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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PERSONAGENS
Tipos curiosos (25)

Das cobras veio seu apelido, e seu negócio é vender ervas com poderes curativos, na Zona Noroeste de Santos. O ervanário João das Cobras teve sua história contada pelo jornal santista A Tribuna, na página A-8 da edição de 13 de setembro de 2009:


Há 37 anos João das Cobras mantém sua Toca das Ervas, na ZN: "Comecei com 5 anos a aprender as ervas. Com 10 anos já aviava receita"

Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria

TRADIÇÃO

"A cura dos nossos males pode estar no quintal de casa"

Conhecido como o popular João das Cobras, comerciante da Zona Noroeste é fiel ao poder das ervas medicinais

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

Quando o telefone toca, já dois clientes esperam do outro lado do balcão. Um mato-grossense de estatura mediana, descendente de índios xavantes, pede licença, afasta-se e atente.

Na linha, uma mulher não para de fazer perguntas: quer saber de alguma doença e de sua provável cura. Com paciência, ele vai respondendo. À última pergunta, abre um sorrisinho sarcástico: "Não cobro consulta, não. Aqui é um cidadão, senhora, não um vigarista".

O cidadão é João Alves dos Santos, conhecido em toda a Zona Noroeste como o João das Cobras. Apesar da alcunha, a especialidade de João são as ervas. Diz que há uma para cada mal que aflige o Homem.

"A cura dos nossos males pode estar no quintal de casa", sentencia, com propriedade. Afinal, João cresceu na Chapada dos Guimarães, "no meio do mato", como diz, e o seu quintal, portanto, foi fundamental para o conhecimento que acumulou. "Comecei com 5 anos de idade a aprender as ervas. Com 10 anos, já aviava receita", diz, sem nenhum traço de soberba: apenas foi assim.

Hoje, aos 72 anos de idade, conhece 3.600 espécies de ervas com propriedades curativas. Dessas, manipula entre 150 e 200 na sua casa no Jardim Rádio Clube, onde mantém, há 37 anos, na garagem, a sua lojinha: a Toca das Ervas.

Acidente vascular - Erva de São João (estresse e depressão), Alecrim (pressão e coração), Carqueja (fígado, anemia), Barba-Timão (cicatrizante) são algumas das variedades expostas na loja, em sacos ou potes de plástico, e não apenas para a clientela. Quando precisa, João não se faz de rogado e também lança mão de suas ervas.

Foi assim num acidente, em que levou 26 pontos na perna - ele levanta a barra da calça, mostrando a cicatriz. "Passei barba-timão, fechou rápido".

Ou há pouco mais de três anos, quando sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). "Tem uma semente, a Pixuri, da África, que, ralada com noz moscada, tira coágulo do sangue. Deixei de tomar, nove dias depois tive o AVC".

João conta que chegou a ficar numa cadeira de rodas. A superação veio a partir da retomada da Pixuri e de um outro elixir, que não se encontra em qualquer quintal: uma boa dose de força de vontade. "Um dia, li a frase 'se não existir vontade de viver, morrer será breve' e isso me moveu".

Mas, seja por qual motivo for, fato é que João não apresenta mais nenhuma seqüela visível do AVC.

Atacado

"Quer ganhar dinheiro com erva, vai vender no atacado. Curar o povo não dá dinheiro não"

João das Cobras, ervanário

Libido e gravidez - O assunto vem naturalmente à tona: existe erva para o amor? Não, não existe. Nesse ponto, João é taxativo: "Mas pra tesão (sic) tem", apressa-se logo em dizer, soltando uma piscadela marota. Ele conta que nunca vendeu tanto afrodisíaco quanto nos últimos 15 anos. O motivo? "Acho que é por causa dos conservantes da comida", arrisca.

O afrodisíaco que recomenda é um composto de 20 ingredientes, entre eles catuaba, aniz estrelado - que João garante ser "uma fera" - gengibre e pimenta de  macaco. Mais, não revela. "A relação toda não pode dar, por causa dos vigaristas".

Logo em seguida, João confessa que o composto, vendido em cápsulas (60, por R$ 20,00), é primeiramente indicado no combate à anemia. "Mas tesão não faz mal a ninguém, ?", insiste, enquanto tira da manga outro composto, com 12 ingredientes (entre eles casca de ipê-roxo, barba-timão e oxi do Amazonas), que ajuda as mulheres a engravidar.

Segundo João, muitas vezes a fecundação não ocorre por causa de cistos no ovário. O composto, então, removeria esses cistos, abrindo caminho à gravidez. "Já teve um rapaz que chegou aqui falando alto, 'pai', e eu, 'que história é essa?', aí ele explicou que as ervas tinham ajudado a mãe dele".

De repente, do fundo da casa, aparece na loja Andrey, o netinho, de 4 anos. Os olhos do avô se iluminam. Porém, não deseja que o menino, um dia, assuma a Toca das Ervas. João diz que a sobrevivência no ramo é difícil. Porém, não reclama. "Cheguei longe. Escapei de picada de cobra, do AVC... tá bom". Em seguida, para, pensa e revela um sonho singelo. "Quero ver as pessoas melhores. Se puder fazer mais alguma coisa, eu faço".


O comerciante manipula cerca de 200 tipos de ervas em sua loja...

 


... que têm aplicação para todos os males, inclusive os de próstata

Fotos: Carlos Nogueira, publicadas com a matéria

Havia uma cobra no meio do caminho

Das plantas aos répteis, um profundo conhecedor das ervas. De onde surgiu o apelido João das Cobras? "É que, quando vim do Mato Grosso, comecei a capturar cobras para o (Instituto) Butantã". Certo dia, ao se embrenhar no mato atrás de suas ervas, uma cobra picou seu cachorro. Conseguiu capturar um exemplar da cobra, salvou o animal e ganhou o apelido.

Isso foi depois de 1965, ano em que chegou a Santos. Antes disso, ainda no Mato Grosso, ingressou na carreira militar só para concretizar o seu sonho de então: formar-se em Medicina. Mas não deu certo. "Se você for honesto não sobe muito em carreira nenhuma".

Trabalhou, também, durante cinco anos, tirando ervas para grandes laboratórios. Dessa empreitada amargou uma decepção. "Chegava lá, depois de um mês, tiravam também ervas falsas".

Por ervas falsas entenda-se variedades não terapêuticas. Como exemplo, aponta a carqueja, com dez variedades, cinco eficazes e outras cinco que não têm efeito algum.

Constatação

"É a mesma coisa o ser humano: para 500 safados tem um honesto"

João das Cobras

"Clandestino" - João confessa que, ao vir para Santos, não pretendia ficar na Cidade: seu objetivo era tentar embarcar para os Estados Unidos, a fim de trabalhar lá com as ervas. Um detalhe o impediu.

"Pra ir clandestino, não quis. Nasci burro e não consigo mudar minha cabeça. Recebi muita proposta de fazer coisa errada. Mas ia carregar isso pra sempre no coração..."


Na década de 60, conseguiu capturar uma cobra para salvar seu cão

Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria

SERVIÇO:

A TOCA DAS ERVAS FICA NA RUA JOSÉ ALBERTO DE LUCA, 228. O TELEFONE É 3299-4224.

CIÊNCIA COMPROVA
"Todas as vezes que eu pesquisei em laboratório a indicação popular de alguma planta, sempre houve alguma relação com o tratamento (indicado)", afirma o coordenador do curso de Farmácia da Universidade de Santa Cecília (Unisanta), Walber Toma. Como exemplo, cita a planta conhecida como Pau Tenente, que pesquisou em sua tese de mestrado, comprovando sua eficácia para dores, principalmente estomacais.

Walber aponta que, em grande medida, o que se faz no laboratório é apenas potencializar o princípio ativo das plantas. "Assim, com uma dose menor, obtém-se um efeito maior". E ele alerta par que não se criem ilusões quanto à ausência de efeitos tóxicos nessas substâncias, ainda que consumidas ao natural. "Existe a idéia de que, se é natural, não é tóxico. Se você tomar um determinado chá em grande quantidade, pode até matar".

Por outro lado, em sua visão, essa sabedoria popular, que, no Brasil, começou com os índios e vem atravessando gerações, pode ter os dias contados. "Percebo que as novas gerações já não têm essa cultura do chá e tratam até com preconceito. É importante não esquecer essas pessoas. A minha experiência no estudo é totalmente fundamentada nessa sabedoria popular".

E relembra a própria avó e seu chá de losna. "Era horrível. Quando a gente não queria comer, ela vinha com isso... Então era melhor comer logo", sorri. Mais sábio, impossível. Em tempo: chá de losna é realmente eficaz em problemas gástricos ou hepáticos.


Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria

Na edição de 26 de agosto de 2005, especialmente dedicada ao 29º aniversário da Zona Noroeste, o Diário Oficial de Santos publicou, nas páginas 1 e 16 (última):


João das Cobras - Morador da Zona Noroeste é personagem de matéria especial, comemorativa aos 29 anos da região mais populosa da Cidade

Foto: Francisco Arrais, publicada com a matéria

PERSONAGEM

"João das Cobras"

Um exemplo de que sucesso nem sempre é sinônimo de projeto ambicioso é o da Toca das Ervas, uma pequena loja montada há quase 40 anos no Rádio Clube. Ali, João Alves da Silva, o João das Cobras, vende chás, xaropes e rapés para os mais diversos problemas de saúde, enviando seus produtos até para o Japão e Estados Unidos.

Aos 67 anos de idade, ele trabalha na garagem da sua casa, à Rua José Alberto de Luca, enfatizando que não é comerciante, e sim um ervanário que se sente feliz em ajudar as pessoas: "Aprendi sobre as ervas com meu pai, lá onde nasci, no interior do Mato Grosso. Não tinha médico nem farmácia, as pessoas se curavam com os remédios da natureza". Descendente de índios e africanos, mora no Rádio Clube desde 1966. O apelido veio do tempo que capturava cobras para o Instituto Butantã quando percorria a ilhas do litoral em busca de ervas.

João não consegue mais atender a todos os pedidos: "tem o xarope da bronquite, campeão de vendas, que dá um trabalho enorme para fazer, perco até 3 kg cada vez que produzo. Acabou e não estou conseguindo produzir mais. A procura também é grande pelos chás indicados para doenças de mulheres e de próstata. Eu falo para o que serve, alerto sobre o perigo de tomar errado, e fico muito feliz quando o cliente volta dizendo que sarou. Se quisesse dinheiro, ampliaria tudo, montaria outras lojas, mas esse não é meu objetivo".


Morador é bastante conhecido na Zona Noroeste

Foto: Francisco Arrais, publicada com a matéria