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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Matadouro
Histórias do Matadouro Municipal (1)

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Matéria publicada no jornal santista A Tribuna, em 14 de abril de 2010, páginas 1 e A-8:

ERA UMA VEZ EM SANTOS - Desativado há mais de 40 anos, o antigo Matadouro Municipal, na Av. Nossa Senhora de Fátima, permanece na memória de muitos santistas como um marco na história da cidade. Ele era, literalmente, o destino final dos bois que chegavam a Santos. Lá, as reses eram abatidas, para suprir os açougues e os pequenos frigoríficos. Sem esquecer de particulares, que também podiam comprar carne diretamente no local, sempre fresquinha. Congelada, jamais. Até porque, nessa época, não existiam freezers, refrigeradores e até mesmo as prosaicas geladeiras de isopor ainda eram raras. Inaugurado em 1916, funcionou até o final da década de 60, onde hoje é a sede local do Sesi.

Arte: Marco Panchorra, publicada com a matéria, na primeira página da edição

 

 

"O boi se desgarrou, ficou escondido no mato. Depois de um tempo, apareceu; a molecada começou a atiçar e o boi acabou parando dentro de uma venda, no sopé do Morro da Caneleira"

Lila Tabosa, de 69 anos, ao recordar um dos estouros de boiada no final dos anos 40

Matadouro, espírito de uma época

Inaugurado em 1916, o abatedouro de animais funcionou durante quase cinco décadas. Era lá que as pessoas iam buscar carne fresca

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

Responda rápido: se você fosse de Santos para São Vicente pelo Matadouro, que caminho tomaria? O motorista de A Tribuna que participou desta reportagem, um jovem de 31 anos, não titubeou "Pela Avenida Nossa Senhora de Fátima".

Como ele, muitos santistas usariam a mesma referência. Pois, apesar de ter sido desativado há mais de 40 anos, o antigo Matadouro Municipal permanece, ainda que inconscientemente, como um marco na memória da Cidade.

Inaugurado em 1916, funcionou até o final da década de 60, no local hoje ocupado pelas instalações do Serviço Social da Indústria (Sesi).

O Matadouro era, literalmente, o destino final dos bois que chegavam a Santos. Lá, as reses eram abatidas, para suprir os açougues e os pequenos frigoríficos da Cidade. Sem esquecer dos particulares, que também podiam comprar carne diretamente no local.

"Os animais eram descarregados do trem em São Vicente e levados para o Matadouro", conta o historiador José Dionísio de Almeida, da Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams).

Por tudo isso, constata-se o óbvio: a carne era sempre fresquinha. Congelada, jamais. Até porque, nessa época, não existiam freezers, refrigeradores, e até mesmo as prosaicas geladeiras de isopor ainda eram raras.

"Já havia gelo. A carne era conservada assim, mas não agüentava muito tempo. Então, o abatimento não podia ser grande; acontecia à medida que a carne era vendida".

Local dos mais marcantes da história de Santos durante quase cinco décadas, o Matadouro Municipal ocupava extensa área de mangue. Era o fim da linha para os bois que chegavam de trem para serem sacrificados

Foto: Fundação Arquivo e Memória de Santos, publicada com a matéria

Estouro da boiada - Quando o Matadouro foi inaugurado, a Zona Noroeste de Santos não passava de um grande manguezal. Aos poucos, porém, algumas chácaras foram surgindo e, com elas, a povoação da área. Contribuiu para isso a Linha 1 do bonde, cruzando o que viria a ser a Avenida Nossa Senhora de Fátima.

Portanto, o Matadouro foi sendo incorporado por um pálido cenário urbano que se formava - mas sem perder sua rotina. A caminho de seu destino, os bois continuaram a ser conduzidos pelas mesmas ruas de antes, só que, agora, passavam em frente às casas que surgiam.

Não é difícil de imaginar que o espetáculo era uma festa para as crianças. Principalmente quando estourava a boiada. Lila Tabosa, com 69 anos, que morava na Vila São Jorge, recorda até hoje uma ocasião dessas, no final dos anos 40.

"O boi se desgarrou, ficou escondido no mato. Depois de um tempo, apareceu, e a molecada começou a atiçá-lo, fazendo com que o animal fosse parar dentro de uma venda, no sopé do Morro da Caneleira".

No final, já estressado, o boi acabou sendo recuperado no laço, sem maiores conseqüências para ninguém.

Recordação semelhante tem Gilson Nunes, de 60 anos. Certo dia, na infância, quando morava na Rua São Paulo, na Vila Mathias, ficou frente a frente com um boi desgarrado. "Estava jogando bola na rua, e apareceu o boi. Depois, vieram de cavalo para laçá-lo, o que demorou a tarde inteira. Foi uma farra".

Mas Gilson tem uma relação toda especial com o Matadouro: nos anos 30, seu avô, Damião Ferreira, foi dono de vários açougues em Santos. "Ele e a maioria dos açougueiros iam lá de madrugada e escolhiam o boi, que era abatido na hora".

Gilson relembra de ouvir o avô contando que os bois eram mortos com uma marretada na cabeça e retalhados já nos moldes atuais, de acordo com o tipo de carne.

"Os açougueiros transportavam as peças em carroças, pequenas caminhonetes e até em tabuleiros na cabeça, no caso dos mais humildes".

Recordações

"Os bois eram abatidos com uma marretada na cabeça e retalhados para venda. Os açougueiros chegavam de madrugada e transportavam as peças em carroças, em pequenas caminhonetes e, até mesmo, na cabeça"

Gilson Nunes, antigo morador da área próxima ao Matadouro Municipal

Portas rangendo - No início dos anos 80, a área foi cedida ao Sesi pela Prefeitura. Em 1986, a sede local da entidade foi inaugurada, incorporando o que fora o prédio principal e alguns anexos do antigo Matadouro.

Diva Zanarolli Costa, de 67 anos, há 46 no Sesi, viveu bem essa história. "Quando a gente veio para cá, o cheiro ainda era forte. Mas, muitos anos antes de chegar o Sesi, aí, sim, era um cheiro horrível".

Um certo frio na espinha, porém, não vinha dos odores, mas ficava por conta de outras ocorrências. Segundo Diva ouviu dizer, à noite, as portas do prédio principal rangiam e se escutava o choro de pessoas lá dentro.

Embora creia que tais coisas possam de fato acontecer, Diva nunca viu, nem ouviu nada. "E você acha que eu iria entrar lá para ver?", indaga, com uma sonora gargalhada.

O local onde existiu o Matadouro hoje é ocupado pelo Sesi. O mau cheiro acabou, mas a lembrança persiste

Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

Desenvolvimento

O historiador José Dionísio de Almeida, da Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams), credita o início e o fim do Matadouro ao desenvolvimento, tanto de Santos, quanto do País, de um modo geral. "Com a estrada de ferro, a mobilidade aumentava, havia a chegada e a saída de mais pessoas; a população crescia e se criava um mercado de consumo".

Mas esse mesmo desenvolvimento seguiu o seu rumo e foi minando o futuro do Matadouro. De Municipal, passou à iniciativa privada, até a desativação, no final dos anos 60. "À medida que foram surgindo empresas maiores de distribuição, o sistema de matadouros caiu em desuso".

Foto: Fundação Arquivo e Memória de Santos, publicada com a matéria

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