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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Crônica policial - 11
O doutor gordo e o larápio magro

Crônica policial da Vila Mathias

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Registros feitos pelo jornal diário Commercio de Santos, em 30 de janeiro de 1920 (página 3, ano I, número 28 - exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da matéria original

Notas da Vila

Era o assunto do dia: a nomeação do doutor gordo. Desde o rico ao plebeu, a nova provocou exclamações e admirações seguidas de reticências. Nem se falava noutra coisa; o doutor foi nomeado! O próprio soldadito, ao lobrigar-nos ontem lá no canal, chamou-nos com insistência: psht! psht! psht! Então o homem sempre foi nomeado!

O quartelzinho, quando lá fomos, parecia estar de nojo: quase deserto, sem movimento, de luzes semi-mortas.

No jardinzinho, a rapaziada trocava impressões sobre o assunto, ao qual as próprias moçoilas não eram estranhas.

- Ai! - exclamava uma - pois aquele desencravado ainda "assubiu mais p'ra cima"!

À porta do Leiria um grupo de populares comentava o estranho caso. Um freguês, com o sabão nos queixos, ajuntou:

- Hoje, se a mulher do Circo cá estivesse, havia soirée e doces!

No bonde da linha 6, terceiro banco, uma mulata, indignada, exclama em altas vozes:

- Ó senhora Ramiona! Pois já sabe da novidade? o doutor que estava aqui apanhou mais um posto!

- Já me disseram, senhora Balbina! É p'ra que vocemecê veja: esse tal deu tiros nas eleições, foi posto na rua e depois voltou; desapareceu com a mulher do Circo, escondeu no hotel essa tal Antonieta, bateu no home do hotel, e agora é o que vocemecê está vendo!

***

Rua Senador Feijó acima, seguia o Constantino Ramalho, que andava com grande dificuldade para resolver o sério problema da bóia. Na cabeça fervilhavam-lhe as elucubrações algébricas, até que chegando à porta duma venda resolveu o problema: meteu um queijo debaixo da aba do casaco e foi andando.

O vendeiro, torto dum olho, e que mais se parecia com o "Camões" (N.E.: poeta português caolho, autor dos Lusíadas), saltou o balcão e pôs a boca no mundo:

- Seu larápio! bote já ali os queijos. Você não sabe que Deus disse: "trabalha que eu te ajudarei?"

Muito povo ajuntou, o soldado quis levar o Constantino, mas uma velhota, condoída deste, sentenciou:

- La vai agora o pobre do home p'ro "carcel" por "via" duma coisa sem "importança"! Ó "senhora praça" largue o home, largue-o!

E o soldadito, filosofando um pouco, largou o Constantino e recomendou-lhe:

- Bem. Vá lá por esta vez, mas não se meta noutra!

E lá seguiu o Constantino em paz, mais contente por se ver livre da encrenca, do que o "menino" que foi confirmado no posto.

***

Os "almofadinhas" lá da esquina das ruas Júlio Mesquita e Júlio Conceição estão mais sossegados... O subdelegado mandou um soldadito dar uns giros por ali, de maneira que os "melindrosos" ficam de longe.

Há uma pequena das imediações que, parece, está descontente com a medida, pois o preferido só furtivamente lhe pode chegar à janela, arriscando-se ainda a ir para o 27 e mais o seu paletózinho apertado.


Rua Senador Feijó, em 1920, junto à Rangel Pestana (mais tarde, ambas se tornariam avenidas)

Detalhe de imagem cedida a Novo Milênio por Ary O. Céllio

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