Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0335b05.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/30/11 12:35:31
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PORTO & LITERATURA - BIBLIOTECA NM
Os navios iluminados de Ranulpho Prata (E)

Nacionais e de todo o mundo, como os navios que aqui aportam...

 

Clique na imagem para ir ao índice do livroCom o título "História e literatura no porto de Santos: o romance de identidade portuária Navios Iluminados", o jornalista Alessandro Alberto Atanes Pereira desenvolveu esse tema em sua coluna no site PortoGente. Essa dissertação foi defendida como tese de mestrado em 7 de abril de 2008 na Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/Departamento de História, tendo como orientadora Inez Garbuio Peralta e a banca examinadora integrada também por Wilma Therezinha Fernandes de Andrade e Maria Luiza Tucci Carneiro. O autor enviou o material para publicação em Novo Milênio, em 27/1/2011. Clique aqui<< para obter o arquivo final em formato PDF (2,80 MB), ou veja nestas páginas a versão original, mais completa:

Leva para a página anterior

História e Literatura no Porto de Santos:

O romance de identidade portuária Navios Iluminados

 Alessandro Alberto Atanes Pereira

Leva para a página seguinte da série

Capítulo 1 – A história do romance: a realização de Navios Iluminados, edições e recepção crítica

1.5. A Nova Dúvida

O tom resignado de Navios Iluminados é exemplar do que Luís Bueno chamou de "romance da nova dúvida". São obras escritas a partir de 1937 que apontam para o esgotamento do romance proletário. E é justamente Ranulpho Prata, com seu Navios Iluminados, quem inaugura essa vertente dos anos finais da década de 30, cujo maior representante, ainda de acordo com o historiador, é Vidas secas, de Graciliano Ramos, publicado um ano depois do romance de identidade portuária, cujo estilo seco e sem adjetivos replica no campo narrativo o que a realidade dos movimentos populacionais é para o protagonista, o retirante Fabiano, assim como é também para José Severino.

 

O romance é representativo do tempo da nova dúvida porque "não vê para o problema da pobreza soluções fáceis – aliás, nem fáceis nem difíceis: as soluções simplesmente não se apresentam no romance de 1937" [79]. Apesar de não ignorar diferenças, Bueno põe lado a lado Navios Iluminados e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, aclamado romance de 1938, conhecido pela secura do texto, expressão literária da inadaptabilidade do migrante Fabiano e sua família:

 

Os períodos curtos, diretos, onde os substantivos predominam, remetendo ao mundo da concretude, tão típicos do autor de Vidas Secas, constituem a essência da linguagem de Navios Iluminados[80].

 

Outra semelhança que o pesquisador do período literário observa entre os dois romances é o "movimento pendular" entre breves momentos de esperança frustrados pela irrealização de qualquer mudança:

Navios Iluminados é um romance estruturado sobre essa nova visão desesperançada que começa a dominar no final da década. Esse movimento pendular – que, como se verá, está também na base da estrutura do mais importante romance do final da década (e talvez de toda a década), Vidas Secas –, entranhado no desenvolvimento das ações do romance, dá uma representação artística exemplar ao espírito daqueles anos em que uma guerra decisiva parece inevitável e os ideais que pensavam uma sociedade pós-liberal justa têm que ser adiados [81].

Pode-se ainda aproximar os dois romances por meio do parentesco literário entre José Severino de Jesus e Fabiano, os protagonistas dos romances do cais e do sertão. Os dois são retirantes: um, no sertão, de fazenda a fazenda; outro, migrante, no cais do porto. Os dois também partilham uma inabilidade com as coisas dos homens, são desajeitados no manejo social (ver capítulo 3). São personagens característicos da década em que a narrativa ficcional buscava a expressão do outro, do pobre, daquele que não escreve [82]. Tiramos também do livro de Luís Bueno como isso ocorre em Navios Iluminados:

 

O terceiro capítulo, um dos mais bem acabados do livro, mostra como o pêndulo se move com dificuldade no caminho da esperança e da felicidade. A primeira dificuldade depois de tudo parecer assegurado [a vaga no trabalho] é enfrentar o mau humor do funcionário responsável, cansado de atender a tantas solicitações.

Vencida essa fácil contrariedade, lá vêm outras. São necessários papéis e fotos, que custam mais de cem mil-réis. É preciso conseguir dinheiro emprestado a juro alto, portanto. É preciso fazer um exame médico e arranjar algum desembaraço para se deixar fotografar pela primeira vez.

Essas idas e vindas de Severino, narradas com vagar quase mórbido, fazem com que o tempo passe lento na narrativa, especialmente por contrastar com o rápido avançar de dois meses nos capítulos anteriores.

 

A distância que o narrador mantém do universo do personagem, jamais traído em qualquer gesto de solidariedade ou observação que indique algum julgamento, contribui para que se construa esse tipo de efeito, já que é como se nada separasse a aflição do protagonista do leitor [83].

 

Bueno cita um trecho curto do romance portuário que dá dimensão histórica ao que é narrado: a cena mostra o protagonista na noite de descanso do primeiro dia de trabalho após meses de indefinição; por companhia, tem o dono do chalé para quem paga pensão; além deles, o infindável trabalho doméstico das mulheres e a "quase escravidão" de Florinda, filha do proprietário do quarto que Severino dividia com Felício, que engomava roupas no porão.

 

Luís Bueno termina da seguinte forma sua apreciação do romance de identidade portuária:

 

Navios Iluminados é um dos mais significativos romances do final da década. Embora não tenha tido nada o sucesso de Os Corumbas – e em grande medida porque o romance social entusiasmava menos nesses tempos de dúvida que ele próprio contribui para definir –, o romance de Ranulpho Prata tem todas as suas qualidades, acrescidas da escrita madura de um autor já veterano, que conhecia bem seus meios de expressão. Embora não seja um livro de todo desconhecido – já teve três edições, a última de 1996 – permanece menos lido do que deveria ser [84].