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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS E O PETRÓLEO
O pioneiro Centro de Defesa do Petróleo (2)

Entidade santista foi pioneira e num de seus comícios, em 1949, surgiu um mártir da campanha

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Foi em 1948, na esteira da campanha O Petróleo é Nosso e pouco antes da instalação em Cubatão da Refinaria Presidente Bernardes, da Petrobrás. Em Santos, surgia em 21 de fevereiro o Centro de Defesa do Petróleo, como relatou em 1995 o jornalista e historiador Paulo Matos (falecido em julho de 2010), neste conjunto de textos datilografados, que em seu arquivo incluiu a transcrição de matéria publicada na página 5 do jornal santista A Tribuna de 1º de outubro de 1949, sobre o conflito no Macuco:

"Nº de Ordem: 906 - Deoclecio Augusto Sant'Ana - Idade: 42 - Estado civil: casado - Nacionalidade: brasileira - Naturalidade: Sergipe - Profissão: Ensacador - Residência: Morro da Penha, lig. 7 - Estabelecimento onde exerce sua profissão: Cia. Paulista Arm. Ger. - Carteira Profissional Número 305.190 série 22ª - Número de inscrição na Instituição de Previdência: 225.352" - dados constantes nas folhas 30/verso e 31 do Registro de associados do Sindicato dos Operários no Comércio Armazenador e Carregadores e Ensacadores e Café de Santos

Imagens: acervo do jornalista Paulo Matos

 

Conflito entre policiais e comunistas, na Bacia do Macuco

Um comício promovido pelo Centro Santista de Estudos e Defesa do Petróleo, proibido pela polícia, deu origem ao acontecimento - Um policial e um manifestante mortos - Efetuadas várias prisões - Como ocorreu o conflito na noite de ontem

Na noite de ontem, no populoso bairro do Macuco, entre a Avenida Siqueira Campos e a Rua Almirante Tamandaré, ocorreu um espetáculo triste e de graves consequências. Desobedecendo a ordens expressas da Delegacia de Ordem Política e Social, vários cidadãos tentaram levar a efeito um comício de pretensa propaganda do petróleo nacional. Como é fácil de prever, a ação da autoridade fez-se sentir, efetuando várias detenções. Verificou-se então, nessa ocasião, cerrado tiroteio, onde tombaram sem vida um policial e um ensacador de café. Foi uma cena dolorosa, pois ouviram-se gritos desesperados de jovens, crianças e mulheres, que foram atraídos ao local, sem julgarem que aquela reunião tivesse um desfecho tão sangrento.

Comício proibido - Estava anunciado para ontem na Bacia do Macuco um comício promovido pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo. A Polícia Política, certa de que aquela reunião popular tinha fins subversivos, proibiu-a. Essa determinação policial, segundo apurou a reportagem, foi levada ao conhecimento dos interessados e anunciada previamente pelo rádio.

A verdade é que, ontem, à hora anunciada, na Bacia do Macuco, defronte ao Bar Flor do Norte, sito à Avenida Siqueira Campos, esquina da Rua Almirante Tamandaré, onde deveria ser realizado o tal comício, já se encontravam inúmeras pessoas, na maioria elementos reconhecidamente comunistas.

Nessa ocasião, chegaram também cinco cavalarianos da Força Policial, três investigadores da Delegacia de Ordem Política e uma viatura da Rádio Patrulha. Tudo parecia calmo, porém, em dado momento, o comunista Hélio de Melo, alfaiate, subindo numa elevação existente em frente ao Bar Flor do Norte, de maneira inflamada, passou a discursar. Mal havia pronunciado algumas palavras, foi preso pelos investigadores Manoel Corrêa Guimarães e Joviano Antonio da Silva.

O tiroteio - Hélio, já escoltado, foi levado para o Bar Flor do Norte, pois dali os policiais pretendiam chamar o "carro de presos". Nesse momento, ouviu-se um tiro e, a seguir, muitos outros. Houve correrias e confusão. Quinze minutos depois, quando os ânimos serenaram, estavam estendidos no interior daquele estabelecimento o guarda marítimo José Cirilo Reis, de 42 anos de idade, brasileiro, que fazia parte da diligência policial, e o ensacador de café Deoclécio Santana, elemento comunista. O primeiro estava ferido na cabeça e o último no peito, ao lado do coração. Segundo nossa reportagem apurou, foram feitos vários disparos.

Duas armas foram encontradas pela polícia

Ao final da ocorrência, compareceram o dr. Máximo Rabelo, autoridade de plantão na Central de Polícia, dr. Miguel Teixeira Filho, delegado auxiliar, dr. José Carlos Franco, delegado de Ordem Política, o sr. Joaquim da Cruz Seco, inspetor chefe da Polícia Marítima e peritos da Técnica Policial.

No local onde se registrou o conflito, a polícia encontrou sob o cadáver do operário comunista Santana um revólver, calibre 48, com todas as balas detonadas. Mais adiante, numa divisão de madeira, um outro revólver, porém, sem balas. O guarda marítimo, que estava próximo à porta, tinha apenas na cintura uma cartucheira de couro, vazia. Não estava armado. Segundo seus colegas, José Cirilo costumava usar, como defesa, uma pistola "Mauser", a qual, entretanto, não foi encontrada no local da impressionante ocorrência.

O cadáver do guarda marítimo e aéreo José Cirilo Reis, depois de examinado pelos médicos legistas, foi conduzido para a sede da Polícia Marítima, onde ficou em câmara ardente. O féretro sairá daquela repartição para o cemitério do Saboó. O sr. Cruz Seco baixou comovente portaria, elogiando o companheiro que tombou no cumprimento do dever.

Foram detidas inúmeras pessoas, na maioria elementos comunistas.

Em 30 de setembro de 2009, o jornal santista A Tribuna destacou, nas páginas A-1 e A-6, o conflito ocorrido 60 anos antes no bairro do Macuco:

MEMÓRIA - "Vencemos a luta pelo petróleo" - Hélio de Mello, companheiro de militância de Deoclécio Santana, morto pela polícia há exatos 60 anos, durante a campanha O Petróleo é Nosso

Foto publicada na primeira página de A Tribuna de 30/9/2009

 

MEMÓRIA - Nome de rua do Macuco é um dos poucos registros escritos sobre Deoclécio

Mártir de O petróleo é nosso está esquecido há 60 anos

Luiz Fernando Yamashiro

Da Redação

Encravada numa modesta esquina do Macuco, a placa solitária informa: Rua Deoclécio Santana. É o que restou para lembrar do protagonista de um episódio que completa hoje 60 anos, e ainda sem conquistar seu devido lugar nos registros oficiais.

A morte do ensacador Deoclécio durante uma tentativa de comício em defesa do petróleo brasileiro é peça importante no mosaico que conta a história da Petrobrás, hoje referência para o mundo. No entanto, seis décadas depois, nem o sucesso da companhia, tampouco o esforço de ex-companheiros de luta foram capazes de tirar o caso do anonimato.

Com a memória reavivada pela atual polêmica em torno do pré-sal, petroleiros e membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) defendem o reconhecimento de Deoclécio como mártir da luta pelo monopólio estatal do petróleo.

Assim, seriam mortos dois coelhos com uma só cajadada: fariam justiça à memória do ex-militante e alerta à "nova ameaça" envolvendo as reservas nacionais. "Você sabe: povo que não tem memória também não consegue entender seus problemas do presente", avisa o ex-presidente do Sindicato dos Petroleiros, Vasco Nunes.

Hélio de Mello (à direita) sendo levado preso por participar da tentativa de realização de comício em 1949

Foto: reprodução por Luiz Fernando Menezes, publicada com a matéria, na página A-6

Testemunha - Santos, 30 de setembro de 1949. à medida que anoitece, manifestantes vão se aglomerando na esquina da Avenida Siqueira Campos com a Rua Almirante Tamandaré. Ali vinham planejando, havia alguns dias, um ato público de apoio à campanha O Petróleo é Nosso. O movimento, nacional, reunia estudantes, operários e personalidades como Di Cavalcanti e Oscar Niemeyer.

Mas o assunto era tabu para a época: o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra proibira manifestações do gênero em todo o território nacional. E para garantir o cumprimento da ordem, policiais da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops) e a Polícia Marítima de Santos também estavam naquela esquina.

"Obedecendo aos interesses dos Estados Unidos, o governo daqui queria fazer o povo acreditar que o Brasil não tinha petróleo", lembra Hélio de Mello, que na manhã seguinte ao comício apareceu nas páginas de A Tribuna sendo levado por policiais. Ele foi responsabilizado por iniciar o confronto que culminou na morte de Deoclécio Santana, ensacador e colega de partido que participava do ato.

ANÁLISE - "Obedecendo aos interesses dos Estados Unidos, o governo daqui queria fazer o povo acreditar que o Brasil não tinha petróleo" - Hélio de Mello, militante político responsabilizado pela polícia por iniciar o confronto que resultou na morte de Deoclécio Santana

Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria, na página A-6

Coragem - Mello era alfaiate e membro do PCB. Diz que naquela noite, frustrados por não poder levar o comício adiante, alguns companheiros lhe pediram para discursar. Tinha a voz mais potente entre todos. Ignorando os policiais, subiu, então, na mureta do Flor do Norte, bar onde estavam concentrados, e começou a falar.

"Companheiros, hoje, aqui nesse local, deveria se realizar um comício em defesa do petróleo. Mas por uma arbitrariedade do delegado de polícia...". Uma pancada na cabeça interrompeu o discurso. "Foi a arma de um policial. Tenho a marca até hoje", conta, mostrando a cicatriz.

Com o golpe, Mello foi ao chão. Em meio à correria que se seguiu, protegeu-se sob uma mesa de bilhar, mas foi retirado a pontapés pelos guardas. "Nisso, escutei os tiros. Aí, vi o Deoclécio caído na porta do bar. Quando estavam me tirando de lá, me fizeram passar por cima do corpo dele. Isso eu não consigo esquecer".

A luta continua - Mello foi condenado a dois anos, por desobediência e resistência à prisão. "Como se eu tivesse tido chance de resistir", ironiza. Junto com ele foram detidos o ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, Aldo Ripassarti, e o líder portuário Henrique Moura, por incitarem os comícios.

Réu primário, o alfaiate conseguiu liberdade condicional após oito meses de pena na Cadeia Velha, Praça dos Andradas. Mudou-se, então, para São Paulo, em 1950, e nunca mais voltou a viver em Santos.

Hoje, aos 86 anos, vice-presidente da União Nacional dos Servidores Públicos (UNSP), mantém a convicção no socialismo que defendeu por toda a vida.

Mesmo seis décadas após ver a morte de um companheiro e perder a liberdade, garante que faria tudo novamente.

"Vencemos a luta pelo petróleo, mas o lucro que ele gerou não conseguiu transformar o País como sonhávamos. Se você pegar toda a riqueza produzida aqui, vai ver a diferença enorme entre o que fica com o patrão e o que vai para o trabalhador. Enquanto existir essa injustiça, a luta não termina".

MEMÓRIA - 1º/10/1949: A Tribuna noticia a morte de Deoclécio em matéria intitulada Conflito entre policiais e comunistas na Baia do Macuco. Segundo a notícia, "aquela reunião tinha fins subversivos", reunindo "elementos reconhecidamente comunistas", e acabou reprimida por policiais da Delegacia de Ordem Política e Social. Ali, consta a prisão do "comunista Helio de Melo", na porta do Flor do Norte. A matéria relata que, após o tumulto, foram encontrados os corpos de Deoclécio, com um tiro no peito, e do guarda marítimo José Cirilo Reis, com um tiro na cabeça. Cita ainda que, junto ao cadáver de Deoclécio, foi encontrado um revólver "com todas as balas detonadas". Cirilo, segundo a reportagem, não estava armado.

Foto: reprodução por Luiz Fernando Menezes, publicada com a matéria, na página A-6

 

'O guarda marítimo José Cirilo Reis, caído à porta do Bar Flor do Norte, e, ao alto, uma de suas recentes fotografias"

Foto: detalhe de reprodução por Luiz Fernando Menezes, publicada com a matéria, na página A-6

 

"O ensacador de café Deoclécio Santana tombado no interior do bar"

Foto: detalhe de reprodução por Luiz Fernando Menezes, publicada com a matéria, na página A-6

 

Manifestantes detidos no comício

Foto: detalhe de reprodução por Luiz Fernando Menezes, publicada com a matéria, na página A-6

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