A "Virgem do Miramar"
A história comovente de Wanda Buchman, que dançou nos cabarés do Brasil - Ela morreu anteontem, na Santa Casa
Com ou sem lirismo, não é mentira afirmar que a morte de Wanda causou sensação.
Foi anteontem, em Santos.
Wanda dançou por todo o brasil.
Parecia uma boneca de Baden.
Era uma figureta de predomínio nos cabarés.
A conflagração mundial descobriu o atlas do exílio.
O Guilherme II foi serrar lenha no castelo de Doru.
Wanda veio dançar no Brasil.
Muito garota emigrou. Chegou no porão de um navio com a mãe.
Duas criaturas atrás da felicidade... Que grande pilhéria a vida!
Com uma filha e com fome, a velha dirigiu-se a um aluguer.
E trabalhou.
Comer pão com o suor do rosto não é "sopa", não.
Mas quando não há outro remédio e nem tem emprego público... é resignar-se a gente.
Aconteceu isso. Enquanto Wanda ia crescendo, a boa senhora que era a sua progenitora (N. E.: na verdade, genitora. Era costume da época o erro de citar como
progenitora, que corresponde a avó) arranjava-lhe o sustento.
A criança, porém, um dia se fez cachopa.
E o destino lhe disse:
- "Anda, vai ser Anna Pavlova..."
Mais tarde, encontraram-na ensaiando uma valsa.
Depois um tango.
Um "fox"
Um "charleston".
A boa senhora, que era a sua progenitora, ralhava:
- Não quero isso... Vá ver as costuras!!...
Ingenuidade. O destino já havia mandado que ela fosse bailarina.
Muito loira, muito alemã, Wanda havia de causar sensação.
- "Anda, vai ser Anna Pavlowa...". Era o destino
***
A mãe curvou-se à fatalidade.
Wanda queria dançar, só dançar, senão dançar.
Ofereceram-lhe um contrato e ela aceitou.
Um sucesso, a sua estreia no cabaré.
Como no Brasil o cabaré só ajunta sibaritas e jogadores, Wana recebeu propostas indecentes.
Sentiu-se vexada até.
Uma vez resolveu abandonar a profissão.
Culpa de um coronel de Ribeirão Preto.
Não pôde.
O destino reclamou:
- "Anda..."
Ela anulou a resolução.
E continuou a dançar.
Hoje no Internacional, em Sant'Anna do Livramento.
Amanhã, o Eden, em Recife.
No Palace, do Rio.
Em Santos, em pleno Miramar. Sempre como Napierkowska.
Vida coreográfia.
Só não ficou célebre porque o cabaré, no Brasil, não admite notabilidades.
Anna Pavlowa não arranjaria contrato.
***
O mais estranho é que Wanda, apesar do meio, conservava-se honesta. Diziam que era "true" (N. E.: verdade, em inglês).
Entretanto, ninguém podia provar o contrário.
Nem os médicos legistas.
- "Anda, dança..."
E Wanda dançava e sorria.
Olhava para a luz das lâmpadas, ouvia as gargalhadas de champanha e achava que a vida estava cheia de felizes.
Só ela e a mãe é que não o eram.
Fosse o que Deus quisesse.
Bayadera, apenas.
***
Sempre há um imprevisto.
Há um olhar.
Muito diferente dos outros.
Wanda deslumbrou-se.
Um lindo rapaz do esporte.
Ela gostou dele.
Isso se passou em Bagé.
E Wanda conheceu o seu primeiro amor e deu-se toda!
***
Veio para Santos. Continuou a ser alegre e querida: a "Virgem do Miramar".
Mas as aparências iludem.
Dançou mais sete meses.
Adoeceu e entrou na Santa Casa.
***
O delegado regional de Santos, dr. Armando Ferreira da Rosa, teve o aviso: falecera no hospital uma bailarina.
Esta grávida de dois pimpolhos.
Matara os filhos dançando.
Também o destino mandou que ela fosse Anna Pavlowa...
Era a Wanda.
Foto: publicada com a matéria