Capítulo 2
– A literatura de identidade portuária
2.6. As histórias que os portos contam
Franco Moretti, um
geógrafo que estuda literatura, defende que "cada espaço determina, ou pelo menos encoraja, sua própria espécie de história". No Altas
do romance europeu, o autor escreve que as fronteiras, não só as físicas, mas também as simbólicas, são locais das narrativas em que se
multiplicam as metáforas, isto é, o uso de expressões, imagens ou apenas uma palavra para identificar determinado objeto.
De
acordo com o apresentado neste capítulo, a literatura de identidade portuária reúne no mesmo espaço de fronteira geográfica e simbólica – o porto –
as trocas internacionais, os movimentos populacionais e a sugestão de metáforas (Barcelona, Moscou, espaço híbrido), num
esforço de dar significado a este espaço
[151].
E que são os navios
iluminados do título além de uma metáfora para a vida que José Severino de Jesus jamais conseguiu viver em Santos? Metáfora que se apresenta nesta
passagem em que o protagonista presencia a partida do Cap Arcona, um cruzeiro de passageiros que deixava o armazém 24, ao lado do armazém
onde ele e a turma 65 descarregavam carvão:
O
trecho do cais que ele ocupava tornou-se repentinamente deserto. Só os carvoeiros, sentados no chão, como sombras. A Severino tudo se lhe afigurava
sonho. Há poucos instantes tinha diante dos olhos um palácio encantado que desaparecera, num relance, ficando no seu lugar uma tristeza que se
espalhava por todas as coisas. No vazio, deixado pelo vapor via, apenas, as águas escuras e sujas. Uma saudade inexplicável, que ele não sabia de
onde vinha, apertou-lhe o peito, angustiando-o. (NI, 109) [152] |