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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - RÓTULAS E... - BIBLIOTECA NM
Nos tempos das rótulas e das baetas (21)

Ambas serviam para as pessoas se esconderem, e foram proibidas por lei
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Clique na imagem para voltar ao índice do livroPor influência árabe-mourisca, os primeiros núcleos populacionais paulistas seguiram costumes como a colocação de rótulas nas casas e o uso de um traje conhecido genericamente como baeta, com um capuz que encobria o rosto. Essas histórias foram narradas pelo escritor Edmundo Amaral em sua obra Rótulas e Mantilhas, publicada em 1932 pela editora Civilização Brasileira, na capital paulista, com ilustrações do famoso chargista Belmonte. Um exemplar da obra, esgotada, foi cedido a Novo Milênio para esta reprodução pelo professor e pesquisador santista Francisco V. Carballa:

Edmundo Amaral foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de Santos (IHGS), ao lado de Júlio Conceição e Francisco Martins dos Santos. Embora suas principais referências no livro sejam à capital paulista, valem também para Santos, onde existiam os mesmos costumes (ortografia atualizada nesta transcrição):

Rótulas e Mantilhas

Edmundo Amaral

TERCEIRA PARTE - Romântica

[...]


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Rapsódia brasileira

Marujos trigueiros cantam, enquanto proas de caravelas rompem a onda grossa.

Velas largas de pano grosseiro sacodem cruzes de Malta cor de sangue. Almirantes barbudos sondam astrolábios na noite de estrelas.

E cantam marujos, movendo remos pesados, soidades (N.E.: saudades) de Portugal.

No horizonte fino, nem leves fumos da Índia. Rompem caravelas doiradas como altares a onda azul, enquanto almirantes vestidos de gibão de veludo meditam segurando cruzes de espada.

Choram marujos soidades puxando cordames de vela no mistério negro do Mar Tenebroso.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

***

Vôos verdes de maitacas riscam o ar salgado, folhas de palmeiras bóiam n'água e ondulações de terra avultam no horizonte.

Cantam os marujos na esperança da terra nova. Vultos de cocares emplumam o ar. Homens cor de bronze têm gestos de cipó e na areia branca levantam-se coqueiros.

Homens de colares e homens de gibão trocam presentes de contas. Uma cruz e um altar levantam-se na areia, enquanto cocares desconfiados espreitam.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Chegam novas caravelas: homens de carapuças de lã carregam caixas pesadas. Panos e plumas, pratos de estanho e cuias, arcos e mosquetes; homens barbudos e mulheres cor de âmbar. Chegam novas caravelas: donatários de grã-cruz, moços fidalgos sesmeiros. Chegam novas caravelas: caixas de pimenta e canela, caixas de noz-moscada, degredados de rosto escuro. Chegam novas caravelas: sotainas negras, faces brancas de místicos. Igrejas de taipa na areia branca. Tocam sinos as matinas.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

***

Barcos franceses aproam na baía larga. Almirantes de couraças luzentes assestam baterias. Fumos brancos de pólvora algodoam a manhã azul. E batem sinos o rebate.

***

Flechas voejam esparsas. Borés tocam rijo e lanças atravessam corpos cor de bronze. Batem sinos na manhã clara. Canoas longas sulcam águas claras de rios, cobertas de lonas grossas. Homens vestidos de couro rompem cipós. Tiros de arcabuzes estouram dentro da mata; tocam sinos a chegada; cordas de embira puxam filas de homens cor de terra.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

***

Tocam sinos laus-perenne, mãos postas e mãos armadas pelejam e rezam. Tocam sinos na procissão vagarosa. Fidalgos espanhóis de sombreros largos cruzam espadas longas de tigela. Baterias holandesas assestam para a mata verde. Estouram peças no ar. Padrões portugueses caídos na erva. Tocam árias da velha Flandres.

***

Dentro dos brigues estreitos, negros de mulambos catingam mandigando. Corpos escuros gosmam na umidade escura. Geme a melopéia negra no sol quente. Chicotes de cinco pontas abrem lanhos vermelhos nos dorsos escurss. Geme a melopéia negra no cateretê. Batucam sambas nos cafundós. Banguês pesados de senhor de chapelão vergam dorsos suarentos. Geme a melopéia negra nos atabaques. Batem os reque-reques, zumbam caxambus nos zungus escuros.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

***

Luzem pedras douradas no torrão seco. Pás de ferro cavam a terra dura. Luzem pedras no fundo d'água clara, bateias de pau sacodem águas de rios, olhos portugueses luzem cobiças, rufam caixas em toques de bando. Lacres vermelhos pendem dos pergaminhos dos alvarás reais. Luzem barras de ouro com selo real.

Fidalgos portugueses raspam veludos finos pelas taipas grossas. Contratadores pançudos ferram mulas com prata enquanto garimpeiros rotos são laçados com embira. E luzem barras de ouro no fundo do porão dos brigues portugueses.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

***

Oficiais da Fazenda Real confiscam catres de tábua nos casebres de palha. Gemem homens no pelourinho. Juízes de vara vermelha ordenam devassas. Morrem homens de fome pelas estradas com os bolsos dourados. E luzem barras de ouro no porão dos brigues.

Homens de capote conspiram sob luzes de azeite. Canos de pistola reluzem dentre capas. Quadrilheiros de sabre invadem sobradões sonolentos. E geme a ladainha dos enforcados.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

***

Tiros de peça salvam fragatas reais. Negros vestidos de vermelho atiram foguetes. Batalhões de linha desfilam entre ruas embandeiradas. Príncipes portugueses passam sob pálios de gorgorão e ouro sobre a folhagem das ruas. Tocam sinos entre o rebentar dos morteiros.

Fidalgos insolentes olham dentre lunetas de tartaruga, burgueses vestidos de briche. Príncipes trombudos assistem de joelho procissões vagarosas. Pregões de quitanda gemem na melopéia negra.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Moços de chapéu armado bebem orchata sentados nas pedras dos cais. Quitandeiras peitudas apregoam quindins e figas do Congo.

Choram chafarizes pelas tardes macias.

Tocam sinos de parida.

***

Molhos de velas brilham nos tremós do Paço. Damas sacodem plumas de cores nos cabelos pretos. Árias de violino põem velhos luxos nas salas da Corte.

***

Rosetas verde-amarelas rutilam nos chapéus armados. Moços de costeletas cantam hinos nos teatros repletos. Capitães-mores portugueses embarcam nos veleiros pesados.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

E estrugem vivas brasileiros nas ruas estreitas. Cacos de garrafa se espalham entre as pedras miúdas. Ministros assustados cochicham pelos corredores do Paço. Fragatas de cinco velas conduzem príncipes de sangue.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Tocam lundus as violas do Segundo Império. Moças de organdi atiram motes a estudantes de calça engomada. Moços inspirados declamam de lenço branco. Senhoras amáveis oferecem sequilhos. E suspira a Dalila nos teclados encardidos dos pianos de sala.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Sobradões de sacada, bolas de vidro de cor, leões de louça sobre pilares de portões de chácara. Um aroma de resedás nos jardins de conchas, um gosto de baunilha nas compoteiras, um perfume de patchouli nos lencinhos rendados. E cantam Senhora Dona Sancha, rondas infantis pelas tardes serenas.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Fazendeiros vestidos de brim dirigem derrubadas calçados de botas altas. Cafezais novos brotam da terra roxa. Negros de samburás colhem grãos sob o sol quente. Mucamas prestimosas dão cafunés gostosos nas cabeças oleosas das donas doceiras. E rincham as redes nas sestas do meio-dia e rincham os carros pesados de jacás sob o sol quente.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Ministros austeros pesam despesas como venenos. Senadores de barba passa-piolho propõem leis sábias em assembléias sensatas. E o ouro entra nas caixas-fortes dos bancos imperiais e a ordem mede o ritmo das administrações.

E cantam estrofes os poetas da liberdade. Positivistas de pera discursam com voz de papo. Ideólogos casposos insultam realezas honestas. Tarimbeiros de dragonas desbotadas arrancam espadas embotadas.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Príncipes de sangue rumam serenos e dignos pelo mar alto.

E uiva o hino da liberdade.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

E tocam os reco-recos dos maxixes republicanos. Capoeiras de carapinha alta quebram urnas eleitorais a golpes de catulés. Navalhas abertas afugentam eleitores honestos. Oradores de guedelha bebem cervejas eleitorais nos grêmios embandeirados. E rompem maxixes na confusão dos brindes.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Burocratas habilidosos organizam subscrições. Estrangeiros de olho duro falsificam na sombra. Crescem ervas altas pelas antigas lavouras. Senhores de antiga abastança jogam biscas tristes, enleados em xales-mantas. E tocam violões vadios pelas esquinas escuras. Senadores encanecidos roubam cruzando cartas. Ministros habilidosos organizam negociatas entre jantares de peru. E rufam as caixas do jazz.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Opilados de face cretina votam encarneirados nas mesas de arraiais. Bandidos de chapéu de couro varejam vilas abertas. Moços de calça larga tremem agarrados em mocinhas de quadril estreito. E rompem os klaxons dos automóveis de luxo, num cheiro forte de petróleo e éter. E trepidam fortes as engrenagens das máquinas de projeções de cinema.


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Funcionários, doutores, candidatos, negocistas, jornalistas, demagogos, gramáticos, muitos gramáticos, poetas, muitos poetas, banquetes, muitos banquetes...

E rangem os prelos: adjetivos, superlativos, subvenções...


Ilustração de Belmonte, publicada no livro

Espadas novas luzem no horizonte novo. Metralhadores idealistas pipoqueiam nas planícies de capim melado. Políticos profissionais escondem-se nas chácaras distantes. Bandos de patriotas berram pelas ruas de lampiões quebrados. Clarões de incêndio iluminam as fachadas dos jornais governistas.

Indecisões, interrogações, intervenções, oportunistas, comunistas, futuristas.

E grita-se e ruge-se e sonha-se desavergonhadamente sob o esplendor do sol americano...


Ilustração de Belmonte, publicada no livro


FIM

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