Toni, o Belchior, ganha a vida e mora no quiosque de coco da praia
Foto: Alexsander Ferraz, publicada com a matéria
Ele só queria ganhar um abraço
A história do vendedor de coco que passaria o aniversário sozinho mobilizou um grupo, foi parar no Facebook e terminou com bolo
Christiane Lourenço
Editoria de Pauta e Reportagem
Nunca
em sua existência Toni de Oliveira ouviu falar de uma tal oxitocina. Aos 55 anos, nascido no ceará e paulista há mais de meio século, os anos em que
passou na escola não foram suficientes para lhe explicar que esse hormônio é o responsável por ativar as áreas relacionadas à afetividade. Na noite
de terça-feira, no entanto, ele teve uma aula inesquecível.
Para você, leitor, a lição que não se deve esquecer é que a oxitocina é a responsável pela embriaguez de emoções que nos invade a cada abraço
sincero, como naqueles dados em pessoas queridas no dia de seu aniversário.
Essa história é um pouco diferente das demais de superação que venho contando aqui. Ela surgiu nas redes sociais, mobilizou um grupo de amigos e
certamente mudou a vida de um homem simples que, apesar de morar de frente para a praia, se mantém invisível na terra da liberdade e da caridade.
Tudo começou quando a consultora de sistemas Maria Aparecida Ladaga Nogueira resolveu parar para tomar uma água de coco depois de um dia daqueles
que merecem ser esquecidos. Foram três horas para descer a Serra na quinta-feira da semana passada. Nada pior que um comboio depois de um dia
exaustivo de trabalho.
Como suas corridas são inabaláveis, ela saiu mais tarde de casa para o treino diário. O que tinha começado errado continuaria errado. O vendedor
de coco que lhe serve habitualmente a água rica em sais minerais não estava mais trabalhando. Já eram quase 23 horas.
Ela andou mais uns metros e encontrou o Bigode. Para muitos, ele é o Gaúcho, Cabelo, Gringo ou Belchior, o
sósia mais que perfeito do cantor também cearense. De facão em punho, com habilidade conquistada pela necessidade de sobreviver, ele abriu o coco
que matou a sede da então desconhecida.
Nada mais aconteceria na noite, se Belchior não estivesse mergulhado na melancolia que nos assola às vésperas de nosso aniversário. As palavras
escaparam, quase sem querer.
- Dia 27 é meu aniversário, mas nem sei o que vou fazer. Sou sozinho, não tenho ninguém.
- Comemore com os amigos, pois eles também fazem parte da nossa família, disse ela..
Não neste caso.
A solidão não é amiga, não traz felicidade e nem nos estende a mão quando mais precisamos.
Como que num desabafo, as lágrimas imediatamente percorreram o caminho traçado pelas rugas da face de um homem que viveu mais da metade de sua
vida como andarilho.
Morador de Santos desde 2006, nesta que é sua terceira passagem pela Cidade, agora Belchior agoniza em meio às lembranças dos dias em que tinha
uma família e uma casa para chamar de suas.
Em breves linhas, sua história não é diferente de tantas outras que levam pessoas a morar nas ruas. Ele veio de Araripe (421 quilômetros de
Fortaleza) aos 2 anos com os pais e mais seis irmãos. Estudou pouco, trocou a infância pelo trabalho na feira e nas ruas de São Paulo, sempre ao
lado do pai. Aos 19 anos casou, teve três filhos (hoje com 33, 31 e 29 anos), foi abandonado pela mulher dez anos depois, caiu no mundo…
Foi viver a vida dos rodeios. Passou por todo interior paulista, esteve em Mato Grosso, sempre morando em meio às ferragens dos estandes
que montava durante as festas de peão.
"Nesta vida de andarilho, perdi as contas de quantas vezes morei na rua".
Em 1986, Belchior desembarcou em Santos, pela primeira vez, para trabalhar no parque de diversões que funcionava durante o verão no Emissário
Submarino. A temporada foi curta. Conseguiu emprego em Curitiba. Mas, em 1992 estava de volta.
Novamente subempregado no parque de diversões, recebia trocados que mal davam para comer. Dormia mesmo na praia, mas sentia que a vida estava para
mudar.
Foi aí que conheceu M.B., a mulher que ele resume às iniciais do nome que era sinônimo de amor eterno. Mudou par Mauá, depois para São Paulo,
trabalhou no Brás como vendedor por quase dez anos, alugou casa, comprou móveis e viveu uma vida digna em casal. Com ela não teve filhos.
O sonho acabou em 2006. Os motivos são guardados a sete chaves, mas a dor ainda é latente, capaz de encher os olhos de lágrimas e embargar a voz a
cada vez que M.B. é lembrada.
Com tanta história na bagagem, mas com apenas uma mochila para carregar, Belchior voltou pela terceira vez a Santos. É ele mesmo quem faz o melhor
resumo de sua vida, amparado pelo sósia famoso que lhe deu o apelido:
- Eu sou apenas um
rapaz/Latino-Americano/Sem dinheiro no banco/Sem parentes importantes/E vindo do interior…
A Cidade novamente não o recebeu de braços abertos. Não lhe deu emprego e nem oportunidade para encontrar um teto. Tudo que lhe restou foi um
quiosque de coco, no qual recebe R$ 0,30 a cada venda ou R$ 150,00 por semana na temporada.
O único benefício é que o local é também o abrigo de todas as noites. Lá, em meio aos cocos e a dois freezers velhos, ele encontra espaço
para espalhar o papelão que filtra a umidade e um acolchoado que em nada amacia o contorcionismo necessário para dormir.
AJUDA |
"Naquele momento (depois de conhecer o vendedor de coco) pensei no meu dia. Meus problemas sumiram e não
estava mais chateada. Belchior me deu uma grande lição, espero tê-lo ajudado também". |
Maria Aparecida Ladaga Nogueira, consultora de sistemas |
Mas foi em um post do Facebook, rede social que Belchior nem sabe da existência, que a sua vida ganhou novamente as cores da
esperança.
Aparecida Ladaga contou em poucas linhas a lição de vida que tinha recebido naquela noite, em que o congestionamento que enfrentou na estrada
parecia ter sido o fim do mundo. "Naquele momento (depois de conhecer o vendedor de coco), pensei no meu dia. Meus problemas sumiram e não estava
mais chateada. Belchior me deu uma grande lição, espero tê-lo ajudado também".
Como rede social é mesmo um fenômeno, mais de 120 pessoas se manifestaram e de alguma forma também receberam uma lição de vida. Uma festa surpresa
aconteceu na noite de terça-feira para comemorar o aniversário deste vendedor de coco, lá mesmo no quiosque que é também sua casa.
Dezessete pessoas com chapéu de aniversário, apito na boca e um bolo nas mãos surpreenderam Belchior, que não teve vergonha de chorar e dizer que
nunca comemorou um aniversário, Natal ou Dia dos Pais.
Mas o que não tínhamos contado até aqui é que Belchior tinha um desejo:
- Tudo que eu queria no meu aniversário era receber um abraço sincero, disse ele à sua nova amiga na semana passada.
O presente foi dado. Foram tantos os cumprimentos, que o nível de oxitocina de Belchior deve ter ido às alturas. Teve até abraço coletivo. Como
num passe de mágica, ele experimentou no dia do seu 55º aniversário o real poder da compaixão, da amizade e da sinceridade. Parabéns, Belchior!
Organizada por Aparecida (de verde), a festa foi só um pretexto para
Belchior ganhar muitos abraços
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria |