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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
El Brasil (O)

Clique na imagem para ir ao índice da obraUm país recém-entrado no regime republicano, passando por grandes transformações políticas, econômicas e sociais, sob o império dos oscilantes preços do café. Assim é o Brasil encontrado pelo jornalista argentino Manuel Bernárdez, que em 1908 vem tentar decifrar o que aqui ocorria. É dele a expressão "Metrópole do café", com que alcunhou a capital paulista [*]. Sua obra El Brasil - su vida - su trabajo - su futuro foi editada na capital argentina, em castelhano, sendo impressa em Talleres Heliográficos de Ortega y Radaelli, Paseo Colón, 1266, Buenos Aires.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, foi cedido em maio de 2010 para digitalização, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, a Novo Milênio, que apresenta nestas páginas a primeira tradução integral conhecida da obra para o idioma português - páginas 191 a 199:

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El Brasil

su vida - su trabajo - su futuro

Manuel Bernárdez

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FIGURAS GOVERNANTES - Dr. Jorge Tibiriçá - ex-presidente do Estado de São Paulo
Imagem e legenda publicadas na página 192-A

São Paulo - O governo e suas idéias

Uma excursão em dia de chuva - Percurso a pé pelo interior de doze in-folios - A organização do Estado de São Paulo - O governo que acaba e o que começa - A plataforma de uma presidência - A política do café protegido - Um governo de expansão e outro de reposição - O doutor Jorge Tibiriçá: caráter dominante de sua presidência - O doutor Carlos J. Botelho - A cirurgia no governo - Progressos a trote e galope - O presidente Albuquerque Lins - Programa de ordem, economia e conservação - Fim da viagem em dia de chuva

Um dia de chuva, que me reteve várias horas no hotel em São Paulo, me deu tempo para realizar uma excursão instrutiva por dentro dos informes, estudos técnicos, mensagens e memórias que resumem o trabalho político-administrativo dos homens do governo estadual.

Esta viagem pelo interior de uma dezena de tomos, pletóricos de planos gráficos e quadros estatísticos, bastou para me infundir o conceito, bastante cabal, de que o Estado de São Paulo está organizado, mais que como uma fração parcial de um grande conjunto político, como um verdadeiro país, cuja economia funcional, em órgãos de relação e fatores de melhoramento, deve correr por inteiro às suas expensas.

A constituição federal deu a este respeito tão amplas faculdades aos Estados brasileiros, que o que pode, como São Paulo, adquirir fisionomia própria e desenvolver meios intrínsecos de prosperidade, se destaca com os traços de um organismo independente.

Isto, que poderia em algum caso parecer perigoso para a estabilidade do conjunto federativo, uma vez admitida a indestrutibilidade, que é evidente, do vínculo nacional – pela gravitação, cada vez mais forte, da comunidade de interesses, pela história e pelo idioma – cria emulação vigorosa de Estado a Estado, liberando-se em todos os terrenos da concorrência – no terreno político, no econômico, no da maior notoriedade e da maior influência – lutas sumamente saudáveis para o progresso regional.


FIGURAS GOVERNANTES -

Dr. Albuquerque Lins - presidente em exercício desde 1º de maio de 1908
Imagem e legenda publicadas na página 192-A

São Paulo, com riqueza própria baseada em seu grande cultivo cafeeiro, com grande porto próprio, com rendas abundantes, com 5.000 homens de polícia que formam um exército das três armas, instruídos por oficiais franceses, com um território de quase 300.000 quilômetros quadrados cruzado por rios navegáveis e servido ainda por outros dois portos auxiliares em seu litoral marítimo, com um clima suave, variado e saudável, destaca sua importância inegável e a realça com um trabalho febril para acrescer sem descanso seu poder e sua cultura, rivalizando em tal sentido a ação privada, que acumula energias e gira capitais com animoso espírito de empresa, e a ação governativa, que se desenvolve com uma fé arrogante no futuro do estado.

Esta última é singularmente visível observando a tarefa realizada pela administração do presidente Tibiriçá, durante a qual foram criados em São Paulo os órgãos mais importantes de sua função progressista em todos os rumos do adiantamento coletivo – para o progresso moral, com o enérgico fomento das escolas, tanto primárias como superiores, tanto jardins de infância como faculdades de estudos técnicos e escolas de ofícios e artes aplicadas; até o progresso do trabalho agrário, com a fundação de instituições chamadas a espalhar por vales e serranias, por cafezais, hortas e fazendas particulares, desde o ensino rudimentar do manejo de ferramentas e máquinas agrícolas, até os elevados conhecimentos profissionais de agronomia, veterinária e zootecnia; até o progresso da saúde pública, da cultura urbana e do conforto da vida, com a execução de vastas e custosas obras de saneamento, de embelezamento, de captação de água, de formação de parques, de canalização de rios urbanos, de abertura de avenidas através dos morros que acidentam a planta de São Paulo, de drenagem no solo fofo e alagadiço da cidade de Santos.

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A CIVILIZAÇÃO DA ÁGUA EM SÃO PAULO - Detalhe do local denominado Cantareira, onde estão os grandes filtros da água que abastece a cidade,  que é por sua vez um belo e extenso parque público
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Só o Ministério da Agricultura, que é também de obras públicas, vem gastando ao ano de 18 a 20 milhões de pesos argentinos; e admitindo que deles só a terça parte seja investida no fomento da imigração e das indústrias rurais, sempre resulta uma cifra maior que todo o orçamento do Ministério da Agricultura argentino. Agregue-se ainda que as rendas são bem gastas, com uma moralidade e correção acima de toda suspeita, e se apreciará em conjunto a massa de obra útil realizada com esse dinheiro.

No tocante ao tecido metropolitano, a função superior corresponde à Prefeitura, que gasta por sua vez outros três milhões anuais no inteligentíssimo trabalho edilício que está fazendo de São Paulo, além de uma verdadeira metrópole industrial e econômica do Estado, e talvez da União, uma das mais lindas, mais atraentes e mais higiênicas cidades do continente.

Para traçar com uma linha expressiva a importância da obra que o prefeito, senhor Prado, realiza na Paulicéia, nos oito anos que leva consagrando o melhor de seu tempo de intelectual, de milionário e de patriota à desinteressada e altruísta paixão de perfilar uma grande cidade no que era informe casario colonial, bastará dizer que, nos próximos dois anos, ou seja ao completar seu decênio de prefeitura, terá deixado construídos um milhão de metros de pavimento, entre asfalto, madeira, paralelepípedos de granito e macadame ligado com bleck (N.E.: SIC – possivelmente black, preto em inglês, referindo-se a algum tipo de piche).

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A CIVILIZAÇÃO DA ÁGUA EM SÃO PAULO - Sifão de cimento armado, nas novas obras de provisão de água para São Paulo, que elevaram a 380 litros por habitante, contando sobre 300.000. As obras feitas são dos mais modernos tipos neste ramo da Engenharia Hidráulica, e a água, captada em nascentes de montanha, é de uma insuperável qualidade
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Mas convém acrescentar que, em parte pelo melhor subsolo, em parte por um controle rígido e sistemático, aqueles pavimentos duram muito, custam menos que os nossos e são um verdadeiro modelo de execução, ressaltando neste sentido o macadame, compacto, igual, emparelhado, ideal para voar em automóvel, e o pavimentado de pedra, tão primorosamente trabalhado que, especialmente em certas ruas centrais, faz um perfeito pavimento liso, por onde as rodas deslizam como sobre madeira.

O doutor Silva Freire, um brasileiro com belo tipo de teutônico, atlético e jovial, insuperável colaborador, como diretor de obras públicas, na ação edilícia do conselheiro Prado, me proveu de alguns interessantes dados relativos à importância da pavimentação de São Paulo, comparada com a de Buenos Aires e Rosario; resultando que Buenos Aires tem, por habitante, 6,46 m² de pavimento; Rosario 6,82 m², e São Paulo 6,46 m² se se conta sobre 250.000 habitantes, e 5,39 m² se o cálculo se funda sobre 300.000, que é o que lhe vem sendo atribuído pelos estatísticos locais – se bem me inclino a crer que o cálculo moderado deve ficar na metade do caminho, entre os 250 e os 300.000.

O ato, algo mecânico, de folhear estes in-folios oficiais, me leva insensivelmente a instrutivas generalizações. Quando estive em São Paulo, produzia-se o ato político fundamental da renovação do governo. O doutor Jorge Tibiriçá, que o havia presidido em um período de trabalho e progresso, ia ser substituído pelo doutor Albuquerque Lins, que, como secretário de Fazenda, havia sido a alma da decidida solução financeira dada por iniciativa do governo de São Paulo ao problema do café.

Os enormes interesses vinculados a esta solução e comprometidos a levá-la até suas últimas conseqüências haviam atuado como influência determinante na eleição do candidato presidencial, levantando o nome do gestor das finanças, como o do sucessor e continuador mais ostensivamente solidário do sistema implantado para a defesa do grande cultivo paulista.

Foi, pois, uma doutrina de protecionismo agrário posta em obra, a plataforma indicada pelos eleitores e aceita pelo candidato num banquete político, que estudei com interesse em sua significação: pois me parecia um progresso positivo, sobre os modos e causas das eleições políticas correntes – donde a simpatia, a amizade, o matiz partidário só em prevalecer -, o fato de buscar no candidato, antes que qualquer oura coisa, uma filiação e uma significação econômica.

Nove décimos da vida de São Paulo se nutrem da indústria cafeeira. E era toda essa vida, forte e exigente, a que se entendia e se impunha na renovação do governo, prescindindo de razões menores para afirmar o fato superior e pôr o grande cultivo ao abrigo de qualquer aventura ou mudança de rumo.

O sábio preceito de não mudar cavalos na metade do rio ficava assim aplicado pela política governamental de São Paulo em defesa do interesse mais fundamental do Estado, explicando-se assim com toda claridade o triunfo do doutor Albuquerque Lins, em quem, ademais, um trabalho assíduo e difícil de financista e administrador, havia acreditado o tato, o saber, a prudência e a energia suficientes para levar a bom termo o programa, cuja aceitação categórica e o banquete e proclamação acabaram de lhe assegurar, com os votos eleitorais, o sufrágio e a adesão das forças conservadoras, tranqüilizadas pelas declarações do candidato, que promoviam desde logo, entre o grande interesse coletivo e o futuro governo, uma ação fortemente solidária.

À parte esta circunstância essencial que impunha o doutor Albuquerque Lins como o mais indicado para cumprir inteligentemente, na letra e no espírito, o convênio de Taubaté, o simples estudo dos homens à luz de seus feitos e conduta recentes, deixava predizer facilmente que, depois de uma administração febril e dispendiosa – na boa acepção da palavra – dispendiosa sem medo e sem taxa no sentido de apressar a todo custo o progresso do Estado – ia ter São Paulo uma administração frugal, excelente para realizar uma obra oportuna e saudável de reposição financeira.

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VINHETAS PAULISTAS - O passado que persiste - Balsa no Rio Sorocaba, Estado de São Paulo
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O presidente Tibiriçá, homem nervoso e enérgico, pleno de impaciências varonis, consciente da imensa tarefa que lhe cumpria realizar para pôr São Paulo, do ponto de vista do progresso material, ao nível de seu nível histórico e de seu valimento econômico-industrial, procedeu sem olhar para trás em matéria de gastos, girando audazmente sobre o futuro e forçando-o a chegar o quanto antes, com uma série de obras, de criações, de iniciativas vastas, que custaram caras, mas que eram boas, e foram já deixadas em aptidão de ir devolvendo ao Estado seu custo com juros, em progresso industrial, em população radicada, em instrução útil, em saúde e em atração para a vida – em aumento, por meios diversos, da riqueza, da força material e moral, do poder e da cultura coletivos.

Encontrou para isto o doutor Tibiriçá um colaborador que nem feito de encomenda no doutor Carlos J. Botelho, que foi durante todo o período seu secretário de Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Em realidade, se eu tivesse ido ao Brasil com o propósito especial de cultivar simpatias, diria desde logo que o doutor Botelho não é o que se chama um homem simpático. Algo brusco de modos, de gesto autoritário e expressões peremptórias, sugere em certo modo a impressão de um mecanismo mental posto em marcha para produzir fatos e ditar conclusões.

Claro é que, em sua qualidade de homem culto, quando quer ser amável o consegue sem esforço – mas se nota que sua preocupação principal não é agradar. Sua conversação, fortemente intelectual, dá a entender claramente que o falar só lhe interessa para ensinar ou aprender alguma coisa. E o que indica sua peculiaridade verbal traduz também seu modo de trabalhar, violentamente metódico, se é que esta expressão resulta tão possível de entender como é exata.

Em realidade, quando se iniciou a presidência Tibiriçá, não havia quase nada sistematizado no sentido do ensino rural, da propagação de conhecimentos úteis para o melhor trabalho agrícola, do ensaio previsor de nossos cultivos e da propaganda oficial no sentido de fazer a incipiente criação pastoril do Estado uma indústria útil para independer o estômago e para assegurar a economia coletiva contra as contingências da indústria principal – o café – tão sujeito a oscilações violentas.

Havia muito que cortar, na rotina administrativa e na rotina industrial. E o presidente Tibiriçá, com um acerto inegável, buscou para a tarefa o que era mais indicado: um cirurgião. O doutor Botelho é, de fato, um dos mais notáveis clínicos brasileiros, e procedeu segundo suas inclinações. Homem de vasta cultura mental, muito viajado, de uma insaciável curiosidade por quanto possa ser útil para o bem e progresso de seu Estado – levou ao governo as mãos cheias de projetos, coordenados dentro de um vasto plano, em que o médico e o estadista, o administrador e o inovador, congregavam suas qualidades respectivas.

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VINHETAS PAULISTAS - O presente que triunfa - Ponte sobre o Rio Guatapará, Estado de S. Paulo
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O bisturi operou em grande modo, sem crueldade, mas sem misericórdia. O pessoal alto e baixo foi submetido a um formidável regime de atividades exigentes, e os remédios, saudáveis e amargos, foram ingeridos, gostassem ou não, ainda que às vezes a desídia e a rotina se manifestassem.

O fluxo público foi reforçado com empréstimos, destinados a escolas, a provisões de água potável, a exposições, à colonização, a prisões, a hospitais, a ferrovias, à exploração do território, a criar o serviço meteorológico, a levantar cartas geográficas e geodésicas, a estudar os rios e navegá-los ou colocar pontes sobre eles, a importar raças e estabelecer aprendizagens agrícolas, hortos provedores de sementes e escolas zootécnicas; a organizar campos experimentais de cultivos novos, como o arroz, a premiar concursos de todas as disciplinas escolares; tanto de condutores de máquinas como de raças leiteiras, de produtos agrários e de fotografias úteis para a propaganda; a todo um sistema, enfim, de iniciativas e fundações, amplo e estritamente coordenado em um plano prospectivo, tão cheio de amplidão e bom sentido, que só o concebê-lo teria acreditado a um estadista.

Mas o doutor Botelho é dos que não se contentam com ter idéias, e tem levado adiante e a passo de trote, com seus modos bruscos de cirurgião operador, toda a vasta empresa de materializar sua concepção, que, no fundamental pelo menos, pode se considerar ao abrigo de toda contingência, ficando para o governo seguinte uma tarefa de complemento e retificações parciais, mas ficando-lhe, sobretudo, o alívio dos gastos, já feitos, em criar órgãos que eram indispensáveis para o progresso e até para o decoro do Estado.

Por isso dizia a princípio que, à parte do mérito dominante de que o doutor Albuquerque Lins se reveste aos olhos de seus eleitores como mantenedor do regime economico-financeiro na questão do café, levará ao governo as sólidas qualidades de administrador honesto e prudente, econômico e guardador de sobras, conservador de progressos e de dinheiros, que São Paulo necessitava, depois do período febril em que se improvisou, sem se deter no custo, tantas coisas úteis – segundo me deixaram ver os inteligentes in-folios oficiais, na viagem que fiz por suas nutridas cifras e suas lapidadas informações, durante três ou quatro horas inativas de um dia de chuva.


HOMENS DE AÇÃO MENTAL - Dr. Carlos J. Botelho, ex-secretário de Agricultura e Obras Públicas do Estado de São Paulo
Imagem e legenda publicadas na página 198-A