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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (O)
A urbanização da Zona Noroeste (3-d)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas.

Depois de ocupar quase todos os espaços em direção às praias, Santos passou a se expandir no sentido contrário, nos dois lados da Avenida Nossa Senhora de Fátima, em direção à divisa com São Vicente. Uma análise do desenvolvimento dessa região de Santos foi feita pelo jornal A Tribuna, em uma série de reportagens, que continuou em 7 de março de 2005:

ZONA NOROESTE
Onde a união fala mais alto

Na região mais carente da Cidade, comunidade forma rede de solidariedade que mobiliza um exército de voluntários

Rivaldo Santos
Da Reportagem

A chuva acabou com tudo no barraco de Maria da Conceição. Nem a pequena televisão, comprada em 24 prestações, escapou. Os alimentos estragaram. A roupa da família se perdeu na maré. A tragédia só não foi maior por conta da solidariedade que contrapôs ao ambiente de desolação.

Enquanto a moradora chorava em um canto do cômodo, um grupo de amigos agia com rapidez. Em pouco tempo, uma cesta de alimentos já estava na porta da casa. Móveis usados e madeiras para reformar o casebre também foram doados. As contribuições chegavam de gente que nem conhecia a moradora.

Exemplos de solidariedade não faltam na Zona Noroeste, uma região que, mesmo com a veloz expansão urbana, mantém hábitos típicos de uma cidade de interior, como a conversa no portão de casa ou em cadeiras na calçada.

Nos momentos mais difíceis, as pessoas se unem. Muitas vezes, para repartir o pouco que têm. Uma característica que se consolidou com as várias enchentes que causaram grandes estragos nessa faixa da Cidade.

Presidente do Círculo dos Trabalhadores Cristãos da Zona Noroeste, José Joaquim do Nascimento conhece muito bem o núcleo solidário que funciona silenciosamente. "Todo mundo se conhece. As pessoas ficam sensibilizadas e não negam ajuda para quem passa por dificuldades", diz Nascimento, que cuida de uma entidade que oferece aulas de balé e cursos de manicure e cabeleireiro para a comunidade.

Rede social - A solidariedade não fica restrita a ações individuais, manifestadas em ocasiões excepcionais, como enchentes. Embora não haja números oficiais sobre a rede de solidariedade, estima-se que dezenas de clubes, associações de bairros, igrejas e até empresas mantenham projetos sociais na Zona Noroeste. Oferecem desde cestas básicas até cursos profissionalizantes.

Um dos mais atuantes é o Projeto Educacional de Conscientização e Orientação (Proeco). A ONG criou o Talentos em Ação, iniciativa que pretende contar a história da Cidade e da Zona Noroeste através da arte e da cultura.

Em parceria com o Poder Público e a iniciativa privada, são atendidas cerca de 150 crianças, jovens e adultos, com cursos de desenho, computação, inglês, percussão, dança, teatro e grafite. Os alunos têm o acompanhamento de psicólogo e assistente social, profissionais que também prestam assistência às famílias.

Marcelo Brito Duarte, professor de teatro no Proeco, ressalta que o projeto não se limita à formação profissional. "A cidadania é um elemento fundamental neste trabalho. Tentamos mostrar que todos têm condições de vencer, com garra e determinação para derrubar todas as barreiras".

150 pessoas

entre crianças, jovens e adultos, são atendidas pelo Proeco, uma organização não-governamental fundada na própria Zona Noroeste

 

Preconceito - Uma dessas barreiras é o preconceito. A Zona Noroeste ainda é identificada como um lugar de violência e abandono. Nem mesmo o nítido progresso de alguns bairros, que ostentam belas moradias, foi capaz de derrubar a imagem negativa da área, chamada pejorativamente de "Zona Faroeste".

Thaís da Silva, de 13 anos, admite que já foi vítima de discriminação social. "Foi numa discoteca. Quando falei que morava na Zona Noroeste, as pessoas falaram que aqui só havia bandido", conta a adolescente, que não deixa se abater com os comentários maldosos. "É chato ouvir esse tipo de coisa. Mas sempre respondo que bandido tem em toda a Cidade".

A presidente da Sociedade de Melhoramentos da Vila Gilda, Lucinéia Marques de Lima Souza, já perdeu as contas das provocações que suportou por morar em um dos lugares mais pobres de Santos.

Ela atribui parte da culpa aos meios de comunicação por, indiretamente, promoverem a desinformação. "A Imprensa só aparece aqui para fazer reportagens sobre a violência. Esquecem que também temos coisas boas para mostrar", diz a moradora.


José Joaquim do Nascimento, que preside uma entidade filantrópica, 
diz que problemas da região sensibilizam os próprios moradores
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Empresas incentivam horta comunitária no Rádio Clube

Arar, plantar e colher. Até o final do mês, a comunidade do Dique da Vila Gilda vai fazer tudo isso em terrenos onde estão instaladas as torres de transmissão de energia da Companhia Piratininga de Força e Luz (CPFL), no Rádio Clube. O projeto é a realização de um antigo sonho de moradores, que sempre lutaram por uma destinação mais útil às áreas que cortam praticamente todo o bairro.

Por questões de segurança, os terrenos não podem ser edificados. Por isso, a horta comunitária recebeu o apoio da empresa e da Petrobrás, doadora de equipamentos de trituração de resíduos.

O projeto está na fase de preparação do terreno, com o depósito de terra própria para a plantação. Enquanto as primeiras sementes de verduras e legumes não são lançadas nos canteiros, a expectativa é grande. Principalmente dos moradores mais antigos. Muitos vieram do Nordeste e tinham o hábito de cuidar de pequenas hortas.

"Alguns até se emocionaram quando souberam que haveria uma horta comunitária. Na verdade, o projeto também resgata um pouco das origens do povo que veio para a Zona Noroeste", conta a presidente da Sociedade de Melhoramentos da Vila Gilda, Lucinéia Marques de Lima Souza.

Inclusão - A produção da horta será repartida entre as famílias participantes do projeto, podendo o excedente ser comercializado na região. Além de verduras e legumes, haverá plantação de ervas medicinais. A venda de adubo orgânico é outra possibilidade.

A psicóloga Sílvia Bari, que presta serviços na comunidade, enaltece os objetivos da iniciativa. "É uma forma de se conseguir o próprio alimento. Não dá para falar de inclusão social sem trabalho e comida".


Jovens que participam do projeto Arte no Dique aprendem o ritmo da música baiana
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria

Na Vila Gilda, a esperança vem da batida do Olodum

A meta é ambiciosa: transformar o Dique da Vila Gilda em um lugar de qualidade de vida. Para cumprir o desafio, José Virgílio Figueiredo, coordenador do projeto Arte no Dique, aposta no modelo de trabalho, desenvolvido pela ONG Olodum, da Bahia. Ao som das batidas dos tambores, a entidade conseguiu mudar a realidade pobre de Alagados, núcleo populacional da periferia de Salvador.

Alagados tem uma realidade semelhante ao ambiente degradado do dique, com palafitas cravadas em área de manguezal. A miséria e a exclusão social também faziam parte do cotidiano dos moradores da periferia baiana. A revitalização só chegou junto com o projeto cultural comandado pelo músico e compositor Carlinhos Brown. Transformada, a região virou atração internacional, visitada por turistas de todas as partes do mundo.

Produtor-executivo do Olodum, Figueiredo quer fazer o mesmo na ZN, tendo como base o Arte no Dique, projeto mantido pela comunidade com a ajuda de empresários e do Poder Público. Em um galpão adaptado, crianças, jovens e adultos aprendem percussão, teatro e dança. Também participam de aulas de desenho gráfico e violão. Um curso de modelo deve ser a próxima novidade.

"Pode ser que daqui não saia uma Gisele Bündchen, mas, com certeza, teremos uma profissional habilitada para trabalhar como recepcionista de eventos", diz Figueiredo. Ainda para este ano, o Arte no Dique aguarda a oficialização da doação de um terreno no Rádio Clube para a construção da sede da ONG. Por enquanto, tudo é feito na base do improviso, como a música baiana.

Os resultados já começam a aparecer. Três senhoras foram contratadas para realizar serviços administrativos e dois jovens da comunidade atuam como monitores da banda.

Está no sangue

"A maioria dos moradores da região tem origem negra. 
E o som do tambor tem tudo a ver com a raça"

José Virgílio Figueiredo
Coordenador do Arte no Dique

Cultura - As semelhanças entre Alagados e o Dique da Vila Gilda não ficam apenas nos aspectos físicos. Os traços culturais das duas populações também se assemelham. "A maioria dos moradores da região tem a origem negra. E o som do tambor tem tudo a ver com a raça. É uma questão cultural", explica Figueiredo.

Natasha Mendes Gabriel, uma das coordenadores do Arte no Dique e do Instituto Ethos, enxerga outras coincidências, como a baixa auto-estima por conta da exclusão social e do preconceito racial. "Tudo isso está mudando. Em duas oportunidades, o nosso projeto foi tema de reportagem do Serginho Groissman", diz Natasha, se referindo ao programa Ação, exibido pela TV Tribuna.

Teatro - Os meninos e meninas da Banda Querô, integrantes do Arte no Dique, vão participar, em maio, do espetáculo teatral Sem Perder a Ternura Jamais, com textos de Che Guevara e músicas de Gonzaguinha.

Personagens

Normália da Silva - Coordenadora do movimento que conseguiu a construção de casas populares no Ilhéu Baixo, no Jardim Bom Retiro, Normália faz parte do grupo de mulheres que atuam no comando de movimentos sociais na Zona Noroeste. Aliás, a liderança feminina predomina na comunidade. "Diferente dos homens, as mulheres não têm vergonha de fazer protesto", explica Normália. "Muitos homens acham que a mulher tem que ficar em casa só cuidando da família".

Normália da Silva

Helena de Mecena de Jesus

Fotos publicadas com a matéria

Helena de Mecena de Jesus - Casada e mãe de quatro filhos, a dona-de-casa não suportava ver tanto sofrimento no Dique da Vila Gilda, lugar em que mora há 19 anos. A solução foi atuar como voluntária em projetos sociais. A decisão não poderia ser melhor. "Sou uma pessoa muito feliz por poder dar um pouco do meu tempo para quem tanto precisa de atenção", diz Helena, presidente do Instituto Arte no Dique.

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