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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
El Brasil (K)

Clique na imagem para ir ao índice da obraUm país recém-entrado no regime republicano, passando por grandes transformações políticas, econômicas e sociais, sob o império dos oscilantes preços do café. Assim é o Brasil encontrado pelo jornalista argentino Manuel Bernárdez, que em 1908 vem tentar decifrar o que aqui ocorria. É dele a expressão "Metrópole do café", com que alcunhou a capital paulista [*]. Sua obra El Brasil - su vida - su trabajo - su futuro foi editada na capital argentina, em castelhano, sendo impressa em Talleres Heliográficos de Ortega y Radaelli, Paseo Colón, 1266, Buenos Aires.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, foi cedido em maio de 2010 para digitalização, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, a Novo Milênio, que apresenta nestas páginas a primeira tradução integral conhecida da obra para o idioma português - páginas 110 a 140:

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El Brasil

su vida - su trabajo - su futuro

Manuel Bernárdez

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VINHETAS DO PAÍS MINEIRO - Tipo comum das residências de Belo Horizonte, onde não se amesquinha à vida o prazer de um pequeno jardim, que por sua vez enche a casa de frescor, de fragrância e de verdores. Esta casa é propriedade do doutor Carvalho Britto, e por ela deixou o ministro mineiro o palácio ministerial, para fundar nele uma escola-modelo
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Segunda visita a Minas Gerais

Acidente cronológico - Um passeio sem intenção de ver, em que se vê muitas coisas - Cada vez que vou a Minas caio numa festa - Florescimento escolar mineiro - A democracia docente - Governo e povo na obra - Outra visita à Gameleira - Comprovações do bom rumo industrial pelo bom sucesso econômico - A colonização em Minas - Olhada em uma colônia modelo - O culto do trabalho no governo - O presidente de Minas Gerais - O industrial e o estadista - O chefe de Estado e o amigo de todos

O rápido desvio destas crônicas de viagem é bruscamente sofreado pelas impressões de outra viagem, feita enquanto eram dadas à imprensa as cartas do giro anterior, elevadas ao nível de capítulos de livro. Esta nova visita ao Brasil não tinha intenções jornalísticas; mas a propensão do ofício exerce uma espécie de amável fatalidade.

E logo, a observação, involuntariamente, efetuava comprovações tão interessantes do dito na viagem anterior, que até por vaidade do observador teria que me ser grata a intercalação destas notas, redigidas enquanto corrijo as provas das crônicas anteriores, e localizadas aqui como um capítulo novo, usando da faculdade que temos, os cronistas, para nos rirmos da cronologia.

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O ENSINO AGRÍCOLA EM MINAS GERAIS - Um milharal da Fazenda Modelo "A Gameleira", cultivada em terras pobres, abonadas com salitre do Chile
Imagem e legenda publicadas na página 114-A

Parece a propósito: mas não posso chegar a Minas sem cair no meio de uma festa. Desta vez, Belo Horizonte celebrava um fato que nos teria admirado no Prata. Perguntei no hotel, enquanto fazia um almoço sumário, de que se tratava, para que se movesse o povo em tão regozijada e buliçosa maneira, e me disseram que aniversariava o doutor Carvalho Brito, ministro do Interior e das Finanças e reformador do ensino público; e o povo, que estimava sua nobre tarefa, aproveitava o aniversário para se reunir e saudá-lo.

Por subscrição popular se havia custeado um retrato a óleo do jovem ministro e a essas horas era colocado na principal escola primária de Belo Horizonte. "Essa escola – completou o comunicativo hoteleiro – tem uma linda história: a casa onde está instalada, que é um palácio, era a residência oficial dos ministros do Interior; mas quando o doutor Carvalho Brito iniciou a reforma escolar, notou que lhe faltava um bom edifício para fundar uma escola modelo, e deixou o palácio e se instalou em sua casinha particular e pôs lá a escola, que é onde agora lhe fazem a festa..."

Pareceu-me interessante e invulgar o fato de ministros que se deixam estar em suas modestas moradas e usam os palácios públicos para fundar escolas. Almocei depressa e fui à festa. Realmente, tinha as honras de um palácio, severo e sóbrio, sem luxo, mas pleno de luz, de ar, de amplidões, a escola em que o povo se congregava para honrar a seu ministro.

Vestida a gente de festa, em um luxo de expansão espiritual sã e sincera, se apinhava no vasto local, enchia os jardins, os vestíbulos, os salões, as escadarias, se alinhava na varanda, firme, ao sol. Quando cheguei, o homenageado dirigia a palavra à escola e ao povo, em uma arenga que era por sua vez uma lição instrutiva e patriótica, uma exortação à perseverança na tarefa pelo bem comum, um ato oral fervoroso e enérgico, de confiança e de fé no destino, de certeza na grandeza de Minas e na grandeza do Brasil – duas grandezas que haviam de ser obtidas principalmente pelo ensino, pela escola, que era como uma forja, onde todos, até os mais humildes, podiam ajudar a forjar a obra santa da cultura popular...

Tudo isto era dito simplesmente, com a claridade das idéias bem sabidas e o calor comunicativo das convicções profundas. Aquela forma verbal de apostolar a escola me explicou o florescimento docente de Minas; e quando ao terminar o ato ouvi os cantos escolares, escutados com entusiasmo pelo povo, e visitei as classes, as oficinas de trabalho manual orientadas nos sentidos mais úteis da futura ação industrial e da vida de família, e especialmente quando comprovei a espontaneidade da adesão popular à ação do governo, vendo-a todavia exteriorizada pela noite em uma formosa manifestação ao jovem ministro reformador, obtive a evidência de que aqueles homens, vinculando a seu povo no alto empreendimento escolar, haviam conseguido arraigar em sua terra o ensino, verdadeiro, íntegro, em forma, em moral e em substância, sem se contentar com firmar aparências, cuja miragem espetaculosa costuma desgraçadamente encher amiúde o sítio das realidades, somente positivas nos capítulos do orçamento.

Vou vendo – e conforme vou vendo vou narrando, sem tomar tempo para devaneios filosóficos. Parece-me, entretanto, que esse episódio que aqui fica, simples como é, fará pensar a muitos. Não há progresso difícil, nem grande obra impossível, quando se conseguiu levar às esferas do governo uma paixão sincera pelo bem público, e quando esta paixão, atuando de cima para baixo, tenha chegado a penetrar a massa popular, criando coerências e afinidades solidárias, de uma eficácia imensa.

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ESTADISTAS DA REPÚBLICA - Dr. João Pinheiro da Silva, presidente do Estado de Minas Gerais
Imagem e legenda publicadas na página 126-A

A outra face da instrução mineira, a instrução agrícola e pastoril, cuja direção corre, como já disse, por cuidado pessoal do presidente do Estado, revela uma eficiência igualmente notória e destacada, demonstrando que esta maneira de fazer as coisas, práticas, úteis e bem feitas, não é produto de uma só energia, e sim fruto de um verdadeiro espírito impessoal radicado no governo, que assim se aplica a organizar a renda aumentando suas cifras com um enérgico saneamento dos sistemas e meios de coleta, como a criar o crédito rural e a vida cooperativa nas indústrias agrárias, ou a estabelecer colônias e radicar população agrícola em condições que não podem senão ser propícias ao estabelecimento definitivo.

Interessava-me ver a Gameleira, que assim se chama a escola agronômica ou fazenda modelo de que tratei em minhas cartas da outra viagem. Quatro meses atrás havia podido entrever aquilo, soletrar o programa de ensino objetivo e aplicado que ali se ia oferecer aos agricultores, para induzi-los a usar métodos racionais de cultivo, a empregar máquinas, a regar e fertilizar a terra para assegurar e aumentar suas colheitas.

Agora, fui ver o que se havia feito já para materializar a lição. E devo confessar que é admirável, tão clara, tão expressiva e de tão fortes sugestões, que pode ser declarada como base de uma transcendental revolução econômica no Estado.

Aquele magistral controle da água serviu para usar todas as terras, dando-lhes a bênção da irrigação; os fertilizantes, distribuídos segundo a necessidade de cada terreno lavrado e de cada cultivo, elevaram o rendimento a proporções assombrosas em relação ao que se consegue sem eles nos terrenos análogos.

Os plantios de arroz, principalmente, oferecem um modelo e um exemplo que certamente vai se propagar, porque é das mais palpáveis evidências. As instalações de maquinários elementares para a elaboração, manipulação ou transformação dos produtos da escola, dão outra lição gráfica que não haverá rotina capaz de repudiar.

Os edifícios já construídos para estas máquinas, para depósitos, administração, pavilhões de gado, chiqueiros, estrumeira etc., tudo isso é um modelo de disposição previsora e de economia, em construção e em aproveitamento. Não há ali nada que não tenha sua razão bem motivada e que não dê seu ensinamento, sendo já numerosos os fazendeiros que solicitaram ao governo que lhes mande fazer em suas propriedades uma instalação igual.

Para isto concorre, como é natural, o resultado econômico do ensaio, cujas cifras, em uma escrupulosa e clara contabilidade, tenho à vista, resultando que os gastos feitos pelo Estado na Gameleira desde 27 de novembro de 1906 até 31 de dezembro do ano passado, por irrigação, desmonte e destocamento, trabalhos culturais, fertilizantes, sementes, soldos de pessoal, todo o gasto, enfim, com exceção do custo da terra, edifícios e máquinas, alcança os 22.500 pesos nacionais; e o produto das colheitas na mesma data monta a 17.860 pesos, sem somar o valor de vários hectares de forragens diversas, mandioca, batatas-doces e algodão, cuja colheita promete ser abundante.

Resulta, pois, um déficit de 4.250 pesos; mas tendo em conta que os maiores gastos já ficaram feitos para o ano corrente – irrigação, desmonte, trabalho da terra -, é evidente que as despesas não passarão da metade do ano anterior, enquanto os rendimentos serão maiores, porque a terra vai ganhando com o trabalho. Assim, a Gameleira, que já quase se custeou em seu primeiro ano, produzirá no segundo um benefício maior de 10.000 pesos, que se elevarão ao dobro no terceiro, e que podem ser contados seguramente, porque o fertilizante e a irrigação fazem a garantia das colheitas.

Com este critério e desta maneira simples, está o governo de Minas Gerais ensinando a seu povo os novos caminhos da prosperidade e da riqueza.

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O ENSINO AGRÍCOLA EM MINAS GERAIS - Um notável arrozal de "A Gameleira", cultivado com irrigação artificial, em terras acentuadamente revoltas
Imagem e legenda publicadas na página 114-A

O doutor Carlos Prates, zeloso e experimentado diretor de Agricultura do Estado, me convenceu facilmente de que devia dedicar meio dia a visitar um novo núcleo colonial – Colônia do Barreiro – que o governo está formando – de acordo com as bases e sistemas por ele decretados – à coisa de três léguas de Belo Horizonte.

Fizemos a viagem comodamente em coche, tirado por um sólido e guapo par de mulas mineiras. A manhãzinha fresca, quase fria, estimulava o sangue e o apetite; e à falta de desjejum mais comum, me proporcionou o doutor Prates a surpresa de comer abacaxis a dedo, arrancados expressamente, em uma horta que ele conhecia, à borda do caminho. Os que só saborearam o resistente ananás que chega ao Prata, não têm idéia do que é um abacaxi amadurecido na planta, descascado na hora, com um canivete ruim, e mordido em grandes bocados, afundando desde o queixo até o nariz na polpa perfumada e saborosa!

Não é propriamente distinto esse modo de comer: o suco viscoso e ambarino corre por entre os dedos que é uma lástima; é preciso abrir as pernas e fazer-se um arco para não borrifar-se com aquela delícia que goteja; mas em troca, goza-se um sabor novo, único, se saboreia um manjar quiçá impossível de desfrutar nas mesas elegantes, por nenhum preço!

O abacaxi é da família do ananás, mas é de polpa amarelenta e se dissolve todo no paladar, fondant como um bombom, sem deixar aquele resíduo fibroso do ananás e possuindo um sabor mais delicado, mais de creme, e um aroma que enobrece e faz até voluptuosa a função grosseira da mastigação.

O comer uma fruta semelhante, surpreendendo-a na hora misteriosa e cobiçada de sua maturação – investigada para nós por uma velha crioula que pesquisava os abacaxis no plantio, tateando-os com dedo veterano – é um prazer que não estará, senão muito raramente, à mercê do turista, ainda que seja guloso e milionário.

Mastigando com a vulgaridade apressada de um frade descalço, posto em cócoras à borda de um regato que recebia em sua água clara e cantante as lágrimas doces daquela fruta carnal – violada pela sensualidade canibal de minha mordidela na delicadeza de sua polpa suculenta – agradeci ao doutor Prates que, inesperadamente, me houvesse feito gozar um sabor novo e raro, que fazia em meu paladar, desenganado pelo abuso de todos os molhos, o efeito que havia feito na alma do velho Sileno, farto de carne sábia, o encontro de uma ninfa acobreada, descuidada e submissa, no capitoso encanto de sua ignorância silvestre!

Pelo caminho, e no bom humor da fragrante merenda, depois da qual plantei os rebentos dos abacaxis à borda do regato, para oferecer generosamente a algum anônimo transeunte futuro um prazer parecido ao que nos acabava de alegrar um instante da vida, o doutor Prates me ia informando do plano de povoamento do solo que o governo de Minas se ocupa em aplicar, sobre a base da formação de núcleos coloniais. Decretou seis, e dois deles estão já plantados, sendo um deles este do Barreiro, onde estão sendo instaladas 25 famílias portuguesas acabadas de chegar.

As leis e os decretos de colonização são liberais e simples, para facilitar quanto possível a radicação do colono e sua prosperidade na terra, que desde que põe sua casa nela pode considerar como própria. Nada de tramitações nem expedientes complicados. O colono chega com sua família e encontra uma linda casa de tijolo e telha, de quatro salas com suas dependências, chiqueiro de porcos etc., edificada em um lote de 25 hectares, dos quais cerca de uma terça parte goza irrigação, de modo que não tem que perder tempo em nada e pode ganhar dinheiro desde o primeiro ano.

Nesta colônia do Barreiro os lotes têm até quatro hectares plantados de batatas, milho, mandioca, feijão ou arroz, de sorte que já encontra o colono uma fonte de recursos seguros para seu primeiro ano de instalação. A administração da colônia tem além disso máquinas, ferramentas e bestas de lavoura, que por módico aluguel facilita aos colonos e lhes dá assim mesmo, gratuitamente, as sementes necessárias para sua primeira semeadura.

Como complemento de auxílios, o colono tem: um adiantamento de 20 pesos para compra de aves domésticas; provisão de víveres durante três meses, também a título de antecipação e dentro de um limite suficiente; mudas de árvores frutíferas para formar sua horta; médico e botica; trabalho por dia nas obras públicas da colônia, no tempo que lhe deixam livre, a ele ou a seus filhos, os trabalhos de sua chácara.

O pagamento não é menos cômodo: desde logo, os preços são muito baixos, bastando - para dar disto uma idéia - dizer que a casa é debitada ao colono em um valor não maior que 700 pesos nacionais. E isto, somado ao valor designado à terra, aos empréstimos e antecipações em dinheiro e artigos, mal começa a lhe ser cobrado depois de cumprido o terceiro ano de sua instalação, na seguinte forma: 5% da dívida ao fim do dito 3º ano; 10% ao fim do 4º, do 5º, do 6º e do 7º; 15% ao fim do 8º e do 9º, e 10% ao fim do 10º.

Se se acrescenta a isto que os filhos de colonos, maiores de 18 anos, têm direito a se instalar em lotes independentes sob as mesmas condições; que todas as colônias têm campos de pastagem para os gados dos colonos, e outras numerosas vantagens deduzidas de uma administração simples, onde o espírito burocrático cheio de travas e perturbações é felizmente desconhecido, e onde, em troca, impera um interesse sincero de que o colono vá bem, ganhe e esteja contente, ensinando-o, guiando-o, ajudando-o de todas as maneiras compatíveis com a moral do trabalho, se compreenderá que a colonização, como está sendo feita em Minas, está no caminho de um êxito seguro, e pode aspirar a escolher com rigor e com exigência seus povoadores, buscando gente laboriosa, capaz, forte e sã de espírito; porque com tudo o que o Estado dá sobrarão colonos de primeira ordem, assim que sejam divulgados nos grandes centros de emigração européia as condições que ali são oferecidas e a respeitabilidade e o prestígio do governo que as garante.

A Colônia do Barreiro está localizada no mais lindo panorama campestre que se pode desejar para recrear a vista e desfrutar a vida laboriosa e sã dos trabalhos rústicos. Fora uma grande fazenda de arroz e cana-de-açúcar, tendo sido comprada pelo governo de Minas há doze anos para um destino determinado, que acabou não ocorrendo, encontrando-a o governo atual que nem pintada para localizar nela uma colônia modelo, com água de irrigação abundante, terras férteis e quase planas, apenas com os declives requeridos para levar e distribuir as águas, madeiras para todo destino, altitude que dá um clima suave e propício à germinação, instalações já feitas em vasta medida para administração e depósitos e, como complemento, o mercado de Belo Horizonte, distante três léguas, além da linha férrea, que pode distribuir as sobras da futura produção em várias cidades próximas. Tudo está ali à mão, coordenado e disposto com pródigas previsões.


NOVOS HOMENS DE GOVERNO - Dr. Manuel T. de Carvalho Brito, secretário titular do Interior e interino das Finanças, no Estado de Minas Gerais
Imagem e legenda publicadas na página 118-A

A cavalo, enquanto se preparava o almoço que os estômagos estimulados pelo abacaxi e pelo ar matinal reclamavam com veemente exigência, percorremos com o doutor Prates uma parte da colônia nascente. A instalação das famílias portuguesas recém-chegadas ia se operando em ordem, tomando cada grupo imigrante sua casa pronta, com seu plantio de batatas, milho ou arroz, já em flor ou maturando, arada boa parte da terra e correndo com um rumor de alegria fresca e animadora a água dos canais de irrigação.

Esta primeira instalação de 25 famílias será seguida de outras várias, pois o Barreiro tem como instalar mais de 100 famílias com amplidão e sobrando-lhe todavia vários centos de hectares para pastagens.

Galopamos uma várzea ou planura, com um declive suave, de terra superior, ligeiramente silicosa, solta e admiravelmente indicada para tubérculos, por mais que ali até o trigo há de produzir bem e a vinha há de vir como uma bênção. Tudo aquilo está já destocado e vai ser irrigado, podendo-se adivinhar o pomar que surgirá daquelas terras dentro de dois ou três anos, por pouco que os colonos ajudem, trabalhando seus lotes e aformoseando seus lares com os mil recursos de conforto e agasalho, aves, frutas, flores, que nas colônias de proprietários põem um selo de simples cultura e de boa vida.

Ignoro se o colono português é sensível a esses atrativos da casa limpa, florida, hospitaleira, com cheiro de tomilho e lavanda. Mas evoco a recordação de colônias que vi, como a Chajarí, por exemplo, ao norte de Entre Ríos, formada por italianos e russos, análoga em clima, em cultivos e até em topografia à que está nascendo no Barreiro, e penso que aquele paraíso rústico, pleno de encanto e de prosperidade, pode surgir das belíssimas terras mineiras, com facilidades que lá não tiveram os colonos e que aqui se lhe oferecem com verdadeira prodigalidade – ao ponto de que um agricultor que chegue a uma destas colônias de Minas sem um centavo de pecúlio e com a carga de uma família a alimentar, pode, desde o primeiro dia de instalação, se considerar proprietário, libertado de toda miséria e com um futuro seguro, nada mais que com a resolução de trabalhar, de cumprir o preceito evangélico que manda ganhar o pão com o suor do rosto.

Ganhará mais que o pão – ganhará a independência, a casa própria, santificada por seu trabalho, e até poderá acariciar a ilusão de tirar seu nome do anonimato, de fazer-se um sítio na vida, de criar e educar filhos que lhe dêem honra – de fundar toda uma estirpe, de mulheres fecundas e de homens úteis!

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O ENSINO AGRÍCOLA-INDUSTRIAL EM MINAS GERAIS - Planta de instalação de máquinas para uma fazenda-modelo tipo A. Está já instalado tudo isso, com a melhor ordem, na fazenda da Gameleira, a que aludo no texto. As fazendas-modelo tipos B e C representam graus mais complexos no progresso industrial, aplicando-se melhor para ser usadas em comunidade nos centros colonizados. Este tipo A representa o ideal prático para um agricultor proprietário, de médios recursos. Há seis fazendas-modelo decretadas, e este ano ficarão prontas e em ação a metade delas, sendo umas agrícolas e outras pastoris, segundo a zona a que estão destinadas. A Gameleira será de tipo misto, que me parece o preferível, pois será muito raro o caso em que não haja vantagens em associar as duas grandes indústrias agrárias. LEGENDA: 1) Malacate (N.E.: guincho, tipo de cabrestante invertido) para mover com tração animal toda a maquinaria; 2) Descascador de arroz; 3) Elevador de arroz; 4) Polidor de arroz; 5) Ralador de mandioca; 6) Prensa de mandioca; 7) Forno chato para a farinha; 8) Engenho de pilões para cana-de-açúcar; 9) Moinho de fubá (farinha de milho); 10) Esquentador de mamona (papaia); 11) Prensa para azeite de mamona; 12) Refinador de mamona; 13) Tacho para açúcar ou rapadura; 14) Moinho para cana; 15) Debulhador de milho
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Restava um dia livre em Minas, dentro do itinerário traçado de antemão, e não tinha destino melhor para ele que dedicá-lo a ir conhecer o presidente do Estado, naquele tempo ausente em sua fábrica. Havia conhecido já sua obra de governante, e esta me despertou o interesse de conhecer também sua obra de industrial, que, segundo é conhecido, constitui seu melhor prazer e seu maior orgulho.

A fábrica de cerâmica fundada pelo doutor Pinheiro da Silva há mais de quatorze anos está situada em Caeté, uma pequena cidade secular embutida entre montes à coisa de 60 quilômetros de Belo Horizonte. Inda que com escala de cidade, era um pequeno casario, adormecido em seu rincão pitoresco, sob a proteção de uma igreja monumental, demasiado grande para a humilde freguesia, até ser despertado para o trabalho e a vida pela fundação daquela fábrica, exígua e pobre ao nascer, hoje florescente e poderosa, já dominando o mercado e impondo, por qualidade e preços, seus excelentes produtos, não só em toda Minas, senão em Rio, São Paulo e outros mercados do Brasil.

A viagem desde Belo Horizonte, uma parte em ferrovia, outra parte em trole, outra a pé e outra em mula, resultou-me atrativa como uma excursão alpina; realizando-a ainda a poesia de uma tarde primaveril – uma dessas tardes que sempre é doce ver caindo, com suavidades de seda, sobre os montes, e de uma noite de lua, dentro de cujo ambiente, de prata fluída, até a silhueta do burro andador em que cavalgava o guia, adiante do grupo, parecia mover-se espiritualmente, e às vezes, quando se recortava no lombo de um morro, se diria que o prosaico animal, como o potro de Astolfo, ainda que muito mais lento, avançava no éter.

Este encanto bucólico da viagem a Caeté vai desaparecer, porque marcha sobre aquelas solidões e cruzará por ali uma nova via férrea, em cuja construção pude outra vez admirar a pujança com que os brasileiros, em luta aberta com a natureza bela e esquiva, estão, com suas obras ferroviárias de enorme fadiga, saneando indestrutivelmente seu título de donos da terra, em uma espécie de nova conquista que a cada passo, em cada rio, em cada monte, em cada precipício, em cada selva, põe à prova seu engenho e sua energia.

Nem um quilômetro plano, nem um quilômetro em linha reta: a luta é para todos os rumos e em todas as distâncias. Aqui, um corte que parte um monte em dois "qual se de um talho – em formidável luta, o houvesse fendido o machado de um titã, de alto abaixo"; ali, termina o monte e se abre de repente a larga ferida de um rio encaixotado, que é forçoso saltar com as patas de ferro de uma ponte; aqui um terrapleno que nivela dois picos; lá um túnel que se atira como uma lança contra um morro de pedra e o atravessa de parte a parte. E neste trabalho resultam igualmente dignas de admiração as atrevidas linhas, o conceito resolvido e audaz, e a execução, acabada, segura e primorosa, que mostra a perícia e a arte do trabalhador brasileiro.

Em geral, os grupos são todos de crioulos, monteses ou sertanejos, pequenos de corpo, concentrados, pálidos, silenciosos e de uma resistência extraordinária ao clima e ao trabalho.

A este respeito tenho um documento visual interessante: quando regressava de Caeté, o trem de manobras que auxilia o trabalho da via e que me levou na ida até a ponta dos trilhos, não circulava por ser domingo, e tive que voltar em um vagonete movido a braço por três mocetões que se serviam de largas varas para empurrar o veículo, firmando-se no solo, como quem move uma barca a remos.

O vagonete, onde mal cabiam quatro, se encheu com mais de dez homens – trabalhadores que iam à vila; o sol, forte e duro, dava de cara; e o trajeto, de vários quilômetros, durou como hora e meia, com longas colinas que exigiam um esforço enorme aos que levavam o vagonete com suas varas. Pois a levavam voando, de pé nas bordas do pequeno veículo trepidante, pregando e despregando o corpo ao compasso, como quem rema – mas puxando a cada impulso com um esforço que lhes inchava os músculos.

A nós, inativos, corria o suor em jatos, e de ver aquele rudíssimo trabalho, parecia faltar-nos o alento. Entretanto, o vagonete voava, sem parar um segundo, chilreando seus eixos nas acres subidas e nas violentas curvas. E quando chegamos, sem que aqueles motores a sangue houvessem endireitado o corpo nem parado o esforço, examinei-os com curiosidade e admiração ao vê-los deixar as varas com seu mesmo ar aprazível e humilde, apenas começando a suar, sem o menor aspecto de cansaço.

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A INDÚSTRIA EM MINAS GERAIS - Vista parcial da fábrica de cerâmica de Caeté, fundada pelo doutor João Pinheiro, atual presidente do Estado de Minas. Todos os morros que a circundam são de matéria-prima para a indústria. O total de construções da fábrica é mais do dobro do que mostra o panorama, formando núcleo a outras duas chaminés. À direita, vê-se a parte superior da casa de residência, de nobre tipo solarengo, donde o doutor Pinheiro viu por sua vez crescer sua numerosa família e sua fecunda obra
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A visita à fábrica de Caeté, acompanhado e dirigido pelo criador de todo aquele formoso, vasto e simples mecanismo industrial, foi uma das manhãs mais utilmente instrutivas que passei no Brasil. Ainda que soubesse que o doutor Pinheiro, presidente de Minas e dono da fábrica de cerâmica, me esperava essa tarde, tendo me retardado mais que o normal pelo caminho, julguei melhor pernoitar no hotel e anunciar minha visita para o dia seguinte às 8 da manhã.

Pelas sete e meia assomei à porta do hotel, dispondo-me a fazer a breve caminhada a pé até a residência do doutor Pinheiro; mas chamou em seguida minha atenção um homem alto, enxuto e risonho, que vinha pelo meio da rua, e a cujo passo os transeuntes, homens, mulheres, crianças, brancos e morenos, bem vestidos ou de pé no chão, se detinham com demonstrações em que um respeito visível se unia a uma confiança quase familiar.

Saudavam-no as velhas com um sorriso de avós, os meninos com agrados filiais, os homens com um ar de adesão devota – e a todos eles correspondia ele com uma complacência espontânea e afável, dando a mão a um, perguntando a outra por seu menino enfermo, recebendo com a mesma atenção uma boa notícia ou uma queixa. Mas era de notar que tudo aquilo em nada o incomodava, nem impedia seu passo firme e compassado de montanhês andarilho e muscular.

Sem dificuldade compreendi que aquele homem era o presidente do Estado de Minas; mas também compreendi que não era ao presidente que aquelas gentes rendiam sua confiança e seu carinho – e sim ao chefe natural – ao homem superior, amado pela alma de um povo são e simples.

Havia tido a oportunidade, como já disse, de conhecer a obra do presidente de Minas antes de conhecer o homem. E por sua ação no governo havia formado dele um tipo mental, que me foi agradável encontrar fielmente corroborado pela realidade, coisa que sói acontecer-me poucas vezes; pois se bem tenho a propensão de imaginar o homem que conheço pela primeira vez através de alguma obra saliente – de arte, de pensamento, de Estado, de política –, acontece de ter grandes decepções ao conhecer o autor.

Isto me parece ser devido a que a imaginação em tais casos esboça uma fisionomia sintética – e é muito raro o homem que em cada obra consegue fazer uma síntese de seu ser psicológico. O comum é que o conceito original não logre senão traduzir-se pela metade – e então não resulta parecido o autor com sua obra.

Com o doutor Pinheiro acertei até na silhueta, no gesto, no modo de ser e de expressar suas idéias. E acertei precisamente porque todo ele é uma síntese e sua força está em sua capacidade de refletir-se inteiramente em cada uma de suas obras, não as concebendo senão na forma e medida justas para que possam encontrar uma completa encarnação.

Este forte sentido concreto das coisas é a característica daquele estadista – daí que todo seu trabalho se desenvolva em linhas simples e em ciclos regulares, desses que depois que alguém os vê concluídos parecem a coisa mais fácil do mundo. É o bom sentido em sua forma intelectual e superior, aplicado tanto aos processos graduais de uma indústria como ao desenvolvimento de um raciocínio ou aos fenômenos da política e do governo.

Vendo em Belo Horizonte a montagem administrativa, os sistemas postos em ação e os homens escolhidos para movê-los – a reforma do mecanismo fiscal para auferir e assegurar a renda – a reforma escolar, em seu duplo conceito do ensino primário e do ensino agrícola com vastos fins prospectivos; a reforma religiosa, consumada em diversos sentidos para por as relações do Estado e da Igreja dentro da Constituição Federal, mas procedendo com um tato seguro e suave, que evitou todo conflito e toda discórdia; a reforma do trabalho administrativo, na moral e nas práticas, levando ao máximo possível o concurso do funcionário, abolindo o empregado mecânico e criando, com a força do exemplo de cima, o empregado consciente, desejoso de se distinguir na emulação do bom serviço público, porque sabe que é observado e seu esforço é apreciado – quando pude ir vendo todas estas coisas sistematizadas, vivificando com o espírito de sua eficiência moral a letra morta do dever burocrático, conjeturei que a cabeça dominante em todo aquele mecanismo tão ordenado, tão ajustado, tão ativo e de tão fácil rotação em seu movimento livre de fricções e de choques, devia conter uma singular faculdade de concretizar deveres e fixar raios, procedendo sincronicamente, por síntese sucessiva, não dando em cada impulso motor senão um passo – mas desses que não se desandam.

E tal qual imaginei, encontrei o doutor Pinheiro em quanta palavra lhe ouvi dizer e em quanta obra sua pude ver florescida. Tão conciso e substantivo ao falar como ao fazer, não pôs nunca um pé em falso, nem fez promessa que depois resultasse de impossível cumprimento. Não se apressa, nem se atrasa. E assim não há em sua ação força dispersa nem hora perdida.

Ao assumir o governo de Minas, levava a profunda consciência de que a obra urgente era colonizar, povoar, radicar gente na imensa guerra, criar uma era de trabalho agrícola e de progresso pastoril – fomentar as indústrias rurais sobre a base da policultura para dar ao estado um seguro econômico contra as alternativas de sua riqueza cafeeira.

Para isso, havia que ensinar os melhores procedimentos de bom sucesso e ele foi, com inteligentes colaboradores habilmente escolhidos, penetrando sucessivamente cada face do problema.

Já disse como estabeleceu a lição vívida da Gameleira; já vimos também como está posto em marcha o movimento colonizador. E quando o visitei, ouvi de seus lábios, em uma forma de exposição insuperável de claridade, a solução que acabava de dar seu governo a duas questões essenciais para a vida agrária: a cooperação no cultivo e comércio do café mineiro, para melhorar o produto e baratear seu custo, criando certo comunismo industrial e comercial, e aumentar os ganhos do produtor suprimindo quatro grêmios intermediários que hoje atuam onerosamente entre o cultivador e o consumidor do café – tudo o qual saneará o grande cultivo brasileiro e lhe permitirá arrostar, sem temor de desastres, as altas e baixas do mercado mundial; e o crédito agrícola, sobre a base de um empréstimo já financiado de doze milhões de francos, que serão distribuídos ao trabalho rural, com um mecanismo de empréstimos admiravelmente coordenado para reunir a máxima liberdade à mais sólida garantia.

Cada assunto destes foi meditado, planejado e resolvido separadamente, abstraindo o espírito de qualquer outra preocupação e não deixando-o de lado até pô-lo em condições de marchar sem tropeço.

Assim, por exemplo, quando almoçávamos, falando da Gameleira, lhe expressei minha estranheza de não haver visto nada feito ainda na seção pastoril da Granja, pelo qual supunha eu que a agricultura seria objeto de suas preferências.

"- Não é isso – me respondeu -: é que não estudei ainda essa face do assunto como desejo estudá-lo; de seu ponto de vista geral e do ponto de vista especial do interesse e da conveniência de Minas. A questão das cooperativas de café me levou três meses e meio. Mas ficou concluída. Agora porei a mão no problema zootécnico, e quando você voltar em maio, espero que já encontrará plantadas as primeiras soluções".

O mesmo foi tratando-se de salgadeiros (N.E.: produtores de charque) naquela zona. Tinham-me dito que ele era contrário à idéia e lhe perguntei isso. "Não sou contrário – me disse -: é que não conheço a questão. Mas penso estudá-la, porque o futuro pecuário de Minas é uma de minhas preocupações preferenciais".

Entretanto, me fez três ou quatro perguntas a fundo, que revelavam não estar tão alheio ao tema como se poderia supor. O que há é que o doutor Pinheiro não gosta de perder tempo em falar senão do que domina totalmente. Seguramente sabe de pecuária mais que muitos que dissertam sobre ela. Mas ele não entende que isso seja saber.

Seu sistema de trabalhar e de governar é contrário ao diletantismo, tão comum aos estadistas de nossos tempos, obcecados pelo demônio da universalidade e sujeitos à perigosa mania de improvisar sobre tudo, crendo que lhes desonra confessar que ignoram algo – com o quê contrariam a tendência à especialização, que é o passo mais firme e fecundo dado pelo espírito científico de nossos tempos.

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LARES PATRIARCAIS - O presidente de Minas Gerais, doutor João Pinheiro da Silva, com sua família, no jardim do Palácio Presidencial de Belo Horizonte
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Caminhando devagar e conversando na manhã clara - ao pé de uns morros que, encordoados em anfiteatro, circundam as vastas construções da fábrica, mostrando suas entranhas, brancas aqui, negras acolá, vermelhas mais à esquerda, de onde o cume tem sido retirado como argila, caulim, terras refratárias para alimentar a voracidade dos fornos que dia e noite cozem sua carga de tubos de vidro, telhas, vasilhas de cozinha e de mesa, louças de nobre qualidade e porcelanas cuja crescente perfeição vem sendo tentada e perseguida tenazmente -, contava o doutor Pinheiro a história da fábrica, ainda que omitindo a sua, que por sorte eu conhecia por referências e biografias, e que era por certo a de maior interesse, porque ela bastava para explicar o sucesso da outra.

O doutor Pinheiro já havia subido às alturas da política, já havia sido presidente do Estado e se encontrava naquele elevado horizonte onde o raio de uma suprema ambição pode ferir misteriosamente a pupila das águias e dos homens feitos para as alturas – quando um dia, de repouso e de exame de sua vida, encontrando-se pobre como havia nascido e sem carinhos que a morte lhe havia levado, decidiu dedicar alguns anos de sua energia ao duplo ideal humano da fortuna e da família.

E segundo seu sistema de se consagrar todo em um propósito, deixou a política, voltou tranqüilamente as costas a suas honras e foi planejar a conquista da fortuna em Caeté, que era então um de tantos casarios ignorados no fundo das montanhas.

Ele sabia que desde os primeiros tempos coloniais haviam sido ali fabricados, em diversas épocas, objetos de cerâmica que eram muito apreciados. Quando pequeno, havia vivido vários anos naquela vila e a memória do homem evocava a recordação daquelas terras, de uma plasticidade singular e de uma brancura láctea.

Tomou cuidadosamente amostras de todas elas e passou um ano inteiro na Escola de Minas de Ouro Preto, estudando pessoalmente os segredos da cerâmica, absorvido como um frade beneditino na paixão do laboratório, até que teve a alegria de fazer porcelana por suas mãos.

Então pediu emprestado um pequeno capital, regressou a Caeté, já casado, e se instalou na forma mais econômica, tanto que fez o primeiro forno como o haveria feito um ceramista da idade da pedra: cavando um grande buraco no flanco de um morro, ao lado da matéria-prima, para não gastar em tijolos nem em transporte.

O exame das terras havia dado um resultado surpreendente: naqueles morros, como que reunidos intencionalmente por um sábio capricho da natureza, se encontravam, em níveis superpostos, mas todos ao alcance da mão, os elementos essenciais da indústria, desde as areias mais variadas e valiosas até a mais excelente terra refratária para fazer os moldes e forrar os fornos.

Tudo abundante, tudo para séculos. E completando a soma de elementos naturais, um riacho que baixava da montanha e vinha cair no valezinho, oferecia a força para todos os usos e a água indispensável para as decantações do barro plástico; e a floresta imensa, contínua, viciosa, em um eterno crescimento, oferecia a lenha forte, barata e inesgotável, para alimentar os fornos em uma combustão secular.

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O OURO E O CULTO EM MINAS GERAIS - Interior da Igreja Matriz de Santa Bárbara, uma das numerosas cidades de Minas que a abundância do ouro e o fervor religioso da gente antiga constelou de templos, em cujo interior se pode achar verdadeiros tesouros ornamentais - sem que seja raro tampouco o agradável encontro de alguma arcaica e bela nota de arte
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Tudo estava, pois, ali. Mas era preciso coordená-lo e submetê-lo, na forma e no regime necessários para que a produção resultasse tão boa e tão barata, que se pudesse, por exemplo, levar tubos de barro em lombo de mula por mais de quinze léguas de caminho montanhoso, para competir e avantajar em preço com artigo similar das olarias e cerâmicas estabelecidas nos centros povoados, com estações ferroviárias para seu transporte econômico.

Tal foi a obra do eminente bom sentido que organizou aquele sistema de trabalho, suprimindo, de imediato, todo gasto de tração com a simples aplicação de um princípio elementar: usar os diversos planos de elevação oferecidos pelo terreno para que todos os materiais, desde a jazida às piscinas de decantação e destas às oficinas e aos fornos, fossem baixando por seu próprio peso.

Este sábio sistema me encantou quando o vi aplicado por mr. Hope, o grande gerente do frigorífico Las Palmas, na disposição de sua fábrica, localizada nas barrancas do [rio] Paraná em forma parecida, de sorte que o novilho entra vivo por um plano superior e vai caindo, primeiro ele e depois seus diversos despojos, a uma série de pisos sucessivos, o último dos quais é o transatlântico.

Tal disposição, que deu sua mais sólida base econômica àquela formosa fábrica argentina, estava magistralmente aplicada, ali entre os morros do interior do Brasil, por outra inteligência de homem prático – e se pode garantir que ela constituía, também ali, um dos fatores essenciais da prosperidade da fábrica, permitindo-lhe expansões indefinidas de produção com um pessoal fixo e pequeno, pois o trabalho mais pesado e mais caro é feito pelas leis de gravitação.

Aquele primeiro forno de artífice troglodita, cavado no flanco do morro, fica como a recordação melhor, como o santuário predileto das exemplares devoções naquela associação do trabalho. Toda uma série de fornos novos, de diversos modelos, alçam suas cúpulas fumegantes, vizinhos aos grandes pavilhões de modelagem manual e mecânica, dotados da mais moderna e poderosa maquinaria.

O melhor negócio foram e continuam sendo os tubos de barro para drenagem e esgoto; mas como o negócio não é ali a questão predominante, busca-se sempre, experimentam-se novos produtos, novas combinações, novos processos fabris.

Estavam ensaiando um tijolo, primeiro comprimido a enormes pressões e logo cozido a temperaturas elevadas, para aplicá-lo a pavimentação de ruas em lugar da pedra ou da madeira, e as provas físicas dão indícios que parecem conclusivos quanto ao resultado.

Mas a paixão dos ensaios é pela porcelana. A matéria-prima parece insuperável, e foram feitos belos exemplares em laboratório. Entretanto, a fabricação não pôde ser resolvida industrialmente em forma que satisfaça ao doutor Pinheiro, cuja ambição não se contenta com êxitos médios. Quer fazer porcelana de primeira classe, e está seguro de que a pode fazer com o caulim de suas jazidas; mas depois de muitas tentativas se convenceu de que precisa de um mestre prático, vinculado à fábrica e apaixonado como ele na perseguição do supremo evento industrial.

E já encontrou a solução: tem que ir alguém à Europa e aprender o segredo do ofício; e não podendo ir ele mesmo, vai outro ele, vai seu filho – o maior de outros dez, dos quais oito nasceram em Caeté, vendo crescer a obra do pai e crescendo com ela.

O primogênito é um lindo varão de dezessete anos, vigoroso, sanguíneo e de alma alegre, não sei se nascido também na fábrica, mas criado nela, com ela e para ela, sendo atualmente seu verdadeiro administrador.

Filho de doutor, filho de presidente, com um caminho aberto ante seus passos para os êxitos fáceis, e em um país onde o doutorado e a carreira política têm uma intensa fascinação sobre os espíritos, respondeu com verdadeiro orgulho à minha pergunta sobre se pensava seguir carreira: "- Pois não! – me disse com um fulgor da paixão paterna nos olhos juvenis -: saio em maio para a Alemanha, para trabalhar em uma fábrica com caulim de Caeté, e não volto até aprender a fazer a porcelana!".

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A INSTRUÇÃO E A INDÚSTRIA EM MINAS GERAIS - Edifício do Colégio Mineiro, na importante cidade de Juiz de Fora
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Visitando uns fornos inventados pelo doutor Pinheiro para secar a lenha verde - de modo que possa ser usada 48 horas depois de cortada sem que tenha perdido nada de seus elementos combustíveis, e adquirindo, em troca, uma uniformidade de secagem que influi de maneira vantajosa em seu coeficiente de calorias -, veio por si o tema do carvão e da lenha – agentes fundamentais para as indústrias do fogo.

E o doutor Pinheiro, que estudou a questão profundamente, expressou sua convicção de que o Brasil tem na espessa capa de florestas, que cobre quase sem interrupção a maior parte de seu território, uma mina de combustível perfeitamente capaz de suplantar a hulha nas indústrias que têm no fogo seu elemento essencial; tanto que reputa desnecessário o uso do carvão mineral nas ferrovias brasileiras.

Toda a questão é de sistematizar a exploração florestal, como tem ele feito para sua fábrica, havendo chegado não só a estabelecer a rotação dos cortes, como a conservar certas madeiras finas que é lástima jogar ao fogo.

Para isto, estão estabelecidas determinadas multas aos provedores que trazem essas substâncias mescladas entre a lenha. Sustenta o doutor Pinheiro, abonando-se com o caso de sua fábrica, que o combustível obtido assim vem a custar o mesmo que custaria o carvão a uma fábrica francesa ou alemã que estivesse localizada na boca de uma mina, tendo-se tomado, como é lógico, para calcular este custo, o de uma quantidade de lenha equivalente em calorias a uma tonelada de hulha.

Quanto às ferrovias, tudo é questão de construir as locomotivas com fornalhas especialmente adequadas para o consumo de lenha, sem cair no erro de queimar simultaneamente, como se faz, uma parte de carvão e outra de lenha – pois como o ponto de combustão é diferente, um dos dois combustíveis resulta necessariamente perdido.

Citei-lhe o caso de nossas ferrovias do Norte, que operam com lenha pura, o que confirmava sua opinião de que as do Brasil chegarão a se tornar independentes do carvão estrangeiro, assim que encarem a questão da lenha com um sentido racional, estabelecendo métodos de aprovisionamento que, em vez de estimular a destruição, estimulem a conservação e ainda o cultivo das florestas.

Segundo os cálculos de sua experiência, a indústria da lenha, estabelecida racionalmente, dará tão boa renda, que seu cultivo se converterá em um dos destinos prediletos para grandes extensões do território. Agora mesmo, há empresários que arrendam terras de bosque para explorá-lo e prover a fábrica de Caeté, e fazem um bom negócio, sem prejudicar os donos da terra, porque não destroem a floresta.

Resultará então, considerado o problema desde estes pontos de vista tão fortemente sugestivos, que o Brasil pode realizar a independência de suas ferrovias, e de indústrias tão prometedoras como as da cerâmica, da cristaleria, da esmaltagem de ferro e sobretudo da metalurgia – pois, em primeiro lugar, é evidente que com lenha podem ser alcançadas todas as tensões calóricas e todas as dimensões, sendo só questão da quantidade do combustível e dos métodos de combustão; e em segundo lugar, esta mina à flor da terra, cuja economia está demonstrada por uma experiência tão valiosa como a do doutor Pinheiro, tem sobre as minas de carvão mineral a vantagem imensa de não se esgotar jamais – pois de doze em doze anos pode ser explorada cada seção de floresta – e é questão somente, mais que de ditar leis, de criar sistemas de compra da lenha, baseados, por exemplo, em seus diâmetros, para evitar o corte dos rebentos, a fim de que o industrial lenheiro seja o primeiro interessado em conservar a floresta como base indispensável de seu negócio - em vez de meter-lhe machado, serra e dinamite, como um bárbaro, como está sendo feito agora, tanto na floresta brasileira como na selva argentina.

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A INSTRUÇÃO E A INDÚSTRIA EM MINAS GERAIS - Fábrica de tecidos de Mascarenhas, em Juiz de Fora. A indústria têxtil alcança um notável florescimento em Minas Gerais
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Já era mais de meio da tarde – suave e dourada tarde – como todas aquelas do trópico nos dias claros – quando, percorridos os extensos bairros que a fábrica cobre com suas dependências e domina com suas chaminés, fomos ver a igreja antes de seguir viagem.

É o templo de Caeté, ainda que algo ingênuo e de estilo indefinido, monumental e severo em seu aspecto e suntuoso em seu interior – resultando o conjunto em tal desproporção com a essência visível da paróquia – ainda que de nobre linhagem, escassa de população – que só um fato anormal, superior às forças da vizinhança, poderia explicar tamanho esforço da devoção exaltada ao sacrifício.

Uma antiga crônica do rico arquivo mineiro conta em comovedor estilo o evento que ergueu sobre uma elevação o templo de Caeté, dando-lhe notoriedade na memória das gentes. Diz substancialmente a velha crônica que por volta de 1740, o virtuoso vigário Enrique Pereira, pastor daquela freguesia, foi caluniado por uma formosa penitente, de ilustre família. A calúnia teve crédito, interveio a autoridade, e o vigário, carregado de correntes, foi remetido ao Rio de Janeiro, de onde seguiu logo viagem a Lisboa, pois seu crime caía sob a terrível jurisdição do tribunal do Santo Ofício.

Ficaram em Caeté muitos amigos do vigário, convencidos de sua inocência, e um deles, que o acompanhou até o Rio, lhe disse, ao vê-lo embarcar: "- Tenha fé na mãe de Deus, senhor vigário, e faça uma promessa a Senhora do Bom Sucesso, que a verdade se saberá por fim e Vossa Reverendíssima será salvo!". "- Prometo - respondeu o vigário – edificar um templo, não por temor da morte, mas porque não quero que a memória de um servidor de Cristo fique manchada com crime tão atroz!"

E contou a crônica, em sua linda maneira narrativa, plena de uma emoção ingênua, que por oculto mistério da Divina Providência, no mesmo dia e hora em que o vigário Enrique fazia sua promessa no Rio, caía repentinamente enferma em Caeté a moça, causa dos padecimentos do virtuoso pároco; um sacerdote foi chamado e na confissão revela a infeliz a verdade dos fatos.

O sacerdote obriga a moribunda a fazer pública sua confissão: acode o senado municipal, o comandante, o juiz ordinário, o escrivão e numeroso povo, e em presença de todos a desditosa moça confessa seu delito e, absolvida pela indulgência terrena, entrega sua alma dolorida e pecadora à Infinita Misericórdia!...

Essa é a lenda da origem do majestoso templo de Caeté, feito todo ele em pedra sinuosa, de um verde jaspeado de veias claras, muito abundante nos montes vizinhos e tão nobre de aspecto e tão dura como os melhores pórfiros do Egito (N.E.: pórfiro é uma rocha ígnea, compacta e dura que inclui cristais de feldspato e quartzo, de grandes dimensões e forma bem definida, indicando ter sofrido duas fases distintas de cristalização: a primeira, mais lenta e em profundidade maior, em que se formaram os fenocristais, e a segunda, mais rápida e em menor profundidade, em que ocorreu a cristalização da matriz).

Há colunas dessa pedra, de vários metros, lavradas em uma só peça, que encontrariam lugar de primeira ordem em qualquer construção monumental de uma metrópole.

Subimos a escadaria do alto campanário, que exige coragem para afrontá-la – e não deixou de admirar um pouco ao forasteiro que o presidente de Minas subisse aquelas empinadas escalas com tanta ligeireza de pernas como a que empregava nos distantes tempos de suas andanças infantis, quando à sesta, segundo sua própria confissão, deslizava nas costas do sacristão para fazer soar fora de hora os vetustos sinos.

De lá de cima era o panorama de uma beleza áspera nos morros de pedra, e doce, como desbotada, nos vales. À esquerda, as chaminés da fábrica, sucintas e fumegando, pareciam subir aos ares para fazer companhia à torre da igreja, recebendo ao mesmo tempo que ela a luz do sol matinal, fundindo-se na mesma nuvem, suportando a mesma explosão de tempestade – como se o objeto fosse, lá no caminho dos distantes céus, enlaçar espiritualmente as duas nobres religiões – a das almas, que no mais alto da torre representava o eterno símbolo da redenção das nações e das eras – e a do trabalho, que pela boca das chaminés deixava escapar o fumo branco da oferenda de Abel, a caminho dos céus!

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AS MINAS DE "HULHA BRANCA" (N.E.: sentido figurado = fontes de energia, branca da água) NO BRASIL - Cascata de Votorantim, no Estado de São Paulo
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Todavia, regressando do interior ao Rio de Janeiro, anotei, entre outras muitas, duas observações interessantes: a grande quantidade de cidades que há neste país e a profusão de fábricas que lhes dão vida.

Para criar tão acentuado desenvolvimento industrial, não foi necessária a tarifa protecionista que hoje vigora nas aduanas brasileiras, porque todo este próspero trabalho de moinhos, teares, curtumes, serrarias, forjas e usinas, fábricas de chapéus, de tecidos, de calçados, de fósforos, de cintos e correias, de ferramentas agrícolas, engenhos de açúcar e de arroz, moinhos de farinha de mandioca e farinha de milho, não foram estabelecidos com vistas de exportar nada para fora do país: nasceram por estímulos naturais, para servir ao consumo interno, que é muito considerável – pois, ao revés do caso argentino, por exemplo, o processo comercial brasileiro deve ser buscado, em seus melhores significados, na estatística das vendas internas melhor que nas tábuas da exportação.

Os couros bovinos, de imediato, embora representem um grupo de expressão nas exportações, ocupando o terceiro lugar entre os seis artigos que o Brasil mais exporta, é quase certo que igualariam a tonelagem da exportação argentina neste ramo, em vez de chegar somente à metade; mas o fenômeno é explicado quando se vê em todas as cidades e vilas o grande número de curtumes que preparam couros para o consumo do país.

Na pequena cidade de Itabira do Campo, onde me detive para ver a Usina Esperança que descrevi em outra crônica, notei, entre várias fábricas, uma delas de fósforos, sete grandes curtumes antigos e em plena prosperidade; e tive, ademais, para julgar este grupo, de tomar em conta o grande consumo que se faz de couros bovinos para fardos de grama, destino com que são vendidos nos estados de Rio Grande, Paraná, Santa Catarina, em grandes quantidades, a 20.000 réis um pelo outro, ou seja acima de 14 pesos de nossa moeda, que é pouco mais ou menos na Argentina o preço dos bons couros de novilho.

Esta inclinação tradicional de manufaturar as mercadorias de uso corrente formou ambiente e aptidões industriais muito acentuadas, que, ainda que tenham atuado até agora em pequena escala e esparsos pelo imenso território, tendem agora a formar grandes focos industriais, ao abrigo de uma política protecionista que conta com o sufrágio de todos os Estados.

Não posso, por falta de elementos suficientes de juízo, dizer se esta transformação fomentada a todo transe será para bem imediato ou não – mas o que é inquestionável é que conta com elementos manuais excelentes, com toda uma população trabalhadora autóctone, radicada e sedentária, onde ainda as modernas questões sociais não deram fruto e quiçá não tenham nem sequer recebido a primeira semente.

Como nosso crioulo do interior que, totalmente analfabeto, se faz pronto maquinista e capataz e até mecânico nos grandes engenhos açucareiros de Tucumán, o brasileiro pobre é um trabalhador excelente para qualquer desempenho industrial, sendo-lhe especialmente fácil a aprendizagem, porque traz consigo uma larga herança de habilidade manual.

Por cima destes meios próprios, o desenvolvimento industrial marcha rápido; e, especialmente, em matéria de tecidos, chega já a uma perfeição notável, tanto em panos de algodão e lã como em tecidos finos.

As casimiras brasileiras são equiparadas muito bem às melhores saídas de nossas grandes manufaturas, que os fazem superiores, por mais que nosso público ignore o fato, em razão de que as fábricas argentinas têm que vender seus panos como estrangeiros para que sejam comprados; como havia até há pouco que vender com rótulos ianques os excelentes calçados masculinos feitos em Córdoba e Buenos Aires e como são vendidos os bons guarda-chuvas crioulos com etiquetas de Paris.

A lã é escassa no Brasil, e isto retardará a independência industrial do país nos tecidos que a têm por base; mas o algodão, que é produto abundante em numerosos Estados, exportando-se acima de 25.000 toneladas ao ano, tem um vasto consumo nos moinhos e fábricas espalhados por toda a União.

É rara a cidade em que não haja um ou mais moinhos e fábricas de tecidos. Em Belo Horizonte trabalha uma grande fábrica de golas e punhos que exporta para Rio e São Paulo, não recordo por quais vantagens fiscais; e ali mesmo está sendo estabelecida uma fábrica de tecidos de algodão que cobre dois quarteirões com seus edifícios.

Rio de Janeiro é um grande centro desta indústria, excedendo de 30.000 os teares que atualmente funcionam em suas diversas fábricas. Assim vai sendo coberta rapidamente a demanda do comércio interno, calculando-se, entretanto, que ainda não são produzidos senão dois terços do consumo de artigos de algodão - ficando um saldo superior a 60.000 contos, ou sejam, 43 milhões de nacionais, montante aproximado da importação do ano passado em algodões, que será anulado com a crescente produção nacional.

Mas convém fazer notar que, se todavia são importados tecidos de algodão, já não são importados os fios, havendo a fiação nascido junto com o tear. De sorte que os elementos essenciais da indústria, além de serem próprios, estão há tempo dominados pelo trabalho nacional.

Isto permite assegurar que, em um futuro próximo, o Brasil será um forte exportador de tecidos, produzidos muito barato, graças a dois fatores essenciais: a abundância de boa mão-de-obra e a profusão de força hidráulica que baixa cantando de todos os morros – podendo-se contar com ela em qualquer ponto onde se resolva levantar uma fábrica.

Com esses sugestivos indícios sobre a atualidade e o visível futuro industrial do Brasil, observados na passagem pelas cidades mineiras, de vida tão ativa, tão saudável e patriarcal, deixei definitivamente o território e o tema de Minas Gerais, cujos homens de bem, cujos costumes amáveis, de simplicidade antiga, cuja hospitalidade fidalga, donde a flor da simpatia se abre em uma hora e produz em um dia nobres frutos de amizade, deixaram indelevelmente escrita em meu espírito a palavra Saudade.

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AS MINAS DE "HULHA BRANCA" (N.E.: sentido figurado = fontes de energia, branca da água) NO BRASIL - Salto de Piracicaba, no Estado de São Paulo
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