Capítulo 1
– A história do romance: a realização de Navios Iluminados, edições e recepção crítica
1.6.
Recepção crítica
A história editorial de
Navios Iluminados começa em 1937 com sua publicação pela Livraria José Olympio, e, em 21 de dezembro desse ano surge a primeira nota sobre a
obra, no diário A Gazeta, de São Paulo. O autor da pequena notícia identifica o romance como obra do "laureado autor de O Lírio na
Torrente", obra anterior, de 1925, e adverte seus leitores[85]:
A rápida
leitura que fizemos de Navios Iluminados não nos permitiu ainda fixar um juízo definitivo acerca do novo livro do sr. Ranulpho Prata; mas já
podemos adiantar que se trata de um belo romance
[86].
A partir do início de 1938, novas análises são
publicadas. Em O Diário, de Santos, Antonio de Villaverde escreve em 6 de janeiro sobre a "enorme" distância que separa Navios Iluminados de
O Lírio na Torrente. E não é só a distância no tempo. Para Villaverde, os personagens da ficção de 1925 são delineados como esboços, ainda
que "liricamente", enquanto o romance de 1937 traz caracteres e tipos de "feição natural", o que, "além de os humanizar, mostra-os na nudez dos seus
instintos".
O resenhista traça com
cores fortes as características do protagonista, José Severino de Jesus, migrante do sertão da Bahia que tenta ganhar a vida como estivador no cais
de Santos:
Severino – razão de ser do
livro – é o continuado sofrimento da besta de carga que a máquina (...) vai, aos poucos, substituindo.
Mais à frente, o crítico utiliza o termo "kodaquizar" para dizer que Prata fez em seu romance um retrato da dura vida dos trabalhadores das
Docas, "em que a riqueza dos outros é transportada em ombros humanos", ombros daqueles que "nasceram com a sorte torcida" (agora a expressão é do
próprio Prata.
Em A Gazeta, já em 25 de setembro,
desta vez em um texto mais extenso, o resenhista, identificado pelas iniciais B.B., considera Navios Iluminados a melhor obra de Prata, "cujo
estilo escorreito, se não possui muita arte, também não incide nos efeitos de brilho fácil". B.B. considera escrita de Prata equilibrada e bem
legível, o que não é lá um elogio:
O sr. Ranulpho Prata consegue nos dar uma certa
impressão de "força" na simplicidade da narrativa. A vida dos taifeiros de Santos é descrita com vigor plástico, num realismo absolutamente despido
de artifícios. E o livro comove pela objetividade e a boa fé, pois jogando com elementos muito explorados por certos romancistas modernos, o autor
teve a felicidade de não fazer "romance proletário".
Apesar de constatar o realismo da narrativa do
autor, o resenhista diz com todas as letras que a obra não é um romance proletário, revelando uma recepção imediata semelhante à análise que Luís
Bueno faria em 2006, na qual afasta Navios Iluminados do romance proletário, dando-o como iniciador do momento da "nova dúvida".
A expressão "felizmente"
aponta a ressalva do resenhista com a literatura proletária, que se forma durante a segunda fase do modernismo, mais política, enquanto a primeira,
da década anterior, tinha uma plataforma mais ligada aos efeitos estéticos da escritura, ainda que os dois momentos fossem marcados por
transformações na linguagem literária, trazendo para a ficção a fala coloquial e outros motivos que, para os modernistas, iriam arejar a renovar as
letras nacionais[87].
Villaverde, Jair Silva e B.B. aproveitam o
"estilo escorreito" de Prata para reagir ao impulso literário modernista. B.B. acredita que os "equilibrados" livros de Prata, apesar de não se
arrojarem à descoberta de "novos horizontes", fogem dos "excessos e arbitrariedades tão freqüentes" daquele momento. Para o crítico mineiro, o uso
do baixo vocabulário estava tão comum que até ironizou: "Apesar da falta de imoralidade, a leitura não deixa, nem um instante, de ser agradável".
Villaverde, por sua vez, concluiu sua crítica, direto e sem ironias:
Afinal, um livro
sincero e bem escrito, o que é notável nos dias de hoje, em que a mentalidade se encarreira para uma arte feita de palavrões, que pode ser o regalo
de muitos, mas, positivamente, fere a estesia [sentimento do belo] dos que, por infelicidade, ainda sabem ler.
Nos perfis traçados por
Primo Vieira (1962) e Paulo Carvalho-Neto (1974), que tiveram acesso aos arquivos do escritor, podemos perceber como a obra de Prata foi difundida
por todo o país através da imprensa. Além da referência, Carvalho-Neto ainda anota um ou outro parágrafo.
Tabela
Referências de resenhas e artigos na
imprensa sobre Navios Iluminados
Autor |
Título ou seção |
Veículo/localização/data |
MPV |
PCN |
Não citado |
Nota bibliográfica |
A Gazeta/não
citado/21-12-37 |
X |
|
Não citado |
Nota bibliográfica |
O Globo/não citado/02-02-38 |
X |
|
Não citado |
Navios Iluminados |
A Tarde/Florianópolis/02-02-38 |
X |
X |
Rubens Amaral |
Navios Iluminados |
Folha da Manhã/não citado/ 23-03-38 |
X |
X |
Leonardo Arroio |
"Navios Iluminados",
história triste |
Folha da Manhã/não citado/1960 |
|
X |
B.B. |
Um romancista. À margem
da obra de Ranulpho Prata |
A Gazeta/não
citado/23-09-38 |
|
X |
Mário Couto |
Livros Novos.
Navios Iluminados |
Não citado/ Belém/1938 |
|
X |
Paulo Dantas |
Ranulfo
(sic) Prata |
O Tempo/não citado/15-04-53 |
|
X |
Lemos Brito |
Navios Iluminados |
Vanguarda/Rio de Janeiro/07-03-38 |
X |
X |
Álvaro Lopes |
Navios Iluminados |
A Tribuna/Santos/04-01-38
[89] |
X |
X |
Léo Mauro |
Dois artistas. Ranulpho
Prata. Herman Lima |
Flamma/Santos/junho de 1939 |
X |
X |
Oscar Mendes |
Navios Iluminados |
O Diário/Belo Horizonte/06-03-39 |
X |
X |
Não citado |
Navios Iluminados |
Jornal do Brasil/RJ/26-01-38 |
X |
X |
Não citado |
Navios Iluminados |
A República/Natal/24-03-38 |
X |
X |
Não citado |
Navios Iluminados |
Diário da Noite/não citado/24-03-38 |
X |
X |
O.B.S. |
Livros novos.
Navios Iluminados |
A Tarde/não citado/11-02-38 |
X |
X |
Pires Wynne |
Navios Iluminados |
A Cidade/Ribeirão
Preto/1938 |
X |
X |
Jair Silva |
Navios Iluminados |
Folha de Minas/25-03-38 |
X |
X |
Tasso da Silveira |
Letras nossas. Romance
e conto |
Não citado/não citado/10-03-38 |
|
X |
Antonio de Villaverde |
Navios Iluminados |
O Diário/Santos/janeiro de 1938 |
|
X |
Nelson Werneck Sodré |
Livros novos.
Navios Iluminados |
Correio Paulistano/20-02-38 |
X |
X |
Legendas:
MPV – citado por Monsenhor Primo Vieira
PCN – citado por Paulo Carvalho-Neto
Paulo de Carvalho-Neto ainda
distribuiu as críticas que encontrou em quatro categorias: simples notícia, comentários à margem, resenha informativa e crítica, sendo que à
qualquer uma o autor de perfil pode acrescentar a qualidade de "fonte imprescindível". São fontes imprescindíveis para o estudo do romance de
Ranulpho Prata, para Carvalho-Neto, as críticas de Nelson Werneck Sodré, de Leonardo Arroio, de Tasso da Silveira e de Paulo Dantas. |