Nasce
o Centro de Defesa do Petróleo
Paulo Matos (*)
A fundação do Centro de Defesa do Petróleo se deu em 21 de fevereiro de 1948 no Cine Bandeirantes,
hoje Sindicato dos Metalúrgicos, na Avenida Ana Costa. Ocorria o evento em comemoração do terceiro aniversário da
tomada de Monte Castelo pela Força Expedicionária Brasileira na Itália, durante a guerra contra o fascismo. Era uma
promoção da Associação dos Ex-Pracinhas da FEB e o jornalista e médico Mattos Pimenta, militante da luta do petróleo, fez uma palestra.
Mattos Pimenta era diretor do Jornal de Debates, semanário panfletário do Rio de Janeiro, um
intelectual que se destacava como uma foz marcante na luta nacionalista. Ripassarti era o presidente da Associação dos Ex-Pracinhas da FEB, que
promovia o evento, e lá estava a fina flor da sociedade santista - como o bispo, representado pelo monsenhor Passos; o comandante da Praça, cap.
Osman; o delegado Renato Leite Santana representando o comando geral; o capitão dos portos e até o delegado do DOPS, a polícia política, Nelson da
Veiga.
E foi no evento da tomada de Monte Castelo que um popular pediu a palavra e propôs a criação do
Centro de Estudos de Defesa do Petróleo, para o qual seria eleito presidente de honra, depois, o general Horta Barbosa, comandante da Segunda
Região Militar, nacionalista de prestígio. E personagem das disputas nacionais no Clube Militar.
Para a presidência foi eleito o vereador do Partido Socialista Brasileiro João Carlos de Azevedo,
médico. O 1º vice seria o vereador Florival Barleta e o 2º vice Francisco Mendes, também vereador do PTB. Aldo Ripassarti seria o terceiro
vice-presidente, que após a debandada resultante da "caça' ao movimento, promovida pelo Governo Federal, chegaria à sua presidência - até sua
prisão em uma manifestação, em 30 de outubro de 1949, na Bacia do Macuco.
O comício desse dia havia sido proibido pelo delegado José carlos Franco, do DOPS, se soubera no
dia anterior, quando estivera dando um quadro nacional da campanha o intelectual carioca Valério Konder. A campanha emocionou o país inteiro e,
nesse dia, três mil pessoas se acotovelavam na bacia do Macuco. Na manifestação, Aldo é preso e condenado a cinco anos de prisão, três dos quais
cumpriu no Carandiru (N. E.: presídio na capital paulista, demolido no final do século XX, após motim cuja
repressão resultou em mais de uma centena de mortes).
Logo após o povo brasileiro ganhar a Lei 2004, aprovada pelo Congresso e assinada pelo presidente
Vargas, Aldo receberia a medalha de campanha da FEB - em 30 de julho de 1954.
O militante antifascista - Loquaz e perseverante na pregação revolucionária e na
necessidade de transformação econômica, Aldo Ripassarti nasceu em 12 de dezembro de 1921, filho de Adelino C. Ripassarti e de Maria V. Ripassarti.
Paulistano de berço, ia fazer 14 anos quando seu pai faleceu na Itália. Sua mãe era espanhola e foi ao consulado local receber o que tinha
direito, diante de um funcionário "ríspido e prepotente", descreve Aldo, "que tinha atrás de si o retrato do duce fascista Benito
Mussolini.
Aldo rememora que desse dia em diante iria se tornar um antifascista dedicado, quando explodiu seu
ódio por sobre aquele que maltratava sua mãe e que representava, naquele momento, a essência do fascismo. Uma luta contra a injustiça e a
exploração que lhe acompanharia pela vida, e que lhe custaria dezenas de prisões e demissões, como os 92 dias no Raul
Soares - o navio-prisão ancorado no porto de Santos, no golpe militar de 1964.
Liderança popular, mais de uma vez apenas por força desta configuração moral Aldo Ripassarti foi
condenado. Líder inconteste, foi-lhe negada a liberdade condicional no Carandiru, mesmo sendo um ex-combatente valoroso. A série de apelos que se
faziam em sua defesa, das mais expressivas personalidades e entidades, eram ao contrário apontadas como motivos da não concessão da condicional,
pela importância que delas emanava. era esse e ainda é esse Aldo Ripassarti, um militante do ideal do petróleo.
A luta - Foi há quase cinquenta anos que nasceu a luta popular do Petróleo é Nosso. Foi uma
época em que milhares de pessoas em todo o país clamavam pela tomada de posse pelo Brasil de sua própria riqueza, no maior evento popular até
então ocorrido no território pátrio. A meta era a construção de um país livre das pressões de outros países, que quisessem degradar as condições
de vida de nossa gente.
Foi esse espírito que tomou conta da nação brasileira a partir de 1948, acordando antigas vontades
adormecidas de trabalhadores, intelectuais e militantes políticos. Uma época em que despertava a consciência da necessidade de afirmação nacional,
após o conflito mundial e de cujo teatro de guerra voltavam os pracinhas da FEB.
Entre os que voltaram da guerra, e de pronto se reengajara nas lutas populares, estava o militante
Aldo Ripassarti. Alto, esguio e loquaz pregador constante de olhos azuis, fala rápida e incisiva, foi um elo vital para a vitória do movimento.
Ele completará 74 anos no próximo dia 12 de dezembro e viveu em uma época na qual as camadas populares eram levadas a compreender o que
significava imperialismo. Pela guerra ou não, o exercício da dominação para extrair lucro, escravizando outros povos. Era o quadro de então, hoje
chamado de globalização.
Expedicionário da Força Expedicionária Brasileira na Itália, nas batalhas da Segunda Guerra
Mundial, lá e aqui lutou contra o fascismo e os atentados contra a dignidade humana. Líder dos pracinhas em sua entidade, foi o presidente
resistente do Centro de Defesa do Petróleo. Uma guerra de enfrentamento com o sistema colonial pelo ouro negro, vital para as economias
industrializadas. Os globalizantes de ontem, que se aliaram aos norte-americanos em sua meta de impedir que o Brasil tomasse posse de sua
riqueza, tiveram o apoio do Governo e dos setores da elite desejosos de conter o avanço popular.
Desde 1930 que o Brasil dava seus primeiros passos no sentido de extrair do subsolo o ouro
negro da industrialização. Em 1934 é instalada uma refinaria em Uruguaiana, no Rio Grande do SUl. E em 1939 jorra petróleo na Bahia, no poço
de Lobato. O Brasil avança nessa reta e uma das razões da derrubada de Getúlio Vargas, em 1945, é o fato de
que ele apontara nessa direção, investindo na exploração do petróleo baiano - entre outros enfrentamentos de uma política nacionalista. Com a
liderança assumida, os Estados Unidos preocupam-se em dominar o nosso petróleo. E isso implica em colocar gente de confiança na gerência da
colonização que substituía a Inglaterra.
Escolhido para o lugar de Vargas, o general Eurico Gaspar Dutra
assume em 1947 e encomenda sondas e perfuradoras para continuar a exploração petrolífera. Mas é "convencido" por seus aliados norte-americanos a
desfazer a encomenda. E a reprimir com violência os que defendiam a posse do petróleo para os brasileiros. O que faz com presteza, com grandes
enfrentamentos em todo o país, quando a população exigia que o governo tomasse posse de nossa própria riqueza mineral.
Santos na luta - Nos anos de 1949 a 1951, o slogan O Petróleo é Nosso se propaga em
cada canto do país como bandeira de redenção nacional, em todas as classes sociais, também como eixo central das forças de esquerda, colocadas na
ilegalidade nessa época. A aproximação com os Estados Unidos e o início da "guerra fria" ditavam a rejeição a qualquer relação com a União
Soviética.
Crescia a consciência de que o Brasil só se firmaria, econômica e socialmente, caso pudesse romper
com as alianças coloniais que arrastava desde a descoberta. E esta chance de autonomia para construção de uma sociedade justa se abria na posse do
petróleo guardado no subsolo. Que o escritor Monteiro Lobato insistira em descobrir para o Brasil, sendo preso e perseguido por isso, face às
pressões internacionais. Era preciso tirar o Brasil da condição de país pobre, colonizado e explorado pelos colonizadores. O petróleo era essa
porta e brasileiros de verdade mergulharam na luta.
Aqui, as reuniões que desembocariam na fundação do Centro de Defesa do Petróleo ocorriam na sede
da União Cívica Feminina, sob a batuta de dona Marina Magalhães Santos Silva, crescendo dia a dia. O movimento, que
nasceria em 1948 em Santos, editaria o jornal Emancipação. Em sua sede, muitas vezes o militante Oscar Von Pfhull levara o seu projetor e
filmes de Chaplin para exibir aos frequentadores, na Rua Senador Feijó, 250.
O Petróleo é Nosso - Santos na luta - Foi há quase meio século que nascia no Brasil a luta
de milhares de pessoas para que a nação tomasse posse de sua própria riqueza guardada no subsolo, no maior evento popular até então ocorrido por
aqui. Era a população ansiosa por participar de um processo de independência real, cuja perspectiva se abria com a descoberta de que o país
possuía plenas condições de dirigir-se por si próprio, construindo uma infraestrutura que garantisse as necessidades e anseios de seus habitantes.
A pretexto de "estimular" a "concorrência" e assim acelerar a produção petrolífera, o governo
promoveu a provação pela Câmara da emenda constitucional que abre para empresas privadas concessões de serviços de exploração no setor. Que serão
submetidas a regras estabelecidas em lei a ser aprovada pelos deputados, abrindo um leque de possibilidades.
O país teve a experiência recente, no governo do general
Geisel, dos contratos de risco - quando foi permitido às empresas privadas buscarem petróleo no território nacional - mas nenhuma delas
encontrou nada. Todavia, os setores de risco não interessam a estas empresas, que procurarão sim com avidez as atividades rentáveis e lucrativas
para sua atuação. Justamente aquelas nas quais a Petrobrás compensa seu investimento obrigatório e de risco na prospecção de petróleo.
A entrega do petróleo - A votação desta quarta-feira, em primeiro turno, pela Câmara
Federal, de emenda constitucional que derruba o monopólio estatal do petróleo, marca a capitulação nacional após mais de cinquenta anos. Abrindo o
setor para a exploração por poderosas empresas estrangeiras, que levarão os filés, encerra um projeto popular de meio século de construção
de uma nação forte e para todos a partir de seu rico subsolo. E o início, afinal, do sonho antigo das potências internacionais, ansiosas por
desfrutar da posse de nosso ouro negro.
Votaram os deputados defensores da "economia globalizada", no modelo argentino e mexicano,
recentemente fracassados e falidos. Menos crentes na extinção da teoria da dependência e mais afetos às benesses pessoais e de grupos gentilmente
ofertadas pelo presidente FHC, em troca de seus votos. Atendendo às exigências do Fundo Monetário
Internacional de "abertura da economia" -, obrigações oriundas da dívida externa contraída pela ditadura militar recente, à revelia do povo e que
não veio em seu benefício.
O deputado-relator da emenda constitucional que derruba o monopólio recebeu, em sua campanha
eleitoral, recursos de empresas multinacionais do setor, que serão agora beneficiadas. Cogitou-se uma reação legal, logo desarticulada pelo filho
de ACM (N. E.: o político baiano Antonio Carlos de Magalhães), o
presidente da Câmara Luiz Eduardo Magalhães - para quem tudo não passou de "mera coincidência". Só as concessões para a bancada ruralista,
insaciável, vão custar mais de um bilhão de reais. Foi o preço da sua conversão ao projeto neoliberal.
Foi há quase meio século que nascia no Brasil a luta de milhares de pessoas para que a nação
tomasse posse de sua própria riqueza no subsolo, no maior evento popular já ocorrido por aqui. Um movimento que teve em Santos atos decisivos,
vítimas e heróis - na batalha da construção de um país livre da dominação colonial, capaz de erigir uma estrutura interna que respondesse às
necessidades e anseios de seus habitante. Muito antes disso, os técnicos americanos andaram por aqui, pesquisando e garantindo que não tínhamos
uma só gota de petróleo no subsolo - na expectativa de garantir reservas futuras essenciais para a sua expansão industrial.
Foi esse espírito que tomou conta da nação brasileira, a partir do final da Segunda Guerra
Mundial, acordando antigas vontades adormecidas de trabalhadores, intelectuais e militantes políticos. Uma época em que voltavam do teatro de
guerra, na Itália, os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira e que era forte o desejo de afirmação nacional. Que se integraram a um
movimento vítima de forte repressão de um governo submisso aos interesses estrangeiros, que não admitiam que o Brasil tomasse posse de sua própria
riqueza.
Dioclécio Santana e Aldo Ripassarti são apenas dois, entre tantos outros santistas vítimas e
heróis dessa luta. Entre dezenas de outros, como David Capistrano, o pai do prefeito de Santos.
Dioclécio, assassinado no histórico comício proibido de 29 de setembro de 1949, no Macuco - na
campanha O Petróleo é Nosso -, tem seu nome em uma rua nesse bairro. Aldo, hoje com 74 anos, era o líder dos "pracinhas" em sua entidade e
foi o presidente resistente do Centro de Defesa do Petróleo. Preso numa manifestação, foi condenado a cinco anos de prisão, três dos quais cumpriu
no Carandiru.
A fundação do Centro de Defesa do Petróleo se deu em 21 de fevereiro de 1948 no Cine Bandeirantes,
onde hoje fica o Sindicato dos Metalúrgicos, na Avenida Ana Costa, 55. Ocorria a comemoração do terceiro aniversário da tomada de Monte Castelo,
pela Força Expedicionária Brasileira na Itália, na luta contra o fascismo. Aldo Ripassarti era o terceiro vice-presidente da entidade, mas foi
levado a assumir a direção, por força dos sucessivos afastamentos dos dirigentes. Garantindo que Santos prosseguisse na luta pela continuidade da
exploração do petróleo brasileiro, que já jorrava na Bahia desde 1939, no poço de Lobato.
A determinação do presidente da República, Getúlio Vargas, em garantir para o país a riqueza de
seu subsolo, prosseguindo na sua prospecção e exploração, foi uma das razões para sua derrubada em 1945. O sucessor, general Eurico Gaspar Dutra -
que assume em 1947 -, é "convencido" por seus aliados norte-americanos a suspender a encomenda de sondas e perfuradoras - equipamento destinado a
prosseguir na exploração petrolífera.
Mas Vargas volta à presidência do país - e em 3 de outubro de 1953 assina a Lei 2004, instituindo
o monopólio estatal do petróleo, fundando a Petrobrás. Mas o capitalismo internacional jamais desistiu de conquistar o petróleo brasileiro,
produto pelo qual já moveu guerras. Uma conquista que se reinicia agora, antes que o monopólio completasse 42 anos e cumprisse sua missão
histórica. Vítima do filho do histórico militante, general Leônidas Cardoso, convertido à "globalização".
(*)
Paulo Matos é jornalista e historiador pós-graduado.
Imagem: trecho final do texto original datilografado, no
acervo do jornalista Paulo Matos