
Posteriormente,
foram enviados questionários para todas as residências da
cidade (retorno de 2.500 respostas) e para as escolas secundárias,
onde era exposto a plano elaborado e solicitado opinião a respeito.
O resultado desta consulta popular formatou a agenda da cidade para os
anos seguintes.
Em maio de
1998 foi lançada uma publicação com dez planos de
ações, envolvendo quinze áreas temáticas. Continha
78 metas com o detalhamento de 165 ações, cobrindo os seguintes
assuntos: transporte, desenvolvimento econômico, saúde, uso
do solo, qualidade do centro urbano, energia, parques e espaços
abertos, artes, cultura e lazer, gerenciamento de resíduos, segurança
da comunidade e criminalidade, oportunidades para pessoas jovens, controle
da poluição, e, finalmente, previdência social.
Segundo Ian
Roberts (2001), administrador da Leicester Environment City pode-se
destacar alguns ensinamentos da experiência de Leicester:
importante
prever flexibilização no cronograma em todas as fases, tanto
para ampliar como para diminuir o espaço de tempo previamente determinado;
necessária
a utilização de uma ampla gama de técnicas participativas;
é
extremamente difícil obter retorno de grupos com baixa representação.
Roberts também
aponta o que considera ser a principal falha deste caso: o não estabelecimento
de uma entidade independente que conduzisse o grupo desde o início
do processo; avalia que esta entidade poderia ter dado maior credibilidade
ao grupo, e auxiliado na manutenção dos prazos estabelecidos,
além de ter evitado confusões entre a comunidade e as organizações
envolvidas.
NOTA:
[1]
Holismo = doutrina que prega ser todo sistema um ente completo ao qual
se deve relacionar com um todo e não tentar dividi-lo em partes. |