VISTAS DO PAÍS MINEIRO - A cidade de Cerro, em Minas Gerais, pitorescamente localizada entre os
morros do Norte. Berço do presidente do Estado, doutor João Pinheiro da Silva. Centro fabril de considerável importância regional
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O ouro em Minas Gerais
Uma visita a Morro Velho - Sessenta
anos de luta pela fortuna - O prêmio da tenacidade - A 1.300 metros abaixo da superfície terrestre - Uma mina colossal - 25.000 esterlinas de ouro
por mês - Dividendos enormes - A mineração é riqueza e cultura - A lenda do ouro em Minas - 27.000 arrobas de pó de ouro - As grandes minas e a boa
vida - Gravidez de porvir
Da
estação Honório Bicalho, saímos em burro a visitar o potente veio aurífero que forma hoje a tradicional mina de Morro Velho. Foi descoberto há mais
de um século por lavados superficiais, que revelaram a presença de uma jazida de alto grau e de dimensões que de imediato foram apreciadas como
acima do comum.
A companhia inglesa que atualmente o explora fez sua
aquisição em 1830, mas pouco trabalhou até 1837. Nessa época começou o trabalho subterrâneo em grande escala, continuando com excelente resultado
até 1863, em que se produziu um pavoroso incêndio nas galerias subterrâneas, devorando o fogo todos os revestimentos e produzindo vastos e ruinosos
desmoronamentos.
Voltou-se a trabalhar com todo afinco, fazendo-se de novo
galerias e revestindo-as com tal prolixidade que só em madeiras foram gastas 300.000 libras. Mas tampouco esse trabalho pode dar fruto definitivo:
em 1886, um desmoronamento dos paredões intermediários suprimiu todas as galerias, custando numerosas vidas e produzindo um desastre tão completo,
que se julgou a mina definitivamente perdida.
VINHETAS DA VIDA PASTORIL BRASILEIRA - Grupo de fazenda mestiça de caracu e zebu, na aguada de uma
fazenda cafeeira. Ainda que sta fotografia seja de São Paulo, é igualmente característica da grande zona pecuária de Minas, ao Sul e ao centro do
Estado
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Foi então que a companhia, por um acaso feliz que devia
mudar seus destinos, acertou com o que é seu atual engenheiro-chefe, mr. Chalmers, então jovem de 28 anos, que fez a viagem ao Brasil,
examinou a mina destruída, calculou sua riqueza, apreciou tudo com critério realmente genial e levou a Londres um plano de novo ataque ao monte de
ouro, em termos tão convincentes que os acionistas, entusiasmados, resolveram passar um risco sobre as perdas sofridas e confiar um novo capital,
com faculdades extraordinárias, ao jovem engenheiro.
Mr.
Chalmers abandonou o antigo sistema de galerias horizontais e começou por dar uma espécie de épico mergulho no monte, lançando-se verticalmente para
baixo, para cruzar e perseguir o veio, estabelecendo a certas profundidades horizontes de irradiação com galerias penetrantes em sentido horizontal,
cujo centro comum de descarga era a grande abertura a pique.
Esta abertura foi perfurando as entranhas do monte,
baixando, baixando, até alcançar hoje 1.300 metros de profundidade, ou seja, a maior perfuração vertical conhecida em minas de ouro.
Lá embaixo os tímpanos sofrem uma pressão perturbadora
pelo peso crescente da atmosfera – e ao mesmo tempo que se sente o peso nos ouvidos se sente também certo peso na alma... Ao cruzar na descida os
diversos horizontes de exploração, chegam bruscas detonações de buracos que explodem e fazem retumbar o monte com fragores de terremoto.
A ação combinada da dinamite e das perfuradoras de ar
comprimido rasga incessantemente as entranhas do colosso. Mas a veia segue, ondulando, mergulhando, se diria que fugindo até o fundo do mistério
terrestre – e mr. Chalmers, como um encarniçado perdigueiro, dizem que se propôs persegui-la até o fim, ainda que tenha que pôr a mão sobre o
ígneo coração do planeta...
Hoje Morro Velho está em plena prosperidade, alimentando
um povo de dez mil almas com seus salários e seus consumos enormes. Vila Nova de Lima (assim chamada em honra de seu filho o doutor Augusto de Lima,
poeta, pensador, belo talento e nobre espírito, a cuja companhia devo inesquecíveis horas de viagem), Vila Nova de Lima, dizia, rejuvenesceu com a
mina, e hoje goza um bem-estar visível em seu retiro pitoresco de montanhas, distante uns cinco quilômetros da estação Honório Bicalho.
Por certo que tive uma grata surpresa e sofreei de golpe o
burro que fleumaticamente me levava, ao ver gravada em um penhasco daquela vila serrana, ao flanco de um caminho fundo talhado num monte, esta
legenda, para mim tão inesperada como evocadora: "Rua de Montevidéu"!
VISTAS DO PAÍS MINEIRO - As cidades fluviais de Minas - Porto da cidade de Santa Ana
de Ferros, sobre o Rio São Antonio. Graças à considerável quantidade de rios capazes para a pequena navegação, são numerosas em Minas as cidades
fluviais, que têm assim grande economia e facilidades para seu tráfego e expansão regional
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A descrição da mina e seus gigantescos trabalhos levaria
muito tempo e muito espaço. Quisera poder dar um dado ilustrativo dizendo que tudo naquele vasto organismo industrial se move eletricamente, tanto
as ferramentas de perfuração como os elevadores, os vagonetes e os mecanismos todos do poderoso engenho de trituração da rocha aurífera – mecanismos
cujo poder se apreciará sabendo que seus trituradores despedaçam, com um só aperto, penhascos do volume de uma barrica de Portland, sendo tamanha
máquina uma das maiores fabricadas até hoje pela Companhia Marsden, especialista no gênero.
A natureza do mineral, que se apresenta em um pó
finíssimo, impossível de apreciar a olho nu, exige trituradoras sumamente aperfeiçoadas, para que possa o ouro se libertar da pedra que o guarda.
Não se vê ali aqueles quartzos rutilantes como os nossos
de Cruz del Eje, em Córdoba, por exemplo, que agasalham o ouro em grossas incrustações de metal puro. O de Morro Velho é um estranho cinzento que
parece não ter nada de particular.
Precisamente, quando andávamos pelo interior da mina,
vimos passar um vagonete carregado de pedriscos que chispavam ao feri-los a luz elétrica, e nos pusemos a escolher amostras com certa pressa e
gulodice, enchendo literalmente os bolsos de pedras.
O engenheiro inglês que ia conosco nos deixava fazê-lo com
um sorriso que parecia de condescendência e que talvez fosse de ironia, pois quando nos viu carregados nos disse cortesmente: "As pedras que têm
ouro não o deixam ver: essas não têm nada!" E nos deu em troca outras pedras que, de encontrá-las no solo, não as havia acreditado capazes de servir
nem para apedrejar um pardal. Ali, como em todas as partes, resultava que nem sempre o que brilha é ouro...
Aqueles penhascos cinzentos, entretanto, dão um produto
médio, há anos, de 15 a 20 gramas por tonelada – o mesmo que está obtendo a companhia argentina que explora as minas de Cruz del Eje – estimando-se
a produção bruta de Morro Velho em 25.000 libras esterlinas mensais.
Os gastos, também mensais, oscilam ao redor da metade – 10
a 12.000 libras, com o que resulta já um saboroso dividendo sobre as 600.000 libras de seu capital, das quais 500.000 estão totalmente investidas na
vasta enormidade daquelas gigantescas instalações.
O pormenor, ainda em forma sintética, de tudo aquilo,
levaria muitas páginas. Só em detalhar as distintas formas de captação de força hidráulica para mover a potente vida industrial da mina, em
assinalar os processos aplicados para extrair quimicamente o ouro que não se consegue libertar por meios mecânicos, em revistar as oficinas e usinas
de fundição, eletricidade, siderúrgica e forja, carpintaria, ajustagem, estanhagem, gabinetes de estudos e projetos, oficina de modelos etc.,
poderia me demorar consideravelmente, e talvez não sem proveito para nossa incipiente mineração.
A cianetação, por exemplo, das areias pobres, foi em Morro
Velho abandonada por lenta, e a cloração também, por cara. Agora são tratadas as concentrações piritosas de baixo teor por um meio químico no
processo O, que extrai 80% do ouro não libertado pela trituração, em quatro horas – em vez das doze que exigia a cianetação – e com um gasto
reduzido.
Este processo O é o resultado de experiências de muitos
meses, havendo privilegiado seus inventores, Wilder e Chalmers, chefe o primeiro dos trabalhos quimico-mecânicos da companhia. Uma instalação
completa para tratar 100 toneladas a cada 24 horas funciona há oito anos, com resultados completos.
A força hidráulica é tomada de quatro distintas fontes de
energia, uma das quais é a mesma água que já se usou para acionar diversas maquinarias do engenho, a qual é elevada outra vez e volta a cair de 40
pés de altura para mover um determinado grupo de motores e dínamos.
Atualmente está sendo concluída outra usina a 7
quilômetros de distância, para trazer 500 cavalos mais de força, destinada exclusivamente a prover ar comprimido para suprimir por completo nas
perfurações o trabalho manual.
Quanto às usinas e oficinas da mina, dará idéia de sua
importância o dado de que ali foram construídas duas terças partes dos mecanismos que trabalham no engenho, fundindo-se in situ toda peça que
não passe de cinco toneladas. Polias metálicas, rodas de engrenagem até de 8 pés de diâmetro, perfuradoras de ar comprimido (modelo Chalmers),
canaletas para a água, mãos de pilão, mandíbulas para os grandes trituradores de pedra, tudo é feito nas usinas da companhia e tudo está ordenado e
montado tão bem e em tal escala, que qualquer daquelas oficinas, de forja, de serraria e carpintaria, de eletricidade ou fundição, poderia ser base
de uma grande empresa em Buenos Aires.
VINHETAS DO BRASIL RURAL - Um caboclo (camponês mestiço de índio) com seu traje característico,
seu laço e seu valente cavalinho crioulo
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Não há para quê dizer que a prosperidade da mina trouxe
consigo uma considerável irradiação de progressos e proveitos locais. Atualmente está sendo concluída uma ponte rodoviária de não menos de trezentos
metros de comprimento, feita ela companhia para seu uso e do público – e são inúmeros os trabalhos de utilidade geral devidos àquela copiosa
cooperadora do bem-estar da comarca.
No domínio da mina, a residência do engenheiro-chefe e
alto pessoal técnico e administrativo é um retiro delicioso, com quanto acolhimento possa o dinheiro e o bom gosto oferecer à vida.
Edifícios confortáveis, amplíssimos, com piscinas de banho
grandes como lagos nos jardins, parque senhorial povoado de cervos e outros exemplares da caça maior regional, tudo se ajusta ali para tornar
agradável o trabalho e formar escola de boa vida.
Boa vida laboriosa e profícua em grau exemplar, pois mr.
Chalmers, alma de tudo aquilo, é o mais formidável trabalhador que poderia ambicionar uma grande empresa para guiar seus destinos ao bom sucesso.
Além do impulso, da vista genial, da alma e do talento postos por aquele inglês ossudo e loiro em sua enorme tarefa, sua ação material, de
laborioso, de trabalhador manual e balconista, soma proporções extraordinárias.
Os planos feitos por ele para fazer reviver a mina depois
do desmoronamento chegaram a 1.100 e a outro número igual os modelos gráficos em madeira, para fazer tangíveis os pormenores do vasto plano de
campanha.
Em uma peça especial do departamento de desenhos e planos,
há um grande modelo da mina comparado com o monte Corcovado – que dá uma idéia avultada e palpável das dimensões extraordinárias de quando se fez
nas entranhas daquele monte para lhe arrancar seus tesouros.
Mr.
Chalmers é autor de numerosos sistemas e máquinas especiais patenteadas por ele, para fazer melhor, mais completo e econômico o trabalho de
exploração. Não se limitou a tomar o bom de outras experiências, sem, pelo menos, adaptá-lo ao seu caso, melhorando-o sempre.
Desta maneira pôde dizer mr. Frederic Tendron, o
veterano presidente da St. John del Rey Gold Mining Cº.
(que assim se chama a companhia de Morro Velho), dirigindo-se a uma
assembléia de acionistas londrinos, que apesar de que o teor do mineral tenha baixado, os ganhos subiram constantemente. E perguntava mr.
Tendron, usando adjetivos excepcionais na característica sobriedade verbal dos ingleses: "Não diz isto muito em favor do talento maravilhoso de
nosso engenheiro mister Chalmers, que com mineral de 41s. por tonelada consegue dar-nos um lucro maior do que obtivemos durante 21 anos com
mineral de 50s.?"
Aquele acidente do mineral inferior passou, e hoje está
demonstrado que o teor de ouro em Morro Velho aumenta quanto mais desce a veia nas entranhas da terra – e onde já se está explorando a 300 metros
abaixo do nível do mar – mas a maior eficácia do trabalho aumenta também: melhor trabalho, maior ganho de tempo e de braços, uma mecanização quase
absoluta de todo o processo, desde a jazida até que caia livre o pó de ouro – cada vez um coeficiente maior de energia usada, de mais alta
quantidade de mineral tratada sem aumentar os gastos – e ficam explicados assim os ganhos líquidos atuais da companhia, superiores a 20 por cento.
À tardezinha, depois de ter visto as sutis e cobiçadas
areias de ouro irem caindo e se amontoando em recipientes herméticos de cristal, como se fossem o misterioso e sublimado resíduo da digestão daquele
monstro, eternamente preso em pedra, regressamos nas pacientes mulas minuanas à estação, para seguir viagem, filosofando sobre a evolução da
indústria extrativa naquelas regiões tradicionais do ouro.
Quão distante fica a febre aventureira dos tempos
coloniais, em que se recolhia o mineral nos rios serranos, bateando as areias dos canais, com uma exigência tal que eram declarados inservíveis os
leitos que não davam acima de 6 oitavas de onça por bateia, recordando-se a fabulosa produção do Rio das Velhas, que em certa península dava 40, 50
e mais oitavas de ouro (ao redor de cinco a seis onças) em cada bateada!
Distantes ficam também os achados extraordinários de
blocos de ouro puro, registrados na história de Antonil (publicada em 1711), entre eles um de 95 oitavas, outro de 150 e um de três libras, e não
ficam menos distantes as fortunas daqueles primeiros povoadores que entesouravam o ouro por arrobas, constando o fluxo de Baltazar Godoy de 20
arrobas (de 32 libras, que era a arroba portuguesa), o de Thomas Ferreira de 40 arrobas, e os de Francisco Amaral, Nunes de Viana, Borba Gato e Góes
de Almeida, de 50 arrobas, ou seja, 750 quilos de ouro em pó cada um!
Amador Bueno, os Penteado, Rodrigues Paes, Lopes de Lima e
muitos outros eram considerados uns pobres diabos porque seu capital não passava de 5 a 8 arrobas de ouro! Estes inauditos resultados de um trabalho
feito nas formas mais rudimentares explicam a enormidade do "quinto" ou tributo real, que chegou a ser de 200 arrobas fixas por ano, havendo a coroa
de Portugal recebido, desde 1715 a 1777, 5.388 arrobas de ouro como produto do "quinto", o qual dá uma produção total de 26.940 arrobas, que
seguramente não era nem a metade do certo, pois a ocultação e o contrabando subtraíam ao tributo quantidades enormes de ouro.
Tudo aquilo ficava longe: a abolição da escravatura e a
aparição da riqueza do café, "a mina vegetal" que atraiu todas as energias e ambições oferecendo ganhos esplêndidos e aparentemente mais seguros,
havia trazido a ruína da antiga mineração aurífera; mas a enorme riqueza jacente estava entretanto ali, intacta e misteriosa, no coração esquivo das
montanhas, cuja erosão pelas correntes de água que caem de suas alturas era a que havia enviado ao leito dos rios uma mínima parte de seus tesouros,
que hoje entretanto dão vida às populações de numerosas vilas e cidades mineiras.
Só ficava atrás, portanto, no passado rudimentar, a forma
de trabalho: os tempos exigiam outros conceitos, outros métodos, cujo êxito tinha sua brilhante demonstração na Mina de Morro Velho: mas a riqueza
essencial entesourada nos morros e nas mesmas areias fluviais se mantinha quase intacta, apenas desflorada pelo riscado superficial das explorações
primitivas.
Impunha-se facilmente ao espírito a possibilidade de um
novo florescimento aurífero daquelas regiões, à base de organizações industriais de grande potência financeira, aliviadas de tributos que hoje pesam
demasiado e amparadas por um bom código de mineração, que está faltando.
Seguiu o trem, rumo a Ouro Preto, desenhando-se na
distância fluída e poética dos lombos dos morros, espiritualizados pelo sol poente que os dourava a fogo – e eu pensava que esta região lendária,
que vive saudosa de seu passado, não se deu bem conta entretanto de que bate em suas entranhas um embrião enorme de porvir!
VINHETAS DO BRASIL RURAL - Uma vaca típica da raça Caracu, formada por evolução natural, de
ascendentes portugueses, abandonados à ação do meio-ambiente
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