Praça Mauá e o Paço Municipal, em 2004
Foto: captura de tela - telejornal da TV Tribuna - 10/6/2004, 19h05
GENTE E COISAS DA CIDADE
O passarinho da Praça Mauá
Lydia Federici
Precisei de ir, num dia que já passou há um bocadinho de
tempo, até o escritório do amigo Edmur Mesquita. Lá no último andar de um prédio da Praça Mauá.
Resolvi, além da lenta subida pelo elevador, enfrentar o último lance de uma escada.
Que só não era em caracol - redonda e enroladinha como elas costumam ser - por a haverem feito em pequenos trechos retangulares. uma invenção
prática, sem dúvida. Mas cansativa e também um tanto ou quanto perigosa. Suas quebradas vão tonteando a gente, sim.
Felizmente, com calma e muita paciência, consegui chegar até o pequeno saguão do topo.
Que dava passagem ao escritório subdividido. Apre! Como está faltando espaço em nosso velho, valioso e tão importante Centro Citadino, não?
Mas agora que chegamos até onde pretendíamos - para resolver ir tocando para a frente
- com o grande pesquisador Francisco de Marchi e a deliciosa poetisa - verdadeira poeta, sim, que todos conhecem pelo carinhoso nome de
Zezinha - o projeto que homenagearia com o nome de Aristides Bastos Machado, a grande obra com que ele, quando
prefeito, embelezaria para sempre, a orla praiana mais belamente ajardinada que um dia todos reconheceriam como tal, tudo bem.
Mas, voltando ao pedaço em que, na sala dividida, encontrei seus auxiliares: pergunto
algo a uma secretária de sorriso maior que o do rosto redondo e mais dourado sol da Cidade. Recebo uma informação de um patrulheirinho. E, de
repente, num ligeiro intervalo, em que só as buzinas dos carros da General Câmara insistiam em exibir-se, uma voz jovem, sonora, bonita, pergunta-me
se eu já escrevera uma crônica a respeito do passarinho da praça.
Larguei a bolsa sobre o encosto de uma poltrona. Apertei, com as pontas dos dedos das
duas mãos que Deus me deu - e que eu, apesar do uso, ainda possuo, em razoáveis condições de uso - para bater a máquina, para partir e fritar um
ovo; para abrir o envelope que eu sei guardar as palavras carinhosas de amigos, para plantar uma sementinha que uma amiga portuguesa se lembrou de
trazer de Portugal; para unir, às de uma velhinha que quer rezar junto comigo, uma oração pelo mundo; para - Deus meu! - para ir fazendo todas essas
coisas, com e sem importância, que na vida a gente vai fazendo, ora, pois, pois. E por aí além.
Mas, apertava eu a fronte, com as pontas dos dedos, para tentar espremer e fazer
saltar, de dentro da cachola, alguma lembrança, quando, diversas delas apareceram. Lembra, amiga? Sempre falo da Praça mais nobre da Cidade. Sempre
falo de um ou outro de seus transeuntes. De poucas mulheres. Que mulheres, na verdade, preferem rodear as calçadas das lojas.
Mas por que me perguntava o jovem amigo, se a cronista já falara do passarinho da
praça? Ora. Desse não me lembrava não.
"Sabe? A Mauá tem um velho varredor". Sim, que usava vassoura feita de pontas de
galhos. É mais leve. Poupa dinheiro à Prefeitura. Já o vira. Sempre a percorrer os caminhos entre os canteiros. Era àquele que se referia?
Era, era. Ele vivia ali. Em todas as horas do dia. Indo e vindo. Cruzando e recruzando
os caminhos. E tinha uma mania. Imitava os cantos de todos os passarinhos da praça. Então, ao ouvir o tri-li-li de um coleirinha, os moleques e os
velhos freqüentadores da praça erguiam os olhos. Procuravam, na galharia, o passarinho que, havia tempos, não viam. Nem ouviam.
Nunca encontravam nenhum. Que o varredor, quando alguém ficava de ouvido, à procura,
parava de pipilar.
Pois é isso. Quem freqüenta a "Mauá", sabe da passarinhada que canta por lá. E, se um
dia, você, amigo, descobrir alguém encarapitando-se numa daquelas árvores, à procura de um sabiá cantador, não se assuste. Estará à procura do
cantador, sabe? Que não existe. A não ser na garganta ou lábios do varredor da Praça Mauá!
Praça Mauá e seus jardins, em 2004
Foto: captura de tela - telejornal da TV Tribuna - 10/6/2004, 19h05
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