VINHETAS DO PAÍS DO CAFÉ - Fazenda Monte Alegre, em Ribeirão Preto, pertencente ao coronel
Francisco Smith, de origem alemã, chegado ao Brasil como imigrante e elevado por seu trabalho e sua energia ao nível de rei do café. É o terceiro do
grupo, começando a contar da direita à esquerda. Com seus três milhões de árvores de café, o senhor Smith é o mais forte produtor do mundo
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São Paulo - Seu trabalho e seu futuro
Visita à região dos cafezais - Conversações pelo caminho - Os grandes fazendeiros
de São Paulo - O conde de Prates - A nobreza no trabalho - Herr Smith - De imigrante a milionário - Os italianos em São Paulo - A influência
do italiano na indústria do café - De colonos a proprietários - As novas estirpes - Santa Gertrudes - Um domínio senhorial - O café: desde a planta
até a mesa - A pecuária nas fazendas - Regresso e marcha a Santos - A grande via férrea que salta da montanha ao mar - Último comentário
De
manhãzinha, com um frescor estimulante, saímos a visitar a fazenda cafeeira Santa Gertrudes, de propriedade do conde de Prates – a mais considerável
do Estado, pois tem em exploração um milhão de plantas de café, que no ano passado produziram 25.000 sacos de 60 quilos, o que quer dizer que só
seta fazenda produz mais café que todo Porto Rico!
Não é o conde de Prates, entretanto, o maior produtor de café:
este título corresponde a um alemão, Francisco Smith, que entrou no país como colono, não há muitos anos, sem mais recursos que sua energia e sua
inteligência, e hoje possui, em várias fazendas, três milhões de cafezais de sua propriedade, que lhe permitem reter para seu modesto e honorável
sobrenome de imigrante o título de rei do café, pois não existe proprietário maior em nenhum dos países que têm este cultivo.
Herr Smith, que é coronel de milícias brasileiras e
homem dos que sabem fazer honra à boa, devolvendo em benefícios à comunidade alguns doces beijos da Fortuna, me fazia recordar, na sua simples e
admirável história de conquistador, a Clodomiro Hileret, nosso rei do açúcar, também ascendido pelos cabedais de sua pujança moral e seu talento, ao
nível de milionário e cavaleiro da Legião de Honra.
Fazia-me recordar de
Antonio Devoto, rei do milhão (N.E.: nascido na Itália em 1832 e falecido na Argentina em 30/7/1916, Antonio Devoto foi um empresário que ali chegou
como imigrante nos anos 1850, e em 1889 era já o presidente do banco que adquiriu as terras onde hoje se encontra o bairro Villa Devoto, na cidade
de Buenos Aires. Banqueiro, daí a alcunha de rei do milhão); de José
Guazzone, rei do trigo; de Camuyrano, rei da fruta; de Minhanovich, rei dos rios; de Tomba, rei do vinho; de Canter, rei do fumo; de Menéndez, rei
do rebanho patagônico; de Vasena, rei do ferro, ou pelo menos "patrono dos ferreiros"!... e pensava que só nossas fecundas terras de liberdade podem
dar espaço no planeta para a fundação destas formosas dinastias!
***
A CIÊNCIA ABRINDO CAMINHOS AO TRABALHO - Relevo do Estado de São Paulo (Comissão Geográfica e
Geológica do Estado) - Esta planta é de suma utilidade para a distribuição das novas populações em São Paulo, segundo o destino agrícola ou pastoril
que se queira dar-lhes, pois mostra os rios do Estado, as altitudes e em conseqüência o clima de cada região e a configuração topográfica,
assinalando as zonas acidentadas em que o café prospera e as planícies com bosques do Norte, Oeste e Sudoeste, sobre o Paraná e o Paranapanema, onde
a pecuária encontrará provavelmente campo para vastas e profícuas expansões. REFERÊNCIAS - metros: 2.000/2.500, 1.500/2.000, 1.000/1.500, 800/1.000,
600/800, 300/600, 0/300
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No caminho, enquanto o trem desliza serpenteando entre colinas
verdes, vamos falando de São Paulo, de sua cidade, de seu trabalho e seu futuro.
São Paulo pode-se dizer que é hoje a capital econômica do
Brasil. E trabalha sem mesquinhez e sem preguiça, com um amplo espírito e um grande impulso, para confirmar e reter esse título. Para ele concorrem
três fatores poderosos: o clima, excelente para formar o homem, o café, e o imigrante italiano.
Já disse algo do clima; e nas cartas sobre o porto de Santos –
que é a porta de São Paulo sobre o oceano – anotei o fato de que este Estado produz, com seus setecentos milhões de árvores de café, três quartos da
colheita total do Brasil; agora digo, com respeito a outro fator do progresso paulista, que esta região, esta cidade e sua zona de influência
econômica, atraem com singulares prestígios o imigrante da região central da Itália, que fez o melhor da agricultura e da riqueza argentina.
Vai muito italiano ali e prospera em proporções que servem de
novo estímulo para engrossar a corrente. Resoluto, tenaz, frugal, ávido de adquirir e sem amargor para a fadiga, o italiano em São Paulo, como em
nossas terras do Prata, abre seu caminho à força de punhos em todas as esferas de ação; e assim é visto triunfando na capital, onde tem se destacado
nos comércios, de barbeiro a exportador, e nos ofícios, de lustrador a banqueiro, como se lhe observa dominando as terras selváticas fazendo seu
pequeno pecúlio à força de duras frugabilidades, e passando gradualmente de jornaleiro
(N.E.: no sentido antigo de trabalhador diarista)
a proprietário, a agricultor, a colono, a fazendeiro. Lá, como em nossos desertos do Oeste, hoje empórios da alfafa e do trigo, o italiano é o
verdadeiro conquistador das comarcas selvagens.
Um escritor paulista, precisamente enquanto me acho ali de
passagem, refere num interessante estudo o avanço da energia italiana até as regiões ermas: na quase inteiramente inexplorada, fértil e ampliada
serra de Campos Novos, mais além da atual cidade, muitas léguas no rumo Norte, foi encontrar, já há vários anos, uma ignorada e numerosa colônia de
italianos que, por sua posição geográfica, vinha a ser a guarda avançada da civilização sobre os misteriosos domínios do bugre taciturno, sendo a
revelação de que o café podia ser cultivado naquelas terras, em cujos flancos apenas desbravados, para Oeste e Noroeste, começavam as florestas
virgens, de escuros verdores, "fervendo de índios".
E na direção do Oeste, rumo à boca do Tibagi, onde se pensa que
apenas se poderiam encontrar alguns "caboclos" semi-selvagens ou algum casal de negros matando no "sertão" saudades atávicas da áspera terra da
África, lá se vai encontrar entretanto o italiano, um tanto absorvido pelo meio-ambiente, falando uma algaravia, mestiça de seu dialeto natal com o
degenerado português falado pelo "caboclo" e pelo negro...
"Lá também o italiano, com um fuzil atrás da porta, derruba a
selva, planta milho, engorda porcos, cria vacas... e ganha dinheiro. Esse italiano, de iniciativa e trabalho, que a brutalidade do acaso empurrou
para o deserto, seria nas cidades importantes o trabalhador ou o industrial, o comerciante ou o banqueiro, que para nada disso lhe falta
inteligência e audácia. Pode lhe faltar cultura mental, mas a supre com a prática da vida, com o tino do negócio e, sobretudo, com a tenacidade e a
energia".
VINHETAS DO PAÍS DO CAFÉ - Instantâneo panorâmico da fazenda Santa Gertrudes, no estado de São
Paulo, que tem mil colonos e um milhão de cafezais em produção - Nesta fazenda, seu proprietário, conde de Prates, um cavalheiro-fazendeiro, está
dando um bom impulso ao progresso pecuário de seu Estado, com valiosas importações de reprodutores bovinos, eqüinos, lanígeros e suínos
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Esse trabalhador inestimável, ao qual deve São Paulo grande
parte de sua prosperidade, é hoje o segundo proprietário agrícola do Estado. Ele não traz normalmente mais que seus fortes bíceps e sua vontade de
ganhar e economizar para preencher a ânsia aquisitiva de um pedaço de terra, que é em sua raça uma espécie de misteriosa obsessão ancestral.
Mas essas suas qualidades valem por ouro cunhado. E assim como
na Argentina o italiano imigrante chega a ser de tudo, desde estancieiro milionário a salgaderista opulento, até fundador de usinas colossais e rei
do trigo, em São Paulo, onde seu nativo instinto artístico, rapidamente educado, influi já na cultura urbana por mil eficazes modos, se lhe sente na
estatística rural deslocando cada vez maior escala, até ser já o segundo proprietário agrícola do Estado, após o brasileiro e antes do português,
que vem em terceiro lugar.
De 56.931 propriedades agrárias, 5.197 são de italianos; e em
alguns municípios, como o de Ribeirãozinho, que é dos muito produtores de café, superam os brasileiros, que só têm 144, contra 171 de agricultores
italianos. O conjunto das propriedades rurais que eles possuem monta a um valor de mais de 80 milhões de francos; e esta cifra, por si respeitável,
cobre uma importância superior se se tem presente que só é produto de um labor de pouco mais de vinte anos.
De fato, ainda que em 1876 entraram em São Paulo os primeiros
cinco italianos de que a estatística tem memória, a corrente não se afirmou com caracteres apreciáveis até 1887, em cujo ano saltou, de 6.000
italianos que chegaram no ano anterior, a 27.323. Daí em diante subiu e baixou, com violentas oscilações, cuja curva maior tocou 106.525 no ano de
1895, caindo em 1903 e 1904 ao redor de 9.000, para voltar a atingir em 1905 e 1906 cifras próximas de 13 a 17.000 almas.
Nestes dois últimos anos, a imigração espanhola superou a
italiana, entrando a lutar, ela também – mais arbitrária e engenhosa, mas menos disciplinada e constante – por enobrecer sua condição proletária e
conquistar fortuna.
Em conjunto, a entrada constatada até agora de italianos em São
Paulo é de 825.566 pessoas; e se muitos saíram, pode-se bem estimar em mais de 500.000 os que fincaram raízes naquela benigna terra, atuando
vantajosamente sobre o conjunto de 2.900.000 habitantes que os últimos cálculos censitários atribuem ao Estado; ou seja, à razão de dez para cada um
dos 290.000 quilômetros quadrados que formam sua opulenta subordinação territorial.
A PECUÁRIA NAS FAZENDAS - Gado crioulo para o consumo, em Santa Gertrudes
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O Estado de São Paulo reconhece e estima o quanto vale a
contribuição que os italianos deram ao seu progresso. E a deram, realmente, em medida entretanto maior do que se pode crer, pois é fora de dúvida
que a rápida radicação do grande cultivo de café nas terras paulistas só foi possível graças ao braço italiano.
De fato: o esgotamento das terras do Estado do Rio de Janeiro
coincidiu com a abolição da escravidão – e sem o negro, gratuito e manejado com rigor, não parecia possível continuar fazendo aquele cultivo
econômico, que se transformava todo em renda para o senhor.
O braço italiano resolveu o problema – mas não o resolveu
graças à circunstância de ter São Paulo terras para café próximas do litoral marítimo e em altitudes que tornavam fácil a vida do trabalhador
europeu. De modo que a prosperidade comum, da terra e do imigrante que a tornou fecunda, foram devidas a circunstâncias de feliz concordância, que
os vincularam na harmonia de um nobre destino definitivo.
Hoje o italiano é o colono preponderante e preferido,
rodeando-o de incentivos e garantias, tanto o governo do Estado, pelo desejo que lhe assiste de fomentar seu povoamento, quanto o próprio fazendeiro
ou grande plantador de café, pela conta em que é tido, pois para ele a grande questão é fixar em seus domínios o colono, para cuidar do cafezal
durante o ano, e contar com braços no período crítico da safra.
Por estas razões, o colono está ao abrigo de toda exploração ou
abuso, pois sendo buscados os bons trabalhadores, pode escolher com facilidade onde mais vantagens lhe dão e melhor o tratem. Chega ao país, se
quer, com passagem paga pelo Estado – ainda que vá aumentando o número de imigrantes espontâneos.
Do porto à fazenda não tem tampouco gasto algum. Na fazenda se
lhe dá casa, de material sempre, com terra para horta, água, lenha e campo para criar animais – em geral sem limitação – porcos, vacas, galinhas
etc. – e de nada disso tem que dar parte a ninguém nem pagar parcela ou arrendamento algum.
O fazendeiro lhe adianta recursos de instalação e manutenção,
sem juros, durante o primeiro ano de estadia; e é raro o caso de que esta dívida não possa ser extinta com os ganhos desse mesmo ano.
Estes ganhos são, tomando um caso médio nos informes oficiais:
por venda de produtos de horta e cereais, porcos, ovos etc., depois de feito seu próprio consumo: 360 pessoas ao ano; pelo cuidado de 2.500 plantas
de café a 60 pesos cada milheiro, 210 pesos; por colheita de café durante 100 dias, com uma média de 250 quilos por dia e a 36 centavos os 50
quilos, 180 pesos; por 50 dias a salário para trabalhos diversos, a 1.50 diário, 75 pesos. Total de entradas: 825 pesos, dos que não há que
descontar senão para a pouca roupa, pois tudo o mais sai gratuitamente da terra.
As economias dão logo para comprar algumas vacas, e isto
aumenta consideravelmente os recursos e a renda, sendo numerosos em diversas fazendas os casos de colonos que, sem mais que as referidas entradas,
possuem economias realizadas de 10, 15 e 20 mil pesos.
Daí em diante, geralmente, o colono evolui a proprietário,
compra terra, animais, instrumentos de lavoura, e se radica, começando a contar desde essa data a genealogia de uma nova estirpe de trabalhadores
independentes. Partículas escuras da gleba, feitas de vontade e sofrimento, se redimem com seu tributo de suores, deixam o anônimo secular do grupo
imigrante e entram em posse de uma dignidade moral que vem como incluída na escritura do sonhado lar próprio.
Parece que a felicidade definitiva se radicou ali: entretanto,
o honrado casal de labregos não fez talvez senão dar um primeiro passo em direção a rumos que nem suspeita – porque dali sairão amanhã os lutadores
de outros ideais, em outras esferas, ansiando outras vitórias, no insaciável crescimento da ambição humana, à cuja excelsa fatalidade deve a
civilização todas as suas glórias, tanto nos domínios do músculo como nas esferas do pensamento.
Essa dupla plantação de culturas agrícolas e de fortes estirpes
vai sendo realizada a todos os ventos, na vasta região dos cafezais, onde um rio de ouro corre todos os anos a pagar o trabalho dos colonos. Na
safra passada ascendeu a 70 milhões de nacionais o pago pelo trabalho de colheita e por cuidado dos cafezais – ou seja 36 por cento do valor total
do café da safra.
Agregando a isto 14 milhões pelos salários do ano, chega a soma
a 84 milhões, que é o calculado como despesa total da colheita – equivalendo esse montante a 45 por cento do valor obtido pelos 13 milhões de sacas
de café que produziu o Estado de São Paulo.
Ficou, em conseqüência,
para os proprietários, 55 por cento do valor bruto da safar, o qual mostra vantajosa a situação dos trabalhadores, pois sua percentagem não só é
muito considerável, como está protegida de toda contingência.
***
A PECUÁRIA NAS FAZENDAS - Rebanho crioulo, em Santa Gertrudes, para o consumo das colônias. Nessas
ovelhas rústicas e ágeis como cabras, tem o Brasil uma boa base para a mestiçagem com carneiros de cara negra. Para fazer dita mestiçagem, o conde
de Prates acaba de importar um casal de Oxford-Shire-Down, procedente da vivenda de Herrera Vegas (República Argentina), cujo sangue procede de
plantéis importados na época de Rivadavia
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A fazenda Santa Gertrudes, aonde vamos, dista quatro horas de
São Paulo, por uma das linhas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro – companhia paulista, como o nome diz, formada com capitais e administrada
por diretores e técnicos brasileiros, sendo precisamente o conde de Prates um de seus diretores e creio que seu mais forte acionista.
Esta companhia, cujo capital passa de 50 milhões de nacionais,
leva já seus ramais numa extensão de mais de mil quilômetros a vários rumos, e tem a garça de haver renunciado a uma garantia de 7 por cento, porque
lhe estorvava para certos desenvolvimentos e não fazia falta a seus negócios.
Vai esta linha, como a
Mogiana, até os municípios cafeeiros de Ribeirão Preto, Jaboticabal, Mococa, Araraquara, Ribeirãozinho, Rio Claro. Neste último está a fazenda do
conde de Prates.
***
Imagem: reprodução parcial da página 214
A via parte o condado em dois, e prossegue por entre belas
alamedas até o centro da fazenda, que dá a impressão de um povoado. Ao longe se vê delineado o casario dos colonos, que passam de mil, quase todos
italianos, ocupando lindas casinhas de tijolo e telha; e se vê o maciço dos edifícios principais, chatos e enormes, sobre cujo conjunto branco e
vermelho, a torre de uma linda capela gótica alça sua silhueta fina, espiritualizando a pesada materialidade das construções.
Avançando pelas amplas alamedas traçadas em curva, vamos nos
inteirando da distribuição dos trabalhos e das seções da fazenda: consta de 3.000 hectares, dos quais há 1.200 com cafezais, 400 com bosques para
lenha e madeira, nos que todavia alçam sua copa ao éter jequitibás de 70 metros; 84 destinadas à invernada e pastos, 215 com cereais para forragens
e consumo, e o demais, exceto uns 150 hectares de banhados e terra inferior, ocupado com as populações e com um magnífico lago, que é represa e
enfeite.
A residência é já espaçosa e confortável, mas será
verdadeiramente digna de um conde quando terminem as obras que estão sendo feitas, e em que o bom gosto do proprietário atende ao conforto e ao
prazer da vida com amigos, com famílias, ao bom tom de uma hospitalidade opulenta e fidalga, que poderá ser oferecida naquele belo domínio como em
qualquer das grandes residências da velha Normandia senhorial.
O conde de Prates,
financista, industrial, pecuarista, homem influente em negócios bancários e de ferrovias, é além disso, e sobre tudo isso, um homem cosmopolita, um
belo espírito de filantropo e gentil-homem, culto, simples e benévolo; e a despeito de seus vastos negócios, de suas preocupações, fadigas e
responsabilidades, professa e põe em ação, com uma vontade benévola e jovial, o conceito de que a vida é amável e vale a pena de ser vivida.
***
VINHETAS DE SANTOS - Os balneários de Santos - Hotel e restaurante, que forma parte do
balneário de José Menino (N.E: na verdade, o Parque Balneário Hotel, no
atual Gonzaga) - Uma praia deliciosa, onde o banho de mar em pleno agosto é um prazer
reconfortante. A aristocracia paulista desce para gozar o inverno nas praias de Santos
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Há como variar o emprego das horas no condado de Santa
Gertrudes: a visita às usinas de descascamento, polimento e classificação do café é, de imediato, a atração essencial. Constitui um vasto organismo
de deliberadas coerências, dentro de um pavilhão imenso de cal e cantaria, em que as máquinas, levadas a uma completa perfeição mecânica, tomam o
grão com a casca, limpam-no, polem-no e o abrilhantam, e então, como se aqueles mecanismos possuíssem olhos e dedos inteligentes, o vão
classificando e ensacando em quatro ou cinco grupos, desde o pequeno e carunchado caracolinho até o grão grande e chato da classe Brasil comum.
Daí sai tudo, Porto Rico, Yungas, Guatemala,
Moka, Costa Rica, tudo o que nos fazem pagar a peso de ouro, como coisa rara vinda de países remotos, sai dos engenhos brasileiros, e
é mera questão de classificações. O caracolinho, que é o menos cotado, sai dos bons cafezais na proporção aproximada de 15 por cento. E a probidade
e o acerto na separação das classes está garantida pelo desinteresse retilíneo do trabalho mecânico.
O café sai por diversas bocas, segundo seu peso e tamanho,
que é o que serviu às máquinas para separar as categorias - e vai caindo já nas sacas numeradas com ajuste a uma escala de classes determinada no
comércio.
Os grandes
entreveros, os "cortes" não são feitos nos engenhos, mas nos depósitos de venda e exportação por atacado, nos portos de Santos e Rio, onde se formam
os tipos, como os vinhos nas caves de Bordéus, pondo ou tirando classes, segundo as necessidades do mercado ou as acidentais preferências da
demanda.
***
Prescindindo do meramente destinado ao encanto dos olhos e ao
recreio da vida, tem Santa Gertrudes onde esparzir boas horas de agradáveis observações. Seu dono, informado de quantos novos problemas podem
incumbir ao interesse de seu país, entendeu há tempos a importância da questão pecuária e instalou em sua fazenda um quadro de cria pastoril em
considerável escala, construindo pavilhões e estábulos que podem ser modelares, no Brasil e fora dele, e importando reprodutores de oito ou dez
raças diferentes, em bovinos, eqüinos e suínos.
Claro é que podia ser aplicada a este caso particular a
observação insinuada para o Posto Zootécnico, mas poder-se-ia também contra-replicar que se trata de um particular, que prova com essas bizarrias
seus gostos de grande senhor e seu desejo de criar exemplos em um sentido de atividades que sabe úteis para o futuro do Estado; e com este
raciocínio, que é real, reveste-se a iniciativa do conde de Prates de uma importância inegável.
À tarde regressamos a São Paulo, assentando os grossos
sedimentos de um almoço de substâncias formidáveis, com um contínuo chupar de melosas jabuticabas, que são umas frutas silvestres de uma doçura
acidulada, estranha e refrigerante - verdadeiros sorvetes vegetais que o clima e a floresta provêm, com essa admirável previsão obsequiosa que, em
suas regiões prediletas, se compraz em prodigalizar a mãe Natureza.
O panorama não é
grandioso nesta zona, mas tem uma graça pitoresca e bucólica que agrada e acalma, persistindo na retina, até depois de anoitecido, as linhas simples
da paisagem rústica e as cores profundas dos tranqüilos campos e dos céus, que quando deixamos de contemplar, ficavam cheios entretanto do sagrado
mistério crepuscular.
***
Ficava atrás um campo virgem, todavia,
imenso, de observações e estudos; mas me urgia o tempo do regresso. E em uma manhã linda, cortando de golpe o fio das observações, saí de São Paulo
pela estação da Luz, a melhor do Brasil, construída em severo estilo inglês, com três pisos de tráfego e uma torre quadrada de sessenta metros, que
realça o edifício e domina o entorno - e após duas horas de trem pela serra abaixo, fui rematar em Santos minha rápida odisséia de excursões
brasileiras.
Não sobra alento para descrever aquele trecho de ferrovia
como fora merecido, pois essa descida desde São Paulo até seu porto é uma admirável obra de engenharia, que no continente só foi igualada pelos
mesmos brasileiros, em um análogo trecho de via inclinada, entre Paranaguá e Curitiba, porto aquela e capital esta do Estado do Paraná.
Mas não deixarei, pelo menos, de apontar os dados com que
poderia haver feito um belo artigo, acrescentando-lhe nada mais que a forte sensação de descida, entre uma paisagem de serras admirável, que,
entretanto, cede em atrativo à ainda mais admirável obra do homem.
Os dados são estes: a linha de subida da serra, desde o porto
de Santos, que está a 5,00 m sobre o nível do mar, até São Paulo, que está a 800, percorre um trajeto de 10.598 metros, durante os quais deve ser
vencido este desnível.
Para isso se adotou o sistema de tração dos trens por meio de
cabos sem fim, que rebocam os comboios que sobem e amparam os que baixam. Com isto, parece dito tudo; mas o que não está dito são as enormes
dificuldades vencidas para executar este plano tão simples.
Houve que fazer 47 terraplenos, 18 viadutos e 13 túneis; foi
preciso dividir a encosta em cinco planos inclinados, montando em cada um deles uma poderosa casa de máquinas, de 754 cavalos, que põe em movimento
o cabo sem fim correspondente a cada plano; foi preciso fazer obras de contenção e proteção mais custosas que a própria via, pois com uma média de
águas pluviais acima de 3 metros e meio, e caídas geralmente em gigantescas tormentas tropicais, os cortes e desmontes se derretiam em colossais
desmoronamentos, e foi preciso construir redes de drenagem e captação de águas que em algumas partes foram até 17 metros de profundidade.
A linha foi feita duas vezes e hoje trabalham as duas,
servindo um tráfego diário de dez mil toneladas, que pode ser elevado, dentro da capacidade atual das linhas, a um total máximo de nove milhões de
toneladas anuais, ou seja, só uns 15 por cento menos que todo o tráfego de Puerto Madero.
Estes dados, que são
apenas as notas de meu bloco de apontamentos, dão seguramente uma idéia da obra, cuja importância acresce ainda com a circunstância de que em tão
árdua, perigosa e exposta travessia ferroviária, os acidentes são completamente desconhecidos, ficando limitada a parte emocional a algum fugaz
arrepio...
***
VINHETAS DE SANTOS - A filantropia revolucionária - Vista da frente do
Instituto "Dona Escolástica Rosa", fundado em uma praia de Santos, com o legado de um filantropo e a ilustração e a
energia de outro. - Retrato do senhor Júlio Conceição, testamenteiro e executor da boa obra
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E com essas quatro linhas sobre uma bela obra material, de
empuxo e de engenho, havia pensado rematar estas crônicas, encerrando-as assim com uma espécie de grossa chave de ferro.
Mas dou uma última vista aos apontamentos e encontro, entre a
multidão que fica, deixados uns para outros dias de divulgação, perdidos os outros no limbo de uma oportunidade já impossível, uma breve linha que
me impressiona. Fala-me de uma instituição em que vi aplicadas idéias de bem e de altivez, de educação regeneradora e varonil, que deixaram uma viva
impressão em meu espírito. E quisera então terminar com uma lembrança para aquela boa obra.
É uma herança de um rico de Santos deixada para que se
fizesse com ela um instituto de órfãos sobre modelo moderno, sem marcá-los com o estigma de sua miséria social, que depois lhes fica na alma como
uma cicatriz. Ficou encarregado de tamanha tarefa o senhor Júlio Conceição, que a tomou com um altruísmo de filantropo e uma visão de filósofo e
patriota.
Está já feito o Instituto sobre uma praia
bela e salubre, com largas vistas sobre o mar e o horizonte. A construção material é admirável, havendo-se esgotado em seu conceito quanto a
pedagogia e a higiene ensinam atualmente sobre aulas, escolas e internados; mas a arquitetura moral da obra, delineada em um estatuto que o mesmo
senhor Conceição tem já em rascunho, é mais admirável ainda [*].
Nada de caridade nem de abdicação - nada de regime humilhante
- nada que marque o miserável em favor do rico; um sistema de dignidade dentro de disciplinas de emulação por meios sempre decorosos - a integridade
da criança respeitada - sua origem, sua orfandade, considerados um mero acidente que não cria situações de exceção nem priva de direitos - o ensino
acertado, não como uma esmola, mas como um dever da sociedade, que cuida de seus pequenos e os forma úteis, com um duplo critério humano e
econômico, porque assim o aconselha seu sentimento e lhe impõe seu interesse.
Também me parece que bastam estas linhas para entrever a
transcendência social de semelhante obra, que não está sendo feita por um estadista, nem um pedagogo, nem um filósofo, mas por um comerciante, um
homem jovem, amante da vida, das flores, das crianças, do trabalho sanguíneo e da fadiga sã, da justiça e do bem.
Viajou pela Europa, expressamente - em silêncio, aprendendo,
observando, para cumprir conscientemente o legado do falecido. E já quiseram muitos espíritos de filantropos ver-se desde a outra vida realizados de
tal sorte em sua boa intenção, tão amiúde reduzida a formas miserandas!
Aquele Instituto de Santos está destinado a combater ali e em
outras partes - porque estas sementes voam longe - o depressivo asilo conventual - o ensino de esmola - toda essa tristeza da orfandade catalogada,
uniformizada, tratada como um refugo social que se recolhe por pena.
Aquele ato materializado em um exemplo vivo vai soar como um
grito de redenção para todas as orfandades - para todas! Porque todos temos que aprender e que levantar os olhos, e as idéias, e as almas, neste
arcaico conceito de uma beneficência que sufoca e acovarda a quem a recebe, ignorante, por causa de nossa soberbia, de que isso que se lhe dá como
um favor deve ser-lhe entregue como um direito!
Aquele modesto e exemplar Instituto Dona Escolástica Rosa em
uma praia de Santos, aquela casa de alegria em que nada recorda a desdita do pária, em que tudo fala de altivez e de bondade, de igualdade e de
honra, de vontade e fé, dá uma lição, cria um tipo, ensina a interpretar com inteligência e verdade o mais belo conceito do Evangelho cristão,
porque é assim como na terra e na ação, no progresso e na vida, poderão os últimos ser, pelo menos, iguais aos primeiros!
Dou por terminada, com esta, minha série - pelo menos minha
primeira série - de crônicas do Brasil. Poderia escrever um mês mais, sem carecer de tema abundante e novo - mas não faria isso melhor para o fim
imediato desta breve campanha de sinceras investigações.
Fica-me o Rio de Janeiro quase intacto em suas modalidades
interiores; ficam-me as finanças do Brasil, sua sociabilidade, seus costumes, suas letras, suas artes, seu jornalismo, sua atualidade militar, sua
marinha de guerra e mercante, suas grandes empresas; mas tudo isso eu guardo, já para o caso de ceder à tentação de escrever um novo livro, já como
arsenal de referências, para poder falar com propriedade e verdade do Brasil quando deva ocupar nossa atenção jornalística, que será em maior medida
a cada dia; pois já não é possível que continuemos falando por ouvir dizer, por falsas impressões e com informes deficientes ou torpes, de um tema
como o deste grande país vizinho, que deve interessar às nações do Prata mais que Espanha, mais que França, mais que Alemanha, tanto como
Inglaterra, tanto como Itália; mas interessar como cliente rico e como aliado natural, para empresas de Civilização, para empresas de Honra, para
empresas de Paz - Santíssima Trindade de nossas devoções, que com a ajuda de Deus, dos homens de boa vontade e dos povos de alma honrada, há de
fundar seu trono na América do Sul e reinar pelos séculos dos séculos.
ASSIM SEJA!
VINHETAS DE SANTOS - No amplo pátio de um dos corpos do Instituto "Dona Escolástica Rosa", sobre
gramado sempre verde, se alteia o monumento do filantropo João Octavio dos Santos, que legou sua fortuna para uma obra
destinada à redenção dos órfãos. A obra está feita, e seu espírito há de marcar um sulco luminoso na história social do Brasil. A efígie aprazível
deste homem de bem me foi grata, até me pareceu simbólica para fechar com ela as páginas gráficas deste livro, que tem como entidades inspiradoras a
Verdade e o Altruísmo
Imagem e legenda publicadas na página 216-A. Clique <<aqui>> ou
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Em minha segunda viagem ao Brasil, encontrei já inaugurado o Instituto, com cem internos, e respondendo plenamente na ação às expectativas do
projeto. |