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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - TRILHOS
2008: os trens deixam o centro da cidade (10)

Uma crítica de 1972

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Por mais de um século, a população de Santos enfrentou o problema representado pela passagem de trens na área urbana, interrompendo o trânsito em todas as principais avenidas, às vezes por longo período para manobras, ou de madrugada acordando com o apito das locomotivas - além dos acidentes periodicamente ocorridos com motoristas imprudentes ou equipamentos falhos de sinalização. Só em 2008 os trens foram desviados para fora da área urbana, encerrando as criticadas travessias por dentro da cidade, como as citadas nesta matéria publicada pelo jornal A Tribuna em 10 de abril de 1972 (página 3):


Imagem: reprodução parcial da página com a matéria

 

O trem passa; e pára a Cidade

As 5 grandes avenidas de Santos, que interligam o Centro às praias - Conselheiro Nébias, Washington Luís, Ana Costa, Bernardino de Campos e Pinheiro Machado - têm um obstáculo comum que secciona e estrangula as correntes viárias: os trilhos da Sorocabana. O fenômeno do bloqueio acontece praticamente nas 24 horas do dia porque, ora são os trens de carga e de passageiros que passam, ora são as intermináveis manobras que a ferrovia executa.

Quem tem pressa de chegar ao Centro ou procede dali em direção às praias, para alcançar seu destino no espaço de tempo desejado, precisa de duas coisas: ter a sorte de não encontrar todos os semáforos vermelhos - porque nenhum deles é sincronizado - e não deparar com o trenzinho da Sorocabana.

Os dois fatores independem mas estão interligados: os semáforos não são sincronizados por causa da ferrovia, esta arruinando toda e qualquer maquinaria que venha a ser instalada para conjugação dos semáforos.

Para o motorista de automóvel, de caminhão ou de ônibus, ou mesmo para o ciclista e para o pedestre, quando o obstáculo que se chama trem da Sorocabana aparece, o jeito é esperar a passagem da composição ferroviária ou a complementação das manobras no grande pátio que fica entre as avenidas Ana Costa e Bernardino de Campos. Fugir por outros caminhos é impossível porque os trilhos cortam todo o perímetro urbano de Santos, estrangulando a Cidade, do porto ao José Menino ou, mais precisamente, da faixa portuária à divisa com São Vicente.


Foto publicada com a matéria (cruzamento da ferrovia com Av. Bernardino de Campos)

O problema representado pela passagem da Sorocabana dentro do perímetro urbano de Santos ou, mais precisamente, na área mais povoada da Cidade, não é novo. Começou efetivamente a existir a partir do desenvolvimento da própria Santos, que teve no porto a sua motivação principal de sobrevivência e desenvolvimento. Depois, como tudo mudou, Santos ganhou características de cidade balneária e de turismo - mesmo que doméstico - passando o porto a operar mais em função do escoamento e recepção das economias estaduais e federais do que do desenvolvimento da Cidade propriamente dita.

Aceita a tese de que tudo mudou em Santos - a zona urbana, o povo, o comércio e até o porto - não pode ser negada a afirmativa de que só a Sorocabana permanece a mesma, com todos os problemas de seccionamento que as composições ferroviárias provocam, durante o dia e à noite.

Entretanto, nem sempre foi assim. No começo do século, quando os ingleses construíram o ramal Santos-Jundiaí, o objetivo era grande, incomensurável mesmo, e deve ter sido plenamente alcançado: transportar os produtos da região do Vale do Ribeira - a região potencialmente mais rica de São Paulo - até o principal porto do Brasil.

O automóvel - Durante muitas décadas, a Sorocabana foi o sustentáculo do Litoral Sul do Estado, transportando as riquezas do Vale do Ribeira até ao porto, funcionando paralelamente como único meio de transporte desde Santos até Juquiá. Depois, a pequena estrada de ferro Santos-Juquiá foi encampada pela Sorocabana, que logo passou a estudar um meio de ligar a Baixada ao Planalto. Surgiu então o ramal Mairinque-Santos e depois a ligação mais direta com a Capital, via Santo Amaro e Cidade Universitária.

Com essas modificações e com a abertura da Estrada da Banana, a velha ligação Santos-Juquiá entrou em franco declínio, acontecendo o que era esperado: a vitória do automóvel e do caminhão sobre o trem, atribuída a dois fatores - o progresso mecânico daqueles e a estagnação deste.

Para Santos, que só tinha a Sorocabana para ligá-la ao Litoral Sul até a abertura da Estrada da Banana, o fato novo representado por esta última foi a pedra de toque da mudança. Os entendidos afirmam que não foi a Sorocabana que perdeu a parada, mas a ferrovia que jogou fora todas as suas possibilidades de sobrevivência porque parou no tempo e no espaço, tentando colher o que não plantara.

Trilhos: o problema - O próprio desenvolvimento da Cidade - com o aparecimento e a expansão da indústria automobilística - acabaram por condenar a presença da Sorocabana em Santos, cujos trilhos cortam a zona urbana santista em duas metades.

Hoje, como há 10 anos, chegar de automóvel da praia ao centro depende da sorte, como foi dito: sorte nos semáforos e sorte de não encontrar o trem passando dentro da Cidade, com as suas manobras intermináveis.

O seccionamento começa junto ao porto, na Rua João Guerra. Depois vem a Rua Borges, seguida da Luiz Gama. A via pública seguinte que é estrangulada é a Avenida Conselheiro Rodrigues Alves. Para quem procede da Conselheiro Nébias e quer chegar ao porto, na Rodrigues Alves há 2 pátios ferroviários distintos: à esquerda e à direita. Este último vai até a Avenida Siqueira Campos, onde também há grandes armazéns da ferrovia. Por causa destes, as ruas José do Patrocínio e Euzébio de Queiroz não têm ligação com a Rua Padre Anchieta: estão bloqueadas. A Rua Padre Anchieta, por sua vez, também cortada pelos trilhos, tem três vias públicas transversais bloqueadas pela Sorocabana; Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos, Álvaro Pinto da Silva e Operária.

Outros bloqueios - Entre o porto (Rua João Guerra), que já foi estação de embarque e desembarque de passageiros da linha Santos-Juquiá, até à estação da Avenida Ana Costa, outras vias públicas estão seccionadas pelos trilhos. Pela ordem: Ruas 28 de Setembro, Batista Pereira, Manoel Tourinho, Silva Jardim, Campos Melo e Osvaldo Cruz.

Depois vem a 1ª das grandes avenidas de Santos que estão bloqueadas pela Sorocabana: a Conselheiro Nébias, logo seguida da Washington Luiz e da Ana Costa. Mas, antes desta, a Sorocabana impede a ligação de 4 vias públicas importantes com outra importante avenida (Francisco Glicério); são as ruas Comendador Martins, Vidal Sion e Júlio Conceição, além da Avenida Senador Feijó.

No grande pátio ferroviário da Sorocabana - entre as avenidas Ana Costa e Bernardino de Campos - "morrem" diversas vias públicas: Pará, Amazonas, Arnaldo de Carvalho, Evaristo da Veiga, Almirante Barroso, Carlos Gomes e a própria Marquês de São Vicente.

Depois, é a vez do Campo Grande e Marapé sofrerem com a permanência dos trilhos da ferrovia dentro de Santos. É que o bloqueio continua pelas avenidas Bernardino de Campos e Pinheiro Machado, seccionando as ruas Visconde de Cairu, Visconde de Faria, Teixeira de Freitas, José Clemente Pereira, Gonçalves Ledo, Particular Ximenes, Lopes Trovão, Tupis, Guilherme Álvaro e Godofredo Fraga.


Foto publicada com a matéria (cruzamento da ferrovia com Av. Bernardino de Campos)

Uma opinião - Roberto Machado de Almeida, arquiteto da Divisão de Planejamento da Prodesan, analisa a presença da Sorocabana em Santos do ponto de vista arquitetônico e urbanístico: "Em princípio, fere todas as normas de urbanismo. Santos é uma cidade plana e ficaria com a paisagem poluída se tivesse passagens elevadas. Mesmo com esta hipótese, esteticamente o ideal seria uma passagem subterrânea para a ferrovia, o que é praticamente impossível em Santos. Ou, em outra hipótese, um só elevado - do José Menino ao porto - apenas para os trens".

"Entretanto - continua -, o ideal mesmo é cortar os trilhos da Sorocabana em São Vicente, com certas restrições, porque também no vizinho município os trilhos são problema. Por que não terminar a ferrovia em Samaritá, uma vez que existem outros meios de ligação de Samaritá com o porto?"

Depois de explicar que o antigo Grupo Executivo de Planejamento da Prefeitura havia estudado o problema da Sorocabana, chegando a planejar o aproveitamento do pátio da Ana Costa para construção do Teatro Municipal, Roberto Machado de Almeida entende como perfeitamente válida a idéia de se trazer até Santos a Rodovia dos Imigrantes sobre o leito atual da Estrada de Ferro Sorocabana em via elevada - como foi ventilada pela Dersa há 2 anos.

"É claro - arrematou - que isso dependeria da retirada dos trilhos da ferrovia, coisa que para mim e ponto pacífico. Não se admite que em 1972, quando o homem já está cansado de ir à Lua e já está pensando em termos de outras viagens espaciais, uma estrada de ferro - com todos os inconvenientes e problemas - permaneça dentro da Cidade".


Foto publicada com a matéria (pátio ferroviário da estação da Avenida Ana Costa)

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