Há 37 anos João das Cobras mantém sua Toca das Ervas, na ZN: "Comecei com 5 anos a aprender as
ervas. Com 10 anos já aviava receita"
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
TRADIÇÃO
"A cura dos nossos males pode estar no quintal de casa"
Conhecido como o popular João das Cobras, comerciante da Zona Noroeste é fiel ao poder das
ervas medicinais
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
Quando o telefone toca, já dois
clientes esperam do outro lado do balcão. Um mato-grossense de estatura mediana, descendente de índios xavantes, pede licença, afasta-se e atente.
Na linha, uma mulher não para de fazer perguntas: quer saber de alguma doença e de sua provável
cura. Com paciência, ele vai respondendo. À última pergunta, abre um sorrisinho sarcástico: "Não cobro consulta, não. Aqui é um cidadão, senhora,
não um vigarista".
O cidadão é João Alves dos Santos, conhecido em toda a Zona Noroeste como o João das Cobras.
Apesar da alcunha, a especialidade de João são as ervas. Diz que há uma para cada mal que aflige o Homem.
"A cura dos nossos males pode estar no quintal de casa", sentencia, com propriedade. Afinal, João
cresceu na Chapada dos Guimarães, "no meio do mato", como diz, e o seu quintal, portanto, foi fundamental para o conhecimento que acumulou.
"Comecei com 5 anos de idade a aprender as ervas. Com 10 anos, já aviava receita", diz, sem nenhum traço de soberba: apenas foi assim.
Hoje, aos 72 anos de idade, conhece 3.600 espécies de ervas com propriedades curativas. Dessas,
manipula entre 150 e 200 na sua casa no Jardim Rádio Clube, onde mantém, há 37 anos, na garagem, a sua lojinha: a Toca
das Ervas.
Acidente vascular - Erva de São João (estresse e depressão), Alecrim (pressão e coração),
Carqueja (fígado, anemia), Barba-Timão (cicatrizante) são algumas das variedades expostas na loja, em sacos ou potes de plástico, e não apenas para
a clientela. Quando precisa, João não se faz de rogado e também lança mão de suas ervas.
Foi assim num acidente, em que levou 26 pontos na perna - ele levanta a barra da calça, mostrando
a cicatriz. "Passei barba-timão, fechou rápido".
Ou há pouco mais de três anos, quando sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). "Tem uma
semente, a Pixuri, da África, que, ralada com noz moscada, tira coágulo do sangue. Deixei de tomar, nove dias depois tive o AVC".
João conta que chegou a ficar numa cadeira de rodas. A superação veio a partir da retomada da
Pixuri e de um outro elixir, que não se encontra em qualquer quintal: uma boa dose de força de vontade. "Um dia, li a frase 'se não existir vontade
de viver, morrer será breve' e isso me moveu".
Mas, seja por qual motivo for, fato é que João não apresenta mais nenhuma seqüela visível do AVC.
Atacado |
"Quer ganhar dinheiro com erva, vai vender no atacado. Curar o povo não dá dinheiro não" |
João das Cobras, ervanário |
Libido e gravidez - O assunto vem naturalmente à tona: existe erva para o amor? Não, não
existe. Nesse ponto, João é taxativo: "Mas pra tesão (sic) tem", apressa-se logo em dizer, soltando uma piscadela marota. Ele conta que nunca
vendeu tanto afrodisíaco quanto nos últimos 15 anos. O motivo? "Acho que é por causa dos conservantes da comida", arrisca.
O afrodisíaco que recomenda é um composto de 20 ingredientes, entre eles catuaba, aniz estrelado -
que João garante ser "uma fera" - gengibre e pimenta de macaco. Mais, não revela. "A relação toda não pode dar, por causa dos vigaristas".
Logo em seguida, João confessa que o composto, vendido em cápsulas (60, por R$ 20,00), é
primeiramente indicado no combate à anemia. "Mas tesão não faz mal a ninguém, né?", insiste, enquanto tira da manga outro composto,
com 12 ingredientes (entre eles casca de ipê-roxo, barba-timão e oxi do Amazonas), que ajuda as mulheres a engravidar.
Segundo João, muitas vezes a fecundação não ocorre por causa de cistos no ovário. O composto,
então, removeria esses cistos, abrindo caminho à gravidez. "Já teve um rapaz que chegou aqui falando alto, 'pai', e eu, 'que história é essa?', aí
ele explicou que as ervas tinham ajudado a mãe dele".
De repente, do fundo da casa, aparece na loja Andrey, o netinho, de 4 anos. Os olhos do avô se
iluminam. Porém, não deseja que o menino, um dia, assuma a Toca das Ervas. João diz que a sobrevivência no ramo é difícil. Porém, não reclama.
"Cheguei longe. Escapei de picada de cobra, do AVC... tá bom". Em seguida, para, pensa e revela um sonho singelo. "Quero ver as pessoas melhores. Se
puder fazer mais alguma coisa, eu faço".
O comerciante manipula cerca de 200 tipos de ervas em sua loja...
... que têm aplicação para todos os males, inclusive os de próstata
Fotos: Carlos Nogueira, publicadas com a
matéria
Havia uma cobra no meio do caminho
Das plantas aos répteis, um profundo conhecedor das ervas. De onde surgiu o apelido João das
Cobras? "É que, quando vim do Mato Grosso, comecei a capturar cobras para o (Instituto) Butantã". Certo dia, ao se embrenhar no mato atrás de suas
ervas, uma cobra picou seu cachorro. Conseguiu capturar um exemplar da cobra, salvou o animal e ganhou o apelido.
Isso foi depois de 1965, ano em que chegou a Santos. Antes disso, ainda no Mato Grosso, ingressou
na carreira militar só para concretizar o seu sonho de então: formar-se em Medicina. Mas não deu certo. "Se você for honesto não sobe muito em
carreira nenhuma".
Trabalhou, também, durante cinco anos, tirando ervas para grandes laboratórios. Dessa empreitada
amargou uma decepção. "Chegava lá, depois de um mês, tiravam também ervas falsas".
Por ervas falsas entenda-se variedades não terapêuticas. Como exemplo, aponta a carqueja,
com dez variedades, cinco eficazes e outras cinco que não têm efeito algum.
Constatação |
"É a mesma coisa o ser humano: para 500 safados tem um honesto" |
João das Cobras |
"Clandestino" - João confessa que, ao vir para Santos, não pretendia ficar na Cidade: seu
objetivo era tentar embarcar para os Estados Unidos, a fim de trabalhar lá com as ervas. Um detalhe o impediu.
"Pra ir clandestino, não quis. Nasci burro e não consigo mudar minha cabeça. Recebi muita proposta
de fazer coisa errada. Mas ia carregar isso pra sempre no coração..."
Na década de 60, conseguiu capturar uma cobra para salvar seu cão
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a
matéria
SERVIÇO:
A TOCA DAS ERVAS FICA NA RUA JOSÉ ALBERTO DE LUCA, 228. O
TELEFONE É 3299-4224. |