Reprodução parcial da página 45 da obra
Segunda Parte
Convento e Igreja de Santo Antonio
De todas as antiguidades de Santos, a que ainda se conserva de pé é a igreja de Santo
Antonio.
Para a história da igreja e do seu extinto convento, recorri ao velho arquivo da
Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, onde colhi dados preciosos com referência ao mesmo convento e igreja, assim como de outras
antiguidades santistas.
O fim principal deste histórico é para que não desapareça por completo todo esse
trabalho dos nossos antepassados, que não medindo esforços e com os maiores sacrifícios conseguiram elevar esta bendita cidade a grande altura no
conceito do Brasil e do estrangeiro. Hão de muitos notar em referir-me na maior parte deste trabalho às igrejas etc., com seus conventos, mas não de
convir, quer queiram quer não, que foi com a dedicação da igreja que tudo se fez no Brasil nos primórdios da nossa nacionalidade, tomando como ponto
mais importante a instrução primária e secundária.
Dito isto de passagem, prosseguirei.
Computando os velhos papéis já todos estragados pelo tempo, quase três séculos, quero
fazer conhecer o que não deve ficar desconhecido, descrevendo a história do Convento de Santo Antonio e de sua igreja, perpetuando deste modo a sua
memória.
O Convento de Santo Antonio e respectiva igreja foi fundado pelos religiosos da Ordem
Franciscana, pela piedade e zelo dos habitantes de Santos, então vila e praça de Santos, pertencente à Capitania de São Vicente, que com suas
esmolas contribuíram para a sua edificação, como fizeram também posteriormente até 1860, que para não desaparecer a igreja do convento, ajudaram a
Ordem Terceira da Penitência em tudo o que fosse possível para que a igreja não tivesse a mesma sorte do convento, isto é, o seu desaparecimento,
para dar lugar à Estrada de Ferro, e, como adiante se verá, a igreja continuou e continua de pé.
1860 - foi demolido o convento
O velho convento de Santo Antonio, demolido em 1860, estava edificado no lugar onde
está atualmente a estação da estrada de ferro, tendo sido desapropriado nessa época.
O convento não existe mais, porém a velha igreja continua desafiando a ação do tempo,
passando às vezes por reparos e limpezas, e ostenta altivamente na sua fachada três vezes secular a data 1640.
Primeiro abrigo dos franciscanos - 1639
Historiemos, pois, essa herança dos antepassados.
O padre pregador frei Manoel de Santa Maria, custódio da Província de Portugal,
alcançando do capitão general do Brasil, d. Fernandes Mascarenhas, conde da Torre, licença, veio para a então vila de Santos, trazendo para prelado
local o padre pregador frei Pedro de São Paulo, natural da cidade da Bahia (N.E.: assim era
chamada então a hoje capital baiana, Salvador), com mais alguns companheiros, os quais
recolheram-se na capela de N. S. do Desterro, que existia no lugar onde hoje está o Mosteiro de São Bento.
DOAÇÃO
O terreno em que foi edificado o convento de Santo Antonio e a igreja dos Religiosos
de São Francisco, convento que em 1860 foi desapropriado como atrás citei, sendo na ocasião da desapropriação provincial frei Antonio do Coração de
Maria Almeida, foi doado em 22 de março de 1640 ao custódio de Santo Antonio, frei Manuel de Santa Maria, por da. Felippa Pereira de Souza, em
escritura passada pelo tabelião Vicente Pires da Motta.
A capela do Desterro dos beneditinos serviu para abrigar os primeiros franciscanos
em 1839
Desta data em diante, os religiosos fizeram uma moradia provisória, passando-se da
capela do Desterro com o fim de darem começo às obras do Convento de Santo Antonio. Esse recolhimento provisório ficava bem próximo à água do mar na
Praia do Valongo.
Primeira missa na igreja de S. Antonio na ocasião da colocação da pedra fundamental
INÍCIO DA CONSTRUÇÃO
Em 13 de junho de 1640 deram início às obras e a 1º de julho do mesmo ano lançaram a
primeira pedra, celebrando no lugar uma missa onde hoje é o altar-mor o padre frei Manuel de Santa Maria.
O histórico deste velho convento tem muita relação com a Venerável Ordem Terceira de
S. Francisco da Penitência, como na sua história se vai completar.
A Ordem Terceira salva a igreja de S. Antonio - 1860
AVISO DO IMPÉRIO
O Aviso do Império de 3 de outubro de 1860 libertou a igreja de passar pela sorte do
convento, por ter sido desnecessária, à vista do acordo do exmo. presidente da província, dr. Polycarpo Lopes de Leão, e do exmo. fiscal dr. Ignacio
Wallace da Gama Cochrane, mandando o Governo de sua Majestade Imperial por "Aviso" de 17 de novembro de 1861, que a Igreja fosse entregue à
Venerável Ordem Terceira da Penitência, ficando as alfaias e seus adornos.
O SINO GRANDE DA IGREJA
Este sino que ainda está no campanário tem também sua história.
"Vindo no navio Lusitania da cidade do Porto, permaneceu muito tempo embargado
na Alfândega por não terem os religiosos a quantia necessária para o pagamento do frete e mais despesas, até que José Correa dos Santos fez esmola
de toda a quantia e a 28 de julho de 1829 foi colocado no campanário". (Public. do Diário de Santos - Almanak 1870).
O papa Pio IX esteve hospedado no convento em 1823
Ainda com referência ao mesmo convento, transcrevemos os dizeres de uma placa
comemorativa que existe na Igreja de Santo Antonio relativa a um fato histórico:
"Em 1823 o padre João Maria Mastai Ferrette, depois papa com o nome de Pio IX, de
passagem para o Chile em missão apostólica, morou alguns dias neste convento, sendo Santos o primeiro porto da América do Sul visitado pelo único
pontífice que veio ao novo mundo".
Proclamação do Dogma da Conceição - Representação da Ordem Terceira pelo comendador
João Manoel Alfaia Rodrigues - 1904 - em Roma - Única Ordem Terceira do Brasil que se fez representar
Sobre a colocação dessa placa, acresce ainda que os dizeres da mesma foram ditados
pelo papa Pio X, ao embaixador brasileiro dr. Bruno CHaves, junto à Santa Sé, na ocasião em que se achava em Roma o comendador João Manuel Alfaia
Rodrigues, que tinha ido à Cidade Eterna não só para tratar de interesses da Ordem Terceira, como representar a mesma nas festas do jubileu 50º
aniversário da proclamação do Dogma da Imaculada Conceição, sendo a única Ordem Terceira do Brasil que esteve representada nessa ocasião, tendo sido
o sr. comendador Alfaia recebido pelo S. Pontífice Pio X, por intermédio do então ministro dr. Bruno Chaves, como consta do arquivo da Ordem.
SEPULTAMENTOS NA IGREJA DE SANTO ANTONIO
No arquivo da Ordem Terceira da Penitência, livro respectivo, com termo de abertura em
8 de janeiro de 1726, por Manoel Jeronymo de Oliveira - Ministro:
Assentamentos
Depois de uma quantidade de enterramentos de menores, filhos de irmãos da Ordem
Terceira, segue-se:
D. Carolina de Carvalho, falecida em 19 de janeiro de 1829 - Lado do Evangelho.
Nº 7 - José Martins Vianna, falecido em 11 de agosto de 1834 - Lado do Evangelho.
Nº 8 - Anna S. de Castro, falecida em 18 de novembro de 1830, e Maria... Victoria,
falecida em 26 de maio de 1835 - Lado do Evangelho.
Nº 9 - Valentina Gomes de Miranda, falecida em 25 de maio de 1829.
Nº 1 - Manoel Francisco de Azevedo, falecido em 24 de outubro de 1834, e Luiz de Souza
Soares, falecido em 25 de setembro de 1841. Manoel José Dias Gonçalves, falecido em 10 de julho de 1849.
Nº 10 - Sargento-mor, governador da Bertioga, Luis Antonio Ribeiro, falecido em 14 de
julho de 1826. Capitão Ignacio dos Santos, falecido em 4 de novembro de 1830.
Nº 13 - Luís Pinheiro Vianna, falecido em 22 de janeiro de 1838.
Nº 14 - Brigadeiro Antonio Fernandes de Souza, professo na Ordem 3ª de S. Paulo,
falecido em 17 de ... 1833.
Nº 15 - Antonio Bexiga, falecido em S. Paulo em 13 de junho de 1857, deixando a
quantia de 100$000 de esmola para a Ordem Terceira.
Nº 16 - Candido do Rosario, falecido em 1º de novembro de 1826, e Manoel Joaquim Gomes
de Miranda, falecido em 25 de maio de 1830.
Nº 18 - Manoel Marques da Fonseca, falecido em 2 de maio de 1829. Maria Angélica,
falecida em 20 de agosto de 1843. Bernardo José de Almeida, falecido em 5 de setembro de 1845.
Nº 20 - Manoel João Dias Guimarães, falecido em 15 de setembro de 1829. Francisco...
falecido em 22 de maio de 1848.
Nº 21 - Domingos Gonçalves Pereira, falecido em 28 de março de 1826. Felix... falecido
em 14 de março de 1850.
Nº 23 - Manoel Lopes dos Santos, falecido em 23 de setembro de 1828. José Bernardo
Mazagão, falecido em 8 de outubro de 1832. José Narcizo, falecido em 18 de novembro de 1849.
Nº 25 - João da Silva Oliveira, falecido em 3 de maio de 1833, Irmão Terceiro da Ordem
em São Paulo.
Nº 26 - José Gomes, Irmão da Ordem em S. Paulo, falecido em 10 de julho de 1829.
Escolástica Maria, falecida em 21 de setembro de 1838.
Nº 27 - Jº. Caetano, Irmão da Ordem em São Paulo, falecido em 25 de janeiro de 1830.
Nº 28 - Manoel Alves Pinheiro, falecido em 20 de outubro de 1828. Capitão Joaquim
Rosa, noviço, da Ordem em S. Paulo, falecido em..., deixando uma esmola de 25$600.
N.B. - Da parte do Evangelho, Maria de Siqueira, falecida em 13 de dezembro de 1838.
OS ESCRAVOS
Quase todos os conventos possuíam seus escravos, que eram doações que se faziam para
os serviços da casa e, neste sentido, tem no arquivo da Ordem Terceira da Penitência, pacote nº 32, um livro que é o
INVENTÁRIO DO CONVENTO EM 1853
No termo de abertura diz que esse inventário foi feito por ordem do ministro
provincial frei Francisco e São Diogo, por ter o antigo livro se perdido num naufrágio que sofreu o padre guardião de Santos. Na página 3-verso,
diz:
Benedicto, pardo. Foi para a Corte por ordem do revmo.... aos 21 de dezembro de
1854.
Benedicto - crioulo. Existe só este crioulo.
Diogo - Africano de nação. Foi vendido já não encontrei.
Mais abaixo no mesmo livro tem o seguinte histórico:
"O escravo Benedicto que aqui se menciona se vendeu aos Abreu & Bandeira, tendo sido
feito esta venda com a prévia licença do revmo. padre provincial frei Antonio do Coração de Maria Almeida, pela carta que dirigiu-me em 26 de
outubro de 1855. Salvo erro.
"E tendo ficado o convento exonerado do dito escravo, fiz este Termo que assino.
Convento de Santo Antonio em 1º de fevereiro de 1856 - frei Manoel de Santa Izabel Alves Brandão".
TRADIÇÃO
Dizem que, não havendo em Santos água encanada, o maior serviço desses escravos era o
transporte de água da bica do morro de São Bento para o Convento de Santo Antonio. Outro serviço que faziam era a limpeza do convento e da igreja, e
não eram maltratados, pois cumpriam à risca, com a devoção que tinham e estimavam muito os religiosos franciscanos.
ORDEM TERCEIRA DE S. FRANCISCO DA PENITÊNCIA
Apreciação em geral
Foi esta Venerável Ordem fundada pelo seu seráfico pai S. Francisco de Assis, em 1221,
e foi aprovada sua Regra pela bula Viva vocis Oraculo, até que o S. Pontífice Nicolau IV, a 17 de agosto de 1288, novamente aprovou. Esta
regra foi reformada por Leão XIII na sua constituição Misericors Dei Filius em 30 de maio de 1883.
A respeito desta Ordem se manifestaram, concedendo-lhe graças e privilégios, 41
soberanos pontífices; como demonstração de seu paternal afeto, passou a bula Paterna Sedis Apostolicae em 10 de dezembro de 1725, o S. Padre
Benedicto XIII, de feliz memória, que confirmou nesta bula todas as graças e privilégios aos filhos desta venerável ordem.
Da mesma forma foi aprovada por três concílios gerais, a saber: o Vienense, no tempo
de Clemente V; o Lateranense, de Leão X, e o Tridentino.
Fundação da Ordem Terceira - 1641
A ORDEM TERCEIRA EM SANTOS
Começou a funcionar em 20 de outubro de 1641, sendo o seu primeiro ministro o irmão
Manoel da SIlva Vasconcellos, praticando seus exercícios espirituais em um capítulo dos religiosos da mesma Ordem até o ano de 1689, que teve começo
a edificação da sua capela. O capítulo era na bendita Sacristia do Convento de Santo Antonio, conhecido por muitos habitantes do lugar, durante a
guardiania do revmo. frei Luiz de Santo Ambrozio; celebrando-se missa às sextas-feiras o revmo. comissário visitador, exceto a recepção de hábito e
profissão, que eram feitos na capela-mor da Igreja.
Fundação da capela e claustro da Ordem Terceira da Penitência - 1689
Possuindo a Ordem Terceira o terreno doado por escritura passada pelo tabelião Manoel
José da Silva em 24 de novembro de 1691 no definitório do ministro José dos Santos Luz e igualmente tendo licença dos prelados maiores; devido ao
zelo e avultada esmola do ministro João Cardozo de Oliveira em 1689, colocaram a pedra fundamental, sendo provincial da Custódia da Imaculada
Conceição frei Eusebio da Espectação, primeiro eleito, no capítulo que celebrou-se em 1677 no Rio de Janeiro, estando separado da província da Bahia
desde 22 de janeiro de 1677 pelo breve o S. Padre Clemente X, de 15 de julho de 1675, que começa:
Província da Imaculada Conceição - 1675
"Pastoralis Officiae em que foi elevada à categoria de Província".
Primeira missa na capela da Ordem Terceira da Penitência - 1691
O padre mestre frei Agostinho da Conceição e o provincial benzeram e celebraram missa
solene em 24 de março de 1691, sendo ministro Gaspar Rodrigues Vieira (ou Vianna).
Tem ainda o primitivo altar, obra ricamente entalada onde não se sabe o que melhor
apreciar, se o gosto que presidiu a confecção ou se a paciência do artista que o executou, destacando no alto do retábulo as armas da Ordem.
- Tem por padroeira N. S. da Conceição, também sua imagem existe no nicho principal do
altar, tendo do lado do Evangelho em nichos separados as imagens de Santa Izabel, rainha da Hungria, e do lado S. Domingos e Santa Rosa de Viterbo.
Primeiro centenário da Ordem Terceira da Penitência - 1741
O trono do mesmo altar representa o Monte Alverne, tendo sido colocado em 14 de junho
de 1741, quando se comemorou o primeiro centenário da Ordem Terceira de Santos, a imagem do Senhor Crucificado, a qual tem a seus pés o Seráfico
Patriarca recebendo a impressão das chagas sagradas de Nosso Senhor.
A suntuosidade da capela da Ordem 3ª da Penitência até o ano de 1868
O QUE FOI ESTA CAPELA
As paredes laterais eram forradas de azulejos mandados vir de Lisboa em 1726 e
colocados por ordem do ministro Pedro da Silva Corrêa, representando do lado esquerdo:
"O Patriarca S. Francisco em um carro, e anjos guiando-o, precedido dos santos filhos
da Ordem Terceira".
Do lado direito:
"Simbolizava o Imaculado Coração de Maria em um carro triunfal seguido
processionalmente dos Santos Doutores da Igreja, estando o hierarca Lutero esmagado por uma das rodas, e Calvino atado ao carro".
O TETO
Era dividido em 24 quadros representando algumas passagens da vida do Santo Patriarca,
obra de gosto, a qual em 1868 foi substituída por um desses tetos comuns.
A SACRISTIA
Era regular, tendo pintado no teto os martírios da Paixão do Senhor, e era digno de
apreço um painel representando o triunfo de Jesus Cristo.
Uma tempestade derrubou os ladrilhos já muito estragados e não foi possível
recompô-los por se acharem quebrados
Fica assim descrito o que foi a grandiosidade da arte na capela da Ordem Terceira até
o ano de 1868. Os ladrilhos artísticos já muito estragados e sem possibilidade de restauração desapareceram depois do ano de 1900.
Da grandeza do passado no tocante à capela ainda se conserva, apenas, o altar; o mais
foi tudo reformado, sem o que não poderia resistir quase três séculos de existência.
Em continuação, vejamos a documentação histórica tirada do arquivo da Ordem Terceira,
tudo com referência ao velho convento de Santo Antonio, desapropriado em 1860.
AQUISIÇÃO DO CONVENTO
Ecos da demolição do convento de Santo Antonio - 1860
Quando a Companhia de Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí apropriou-se do convento,
lê-se na ata de 25 de abril de 1860 o seguinte:
"O irmão ministro declarou que a presente sessão tinha por fim fazer ciente à Ordem
que a ele se apresentou João Hayden, emissário do barão de Mauá, e que declarou-se encarregado de saber quanto a Ordem Terceira pretendia a fim de
ser desapropriada a sua capela e mais dependências de sua propriedade para a Estação da Estrada de Ferro que seria onde está o convento, que se
projetava fundar nesta cidade, abrangendo também a Ordem Terceira, e passava (o ministro) a ler um discurso análogo à matéria a tratar, como de
fato, com sublime eloqüência.
"O irmão procurador propôs que o dito discurso fosse mandado imprimir nas folhas
públicas. O mesmo irmão propôs que fosse também inserido na ata.
"Foi aprovado.
"Estando em discussão a matéria, o irmão ministro respondeu que o encarregado de
tratar com ele sobre a desapropriação dos bens da Ordem declarou-lhe que relativamente ao convento de Santo Antonio já estava arranjado com os
frades do Rio de Janeiro, porque já estava vendido! e a mesa portanto deliberasse o que entender conveniente.
Luta da Ordem Terceira da Penitência para salvar seus bens com a pretensão da
Companhia de Estrada de Ferro Barão de Mauá - 1860
"Falaram diversos irmãos sobre a matéria, e depois de bem discutida, resolveram por
unanimidade de votos que o irmão ministro respondesse ao agente da desapropriação dos bens da Ordem, que a capela e mais dependências, não estava em
negociação alguma a respeito.
"O irmão ministro ponderou à vista da lei respectiva, deviam as plantas para tais
estradas serem aprovadas por Direito, que até aquela data não constava e, nessa dúvida, propunha que se levasse uma representação ao Governo
assinada pela Ordem e por todos que quisessem fazer, pedindo a conservação da igreja do convento e de todas as dependências de propriedade da Ordem
Terceira.
"Foi aprovado.
"O irmão ministro nomeou membro da redação da aludida representação o irmão procurador
João Feliciano da Silveira Anjos.
"O irmão procurador ponderou que julgava conveniente que além da mencionada
representação a Mesa nomeasse uma comissão para, particularmente, tratar com o chefe da Companhia da Estrada de Ferro, pedindo a remoção da Estação
para outro lugar que não fosse necessário tocar na Igreja do Convento e na Ordem Terceira. Aprovado.
"O irmão Cesar propôs que se oficiasse ao revmo. padre ministro provincial no Rio de
Janeiro estranhando que tenha ele deliberado a venda do convento e sua igreja, sem ter comunicado à Ordem Terceira que gozava na Igreja de Santo
Antonio de certos indultos e por onde se servia".
Depois dos fatos mencionados, passo a transcrever o referido discurso, que,
efetivamente, foi pronunciado com sublime eloqüência, assinado pelo irmão ministro dessa época, Francisco Martins dos Santos.
O DISCURSO-PROTESTO
"...Convidando-os para a presente reunião, fui compelido a este doloroso dever por
motivo urgente e de interesse vital para a nossa Ordem, submetendo a vossa consideração que, após a necessária discussão e maduro exame, resolvereis
com a prudência precisa para que possamos cumprir a missão que nos foi confiada quando adotamos por símbolo o cordão do seráfico padre São
Francisco.
"Meus irmãos!
"O desgosto e indignação de que me acho possuído, me fazem talvez exorbitar de minhas
atribuições como indigno ministro desta Venerável Ordem, me impelem a algumas reflexões em desabafo! Desculpai-me, pois!
"Quando os nossos maiores, que cuidavam mais da alma e da virtude, que de cifras com
números e com onerosos sacrifícios, procuraram e conseguiram fundar este Templo, não anteviam certamente que viria um século que pouco modesto, e no
desvario da torrente em que se afoga, apelidar-se o século das luzes, o qual acérrimo sectário do gênio destruidor, se empenha não só em lançar um
completo olvido a tantos e tão belos padrões de glória, com destruí-los desde seus alicerces, e profanando-os com impuro contato e aplicação!
"Custa acreditar em tantas e tão rápidas degenerações de costumes!
Vibrante protesto do irmão ministro que produziu excelente resultado - 1860
"É bem doloroso sentir-se o desprezo em que são votados os mais santos dogmas da
religião de Cristo! Mas a realidade existe e desgraçadamente a decepção aparece e falam mais altos os interesses pessoais que as nossas crenças!
"A Empresa da Estrada de Ferro desta Província quer chamar a si por compra ou
desapropriação a nossa capela e seu edifício e destarte converter tão augusto e secular monumento em ostentosos armazéns e quiçá, em luxuriosos
botequins e mil outras futilidades!
"Que a Empresa que poderia ser só grandiosa útil tornar-se vil instrumento de
profanação estreando a sua obra por um semi-sacrilégio, aprovado pela ingratidão dos poucos frades franciscanos que não imitam os Jaboatões, São
Carlos, Galvões e Monte Alverne!!!
"Então teremos que assistir o revolver-se as cinzas venerandas dos nossos avós para
sobre eles depor os carris da via férrea!
"Teremos de ver os fragmentos sagrados do nosso Templo calcados pelo tacão da
indústria apadrinhada sob o nome de civilização e progresso - em menoscabo da Santa Religião que professamos e do Império de Santa Cruz!...
"Nós, meus irmãos, fracos, tendo de lutar na arena com poderosos atletas; em luta tão
desigual, é certa a nossa derrota. Embora, demais é bela e preferível! e provará à humanidade corrompida e abalada que a virtude, quanto mais rara,
mais brilho ostenta, e que os filhos de São Francisco em Santos, fiéis ao seu preceito de honrar e conservar seu templo e não de mercadejar e
aviltar, não pactuarão com seus adversários, e não esquecerão os votos de adesão, respeito e culto, que juraram tributar-lhe e se conservam firmes
no posto de honra que lhes cumprem guardar!
"Pleiteemos, palmo a palmo, e armados de arma legal apelemos para os poderes supremos
do Estado e confiemos pouco na justiça dos homens e muito na proteção de Nossa Mãe Santíssima e Padroeira!
"Só no derradeiro transe então, curvemos a cerviz, com a convicção e sossego do justo
como último protesto de vítimas sacrificadas em holocausto, no altar corrupto do século!
"Francisco Martins dos Santos".
Defendendo assim a Igreja de Santo Antonio e também as suas propriedades, a Ordem
Terceira viu coroada de êxito a sua luta, pois consta mesmo do arquivo que os operários da Estrada de Ferro, por determinação dos seus superiores,
já estavam tentando tirar do altar a imagem do Santo, depois de terem demolido uma parte da parede lateral da sacristia, ameaçando a segurança da
torre.
O que diz a tradição - 1860
Sobre esta tentativa de demolição da Igreja, vejamos as ocorrências que se deram:
FATO CURIOSO
Quando estavam tentando retirar a imagem de Santo Antonio do altar-mor, notavam os
operários que não havia força humana que conseguisse e, depois de tantos esforços, terminaram desistindo, levando ao conhecimento dos chefes, que,
observando o mesmo fato em nova tentativa, terminaram desistindo, e dando-se nessa ocasião a conversão de uma senhora inglesa que era protestante,
pedindo depois para fazer parte da Ordem Terceira, o que não conseguiu por ter a mesma sra. se retirado de Santos para Jundiaí.
Esta notícia correu logo pela cidade e não demorou muito em rebentar.
UM LEVANTE DO POVO
Aglomerando-se muita gente no lugar do fenômeno, todos protestavam em altos brados
contra a pretensão do pessoal da Estrada, chegando mesmo a haver
UM GRANDE CONFLITO
Nesse conflito, o povo saiu vencedor em toda a linha, tendo ficado no lugar a imagem
de Santo Antonio, e não mais os operários da Estrada tocaram na Igreja. Eis a razão porque, diz a tradição, tem o Santo ao lado direito, em
descanso, uma
BENGALA
que foi presente do visconde de Embaré, como símbolo da repulsa aos que quiseram
retirá-lo do altar.
Depois desta ocorrência, não demorou muito o "Aviso do Império", entregando a Igreja
de Santo Antonio À Ordem Terceira, escapando da demolição depois da derrubada do convento.
Teor do aviso:
"Nº 513 - Império - Aviso de 7 de novembro de 1861, 6ª Seção - Rio de Janeiro -
Ministério do Império, 7 de novembro de 1861.
"Foi ouvida a seção dos Negócios do Império do Conselho de Estado sobre o requerimento
em que a Irmandade da Ordem Terceira da Penitência da cidade de Santos, pede ao Governo Imperial que lhe seja entregue a Igreja do Convento de Santo
Antonio pertencente a essa corporação naquela cidade e bem assim os móveis, paramentos e alfaias, imagens existentes na mesma Igreja.
"Sua Majestade o Imperador, conformando-se por imediata resolução de 26 de outubro
próximo findo com o parecer da referida seção exarada em consulta de 8 do dito mês.
"Há por bem mandar autorizar a V. Redma. confiar a mencionada Irmandade tão somente a
administração da igreja e imagens que nela se acham com os competentes adornos de prata, excluindo porém os paramentos e alfaias necessários a
outros conventos etc..."
A Ordem 3ª tomou posse da Igreja de Santo Antonio - 1871
Este ofício é idêntico ao que foi enviado ao provincial, e a Ordem Terceira, tomando
posse da igreja, a recebeu sob inventário do que existia no templo, em 11 de junho de 1871, data do inventário que foi assinado por toda a mesa
definitória, depois reconhecidas as firmas pelo tabelião Joaquim Fernandes Pacheco em 12 do mesmo mês. Assinava em primeiro lugar o padre Luiz
Alves, como síndico do convento e comissário da Ordem nesse tempo.
Quando o governo em 1910 ou 1911 m/m pretendeu chamar a si a Igreja de S. Antonio,
esbarrou com a posse legal da Ordem 3ª e farta documentação registrada de despesas no templo a débito da Ordem 1ª. Foi devolvida a precatória sem
cumprimento
Devido ao mau estado em que já se achava a igreja, a Ordem Terceira precisava fazer
obras na mesma; por muito tempo duraram esses reparos, para evitar a sua ruína completa.
Requereu ao juiz provedor de capelas, para executar tais obras, com a condição de ser
indenizada pela Ordem Primeira. Esse requerimento teve despacho favorável em 21 de outubro de 1863, assinado Pinheiro e Prado.
Por muito tempo ainda, a Ordem Terceira, na medida de suas forças, ia sustentando a
igreja, reparando o mais necessário para que o templo pudesse resistir, chegando mesmo a substituir as tesouras do telhado por outras novas, fazendo
também o ladrilho de toda a igreja que era assoalhada, e tudo esburacado e podre, cujas formigas, em grande quantidade, não deixavam os fiéis em
sossego (Pac. Nº 8).
ALTAR DE N. S. DAS DORES
Este altar foi construído pela Ordem Terceira em 1873 (Pac. Nº 8), colocando nele a
respectiva imagem que ainda se conserva, sendo uma das mais perfeitas.
Assim foi o passado da Ordem Terceira em lutas constantes para a conservação da
igreja; agora antes de entrarmos na terceira parte deste trabalho vou referir-me a outra luta que muito tempo durou: a falta de comissários, e cuja
causa se vai ler a seguir.
ECOS DA INDEPENDÊNCIA EM 1822
Falta de comissários - Esta falta já se previa desde os primórdios da
Independência do Brasil em 1822, pela natural animosidade entre brasileiros e portugueses, cujos frades franciscanos da então mais que pujante
Província da Imaculada Conceição, era uma terça parte, composta de portugueses, ou mesmo se não chegasse a tanto, podia-se considerar a metade de
brasileiros. No seio da Província, é claro, onde reinava o verdadeiro espírito do Evangelho e a disciplina dos claustros, não havia entre os frades
a menor desinteligência sobre a grande propaganda que em todo o país se fazia, para que surgisse, como surgiu em 1822, uma Pátria livre. A prevenção
contra os frades portugueses era somente entre o povo, e por esse motivo, já começavam a ser poucas as vocações para o claustro.
Para estas conclusões foi ouvido o parecer de um antigo frade que conhece bem a
história da Ordem dos Menores
Acontecia que quando o capítulo elegia para Superior Geral um frade português, as
famílias não queriam enviar seus filhos a estudar para ser frade, somente para não ficarem sob o jugo de um português. Assim foi por muito tempo,
até que a Santa Sé, para remediar esse estado de coisas, resolveu que em cada três anos, em que se reuniam os Capítulos, fossem eleitos
alternadamente, uma vez um frade brasileiro,uma vez um frade português.
Em parte foi resolvida pela Santa Sé, que viu aparecer ainda algumas vocações para a
carreira do convento, porém mais tarde surgiu o segundo fator: a falta de comissários; e bem mais grave, pois não houve remédio; quero referir-me à
MAÇONARIA
Proibição às ordens religiosas de continuarem com noviciado no Brasil - 1855
Havia a guerra sem tréguas entre a maçonaria, que nesse tempo ainda tinha forças, e a
Igreja, de maneiras que, em 19 de janeiro de 1855, apareceu um "Aviso", assinado pelo conselheiro José Thomaz Nabuco de Araújo, ministro, proibindo
terminantemente às ordens religiosas continuarem com noviciado no Brasil até um eventual acordo com a Santa Sé.
Este acordo nunca veio, até que depois veio a República, terminando este estado de
coisas.
Pelo exposto, vimos como vieram a faltar os frades, que quase se extinguiram, chegando
mesmo a residirem no Convento de Santo Antonio apenas dois: frei João do Amor Divino Costa, já falecido, e frei Diogo de Freitas, este último ainda
está vivo e reside atualmente no Convento de São Francisco em São Paulo, último dos sobreviventes de tamanha perseguição injusta e maçônica.
As conseqüências sofreram também as Ordens Terceiras, cujos frades, poucos que
existiam, não podiam atender aos constantes pedidos de comissários, por não terem frades em formação, com a proibição do noviciado no Brasil.
O convento de Santo Antonio no Rio de Janeiro servia também de hospital para os
frades e seculares
Note-se que a Província da Imaculada Conceição, no tempo da sua maior pujança, chegou
a ter em todo o Sul do Brasil mais de 700 frades, sendo que no Convento de Santo Antonio no Rio de Janeiro chegaram a residir 120 frades, para
depois chegar ao aniquilamento completo.
Agora, novamente floresce a Província, tendo numerosos estudantes fazendo noviciado e
as Ordens Terceiras novamente retomaram a grande prosperidade, principalmente a de Santos, cujo número de terceiros vai sempre crescendo para a
glória de Deus.
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