Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0353p.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/11/11 12:04:36
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - C.SANITÁRIA
A campanha sanitária de Santos - Malária (6)


Em 1947, David Coda e Alberto da Silva Ramos, do Serviço de Profilaxia da Malária do Estado de São Paulo, publicaram este estudo, na forma de uma separata dos Arquivos de Higiene e Saúde Pública, publicação da Diretoria Geral do Departamento de Saúde do Estado de São Paulo – Ano (Vol.) XII – 1947 – Nums. 31-32-33-34 – páginas 63 a 104.

O trabalho foi impresso na Indústria Gráfica de José Magalhães Ltda., de São Paulo, e um exemplar foi cedido a Novo Milênio para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010:

Leva para a página anterior

A Malária na Cidade de Santos

David Coda e Alberto da Silva Ramos - 1947

Leva para a página seguinte da série

III – Malária

C) Estudos epidemiológicos

A partir de 1939 foi possível colher dados epidemiológicos mais seguros sobre a malária em Santos, graças à organização dos Postos de Assistência do Serviço de Profilaxia da Malária e dos ambulatórios mantidos por instituições particulares, entrosadas e organizadas nos moldes da entidade oficial. De cada bairro malarígeno de Santos serão feitos comentários, após breve descrição de sua topografia, habitações, população, hábitos e mios de vida econômica e social.

Ponta da Praia – Considera-se Ponta da Praia o trato de terra com 2 km² aproximadamente, que fica entre o canal nº 6 (Avenida Coronel Montenegro) e o trecho de mar chamado "Estuário". É a região mais baixa da cidade, recoberta de vegetação rasteira e compacta em quase toda a sua área, gramíneas na sua maioria, sendo relativamente reduzido o número de casas, com alguns pomares, hortas e bananais. É recortado por numerosas valas, construídas para dessecação do solo, as quais, dado o pequeno caimento do nível, mais retêm as águas do que lhes favorecem o escoamento. As valas, estando em nível praticamente igual ao do mar, as águas ficam represadas nas marés cheias ou, então, refluem em conseqüência da massa das grandes marés de lua. Remontando, as águas fazem transbordar as valas, alagando caminhos, ruas e terrenos.

As habitações, na maioria, são pobres e do tipo comum de chalés de madeira, permeáveis aos anofelinos. Os moradores se espalham por todos os caminhos e ruas do bairro sem constituir, propriamente, um núcleo de população densa. A maioria vive da pesca; outros, de misteres afins ou relacionados com a vida do mar; os que exercem a atividade de pescador aventuram-se em pequenos barcos pesqueiros pelas costas dos estados de São Paulo, Rio e Paraná. Nessas viagens, permanecem semanas a fio ancorados em enseadas e abrigos situados em zonas reconhecidamente malarígenas, onde freqüentemente contraem a parasitose.

O Serviço de Profilaxia da Malária manteve naquela localidade, no Instituto de Pesca, um Posto de Assistência anti-malárica, um pequeno campo experimental de malária e uma turma de saneamento.

Esse posto dispensou assistência aos doentes das Ponta da Praia  moradores fronteiriços da Ilha de Santo Amaro, dos bairros da Praia do Góis, Santa Cruz e Ferry-Boat, até 1940, quando foi suprimido, com a criação do serviço anexo à Cruz Vermelha Brasileira.

O campo experimental de malária foi criado para os filhos dos pescadores, alunos do Instituto de Pesca. Ali eles aprendiam a reconhecer as larvas de anofelinos, bem como a destruí-las pela construção de drenos, sob as mais variadas formas, e pelas diferentes modalidades de luta anti-larvária.

Cerradas as portas do posto, os doentes de malária passaram a ser encaminhados para o Posto da Cruz Vermelha Brasileira, filial de Santos, que funciona entrosado com o Serviço de Profilaxia da Malária.

A turma de saneamento conservava as valas e os terrenos limpos, em condições de serem feitas as pesquisas de larvas e a destruição dos focos geradores.

Em 1939 foram tratadas 36 infecções primárias e 21 infecções secundárias, procedentes daquela localidade.

Em 1940 foram tratadas 33 infecções primárias e 20 secundárias. Devemos acrescentar que foram feitos inquéritos epidemiológicos decorrentes de notificações recebidas, que acusaram mais 73 casos autóctones de malária daquela localidade.

Em 1941 foram tratadas 28 infecções primárias e 27 secundárias. Levando-se em conta os doentes notificados, chegamos à cifra de 89 casos de malária procedentes dessa localidade.

Em 1942 foram tratadas 11 infecções primárias e 10 secundárias que, adicionadas às 9 notificações recebidas, nos dão 30 doentes; em 1943 tivemos 1 (um) caso primário e 2 secundários, além de 9 notificações, que deram de 12 doentes; em 1945 as infecções primárias foram 3 e as secundárias 7, além de 4 notificações; em 1946 foram tratadas 15 infecções primárias e 10 secundárias, além de 6 notificações de casos de malária em pessoas residentes no local.

A espécie de anofelino mais comumente encontrada nesta zona da cidade é strodei, sendo, porém, tarsimaculatus a mais importante.

Outras espécies foram verificadas, assim distribuídas por ordem de menor freqüência: intermedius, oswaldoi, argyritarsis, mediopunctatus, cruzii.

Focos larvários: Os focos larvários encontrados são constituídos por valas, lagoas, depressões de casco de animal, rodas de veículos, pequenas escavações, poças d'água geralmente recobertas por gramíneas; também os mangues e brejos são importantes criadouros. São as seguintes as espécies de larvas colhidas: A. tarsimaculatus, A. oswaldoi, A. intermedius, A. strodei.

Capturas de adultos – Das 916 capturas domiciliares efetuadas nessa zona da cidade, foram positivas 45 em casas, algumas das quais abrigando doentes de malária; dentre as 65 realizadas em estábulos, 47 foram positivas.

O número de exemplares capturados em domicílios foi 64, havendo sido capturados 676 exemplares nos abrigos de animais.

Verifica-se que o tarsimaculatus demonstrou maior preferência pelas habitações humanas, porquanto nelas compareceu em maior número, não obstante estarem os abrigos de animais muito próximos das casas. Apenas 21,9% de oswaldoi e 15% de intermedius são coletados nos domicílios, para 62,5% de tarsimaculatus.

Um exemplar de A. cruzii e 5 de A. intermedius foram capturados com isca humana.

Quadro 4:

Relação das capturas efetuadas na Ponta da Praia
  espécies
  tarsimaculatus intermedius oswaldoi cruzii mediopunctatus
Tipo de captura Nº de exs. % % % % %
Domiciliar 64 40 62,5 10 15,6 14 21,9 -- -- -- --
Estábulo 676 26 3,8 598 88,3 49 7,2 -- -- 3 0,3
Isca humana 6 -- -- 5 83,3 -- -- 1 16,6 -- --
Total 746 66   613   63   1   3  

Infecção natural – Cinqüenta e cinco exemplares foram dissecados, conforme relação abaixo,dentre os quais um exemplar de tarsimaculatus, encontrado com o parasito malárico.

Foram observados oocistos, sendo negativo o exame das glândulas. O índice de infecção natural é 2,5%.

Quadro 5:

Relação dos exemplares dissecados
Espécies Nº exs. Captura Estômago Glândula
pos. neg. pos. neg
tarsimaculatus 40 domiciliar 1 39 0 40
oswaldoi 10 domiciliar 0 10 0 10
intermedius   5 domiciliar 0   5 0   5

Zona dos morros – A segunda zona denominar-se-á "dos morros". A cidade está barrada pelo lado do Oeste por uma cadeia de morros que lhe deixou, apenas, duas augustas passagens: uma pela praia, para São Vicente, e outra, a saída rodo-ferroviária, para São Paulo, ambas comprimindo-a e apertando-a contra do mar.

Esses acidentes geográficos ainda devem ser subdivididos em regiões de morros que se limitam com as áreas residenciais e que se avizinham do centro comercial, densamente habitadas.

A primeira dessas terras que cintam a cidade é constituída pelos morros do Embaré, com 200 m de altitude, José Menino, Catupé, Marapé com 175 m de altitude; Sta. Terezinha, Jabaquara, Nova Cintra e uma das faces do Monte Serrat, com 155 m de altitude. São morros recobertos de vegetação luxuriante que escondem moles graníticas; as terras são férteis e nelas se espalham plantações de cana, bananeiras, pomares, hortas etc. Nas encostas um sem número de pedreiras são exploradas e nas suas escarpas nascem e se derramam pelas grotas abaixo numerosos mananciais e fontes, que irrigam e encharcam as várzeas.

No morro de Nova Cintra existe uma lagoa (lagoa da Saúde) onde foram encontrados focos de anofelinos A. strodei e A. intermedius. Nas nascentes e anfractuosidades das rochas talhadas nas pedreiras em exploração, são comuns os focos de anofelinos. Ocorreram nos anos de 1940-1947 20 infecções primárias autóctones, 15 secundárias, além de 20 casos notificados, em moradores dos bairros José Menino, Campo Grande, Marapé, Jabaquara e Vila Mathias.

Os focos de anofelinos assinalados no plateau dessa zona alta são constituídos pela citada lagoa, valas, poças d'água, escavações, pântanos, nos quais foram encontradas larvas das seguintes espécies: oswaldoi, strodei, albitarsis, argyritarsis, intermedius. Nas encostas desses morros as águas das fontes escorrem ladeira abaixo, formando pequenas bacias, onde se observam larvas de eiseni.

No morro de Sta. Terezinha foi uma vez capturado um exemplar de bellator no interior de uma casa.

O segundo trato de terras altas é formado pelo Monte Serrat e morro do Fontana, de escarpas íngremes, rochosas, pouco habitados, vendo-se, apenas, umas poucas casas de madeira no início de suas ladeiras ásperas, e casebres nos penhascos. Também desses morros descem alguns filetes d'água que dão origem aos focos geradores, encontrados em pesquisas eventuais.

De 1940 a 1947 registraram-se 15 casos de malária autóctones em moradores dos bairros comerciais da cidade, em ruas centrais, como São Francisco, Dr. Henrique Éboli, Praça 7 de Setembro, Corpo de Bombeiros etc.

Aqui, as larvas colhidas eram de strodei, argyritarsis e oswaldoi.

Compõe-se o terceiro bloco, de morros em que dividimos as terras altas de Oeste da cidade, dos morros do Pacheco, Penha, com 200 m de altitude; São Bento, com 175 m de altitude; Saboó, Matadouro. São montes fragosos, onde se aglomeram, escalonados ladeira acima, centenas de chalés de madeira. Ali vive uma laboriosa população em sórdida promiscuidade. Esse denso formigueiro humano não possui, sequer, recursos elementares de higiene; faltam-lhes esgotos, água, espaço e ar. Além da malária, no sopé do morro Saboó foi localizado por Leão de Moura [16] perigoso foco de Schistosomose mansoni. Nesses bairros, não só nos morros, como nas ruas que se cruzam nas suas bases e penetram cidade a dentro, ocorreram no período de 1940 e 1946 infecções primárias autóctones em número de 157 e 77 infecções secundárias, havendo sido notificados 147 casos de malária. Foram verificados casos de malária nas ruas São Leopoldo, Tuiuti, Cristiano Otoni, Visconde de Embaré e, mesmo, na Praça dos Andradas.

Os focos de anofelinos aí encontrados apresentam-se com os mesmos característicos dos já descritos em relação aos outros morros da cidade, sendo as espécies, strodei, argyritarsis, oswaldoi, em estado larvário.

No morro da Penha, a 200 m sobre o nível do mar, foi capturado um exemplar de tarsimaculatus no interior de uma casa.

Centro Urbano – Resumida que foi a posição da malária nas zonas da Ponta da Praia, nos morros e nos bairros a eles confinantes, resta dizer alguma coisa sobre a expansão da parasitose no centro urbano residencial. Esta região fica entre os morros que circundam a cidade e o canal nº 6 ou Av. Cel. Joaquim Montenegro.

Embora se trate de bairros densamente povoados, aí se encontram numerosos terrenos baldios (cerca de 2.000), recobertos de vegetação rasteira, recortados de valas que se entrelaçam, recebendo e retendo as águas sem lhes dar escoamento. Nesses terrenos e valas, as pesquisas de focos têm revelado a presença de larvas de tarsimaculatus, strodei, oswaldoi, argyritarsis, albitarsis e intermedius. Ainda no centro da cidade foram capturados, em domicílio, um exemplar de tarsimaculatus e outro de oswaldoi.

Quanto aos doentes identificados no centro urbano, serão objeto de estudos especiais, no capítulo dos Comentários.