MEMÓRIA - "Vencemos a luta pelo petróleo" - Hélio de
Mello, companheiro de militância de Deoclécio Santana, morto pela polícia há exatos 60 anos, durante a campanha O Petróleo é Nosso
Foto publicada na primeira página de A Tribuna de
30/9/2009
MEMÓRIA - Nome de rua do Macuco é um dos poucos
registros escritos sobre Deoclécio
Mártir de O petróleo é nosso está
esquecido há 60 anos
Luiz Fernando Yamashiro
Da Redação
Encravada numa modesta esquina do Macuco, a placa
solitária informa: Rua Deoclécio Santana. É o que restou para lembrar do protagonista de um episódio que completa hoje 60 anos, e ainda sem
conquistar seu devido lugar nos registros oficiais.
A morte do ensacador Deoclécio durante uma tentativa de comício em defesa do petróleo brasileiro é
peça importante no mosaico que conta a história da Petrobrás, hoje referência para o mundo. No entanto, seis décadas depois, nem o sucesso da
companhia, tampouco o esforço de ex-companheiros de luta foram capazes de tirar o caso do anonimato.
Com a memória reavivada pela atual polêmica em torno do pré-sal, petroleiros e membros do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) defendem o reconhecimento de Deoclécio como mártir da luta pelo monopólio estatal do petróleo.
Assim, seriam mortos dois coelhos com uma só cajadada: fariam justiça à memória do ex-militante e
alerta à "nova ameaça" envolvendo as reservas nacionais. "Você sabe: povo que não tem memória também não consegue entender seus problemas do
presente", avisa o ex-presidente do Sindicato dos Petroleiros, Vasco Nunes.
Hélio de Mello (à direita) sendo levado preso por
participar da tentativa de realização de comício em 1949
Foto: reprodução por Luiz Fernando Menezes, publicada com
a matéria, na página A-6
Testemunha - Santos, 30 de setembro de 1949. à medida que anoitece, manifestantes vão se
aglomerando na esquina da Avenida Siqueira Campos com a Rua Almirante Tamandaré. Ali vinham planejando, havia alguns dias, um ato público de apoio
à campanha O Petróleo é Nosso. O movimento, nacional, reunia estudantes, operários e personalidades como Di Cavalcanti e Oscar Niemeyer.
Mas o assunto era tabu para a época: o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra proibira
manifestações do gênero em todo o território nacional. E para garantir o cumprimento da ordem, policiais da Delegacia de Ordem Política e Social
(Dops) e a Polícia Marítima de Santos também estavam naquela esquina.
"Obedecendo aos interesses dos Estados Unidos, o governo daqui queria fazer o povo acreditar que o
Brasil não tinha petróleo", lembra Hélio de Mello, que na manhã seguinte ao comício apareceu nas páginas de A Tribuna sendo levado por
policiais. Ele foi responsabilizado por iniciar o confronto que culminou na morte de Deoclécio Santana, ensacador e colega de partido que
participava do ato.
ANÁLISE - "Obedecendo aos interesses dos Estados
Unidos, o governo daqui queria fazer o povo acreditar que o Brasil não tinha petróleo" - Hélio de Mello, militante político responsabilizado pela
polícia por iniciar o confronto que resultou na morte de Deoclécio Santana
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria, na página
A-6
Coragem - Mello era alfaiate e membro do PCB. Diz que naquela noite, frustrados por não
poder levar o comício adiante, alguns companheiros lhe pediram para discursar. Tinha a voz mais potente entre todos. Ignorando os policiais,
subiu, então, na mureta do Flor do Norte, bar onde estavam concentrados, e começou a falar.
"Companheiros, hoje, aqui nesse local, deveria se realizar um comício em defesa do petróleo. Mas
por uma arbitrariedade do delegado de polícia...". Uma pancada na cabeça interrompeu o discurso. "Foi a arma de um policial. Tenho a marca até
hoje", conta, mostrando a cicatriz.
Com o golpe, Mello foi ao chão. Em meio à correria que se seguiu, protegeu-se sob uma mesa de
bilhar, mas foi retirado a pontapés pelos guardas. "Nisso, escutei os tiros. Aí, vi o Deoclécio caído na porta do bar. Quando estavam me tirando
de lá, me fizeram passar por cima do corpo dele. Isso eu não consigo esquecer".
A luta continua - Mello foi condenado a dois anos, por desobediência e resistência à
prisão. "Como se eu tivesse tido chance de resistir", ironiza. Junto com ele foram detidos o ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, Aldo
Ripassarti, e o líder portuário Henrique Moura, por incitarem os comícios.
Réu primário, o alfaiate conseguiu liberdade condicional após oito meses de pena na Cadeia Velha,
Praça dos Andradas. Mudou-se, então, para São Paulo, em 1950, e nunca mais voltou a viver em Santos.
Hoje, aos 86 anos, vice-presidente da União Nacional dos Servidores Públicos (UNSP), mantém a
convicção no socialismo que defendeu por toda a vida.
Mesmo seis décadas após ver a morte de um companheiro e perder a liberdade, garante que faria tudo
novamente.
"Vencemos a luta pelo petróleo, mas o lucro que ele gerou não conseguiu transformar o País como
sonhávamos. Se você pegar toda a riqueza produzida aqui, vai ver a diferença enorme entre o que fica com o patrão e o que vai para o trabalhador.
Enquanto existir essa injustiça, a luta não termina".
MEMÓRIA - 1º/10/1949: A Tribuna noticia a morte
de Deoclécio em matéria intitulada Conflito entre policiais e comunistas na Baia do Macuco. Segundo a notícia, "aquela reunião tinha fins
subversivos", reunindo "elementos reconhecidamente comunistas", e acabou reprimida por policiais da Delegacia de Ordem Política e Social. Ali,
consta a prisão do "comunista Helio de Melo", na porta do Flor do Norte. A matéria relata que, após o tumulto, foram encontrados os corpos de
Deoclécio, com um tiro no peito, e do guarda marítimo José Cirilo Reis, com um tiro na cabeça. Cita ainda que, junto ao cadáver de Deoclécio, foi
encontrado um revólver "com todas as balas detonadas". Cirilo, segundo a reportagem, não estava armado.
Foto: reprodução por Luiz Fernando Menezes, publicada com
a matéria, na página A-6
'O guarda marítimo José Cirilo Reis, caído à porta do
Bar Flor do Norte, e, ao alto, uma de suas recentes fotografias"
Foto: detalhe de reprodução por Luiz Fernando Menezes,
publicada com a matéria, na página A-6
"O ensacador de café Deoclécio Santana tombado no
interior do bar"
Foto: detalhe de reprodução por Luiz Fernando Menezes,
publicada com a matéria, na página A-6
Manifestantes detidos no comício
Foto: detalhe de reprodução por Luiz Fernando Menezes,
publicada com a matéria, na página A-6