Orgulhoso de sua técnica de vendas e da qualidade do produto, Luiz também toma cuidado com o
físico
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
PERFIL
Vendedor conta causos do Centro
Há 15 anos, Luiz Pereira oferece queijadinhas e sorrisos à freguesia, junto ao Shopping
Passarela
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
"Ôpa! Já abaixou o preço! É a melhor.
Quer ver?" Da idéia ao ato, não vai nem um segundo: é só o tempo de impostar a voz e soltar a frase. ALgumas pessoas abrem um sorriso, mas todas
olham para aquele homem robusto de 43 anos - e, principalmente, olham para as suas queijadinhas. "Tá vendo?", diz, triunfante.
O homem robusto é Luiz Pereira. A frase, chamariz da freguesia, ele construiu ao longo de 15 anos
vendendo as tais queijadinhas - 10 dos quais na Rua João Pessoa, bem na passagem do Shopping Passarela, no centro de Santos. Ali fica diariamente,
das 9 às 18 horas, e diz vender entre 150 e 180 unidades. "Dá para ganhar uns trocados e ir vivendo".
De fato, só na meia hora em que conversamos, venderam-se umas 12. Mas nem tudo sempre foi
queijadinha na vida de Luiz Pereira.
Desemprego - Pai de "meia dúzia de filhos, fora os que tem por aí", como diz, foi motorista
de táxi durante 20 anos - até perder o emprego. Sem conseguir outro no ramo, e vendo muita gente atarefada vendendo queijadinhas, resolveu investir.
"A única coisa foi partir pra isso".
Hoje, ainda que a oportunidade surgisse, não largaria suas queijadinhas para ser motorista
novamente. "Nesta profissão, me relaciono mais com as pessoas, me sinto mais útil".
Como assim? "Estou aqui para vender e fazer as pessoas se sentirem bem e darem risada".
Realmente, com seu jeito expansivo, é difícil não rir com Luiz Pereira, que garante conversar
sobre tudo com os fregueses. "Conto piadas, até cantamos umas musiquinhas", sorri. Para exemplificar, arrisca os versos de A Volta do Boêmio.
E é nesse instante que um senhor se aproxima e puxa conversa, em tom de galhofa. "O senhor tem
licença para ficar aqui?" "Tenho." "Tem mesmo? Olha, vou ligar para as autoridades; vou ligar para o Sarney".
Os dois caem na risada e o senhor se afasta.
Servir |
"É preciso saber servir, pois se você não sabe servir, não sabe viver" |
Luiz Pereira, ambulante |
Ladrões, loucos e atropelados - Quem leu a reportagem até aqui e pensa que a vida de Luiz
Pereira é tão doce quanto suas queijadinhas, vai rever os conceitos nas próximas linhas.
No dia-a-dia, já foi até atropelado por um carro, que subiu na calçada e só foi parar na vitrine
de uma loja. "A cesta e as queijadinhas voaram longe", recorda.
Isso, além de já ter testemunhado vários atropelamentos na João Pessoa
e outras cositas más. "Já vi um sujeito arrancar um pedaço de papel do poste aqui e frente e comer. Isso pra mim é estranho".
Estranhíssimo. Mas muito pouco ousado, comparado à tentativa de roubo a uma funcionária da
Piracicabana, que vendia passes de ônibus no ponto que fica bem na frente da sua pequena bancada. Ele conta que o larápio encostou ao lado da moça e
começou a falar baixo, bem perto dela, exigindo o dinheiro. Era por volta de duas horas da tarde.
Quando percebeu o que se passava, Luiz não teve dúvida. "Cheguei, dei uma gravata nele e
chamamos a polícia".
Vê-se logo, pelos braços torneados, que aplicar uma gravata do tipo, para Luiz Pereira, não
demanda lá um grande esforço. Afinal, ao pegar toda manhã o ônibus no Macuco, onde mora, para o
Centro, carrega pelo menos uns 50 quilos: 30 da cesta com as queijadinhas e mais 20 de um peso de halterofilismo que carrega consigo.
Isso mesmo: entre um freguês e outro, aproveita para exercitar-se, na rua mesmo. "Chega certa
idade, é bom fazer um preparo". Ah, se o ladrão soubesse disso antes.
Michael Jackson e o mundo - Na semana passada, o maior sonho de Luiz Pereira tornou-se
impossível de ser concretizado: ele queria assistir a um show de Michael Jackson. "Quando ele veio no Rio de Janeiro, não tive a
oportunidade". Por oportunidade entenda-se dinheiro.
Um outro sonho é o de viajar para o Exterior. Onde, especificamente? "Qualquer lugar. Queria
conhecer outros povos". A falta de oportunidade, sempre ela, impede-o disso também.
Mas Luiz não se queixa de nada. Sabe que existem situações piores. "As pessoas de rua vêm pedir
(queijadinha), a gente dá, colabora. Você dá 10, recebe 20", encerra. |