CÂMARA
E AGENDA 21 REGIONAL - PARTE I - Capítulo 1 (cont.)
Sílvia
de Castro Bacellar do Carmo
1.5.3 -
Planejamento e Gestão Metropolitana
Antes
de enveredar pela questão do Planejamento Metropolitano, entende-se
necessária uma investigação sobre a conceituação
do espaço urbano denominado de região metropolitana. Para
tanto, a seguir são apresentadas algumas ponderações
sobre esta definição, seguida de um levantamento básico
das regiões metropolitanas no Brasil.
Segundo Moreira
(1989), Região Metropolitana pressupõe um fato social
e econômico cuja essência é a metrópole, esta,
o pólo de atração e/ou dominação de
um grande espaço de produção e consumo. A caracterização
de uma Região Metropolitana é a intensa urbanização
que dá origem a funções públicas de interesse
comum aos municípios que a compõem, integrando a organização,
o planejamento e a execução de programas.
Comin (1974)
chegou à conclusão de que "Região Metropolitana é
uma determinada área submetida ao processo de metropolização"
após discutir os conceitos de áreas e regiões, onde
afirma que dentro de uma área podem existir regiões diversas,
não acontecendo o mesmo com a região, onde a área
é única. Ressalta-se que esta discussão ateve-se à
dinâmica espacial, não sendo consideradas as características
funcionais e sociais. Cita as definições formuladas por Sérgio
Boisier (1972) [1]
para os dois termos:
Área
Metropolitana é um aglomerado urbano constituído por
um núcleo central metropolitano e os centros urbanos a ela incorporados
mediante o processo de suburbanização, incluindo também
os espaços rurais contíguos e imediatos ao casco urbano.
Do ponto de vista administrativo, trata-se de uma área que inclui
vários municípios, que no passado eram geograficamente independentes....,
a área metropolitana é parte de uma região metropolitana.
Pode-se inclusive tentar delimitar fisicamente a área metropolitana,
unindo os extremos dos braços do casco urbano conurbanizado.
Região
Metropolitana é um sistema econômico espacial, composto
por uma área metropolitana, por uma periferia inter-metropolitana,
por centros metropolitanos e por um conjunto de eixos de comunicações
e desenvolvimento unindo os centros e a área.
Juridicamente
afirma-se que:
[...] uma
região metropolitana consiste numa realidade urbano-regional que
se estende por um espaço geográfico dentro do qual se distinguem
várias jurisdições políticos-territoriais,
contíguas ou superpostas entre si, segundo o nível de competência,
seja local ou regional, formando uma mesma unidade sócio-econômica
(GRAUS, 1974). [2]
As regiões
metropolitanas foram instituídas originalmente no Brasil pela Constituição
Federal de 1967 (art. 157 § 10), com o texto alterado pela Emenda
Constitucional de 1969, conforme citações a seguir:
A União,
mediante Lei Complementar, poderá estabelecer regiões metropolitanas,
constituídas por municípios que independentemente de sua
vinculação administrativa, integrem a mesma comunidade sócio
econômica, visando à realização de interesse
comum. C.F. /67
A União,
mediante Lei Complementar, poderá, para realização
de serviços comuns, estabelecer regiões metropolitanas, constituídas
por municípios e, que, independentemente de vinculação
administrativa, façam parte da mesma comunidade sócio-econômica.
E.C. / 69
Portanto, a
criação de regiões metropolitanas era de exclusiva
competência da União, mantendo um caráter centralizador
de gestão.
A regulação
só aconteceu em 1973 com a Lei Complementar Federal nº 14,
que estabeleceu as primeiras oito regiões metropolitanas no Brasil:
Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife,
Salvador e São Paulo.
Posteriormente,
a Lei Complementar nº 20, de 1974, expandiu este número com
a criação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Observa-se nesta relação que só foram privilegiadas
capitais de Estados.
A C.F./88 alterou
o sistema centralizador de gestão política, estabelecendo
autonomia para cada ente federado – União, Estado e Município,
legislar e autogovernar, desde que não haja conflito entre si. Ficando
definido que cabe à União a elaboração dos
planos nacionais e regionais de ordenação do território
e do desenvolvimento econômico, relativos ao interesse nacional (art.
21, par. IX), cabe aos Estados a competência residual ou remanescente,
no caso os planos regionais estaduais.
Através
do artigo 25 §3º, estabeleceu como competência do Estado
Federado, através de leis complementares, a organização
de unidades regionais na forma de regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões, desde que sejam constituídas pelo
agrupamento de municípios limítrofes. Porém, não
consta neste diploma legal nem a definição e nem a distinção
para estes termos. De Ambrosis (2001) propõe as seguintes definições:
"Por microrregião
identificamos um território compreendendo vários municípios,
com características peculiares de homogeneidade quanto à
polarização, necessidades, potencialidades, etc..., que os
diferenciam do território circundante. Pressupõe uma realidade
social e econômica que pode envolver funções públicas
de interesse comum a municípios limítrofes.
Aglomeração
urbana [...] pressupõe uma realidade social e econômica
cuja característica é uma área urbanizada mais ou
menos contínua, envolvendo municípios limítrofes e
múltiplas funções de interesse comum.
Região
Metropolitana pressupõe uma realidade social e econômica
cujo centro dinâmico é a metrópole, pólo de
atração (e/ou dominação) de um grande espaço
de produção e consumo, e cuja manifestação
é a intensa urbanização que dá origem a múltiplas
funções de interesse comum aos municípios limítrofes
que a contêm".
O objetivo
da proposição de criação destas regiões,
segundo o jurista Alaôr Caffé Alves (2002, p. 123), foi a
de "integrar a organização, o planejamento e a execução
de funções públicas de interesse comum a todos os
municípios envolvidos". Porém, observa, levou ao problema
de como regrar as decisões da região metropolitana, que passou
a ser uma entidade administrativa, sem um Legislativo, órgão
capacitado para instituir as leis que disciplinam os serviços e
ações públicas.
As possibilidades
para equacionar este problema são duas: a regularização
pode ser efetuada pela Assembléia Legislativa do Estado, ou pelas
Câmaras Municipais dos diversos municípios integrantes, que
deveriam manter uma proposta una e consensual, fato difícil de se
realizar devido à autonomia das Casas Legislativas.
Apesar desta
nova relação entre os municípios ser compulsória,
pois os municípios não podem excluir-se da participação
por simples autodeterminação, tem por objetivo a integração
regional, permitindo os municípios a participarem do processo decisório
da região, ao mesmo tempo em que não perdem o poder referente
às questões locais. Cada município pode, individualmente,
se recusar a participar da gestão regional, mas não pode
se abster de acatar as decisões implementadas pelo conselho metropolitano,
mesmo que estas impliquem em intervenções no seu território.
Com a expansão
dos aglomerados urbanos e com a possibilidade criada pela Carta Magna,
o Brasil conta atualmente com 26 Regiões Metropolitanas, englobando
um total de 413 municípios e aproximadamente 68 milhões de
habitantes. A figura 1.1, a seguir, mostra a localização
das mesmas, podendo-se verificar a concentração nas Regiões
Sul e Sudeste.
Fig. 1.1:
Localização das Regiões Metropolitanas no Brasil Fonte: EMPLASA
(2002)
As Regiões
demarcadas na figura 1.1 estão discriminadas
na Tabela 1.1, a seguir, demonstrando a evolução
do surgimento das mesmas através de uma análise das datas
de criação, e a tendência deste fenômeno no país.
Tabela
1.1 REGIÕES
METROPOLITANAS NO BRASIL
Estados
|
Regiões
Metropolitanas
|
Data
de Criação
|
Nº
Atual de Municípios
|
Município Sede
|
AL
|
RM de
Maceió
|
19/11/1998
|
11
|
Maceió
|
BA
|
RM de
Salvador 1
|
08/06/1973
|
10
|
Salvador
|
CE
|
RM de
Fortaleza 1
|
08/06/1973
|
13
|
Fortaleza
|
DF
|
Região
Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE) 2
|
19/02/1998 |
21
|
Brasília
|
ES
|
RM de
Vitória
|
21/02/1995
|
6
|
Vitória
|
GO
|
RM de
Goiânia
|
30/12/1999
|
11
|
Goiânia
|
MA
|
Grande
São Luís
|
12/01/1998
|
4
|
São
Luís
|
MG
|
RM de
Belo Horizonte 1
e 3
|
08/06/1973
|
34
|
Belo Horizonte
|
RM do
Vale do Aço 3
|
30/12/1998
|
26
|
Ipatinga
5
|
PA
|
RM de
Belém 1
|
08/06/1973
|
5
|
Belém
|
PR
|
RM de
Curitiba 1
|
08/06/1973
|
25
|
Curitiba
|
RM de
Londrina
|
17/06/1998
|
6
|
Londrina
|
RM de
Maringá
|
17/07/1998
|
8
|
Maringá
|
PE
|
RM de
Recife 1
|
08/06/1973
|
14
|
Recife
|
RJ
|
RM do
Rio de Janeiro 1
|
1º/07/1974
|
20
|
Rio de
Janeiro
|
RN
|
RM de
Natal
|
16/01/1997 |
6
|
Natal
|
RS
|
RM de
Porto Alegre 1
|
08/06/1973
|
31
|
Porto
Alegre
|
SC
|
RM de
Florianópolis 4
|
06/01/1998
|
22
|
Florianópolis
|
RM do
Vale do Itajaí 4
|
06/01/1998
|
16
|
Blumenau
|
RM do
Norte/Nordeste Catarinense 4
|
06/01/1998
|
20
|
Joinville
|
RM da
Foz do Rio Itajaí 4
|
06/01/1998
|
9
|
Itajaí
|
RM Carbonífera
4
|
09/01/2002
|
10
|
Criciúma
|
RM de
Tubarão 4
|
09/01/2002
|
18
|
Tubarão
|
SP
|
RM de
São Paulo 1
|
08/06/1973
|
39
|
São
Paulo
|
RM da
Baixada Santista
|
30/07/1996
|
9
|
Santos
|
RM de
Campinas
|
19/06/2000
|
19
|
Campinas
|
Total
|
26
|
|
413
|
|
Fonte:
Emplasa, 2000.
1 As nove
primeiras regiões metropolitanas instituídas no País,
em 1973 e 1974. 2 A
Ride é composta por municípios dos Estados de Minas Gerais
e Goiás e o Distrito Federal. 3 Não
incluem o Colar Metropolitano da Região Metropolitana de Belo Horizonte,
instituído pela LCE 56, de 12/1/2000, e o Colar Metropolitano da
Região Metropolitana do Vale do Aço, criado pela LCE 51,
de 30/12/98. 4 Inclui
o Núcleo Metropolitano e a Área de Expansão Metropolitana. 5 A
lei que criou a RM do Vale do Aço não define qual é
o município-sede, mas Ipatinga é o município-pólo. |
Não
se coloca aqui a discussão sobre as diferenças entre as diversas
regiões metropolitanas brasileiras existentes, por considerar-se
que não são pertinentes ao escopo desta pesquisa [3].
Visto a campo
referencial de estudo localizar-se no Estado de São Paulo, faz-se
a seguir um recorte sobre este Estado.
A Constituição
Estadual de 1989 dedica o Capítulo II à organização
regional, apresentando como um dos seus objetivos, no art. 152, "o planejamento
regional para o desenvolvimento sócio-econômico e melhoria
da qualidade de vida", e definindo no parágrafo único deste
mesmo artigo que os planos e sistemas de caráter regional serão
coordenados e compatibilizados pelo Poder Executivo Estadual. A definição
para região metropolitana encontra-se no art. 153 §1º,
transcrito a seguir:
Considera-se
região metropolitana o agrupamento de Municípios limítrofes
que assuma destacada expressão nacional, em razão de elevada
densidade demográfica, significativa conurbação e
de funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade,
especialização e integração sócio-econômica,
exigindo planejamento integrado e ação conjunta permanente
dos entes públicos nela atuantes.
O sistema de
gestão é tratado no art. 154, ficando estabelecido a criação
de um Conselho normativo e deliberativo, com participação
paritária do conjunto dos municípios com relação
ao Estado. Através do §1º fica estabelecido a vinculação
a este conselho de uma entidade executora, e o §2º assegura a
participação da população no processo de planejamento,
na tomada de decisões e na fiscalização da realização
dos serviços ou funções públicas em nível
regional.
O Estado de
São Paulo possui atualmente três Regiões Metropolitanas:
a de São Paulo, a da Baixada Santista e a de Campinas, cujas localizações
podem ser visualizadas na figura 1.2. Juntas concentram
58,6% da população do Estado e 12% do País.
Fig. 1.2:
Regiões Metropolitanas do Estado de São Paulo Fonte: EMPLASA
(2002)
A gestão
metropolitana no Estado de São Paulo encontra-se vinculada a três
entidades: Empresa Paulista de Planejamento Metropolitana S.A. (EMPLASA),
Agência Metropolitana da Baixada Santista (AGEM) e Secretaria de
Estado dos Transportes Metropolitanos. Um outro processo urbano ocorre
atualmente no Estado de São Paulo, que apresenta uma sub-região
a qual vem sendo denominada Complexo Metropolitano Expandido (CME), conforme
pode ser verificado na figura 1.3.
A RMBS está
inserida no espaço envolvido, localizado num raio aproximado de
150km a partir da cidade de São Paulo. As diversas áreas
que integram o CME compõem um dos principais eixos econômicos
do Estado, constituindo-se numa região com forte poder atrativo
de investimentos, e apresentando um alto potencial de crescimento.
Fig. 1.3:
Complexo Metropolitano Expandido Fonte: EMPLASA
(2002).
Lencioni (2003)
analisa este aglomerado metropolitano como o anúncio de uma megalópole
em formação, acrescentando que constitui a área metropolitana
mais importante do país. Megalópole formada mais por áreas
urbanas contínuas do que descontínuas, e onde se verifica
a adoção da prática de morar e trabalhar em cidades
distintas. Este é um assunto complexo e merecedor de pesquisa própria,
somente inserido neste trabalho com o objetivo de registrar um processo
em andamento e que engloba o espaço referencial de estudo.
O Estatuto
da Cidade considera o planejamento das regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões como um dos instrumentos
da política urbana. Porém, o texto aprovado não dedicou
um capítulo específico a este tema. Encontram-se mais duas
referências no referido documento:
1) art. 41
§ II, que estabelece a obrigatoriedade do Plano Diretor para as cidades
integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas; e,
2) art. 45,
o qual torna obrigatória a participação da comunidade
nas atividades dos organismos gestores das regiões metropolitanas
e aglomerações urbanas.
A versão
anterior do projeto de lei dedicava um capítulo relativo às
áreas metropolitanas, o qual foi retirado pela Comissão de
Constituição e Justiça e de Redação,
por ter sido considerado inconstitucional, entendendo-se que se tratava
de competência exclusiva dos Estados.
Estabelecia
como requisito básico para a criação de uma região
metropolitana a existência de agrupamento de municípios limítrofes,
com áreas urbanas contíguas, com região de influências
sobre, no mínimo, o território do Estado em que se encontre,
e com uma complexidade das funções públicas que justifique
a necessidade de organização, planejamento e execução
em comum.
A função
pública de interesse comum era definida como as atividades ou serviços
cuja realização por parte de um município isoladamente,
fosse inviável ou passível de causar impacto nos outros municípios
integrantes da região.
Em relação
ao patrimônio público, era colocado como diretriz, que fosse
realizado um planejamento comum, sendo entendido que se tratava do conjunto
de equipamentos de educação, saúde, transporte e lazer,
assim como os recursos naturais, econômicos e culturais, que atendessem
simultaneamente a todos os municípios. O Plano Diretor Metropolitano
era considerado uma exigência, devendo abranger o território
de todos os municípios integrantes.
Pode-se considerar
que o Estatuto da Cidade promulgado, apesar de seus incontestáveis
avanços na questão da política urbana municipal, na
visão da autora deste trabalho, não logrou ocupar o vazio
representado pela falta de diretrizes para uma política urbana metropolitana.
A partir da
análise realizada sobre as proporções que o fenômeno
da metropolização vem alcançando no Brasil, resultando
em inúmeros problemas econômicos, sociais e ambientais, Braga
(1999, p.320) considera que a questão da gestão metropolitana
possui um papel estratégico:
Ao se criar
uma Região Metropolitana, muito mais do que reconhecer um importante
fenômeno geográfico e social está se propondo criar
condições institucionais para o planejamento da resolução
dos problemas urbanos decorrentes do processo de metropolização,
ou seja, para uma política de gestão metropolitana.
Porém,
nesta discussão surge a polêmica sobre o aspecto jurídico-político
representada pelo exercício do poder para implementar e gerir as
políticas públicas metropolitanas, visto não existir
no sistema federativo brasileiro a esfera de um quarto poder, isto é,
um poder intermediário entre o estadual e o municipal.
A partir desta
perspectiva, Braga (op.cit.) coloca como solução para
o planejamento e gestão metropolitana a instituição
de uma agência de desenvolvimento como órgão organizador
das políticas setoriais, dentro de um contexto de integração
entre os municípios.
Esta proposta
de Braga condiz parcialmente com o art. 9º da Lei Complementar nº
760, de 1º de agosto de 1994, a qual estabelece diretrizes para a
organização regional do Estado de São Paulo. O artigo
citado dispõe que cada unidade regional contará com um Conselho
de Desenvolvimento, composto por representantes dos municípios que
a integram e por representantes do Estado nos campos funcionais de interesse
comum.
A diferença
entre a colocação de Braga e as diretrizes da Lei encontra-se
na ausência de referência a representantes do Estado na agência
ventilada. Braga, portanto, propõe uma união intermunicipal
sem ingerência dos mecanismos estaduais, uma organização
que cumpriria o papel do quarto poder, a partir de acordos entre os municípios
envolvidos.
Davango e Negreiros
(2002) relacionam outras dificuldades para a gestão metropolitana
no Brasil, além da explanada anteriormente:
possíveis
conflitos entre as diversas esferas que compõem a gerência
de uma região metropolitana;
dispersão
de atuação das agências setoriais, responsáveis
pelos serviços relacionados às funções públicas,
sem um comprometimento com o planejamento metropolitano;
visão
localista dos executivos municipais;
demanda
de recursos financeiros para o financiamento de projetos metropolitanos;
situação
do atual quadro social das metrópoles brasileiras: "elevada presença
de população pobre, altas taxas de desemprego, ocupação
desordenada do território, déficit de infra-estrutura urbana
e social, violência urbana [...] e crise na provisão de infra-estrutura";
participação
da população nas questões metropolitanas. No aspecto
de visualização dos problemas limitados a um enfoque local,
e também na restrição e controle à participação
efetiva da sociedade na discussão dos problemas comuns, impostos
pelos aparatos institucionais dos gestores metropolitanos.
Encerra-se
este item com uma relevante análise de Braga (1999, 325):
O regional
deve ser repensado a partir do local. O planejamento regional metropolitano
deve ser encarado como uma questão de planejamento intermunicipal
metropolitano, e nesse sentido, o desenvolvimento e a gestão metropolitana
dependem exclusivamente da capacidade dos municípios se assumirem
como sujeitos da metrópole.
1.5.4 -
Inserção do Parâmetro Ambiental no Planejamento das
Cidades
A definição
de planejamento ambiental formulada por Franco (2001) é bastante
abrangente: considera-o como todo planejamento que tenha entre seus princípios
a valoração e conservação dos sistemas naturais
do território a ser trabalhado, tomando-o como base para a auto-sustentação
da vida e das relações entre os ecossistemas, naturais e
antrópicos.
Seu principal
objetivo seria o desenvolvimento sustentável da espécie humana,
dos agros-ecossistemas e dos ecossistemas urbanos, e dentro deste contexto,
deve enquadrar-se aos limites das bacias hidrográficas, que envolvem
várias cidades em um mesmo ecossistema natural, tornando-o uma questão
complexa.
Entre as propostas
elaboradas pelo Consórcio Parceria 21 (BEZERRA; FERNANDES, 2000),
dentro das estratégias principais para o avanço da sustentabilidade
das cidades brasileiras, consta a adoção da bacia hidrográfica
como unidade de planejamento e gestão do território, caracterizada
como gerenciadora da questão ambiental, com caráter integrado,
participativo, descentralizado e financeiramente sustentável.
Em relação
a esta última colocação, a questão financeira,
há de se considerar que no caso brasileiro as unidades de gerências
das Bacias nem sempre possuem uma situação estável,
dependendo de verbas disponibilizadas pelo Estado. Para viabilizar uma
leitura da bacia como unidade de análise, planejamento e intervenção,
o Consórcio 21 recomenda a compatibilização das informações
sobre a estruturação de território e a articulação
dos agentes públicos. Suas outras recomendações são:
investir
na organização associativa de instâncias locais;
criar
critérios ambientais para a ligação de redes nos assentamentos,
dificultando o aumento de assentamentos inadequados, ilegais e em áreas
de risco; e
considerar
na instalação dos comitês em contexto metropolitano,
os aspectos sócio-econômicos, culturais e simbólicos
associados.
Considerando
a questão do planejamento ambiental somente em relação
ao urbano, delimitando assim o território de ação,
destaca-se aqui o entendimento exposto por Fortes (2003) sobre a gestão
ambiental urbana como o conjunto das atividades dedicadas ao gerenciamento
de uma cidade, compreendendo tanto o espaço intra-urbano quanto
as áreas de influência, que busquem a melhoria e a conservação
da qualidade ambiental. Envolve as atividades técnicas, administrativas
e jurídicas a nível governamental, num sistema coordenado
e integrado, legitimado pela participação da comunidade,
sendo proporcionado a esta um suporte quanto à assistência
técnica e à educação ambiental.
As propostas
de Almeida e Menegat (2002) para a implantação de uma gestão
ambiental urbana no Brasil englobam e ampliam as idéias de Fortes.
Partindo do entendimento de que as autoridades locais enfrentam uma série
de dificuldades para a implantação de programas ambientais
devido às enormes disparidades que ocorrem no processo de urbanização
em termos territoriais e sociais, situação agravada por corpos
municipais técnico-administrativos despreparados e obsoletos, e
pela falta de recursos financeiros, concluem que é imprescindível
para a integração da gestão ambiental às políticas
públicas a articulação de quatro setores:
conhecimento
local;
programas
de gestão ambiental adequados com as questões de desenvolvimento
econômico local;
programas
de informação e educação, não só
para a comunidade, mas também para os pesquisadores e gestores;
e,
participação
da população nas decisões orçamentárias
e na formatação das políticas públicas municipais.
O documento
Cidades
Sustentáveis (BEZERRA; FERNANDES, 2000) propõe que seja
reorganizado o sistema de gestão urbana, para a legitimidade do
paradigma da sustentabilidade e sugere entre outros novos marcos na reestruturação
do sistema a incorporação da dimensão ambiental nas
políticas setoriais urbanas, assim como a inclusão dos custos
ambientais e sociais no orçamento e na contabilidade dos projetos
de infra-estrutura.
Dentro desta
linha de incorporação da dimensão ambiental nas políticas
urbanas, encontra-se o Estatuto da Cidade que inclui o zoneamento
ambiental como um dos instrumentos de planejamento municipal (art.4 §
III alínea c), fornecendo-lhe um destaque e retirando-o da posição
de simples componente do zoneamento referente ao uso e ocupação
do solo.
Outro item
a destacar no EC é o art. 4 § V, alínea e, que trata
da criação de Unidades de Conservação pelo
município como um dos novos institutos jurídicos a serem
inseridos na legislação municipal.
Sistematizando
as idéias colocadas anteriormente, pode-se verificar que um inventário
urbano-ambiental do território é uma das primeiras ações
a serem implementadas, promovendo o embasamento para a formulação
de diversos mapas temáticos e relatórios necessários
para as tomadas de decisões.
Dada a relevância
do inventário urbano-ambiental como um instrumento auxiliar para
a formatação de diagnósticos ambientais urbanos e
para a deliberação de políticas públicas, faz-se
aqui um destaque sobre os Atlas Ambientais.
Barbieri (2003),
a partir de pesquisa sobre os Atlas Ambientais, onde selecionou os de Berlim,
Porto Alegre, São Paulo, Recife e Joinville como experiências
de estudo, ressalta em suas conclusões que os Atlas Ambientais são
uma inovação na elaboração dos inventários
e no processo de compreensão da cidade, por viabilizarem "[...]
comparações gráficas entre os vários aspectos
físico, biológico e socioeconômico [...]" e possibilitarem
o acompanhamento da evolução dessas inter-relações.
Um Atlas Ambiental
é composto por diversas cartas temáticas que resultam em
um inventário da dinâmica ambiental do município tratado.
O Atlas Ambiental Urbano de Araraquara (AURA), ainda em fase de
elaboração no primeiro semestre de 2001, é definido
como "[...] suporte para a elaboração de políticas
públicas urbanas e ambientais fundamentadas no conceito de cidade
socialmente justa e sustentável, visando a melhoria da qualidade
de vida".
Apresenta-se
também como material a ser incorporado no conteúdo de educação
ambiental nos programas de educação formal "[...] contribuindo
[ ] para a construção da identidade local e participação
democrática do cidadão na formação da percepção
ambiental" (ARARAQUARA, 2004).
Quando Barbieri
avalia os diversos Atlas estudados, constata que a influência que
receberam em suas elaborações deriva dos debates sobre o
aprimoramento das metodologias de planejamento, da evolução
na abordagem das questões ambientais, e, em particular, das questões
ambientais urbanas, decorrentes dos documentos produzidos nas conferências
internacionais promovidas pela ONU, destacando-se a Agenda 21 e
a Agenda Habitat.
Em todos eles
verifica-se a utilização de meios digitais na construção
dos diversos mapas devido à necessidade da constante atualização
e do monitoramento da evolução dos problemas e das ações
pertinentes programadas. Cabe destacar a relevância da permanente
atualização das informações que demanda um
aporte de recursos financeiros e a coordenação e integração
entre os produtores e usuários das informações sistematizadas.
Os Atlas Ambientais,
além das cartas temáticas digitalizadas, são compostos
por ilustrações, fotografias e textos explicativos. Os temas
mapeados tratam da localização, características do
meio físico e sua evolução, da infra-estrutura, e
da demografia, podendo também apresentar os resultados dos cruzamentos
das diversas informações registradas nos diversos mapas.
Relacionando
as regiões metropolitanas à questão urbano-ambiental,
pode-se dizer que a posição de Lamparelli (1999) vai de encontro
às hipóteses deste estudo, pois considera que na busca do
melhor desempenho para as atividades econômicas e sociais do município,
é necessária a articulação com as cidades vizinhas,
argumentando que os espaços administrativos e políticos de
um município não delimitam as dinâmicas sócio-econômicas
e os recursos naturais.
1.6 - Considerações
Ao discorrer
sobre as metrópoles brasileiras Alva (1997, p.43) coloca que:
A construção
de uma ordem metropolitana econômica e ambientalmente adequada implica
principalmente o aperfeiçoamento do metabolismo dos sistemas urbano-industriais
e a adoção de estilos de vida e padrões de consumo
mais coerentes em relação à disponibilidade real de
recursos e às características ecológicas dos ecossistemas
tropicais.
Esta ponderação
traz em seu bojo as diretrizes da Agenda 21, e pode ser considerada
como uma recomendação atualizada para a busca da sustentabilidade
metropolitana.
O desenvolvimento
da pesquisa teórica apresentada neste capítulo levou à
formulação da seguinte consideração: a interação
do planejamento estratégico urbano, dentro dos moldes democráticos
e participativos, com a aplicação dos novos instrumentos
jurídicos e institucionais estabelecidos pelo Estatuto da Cidade,
e com a inserção da visão ambiental como um paradigma
essencial para o alcance da sustentabilidade urbana, constitui o conjunto
desejável para o caminho a ser trilhado na construção
de uma cidade sustentável.
Esta consideração,
aliada à pesquisa das experiências em construção
e implantação de Agendas 21 Locais – apresentados
no capítulo 2, é que nortearão
as análises e ponderações sobre o espaço referencial
deste trabalho.
NOTAS:
[1]
Sérgio Boisier – Anais do II Curso de Planejamento Urbano e Local
– Planejamento Metropolitano. Ministério do Interior, Serviço
Federal de Habitação e Urbanismo. 1972. vol. II.
[2]
GRAUS, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas - Regime Jurídico.
São Paulo: Ed. José Bushatsky. 1974. Citado na monografia
de Heliana Comin, pág. 59, já referenciada anteriormente.
[3]
Sobre estas diferenças e a respeito de análises prospectivas,
sugere-se consultar os artigos de Fany Davidovich e Sandra Lencioni, na
publicação Dilemas Urbanos: novas abordagens sobre a Cidade;
organização de Ana Fani A. Carlos e Amélia I. G. Lemos.
São Paulo: Contexto, 2003. |