Vitor de Andrade Silva
Toda manhã é a mesma
rotina. A ceramista Maria Angélica Dias, após tomar café, distribui igualmente ração às suas cadelas Milu e Nina. Depois é a vez de alimentar seus
inquietos vizinhos: uma turma de serelepes sagüis-de-tufo-branco que, às 9 horas, já estão se chacoalhando e se coçando de tanto esperar.
Ao avistá-la de longe, o grupo, de cerca de 15 símios, agita-se saltando de um
galho para outro, mas sempre ao redor de um refeitório improvisado entre duas árvores. O bando é exigente e seleciona apenas as melhores bananas
depositadas por Angélica Dias. Mesmo com toda a fartura, vorazes, disputam pelas melhores bocadas.
Outros vizinhos, que também dão o ar da graça, são os exóticos
tucanos-de-bico-verde, com seus grunhidos roucos; os saruês, conhecidos como gambá-de-orelha-preta; as preguiças e até um
mico-leão-de-cara-dourada, que figura na lista da extinção: quatro espécies raras, que ainda ilustram o cenário da Mata Atlântica.
Angélica Dias não vive nas proximidades de um parque ambiental, mas na diminuta
área insular de Santos, por incrível que pareça. Mais exatamente no Morro Santa Terezinha, que, em conjunto com os
demais morros da ilha, forma uma única, porém fragmentada, malha verde - um resquício de Mata Atlântica em meio ao pleno desenvolvimento urbano.
Risco de desaparecer - Resistentes ao desenvolvimento urbano dos morros, a
maioria dos animais silvestres, muitos deles endêmicos, prefere ficar abrigada nos limites das matas, cada vez mais devastadas e invadidas. Hoje,
segundo a Secretaria de Planejamento de Santos, estima-se que haja mais de 500 famílias de baixa renda vivendo em áreas de risco dos morros.
Assim, confinada em espaços cada vez menores, segundo a bióloga da Secretaria de
Meio-Ambiente de Santos (Semam), Sandra Regina Pivelli, a fauna só tem duas alternativas: "Ou
perde seu habitat, ou terá que se adaptar a novas condições de vida, o que infelizmente já é uma realidade para muitas espécies".
Outro grande problema é justamente o processo inverso: quando um bicho é inserido
em um bioma ao qual não pertence. O caso dos cativantes sagüis de tufo-branco, da Região Nordeste, é exemplar.
"Quando se faz este tipo de
introdução, a nova espécie passa a disputar alimento e território com as nativas, podendo dizimá-las. Foi uma grande surpresa saber que temos
mico-leão-de-cara-dourada nos morros, embora sejam originários da Mata Atlântica da Bahia. Ambas as espécies foram inseridas e, infelizmente,
beiram sumir do mapa (de Santos)", explica a bióloga do Orquidário
Municipal, Ana Beatriz Comelli.
Ela explica que os sagüis dos morros descendem de exemplares em comum. Ou seja:
incesto animal. "Cruzamento consangüíneo é sinônimo de filhotes com problemas de formação ou
então mortos", diz.
"Quanto ao convívio com os
humanos, o mais indicado é que fiquem o mais distante possível, por mais apaixonante que seja tê-los por perto. Eles podem transmitir doenças e
vice-versa. Além disso, são muito curiosos, astutos, ousados e oportunistas. Se ganharem confiança, dificilmente se intimidarão, podendo invadir
uma residência sem receio algum".
Como proceder - Se o velho dito "cada macaco no seu galho" cai como luva na
relação homem/animal silvestre, ao ver um preso ou ferido, o melhor é entrar em contato com o Ibama, ao invés de adotá-lo. Caso exemplar ocorreu
em agosto: um macaco da espécie caiarará foi encontrado em Guarujá. Logo, foi
encaminhado ao Ibama e, posteriormente, ao Centro de Triagem de Animais Selvagens (Cetas), em São Vicente. Para se ter
uma noção da importância de um manejo correto, basta citar que a espécie corre risco de extinção - uma verdadeira raridade, tanto que em todo
Brasil só existem quatro exemplares em cativeiro.
Avifauna santista - Das densas matas dos morros, até o cais do porto,
sobrevoam mais de 120 espécies de aves, das quais 12 são endêmicas - difícil imaginar, já que a maioria dos pássaros que os santistas estão
habituados a ver são os pombos, os desprezados urubus e as esbeltas garças.
"Mas, com sorte e um pouco de
atenção, é possível identificar diversas outras nas áreas verdes da cidade (praças, alamedas e parques, como o horto e o orquidário municipais),
que representam apenas 10% dos 39 quilômetros quadrados da área insular da cidade", afirma
Regina Pivelli.
Desde 2002, em parceria com a bióloga Maria Cecília, ela estuda a avifauna santista
e a considera bastante rica, considerando que a flora da cidade não é tão exuberante. "A
vegetação dos morros é secundária, está em fase de regeneração e 70% das árvores daqui são ingás: um grande problema. Apesar de a planta garantir
frutas saborosas, as aves, assim como nós, humanos, também apreciam um cardápio variado. Por sorte, a veia desta fauna ainda vaza pelo pouco que
resta de áreas verdes da cidade", acredita.
Uma garça branca
Imagens publicadas com a matéria
original
Por que preservar? - A fauna santista, por incrível que pareça, tem lá a sua
importância no dia-a-dia da cidade. Os falcões peregrinos, pr exemplo, vêm da Groenlândia e permanecem em Santos e região durante o verão. São
aves que investem na caça de pombas e pequenos roedores.
Desta forma, de acordo com Ana Beatriz Comelli, assim como as
corujas-mocho-orelhudo (ou coruja de igreja), fazem sua colaboração no controle destas pragas urbanas. "Já
as aves como os beija-flores, os tucanos-de-bico-verde e, também, os símios, ajudam a fertilizar as flores e espalhar as sementes, contribuindo
com a disseminação da flora - cada espécie com um importante papel", salienta a bióloga.
"Por isso, a importância de
se preservar e fiscalizar os morros. Acredito, ainda, que a exploração destes espaços com o ecoturismo é válida para a proteção e divulgação das
espécies que ocorrem naturalmente na região... mas, com uma boa proposta de educação ambiental incluída, claro",
completa.
Mangue - De um lado, uma vasta vegetação quase intocada. De outro, diversas
palafitas do Dique da Vila Gilda, que desafiam as adversidades de se manterem estáveis sob o mangue. Boa parte do bioma que o ecossistema deveria
guardar não existe mais, o que evidencia as péssimas condições ambientais, já que, de acordo com um estudo dos biólogos Fábio Olmo e Robson Silva
e Silva, "entre os manguezais do estado de São Paulo, os da Baixada
Santista, especialmente aqueles da área de Santos-Cubatão, são os que apresentam a fauna mais exuberante,
tanto em número de espécies como de indivíduos... Algumas têm ali as únicas populações conhecidas no estado de São Paulo, ou as suas maiores
concentrações populacionais".
Para o coordenador do projeto EcoFaxina (que pretende recuperar o Dique da
Vila Gilda), Willian Rodriguez Schepis, todos têm a ganhar com a preservação do mangue: a população, o governo e, claro,
a fauna local. Com a conscientização dos moradores das palafitas, ele acredita que, em cinco anos, 80% da área poderá estar reconstituída. "O
problema é que há um projeto de construção de uma avenida no local, pela Prefeitura Municipal. Isso inibirá novas invasões, mas não a degradação
do mangue. O correto seria criar uma reserva ambiental na área... Quem sabe um parque ecoturístico sustentável: Sem dúvida, Santos só terá a
ganhar", prevê.