Imagem: reprodução da página com a matéria
Maria, a das mil e uma ervas
Ela é a sergipana Maria do Carmo Teles Santos
Michella Guijt
Da Redação
"As plantas brasileiras não só curam, como fazem também verdadeiros milagres". Com esses dizeres, Maria das Ervas recepciona todos que a procuram na
lojinha, instalada no último boxe em uma galeria do bairro do Gonzaga, onde trabalha há seis anos.
No entanto, a história de Maria do Carmo Teles dos Santos, 66 anos, com as ervas, começa ainda na infância, no município Capela, um pequeno vilarejo sergipano. "Meu pai era descendente de índio e minha mãe a parteira da cidade. Eu e meus dez
irmãos, como muitos brasileiros, fomos criados na base do chá".
Aos nove anos, ela já preparava infusões de folhas para curar cólicas menstruais das irmãs mais velhas. O dom de manusear as ervas é herança do pai, seo Chico, o benzedor de Capela. "Ele pedia para a pessoa esperar em um banquinho enquanto
buscava as folhas na mata. Depois benzia fazendo o sinal da cruz com os galhos e com a reza que, infelizmente, morreu com ele".
Também em um banquinho, dona Maria aguarda a clientela fiel, formada na maioria pelos mais velhos. "Tem gente que me acompanha desde a época em que eu tinha barraca de ervas na feira, onde trabalhei por 28 anos", lembra a sergipana, que chegou em
Santos aos 16 anos de idade.
Junto com quatro irmãs, trabalhou na Cidade como empregada doméstica. Além do capricho no serviço, ela conquistava a confiança dos patrões fazendo poções milagrosas. "Preparava chazinho de erva-doce e camomila para as crianças da casa", relembra.
Foi com a ajuda de um ex-patrão que virou feirante, em 1976. Já nesta época, adquiria os produtos que vendia em lojas especializadas da Capital. "Sempre busquei matéria-prima de qualidade. Para usar as ervas corretamente é preciso o apoio da
ciência. Há plantas com mais de 20 espécies, cada uma com uma serventia diferente", alerta.
"Meu pai era descendente de índio e minha mãe a parteira da cidade. Eu e meus dez irmãos, como muitos brasileiros, fomos criados na base do chá"
Foto: Luigi Bongiovanni, publicada com a matéria
Variedade – As prateleiras do boxe de dona Maria expõem mais de 300 tipos de ervas, todas separadas por etiquetas que indicam uma imensidão de nomes. Muitos deles são velhos conhecidos da
cultura popular, como Boldo, Malva e Melissa. Já outros, exóticos, podem causar estranheza e até espanto.
Em uma rápida olhadela nos vidros e caixas, pode-se aprender que o chá de Pau-tenente é um santo remédio para o diabetes assim como o Nó de Cachorro (planta afrodisíaca) é um poderoso revigorante.
"As pessoas fazem o pedido e sempre acabam levando um chá diferente. Tenho clientes que ficam horas no meu boxe, principalmente os orientais. Tem uma senhorinha japonesa que senta no meu banquinho e até atende no balcão", conta Maria.
Segundo ela, os campeões de venda são os emagrecedores, entre eles o chá de Bugre, conhecido como Porangaba. O chá de Tansagem, usado para curar infecções, assim como o chá Sete-sangrias, indicado para o controle do colesterol, também têm grande
saída.
Outros produtos bastante procurados são os "viagras" naturais. "Mas tem cliente que pede dizendo que é para um amigo", diverte-se.
Uma das poções mágicas receitadas por Maria das Ervas é a mistura da semente do Pixuri com noz-moscada "Minha filha, se untar com pó de guaraná, aí ninguém segura", sussurra em tom de segredo.
Os tradicionais chás de erva-doce e erva-cidreira também estão entre os mais pedidos pelas mães de primeira-viagem, muitas delas filhas de seguidores de Maria das Ervas, que a chamam carinhosamente de tia e vó Maria.
"Sempre busquei matéria-prima de qualidade. Para usar as ervas corretamente é preciso o apoio da ciência. Há plantas com mais de 20 espécies, cada uma com
uma serventia diferente"
Foto: Luigi Bongiovanni, publicada com a matéria
Diferencial – "Tem chá de camomila? A pediatra do meu filho recomendou que eu comprasse aqui, porque a senhora vende a erva com a florzinha, que é melhor para curar brotoeja, segundo a
médica", diz a advogada Sheila Montalvão, mãe de Pedro de 10 meses.
Orgulhosa, dona Maria explica que a qualidade dos produtos é um dos principais atrativos do seu boxe. "Sinta o aroma desse orégano, querida. Dessa categoria, só aqui no meu balcão", garante.
O outro diferencial da lojinha é a sabedoria da vendedora. Enquanto manuseia o orégano, dona Maria revela outro uso para a erva: "Além de um delicioso tempero, você pode fazer um poderoso chá para rejuvenescer a pele".
Missão – Dona Maria trabalha de domingo a domingo, na galeria paralela ao boulevard da Rua Othon Feliciano, no Gonzaga. "Tenho esse ofício como uma missão, um dom que recebi de Deus. Ele criou a natureza, onde podemos encontrar a
cura para tudo".
Católica apostólica romana, ela também associa o resultado positivo das ervas ao poder da fé. "Tem chá, como o de Tuia, que desfaz até tumor de câncer. É claro que isso não será possível se a doença estiver avançada, mas se for ainda no começo e
a pessoa fizer o tratamento com fé, vai dar certo".
Maria das Ervas casou-se, mas não teve filhos. Porém, felizmente, a tradição será mantida. "Já estou preparando minha sobrinha. Assim como eu, ela sempre demonstrou interesse pelo poder das ervas e muito gosto em atender as pessoas".
"Ele (o pai) pedia para a pessoa esperar em um banquinho enquanto buscava as folhas na mata. Depois benzia fazendo o sinal da cruz com os galhos e com a
reza que, infelizmente, morreu com ele"
Foto: Luigi Bongiovanni, publicada com a matéria
Aprendizado: na infância e de um livro
Assim como muitos brasileiros, Maria das Ervas aprendeu na infância e ao longo da vida o poder dos chás naturais. Porém, em 1985, ela encontrou sua bíblia, onde busca orientação e inspiração até
hoje. Trata-se do livro Plantas Medicinais, do Irmão Cirilo José, cujo nome de batismo era Vunibaldo Köises (1923-1996).
A obra do professor e enfermeiro, nascido em Lajeado (RS), é um manual com mais de 120 receitas caseiras com ervas, escrito na década de 70.
"Estudo todos os lançamentos da indústria (fitoterápica). Mas, o que sigo mesmo é o que aprendi com meus pais e os sábios ensinamentos escritos nas páginas já amareladas deste livro, que guarda valiosas receitas dos nossos antepassados", destaca
dona Maria.
Em 10 de março de 2010, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reconheceu e regulamentou o uso de cerca de 70 drogas vegetais. Inaladas, ingeridas, usadas em gargarejos ou em banhos de assento, essas plantas, folhas, cascas e raízes,
cruzaram gerações aliviando o mal-estar, resfriados e outras dores de milhões de pessoas.
O portal www.anvisa.org.br contém um manual sobre a utilização das plantas medicinais, com posologia, indicação terapêutica e efeitos adversos.
Nas ervas, alívio para todos os males? Pode ser, mas a fé também ajuda
Foto: Luigi Bongiovanni, publicada com a matéria