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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
El Brasil (F)

Clique na imagem para ir ao índice da obraUm país recém-entrado no regime republicano, passando por grandes transformações políticas, econômicas e sociais, sob o império dos oscilantes preços do café. Assim é o Brasil encontrado pelo jornalista argentino Manuel Bernárdez, que em 1908 vem tentar decifrar o que aqui ocorria. É dele a expressão "Metrópole do café", com que alcunhou a capital paulista [*]. Sua obra El Brasil - su vida - su trabajo - su futuro foi editada na capital argentina, em castelhano, sendo impressa em Talleres Heliográficos de Ortega y Radaelli, Paseo Colón, 1266, Buenos Aires.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, foi cedido em maio de 2010 para digitalização, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, a Novo Milênio, que apresenta nestas páginas a primeira tradução integral conhecida da obra para o idioma português - páginas 45 a 56:

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El Brasil

su vida - su trabajo - su futuro

Manuel Bernárdez

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CURIOSOS MINÉRIOS DE FERRO MINEIRO - Piritas de ferro quase puro, que têm a propriedade de se apresentar em cristais laminados, oferecendo com freqüência polígonos perfeitos
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O ferro em Minas Gerais

Até o coração do Brasil - Na região do minério de ferro - Passado metalúrgico de Minas - Presente e porvir - A usina Esperança - A montanha de ferro de Itabira - Odisséia de uma fábrica - O triunfo da energia - Os politécnicos de Rio de Janeiro e seu êxito na prova industrial - As jazidas de manganês - Exploração deste produto - "Companhia do Morro da Mina" e "Usina Wigg" - O saguão do inferno - Organização do trabalho mineiro - Salários e moradias - Escolas, música, vida sã - A capelita secular - "Um coração de ouro num peito de ferro"

Ver o Brasil só em seus portos e cidades litorâneas teria sido mais cômodo – mas não se poderia obter dessa visita senão uma impressão superficial, imperfeita e possivelmente deformada. Tinha pois a resolução de me internar em um rumo qualquer, para ver por dentro a vida e o trabalho do país em suas formas tradicionais e em seus processos de evolução; e aproveitando uma boa conjuntura que se me oferecia para galopar pelo interior dois mil quilômetros de via férrea em quatro dias, resolvi sem vacilar e me lancei, em uma espécie de violento segundo plano, até o misterioso coração do Brasil.

Partimos à tardinha, cruzando durante horas os pitorescos arrabaldes do Rio, que são outras tantas cidades, dispersas pelos morros, declives e valezinhos do extensíssimo território fluminense; e depois de uns 500 quilômetros subindo sempre, com um diabólico drible do trem na borda, evitando montes e saltando precipícios, primeiro a Serra da Costa e em seguida a Serra da Mantiqueira, chegamos, nas primeiras horas de uma radiante e tíbia manhã brasileira, à estação Esperança, da ferrovia Central do Brasil, já em pleno território de Minas Gerais. Mais que isto: em pleno território de minerais, origem do nome e fama do que começa a ser hoje florescente estado industrial, pastoril e agrícola, além de continuar sendo mineiro.

A conversação da noite, sustentada principalmente pelo inimitável causeur (N.E.: francês: conversador, contador de histórias) Gaston da Cunha, girou, como era natural, sobre o tema ambiente: ouro, diamantes, a tradição sombria e deslumbrante das antigas aventuras pela fortuna, das grandes empresas, das imensas ruínas, de achados maravilhosos, de crimes e heroísmos, tudo passou em rápida resenha, que, às vezes, fazia brilhar os olhos e valsar o coração em um desvario alucinante, interrompido a tempo por algum dos violentos sacolejos do trem que, resfolegando como um potro selvagem, subia a todo vapor – 60 quilômetros por hora – os retorcidos meandros da serrania.

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CURIOSOS MINÉRIOS DE FERRO MINEIRO - Limonitas, de alto teor mineral, que se apresentam em formas tubulares do mais curioso efeito. Tudo isto abunda em montes inteiros, facilitando a extração econômica do minério de ferro
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Mas o que me interessava conhecer, tanto como o aspecto mineiro da grande aventura, do ouro e dos diamantes, era a face industrial do ferro – a metalurgia tradicional de Minas, já descrita por Saint-Hilaire, e que, no primeiro terço do século passado (N.E.: século XIX), sustentava uma fábrica de folhas-de-Flandres e ferramentas de agricultura e mineração, chegando-se a produzir 2.500 toneladas de ferro por ano em não menos de 120 forjas, disseminadas em uma pequena zona.

As mineraçõs do ferro, do cobre, do manganês, dos minerais baratos que mostram o fruto distantes da mão, à parte da novidade que para mim tinham, me são especialmente simpáticas, porque disciplinam a vontade e dotam as povoações mineiras de um espírito de perseverança correlacionado com certa saudável restrição da fantasia.

Com isso, não se pode improvisar fortunas – fazem-se, mas raramente, com suor e porfia – e isto é precioso para os países que necessitam radicar em seus desertos situações de vida e trabalho estáveis, aptas para desenvolver lentamente sua prosperidade.

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VINHETAS DO TRABALHO E DA VIDA - A metalurgia de ferro em Minas Gerais - Vista parcial, em panorama, da Usina Esperança
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A 500 passos da estação, quase sobre a margem do Rio Itabira do Campo, enchendo um valezinho risonho com suas populações, está a usina Esperança. Adianto desde logo que se trata de uma usina pequena, porque a metalurgia, transtornada em suas bases originárias pela supressão do escravo, não encontrou ainda sua fórmula econômico-industrial definitiva – mas os fatores essenciais de um futuro seguro existiam ali, e isso era o que desejava ver de perto.

Percorrendo em um rápido exame as propriedades junto à usina, impõe-se, desde logo, a quantidade e a qualidade do mineral jacente naquelas montanhas, capazes de abastecer o mundo inteiro por séculos, quando a eletro-metalurgia do ferro, que hoje tenteia soluções definitivas, diga a última palavra, como seguramente a dirá. Nesse dia o Brasil, como um balão cativo a quem lhe cortam a corda, dará um salto no espaço como nação minero-metalúrgica.

Todos esses cordões de morros que se perdem no horizonte são de ferro nativo, quase puro, em suas formações mais características: esta usina trabalha sesquióxidos e oligistos por razões de facilidade para a fundição, e obtém uns 68% de ferro puro – mas ali em frente, dominando os morros circunvizinhos com sua poderosa silhueta, se alça o monte Itabira, que é todo ele uma massa de ferro, de um mineral especial, glosado em seu próprio nome – ferro "itabirito' -, cuja análise lança 75% de ferro metálico; e ali junto, mais acessível ainda que o mineral do monte Itabira, possui a usina Esperança poderosas jazidas de hematita compacta, com 66% de teor específico – tendo ainda esta hematita a condição interessante de ser análoga aos minerais com que se obteve até agora resultados mais prometedores nos processos eletro-metalúrgicos, que estão a ponto de produzir uma incalculável revolução nas grandes indústrias de ferro.

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VINHETAS DO TRABALHO E DA VIDA - O amor santificado pelo trabalho - Detalhe do lar do engenheiro Queiroz, onde floresce seu carinho, imediato à Usina, onde deu fruto sua energia
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Enquanto falávamos disso, íamos visitando a usina e suas dependências, em que se acumularam gastos e erros, acertos e desalentos, até concluir na atual situação, perfeitamente controlada. Mais interessante se fez ainda para mim a observação daquele esforço florescente, ao conhecer as vicissitudes por que havia passado a fábrica e como, por quem e com que meios havia sido posta de novo à tona.

Fundada em 1886 por um experimentado industrial suíço, tomou em poucos anos um importante desenvolvimento; mas, comprada desde 1893 – época dos febris empreendimentos em grande escala – por uma companhia que quis abarcar e forçar a indústria adquirindo essa e outras usinas, sofreu um fracasso rápido.

Nesta situação, de completa ruína, foi adquirida, em sociedade com um amigo, por um jovem engenheiro de minas, Queiroz Junior, recém-saído da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Em pouco tempo, por dificuldades com seu sócio, o engenheiro Queiroz, que havia empregado ali seu pequeno capital e tentado sua primeira empresa, se arrojou valentemente a afrontá-la sozinho. Havia se casado ao receber o título e tinha, como todos os jovens graduados em uma cidade atraente, o sonho de se radicar no Rio – mas as circunstâncias, que fazem, segundo Emerson, a metade do destino, puseram bruscamente à prova seu temperamento e sua energia, e o jovem respondeu à exigência.

A situação econômica da usina estava já outra vez comprometida – haviam sido feitas dívidas consideráveis, e o capital do novo dono havia ficado limitado ao seu esforço.

Não pensou nem um momento em diminuí-lo. Sem recursos, até sem gosto por uma empresa tão mal começada, resolveu-se Queiroz a levá-la adiante. Transferiu sua residência de recém-casado ao distante e solitário campo de ação, e purificou as doçuras da lua-de-mel com as nobres alegrias do trabalho. Recompôs o alto-forno, aperfeiçoou os processos em uso, barateou a tarefa tomando ele a maior parte das fadigas, organizou enfim as coisas de tal sorte que hoje, depois de oito anos de trabalho incessante, a indústria metalúrgica tem em Esperança um centro florescente, dentro das modestas proporções que foi possível dar à usina.

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VINHETAS DA INDÚSTRIA MINEIRA - A metalurgia mineira - Boca do alto-forno da Usina Esperança. A fundição está pronta. Os trabalhadores espumam as últimas escórias. No solo pode-se ver os canais de terra refratária prontos para receber o metal em fusão. O engenheiro Queiroz (à esquerda na foto) dirige a operação, não isenta de risco
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A produção atual é de seis toneladas de ferro de superior qualidade em 24 horas, gastando para cada fornada ao redor de 20 metros cúbicos, ou seja 500 quilos, de carvão de lenha, trazido em tropas de mulas da floresta vizinha.

A demanda é muito superior à produção, que é vendida toda a 90.000 réis a tonelada, ou seja uns 65 nacionais, obtendo, segundo os cálculos que pude fazer somando os gastos de que tomei minuciosa nota – carvão, transportes, pessoal, fretes, deterioração, juros etc. – uns 20 nacionais de lucro por tonelada.

No ano passado, a usina mandou a Buenos Aires várias toneladas de seu produto para testar o mercado, e as vendeu a 90 pesos, tendo sido feitas a ela boas encomendas – mas não pode atender os envios por causa das limitações da produção, que é absorvida em sua grande parte pelas obras da Ferrovia Central do Brasil, devendo com as sobras manter a clientela já feita de Rio e de São Paulo. Tal foi, portanto, o êxito obtido por esta interessante empresa.

A Providência, que não esquece os que são tenazes e têm fé, abençoou entretanto o bom sucesso do engenheiro Queiroz, dando a seu lar quatro lindas criaturas, que animam com sua alegria o severo aspecto daquele centro de trabalho – o qual me parecia tão interessante por sua face industrial como pela forte e sã moral que surgia daquele simples e varonil exemplo de vontade e caráter, singularmente sugestivo para minhas observações.

De fato: não só o caráter do homem que foi ali o realizador – o qual por seu tipo e origem é genuinamente brasileiro -, como também o caráter da instrução técnica que ele havia recebido, se ofereciam como dignos de particular observação.

Aquele jovem engenheiro recém-saído da aula, recém-casado, com raízes no Rio de Janeiro, que repentinamente se vê obrigado a se fixar em um ponto afastado e estranho, e radica ali o centro de sua vida, e se joga inteiro em uma empresa cheia de dificuldades, triunfando pelos sentidos depois de amplos anos de tenacidade, resultava para mim, na verdade, um sugestivo prospecto para induzir, por ele, o que se pode esperar de sua raça e para apreciar a natureza do ensino politécnico brasileiro com elementos de juízo que não teria encontrado em uma visita à escola do Rio nem em uma leitura de seus programas.

A senhora Queiroz, por sua parte, fez sua nobre tarefa na empresa comum, abrandando as horas da vida difícil. Seu lar, vizinho ao alto-forno e às pilhas de mineral e de barras de ferro, é um oásis florido e amável, em um chalé cheio de conforto e acolhimento, com grandes gaiolas cheias de pássaros e belos jardins cheios de flores. Em sua modéstia simples e simpática, o enérgico criador daquele centro industrial tão demonstrativo, tão cheio de lições e sugestões, obteve uma verdadeira glória terrestre – colher no mesmo verão os frutos do amor e os frutos do trabalho – afirmando assim o eixo de seu destino nos eternos pólos da vida.

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VINHETAS DA INDÚSTRIA MINEIRA - A enorme fortuna jacente nas serranias - Pico superior do monte Itabira, todo ele de minério de ferro de um teor acima de 60%. Propriedade da Usina Esperança e situado nas proximidades dela
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A indústria do ferro tem vários outros centros em atividade, dentro desta mesma zona de Minas; mas, segundo entendo, a usina Esperança é a que conseguiu assegurar mais seriamente sua economia. No entanto, a exportação total de ferro para Rio de Janeiro (sem contar o enviado a São Paulo) foi de 3.300 toneladas no ano passado.

O mal de todas as usinas, inclusive desta, é a limitação do combustível. Tomando medidas rigorosas para o corte gradual de madeiras e estabelecendo alternativas, pode-se assegurar a cada usina uma quantidade permanente de carvão – pois aquela floresta, há doze anos de cortes, mantém condições de nova exploração.

Mas o limite quanto à quantidade não pode ser excedido muito sem se expor a matar a galinha dos ovos de ouro. A usina Esperança tem como se estender até produzir 10 toneladas diárias sem esgotar sua reserva de bosque; mas enquanto o carvão mineral, que hoje está aflorando nos estudos feitos em várias regiões deste mesmo estado, não se revele francamente, a metalurgia do ferro mineiro estará limitada a horizontes restritos, até que a eletricidade entregue por inteiro seu segredo [1].

Sobre a questão do combustível vegetal e sua vasta importância no desenvolvimento industrial do Brasil, veja-se mais adiante, nas notas de minha segunda visita ao Brasil, as opiniões do presidente de Minas, doutor Pinheiro da Silva, que demonstra, com um exemplo próprio, que para as indústrias do fogo o Brasil possui em sua floresta um combustível tão barato como o carvão na boca da mina, como a vantagem de que este é inesgotável porque se renova constantemente.

Entretanto, tem esta indústria, na economia do Estado e do país mesmo, uma importância considerável, desde que se pode chegar a produzir todo o ferro requerido pelas necessidades da União e ainda exportar para os países vizinhos que, como o nosso e o Uruguai, por exemplo, carecem desse mineral ou não o exploram ainda. Ademais, cada usina destas é uma excelente escola de energia e aptidões em que o Brasil vai preparando o pessoal, a população mineira e metalúrgica, que, sem dúvida alguma, lhe reclamará o futuro para estes destinos.


PRELÚDIOS DA ELETRO-METALURGIA DO FERRO - Forno elétrico de Heroult, para o refino da fundição de ferro (corte vertical e longitudinal)
Imagem e legenda publicadas na página 52-A

A pouca distância da grande região do ferro, na mesma serra, estão situadas as minas de manganês, duas das quais, as mais consideráveis, visitei também com particular interesse, ainda que a meu pesar muito superficialmente, forçado pelas exigências de um itinerário percorrido a galope.

Por esta razão, não pude observar com a atenção desejável a primeira mina, pertencente à Companhia de Manganês do Morro da Mina, a qual, se não possui mineral de tão elevado teor como a que foi visitada depois, em troca tem uma exploração mais econômica, em razão de estar formado seu caudal extrativo por um enorme monte metamórfico que é quase todo ele de mineral explorável, de cima a baixo, havendo já à vista ou devidamente estimados vários milhões de toneladas que se calcula dêem trabalho para vinte anos, à razão de mais de 100.000 toneladas por ano.

Dá esta mina um teor comercial acima de 50 por cento, e se exporta o mineral tal qual se arranca do monte, carregando-o por declive nos vagões que chegam ao mesmo pé do morro, cada um dos quais fica cheio em um minuto. Trabalham na extração do mineral 300 homens, em sua totalidade crioulos mineiros, que ganham uma jornada bruta de 2.000 réis, ou seja, em moeda nacional, 1.450, existindo alguns salários de 3.000 a 4.000 réis ao dia.

Os trabalhadores são excelentes, e a companhia os aloja por mínimas cotas em lindas casinhas alegres, monitoradas pela provedoria, autorizando um comerciante a negociar ali, mas sem poder ultrapassar os preços que a diretoria fixa de antemão, a vim de evitar que o pessoal da usina seja explorado.

A exploração feita até agora, ainda que já importante, não pôde ir muito longe por carecer a ferrovia do material de transporte requerido. Mas isto está sendo remediado a toda pressa: a Central do Brasil, como todas as ferrovias do Estado, está fazendo uma política de fomento inteligente das indústrias extrativas, cobrando fretes mínimos e levando os trilhos aonde um interesse industrial bem demonstrado o indica; mas esta brusca demanda de transportes feita pelas minas de manganês lhe obrigou a ampliações do trem rodante que já neste ano poderão ser atendidas.

A estatística da ferrovia, que me foi facilitada na viagem por um atento inspetor da linha, lança uma exportação total de manganês de 50.000 toneladas no segundo trimestre do ano, o que permite calcular desde já um mínimo de 200.000 toneladas para o conjunto anual. Esta cifra, já não insignificante, pode ser alcançada e excedida por uma só das minas, desde que a ferrovia chegue a dar o transporte que lhe pedem.


PRELÚDIOS DA ELETRO-METALURGIA DO FERRO - Alto-forno elétrico de Stassano, para a fundição de ferro (corte vertical)
Imagem e legenda publicadas na página 52-A

A outra jazida de manganês está a poucos quilômetros do Morro da Mina, vizinho à estação Miguel Burnier, desde a qual o trem vence uma brava altura em plano inclinado de 80 por mil para chegar à estação Usina (o nome da empresa é Usina Wigg), onde estão as vastas instalações desta importante exploração.

Muito mais antiga, pois a outra tem, se bem me lembro, só três anos de exploração, possui esta um mineral insuperável – o manganês puro, em veias praticamente inesgotáveis – mas é preciso ir buscá-lo nas entranhas do monte, e lá vão, penetrando por galerias diversas, uma das quais, que percorremos até o fundo, onde os mineiros, à força de picareta e barra, enchiam vagonetes de mineral, tinha mais de um quilômetro horizontal (1.250 metros), arejado por profundos respiradores (suspiros), que de trecho em trecho levavam um consolo delicioso àquela espécie de saguão do inferno.

A possessão mineira em questão é um verdadeiro condado, onde a vida dos trabalhadores e empregados é atendida em suas exigências elementares de conforto, bom trato, instrução e cultura pelo proprietário, senhor Carlos Wigg – brasileiro apesar do sobrenome -, cujo bondoso caráter para todo aquele povo laborioso que dele depende, lhe criou uma reputação e ganhou um carinho invejáveis.

Atualmente viaja pela Europa com sua família, mas seu gerente, senhor Domingo Rocha, mantém seu excelente sistema e maneja o vasto trabalho mineiro e administrativo como um relógio. Boas casas, com seu jardinzinho e seu galinheiro, escola gratuita, escola de música, tudo é provido pela empresa – e até uma capela cheia de encanto tradicional, que luze seu aprazível prestígio de dois séculos, empoleirada em um morro vizinho como uma ermida de vinheta para lendas de cavalaria, foi restaurada pela senhora Wigg e destinada à missa com sermão dominical, que não é perdido por nenhum dos mineiros e suas famílias – porque em toda aquela população simples de alma – como na maioria da população brasileira – o sentimento religioso tem raízes profundas.

Também esta mina tem sobras de produção com relação ao que pode ser transportado pela ferrovia. Uma cordilheira de 30.000 toneladas de mineral extraído – manganês puro – punha ali à vista o fato claramente, e deixava apreciar de passagem, para quando a ferrovia amplia seu serviço, o belo porvir deste negócio que tem no mundo metalúrgico um vasto campo a cobrir.

De fato: pela escassez do manganês, que só é produzido atualmente por Índia e Rússia, escasseia este elemento essencial ao aço, pondo-lhe só 30 por cento, quando pode admitir 90, melhorando sua qualidade à medida que sobe a proporção de manganês. E se temos presente que o consumo anual de ferro é de 120 milhões de toneladas e que o manganês não abunda no mundo, sendo a quantidade e o teor do mineral brasileiro uma verdadeira anormalidade por seus grandes quocientes, é fácil entender que aí tem o Brasil um indicativo dos que mais alto chegarão na estatística de suas grandes indústrias extrativas.

Amanhã falaremos do ouro, referindo uma visita feita à velha e enorme mina de Morro Velho, depois de cujo conhecimento achei de singular exatidão esta expressão do sábio geólogo Gorceix, fundador da Escola de Minas de Ouro Preto, que me pareceu a princípio uma mera frase engenhosa, e que representa toda uma definição deste admirável território: "Minas Gerais é um enorme coração de ouro engastado em um peito de ferro!".


A INDÚSTRIA DO FERRO ASPIRA À ARTE - Duas lindas mostras de fundição artística da Usina Esperança, feitas no dia de minha visita [28 de setembro de 1907]
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[1] Leituras posteriores sobre a atualidade deste importante assunto me confirmam nas primeiras impressões e ratificam o afirmado um pouco de memória, ao acaso apressado destas crônicas. De fato: a eletro-metalurgia do ferro e do aço, que sai insuperável dos fornos elétricos, deu já passos decisivos, em vários países, mas especialmente na França. Algumas fábricas de Saint Etienne e de La Praz perseguem com afã estes estudos, do ponto de vista econômico, pois o técnico está resolvido; e em Kerrouse, departamento do Morbihan, está empregado já o princípio eletro-metalúgrico em vários altos-fornos para a fundição do ferro e fabricação direta do aço, tomando-se a energia de um salto de água do rio Blavet, que provê 550 hp.

A última palavra a respeito é trazida pela obra do professor W. Borchiers, traduzida do alemão ao francês e ampliada pelo doutor Gautier com o título de Les Fours Electriques; production de chaleur au moyen de l'energie électrique, et construction des fours électriques. Editada neste mesmo ano de 1908, esta obra traz já numerosos fatos realizados industrialmente para a aplicação de tipos de fornos elétricos já em uso, e creio sinceramente que é chegado o momento de que o estado de Minas, ou o governo da União brasileira, se preocupem a fundo com esta questão transcendental, mandando-a estudar na Europa por especialistas inteligentes, que levem o conceito completo do meio econômico-industrial e possam projetar as adaptações convenientes.

Os profissionais europeus chegam já a esta conclusão: "a eletro-metalurgia convém principalmente a países como Itália e Suíça, onde escasseia o carvão e abunda a força hidráulica". É o caso evidente também para o Brasil, que com o carvão de suas florestas, o ferro nativo de suas montanhas, seus montes de manganês e suas inesgotáveis quedas de água, pode improvisar-se um lugar de primeira fila entre os grandes países produtores de ferro e aço. Creio que esta é uma das questões mais momentosas para os estadistas brasileiros e especialmente para o governo de Minas Gerais, que está consciente destes grandes problemas e é capaz de afrontá-los com vigor e eficácia.