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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - II GUERRA
Santos na II Guerra Mundial (6)

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A Segunda Guerra Mundial foi traumática para os santistas, que temiam ataques por submarinos alemães ao porto e pela aviação nazista à Usina Henry Borden ou à própria cidade. Japoneses, italianos e alemães tiveram de deixar a região às pressas, pelo receio que colaborassem com seus países de origem, então inimigos do Brasil. E a cidade também compareceu com sua cota de sacrifício humano e material para o esforço de guerra brasileiro, enviando seus pracinhas para o combate nos campos de batalha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália. Dois desses pracinhas falam sobre os tempos da guerra, nesta matéria publicada no semanário santista Jornal da Orla em 30 de março de 2003:
 


Foto publicada com a matéria

A guerra que eu vi

Bombas, tiros, explosões, feridos e mortos são cenas que, nos últimos dias, têm sido veiculadas constantemente pelos noticiários mundo afora. Mas essas imagens mostradas na televisão são apenas uma amostra da crueldade que uma guerra representa. Somente quem esteve no front sabe descrever esses momentos de tristeza, angústia e pavor. Dois ex-combatentes que participaram da Segunda Guerra Mundial relatam as dificuldades que passaram em conflitos na Itália.

Foto publicada com a matéria

Memórias do front

Maria Clara Póvia

Só quem vivenciou uma guerra sabe o horror que ela representa. Seja como soldado combatendo na linha de frente, ou simples vítimas civis, quem presenciou ataques e avistou dezenas de feridos tem a certeza de que essas lembranças negras nunca serão apagadas.

Nas últimas semanas, o mundo tem conferido os ataques dos Estados Unidos ao Iraque, que simbolizam a primeira grande guerra do século 21, provocando indignação e trazendo de volta fantasmas que ainda assombram a memória de quem esteve no meio da tragédia.

Os entrevistados desta reportagem relembram os momentos que passaram durante a Segunda Guerra Mundial e, ao relatarem suas histórias, ficam com as vozes trêmulas, os olhos brilhantes por causa das lágrimas e ainda se emocionam muito, mesmo tendo se passado mais de cinqüenta anos.


Ataíde Fernandes, 83 anos, presidente da
Associação Nacional da Força Expedicionária Brasileira (FEB)
Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria

Fui prisioneiro e dado como morto

"Meu irmão e eu fomos convocados para ir à Itália, mas ele foi dispensado e eu embarquei para lá em julho de 1944. Tinha 22 anos na época. Fiquei lá durante um ano, sendo que permaneci seis meses como prisioneiro dos alemães. Fomos capturados de surpresa e os oficiais mandaram a gente ficar de pé. Escutei o barulho do gatilho da metralhadora e pensei que iam nos fuzilar. Foi quando um dos oficiais ordenou que libertassem os brasileiros. Mesmo assim, fiquei preso num campo de concentração, que ficava a 50 km de Munique. Nossa refeição eram duas batatas por dia e, às vezes, tinha uma sopa. Ficamos nessa situação até o dia em que os americanos renderam os alemães e conseguiram nos libertar.

"Lembro também de uma batalha que aconteceu antes de sermos pegos que durou 40 minutos. Nela capturamos alguns alemães e tivemos que matar alguns deles. Muitos também saíram feridos. No período em que era prisioneiro, fui dado como morto e mandaram até uma carta para minha família. Depois de libertado fiquei um tempo na França, foi quando me viram e enviaram notícias minhas para o Brasil, dizendo que eu estava vivo. Hoje, quando lembro da minha história e vejo a guerra contra o Iraque, só chego a uma conclusão: war is no good! (guerra não é bom!)".

História de um ex-combatente paulista, que não quis identificar-se. Ele relutou em nos conceder a entrevista, alegando perder o sono ou ter pesadelos toda a vez que toca no assunto e relembra os momentos de terrror que viveu durante a guerra


Foto: Alex Almeida, publicada com a matéria

Não tirava as botas nem para dormir

"Tinha 24 anos quando fui convocado pelo exército para combater na guerra. Antes de embarcar para a Itália, fiquei em treinamento em quartéis de São Paulo e do Rio. Não conhecia nada de guerra. Meus companheiros e eu não tínhamos a menor instrução, saímos do Brasil sem armamentos, que depois foram cedidos pelos americanos. Eu ficava o dia todo uniformizado, carregando uma pistola 45. Não tirava as botas nem para dormir. Tomava banho a cada 15 dias, quando a tropa parava para descansar e tratar dos feridos. E ainda por cima era banho de rio.

"Fiquei um ano combatendo e percorri a Itália toda, de Nápoles a Milão. Durante os combates, vi muitos companheiros morrendo. Na guerra, todos da tropa eram amigos e sentíamos muito quando perdíamos alguém. Passávamos o dia escondidos, porque quem saísse na rua levava chumbo. Mas, apesar de tudo, me considero privilegiado, porque não sofri nenhum ferimento e também não matei ninguém. Hoje, quando vejo as cenas dessa guerra contra o Iraque, sempre penso 'eu já passei por isso' e posso afirmar que é um verdadeiro horror. Definitivamente, a guerra não é necessária".

Ataíde Fernandes, 83 anos, presidente da Associação Nacional da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

***

"Fomos criados juntos e, antes de ele ir para a guerra, íamos nos casar. Um pouco antes de ele ser convocado, minha mãe sonhou que o Ataíde ia para a guerra, mas que nada iria acontecer. Durante o tempo em que ele ficou na Itália, nos falávamos por meio de cartas, mas os oficiais sempre censuravam as correspondências para evitar que espiões aproveitassem alguma informação.

"Aqui no Brasil, a gente já sentia os prejuízos da guerra: tínhamos que acordar às 4 horas para ficar na fila da padaria para comprar o pão, que na verdade era uma massa de farinha com fubá. Além disso, sempre faltava luz e éramos obrigados a ficar às escuras. Quando o Ataíde voltou da Itália, mesmo sem ferimentos, ele precisou ser internado algumas vezes porque tinha insônia, pesadelos e ficava apavorado com qualquer barulho que escutava. Foi uma época horrível e até hoje me emociono com essa história. Hoje, graças a Deus, estamos bem com nossos filhos, netos e bisnetos e, neste ano, vamos completar 58 anos de casados".

D. Alice, 78 anos, esposa de Ataíde

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