Quarta-Feira, 23 de Agosto de 2006,
10:11
De volta às mãos dos verdadeiros donos
Luigi Di Vaio
Enviado especial a Brasília
A Associação Japonesa de Santos poderá obter a posse
definitiva do casarão situado no número 129 da Rua Paraná, na Vila Mathias, tomado pelo Governo Brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial. A
possibilidade foi aventada ontem à tarde pelo ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo Silva, durante solenidade da cessão de
uso gratuito do imóvel, realizada no anexo do gabinete do presidente Luiz Ignácio Lula da Silva.
O presidente Lula considerou a assinatura da cessão como o início informal das
comemorações de 100 anos da imigração japonesa, que serão comemorados em 2008. O ministro Paulo Bernardo explicou que não pôde ser feita a cessão
definitiva do imóvel à Associação Japonesa de Santos por não se ter, ainda, a comprovação documental de que essa entidade é a sucessora da Sociedade
Japonesa de Santos, nome usado antes da Segunda Guerra.
"Não foi feita a cessão definitiva porque foi encontrado
um obstáculo, na área jurídica, porque o pessoal dizia que não estava perfeitamente caracterizado o direito sucessório. Ou seja, a entidade que teve
o imóvel confiscado não teria sucessor legal". O ministro entende que isso pode ser perfeitamente solucionado, mas
optou por não dar prazo para a cessão definitiva. "Tenho de reconhecer que demoramos muito para chegar à cessão de uso
gratuito".
Bernardo disse acreditar que não existam outros imóveis de colônias japonesas, alemãs
ou italianas (cujos países eram opositores ao Brasil, na Segunda Guerra) que se enquadrem na mesma situação do casarão da Rua Paraná. "Essa
é uma situação muito peculiar. Foi uma situação extrema, durante a guerra que gerou esse tipo de atitude intolerante. Mas o País estava em uma
guerra. O que estamos fazendo hoje é uma reparação. Talvez não do jeito que deveria ser, mas adequada", declarou o
ministro a A Tribuna antes de assinar a portaria.
Reforma - Sem saber que o casarão precisa de uma ampla reforma, Paulo Bernardo
comentou que a Associação Japonesa poderá "rapidamente" fazer uso do imóvel. "Talvez tenha que fazer alguma adaptação
(no imóvel)".
Informado por A Tribuna de que o casarão precisa ser restaurado, o ministro do
Planejamento disse que o Governo Federal pode até ajudar a custear a reforma "desde que seja apresentado e aprovado um
projeto nesse sentido".
Paulo Bernardo procurou ressaltar que a cessão de uso gratuito do imóvel não tem
qualquer intenção eleitoral. "É preciso separar bem isso. Sempre achei que a cobrança era justa, mas sempre que tenho
de trazer uma resolução ao presidente, tenho de ter a certeza de que se trata de uma coisa justa".
Ao ressaltar que o ato é importante dentro das comemorações de 100 anos da imigração
japonesa, Paulo Bernardo ainda destacou uma curiosidade: a única sobrevivente entre os primeiros japoneses que aportaram em Santos no navio
Kasatu Maru é de sua cidade, Londrina. "Ela mora lá. É a dona Tomi Yakasawa. Precisamos
reparar essa situação".
Caneta esferográfica - Visivelmente emocionados, o presidente da associação,
Hiroshi Endo, e o membro da comissão de devolução do imóvel Sadao Nakai sentaram-se à mesa ao lado do presidente Lula, do ministro Paulo Bernardo e
do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Ao discursar, Nakai citou a luta de ex-presidentes da entidade que se empenharam para
que o imóvel fosse devolvido à colônia e agradeceu a todos que se empenharam para esse resgate.
Usando uma caneta esferográfica de marca popular, na cor azul, o ministro Paulo
Bernardo assinou a portaria às 16h47. Na presença do presidente Lula, disse publicamente saber que cumpria, bem atrasado, um compromisso perante a
colônia japonesa. "A deputada Telma brigou muito comigo por causa disso", comentou,
referindo-se à deputada federal Telma de Souza (PT), que buscou a devolução do casarão desde quando foi prefeita."Estou
profundamente emocionada. É uma luta de 12 anos", disse a parlamentar a A Tribuna.
O ministro Celso Amorim procurou dar um tom informal à solenidade. "Presidente,
já que o senhor não me leva a Santos, cabe a mim, como santista, recepcionar esta comitiva de minha cidade". Depois, em
tom sério, disse que a assinatura da portaria vem no momento em que Brasil e Japão mantêm ótimas relações institucionais.
O presidente Lula foi no mesmo tom. Lembrou, por exemplo, que ontem, pela primeira vez
na história do País, um presidente recebia a presidência do Senado japonês. No caso, era a senadora Chikagi Oogi. Ela esteve ontem em Brasília para
discutir uma agenda bilateral entre os dois países.
Foi quando discursou de improviso que Lula cometeu um ato falho. Olhando para Paulo
Bernardo, ele pediu para que o ministro do Planejamento e Orçamento "reserve verbas no orçamento de 2007 e no de 2008
para que o Brasil assuma a responsabilidade de fazer uma grande festa". Deu a entender que está certo de ser reeleito,
já que o orçamento de 2008 é feito pelo ministro em 2007 - no novo governo.
Ainda de improviso, outro equívoco do presidente.
Ele afirmou que espera contar "em 18 de junho de 1908" com a presença da família imperial
japonesa nas comemorações de 100 anos de imigração japonesa. "Até lá, certamente, teremos muito trabalho pela frente,
contando com ajuda não só do governo, mas da sociedade e de ONGs".
Quarta-Feira, 23 de Agosto de 2006, 10:12
Casarão foi incorporado ao patrimônio da União em 1943
O imóvel da Rua Paraná, 129, na Vila Mathias, foi tomado pelo Governo Brasileiro e
incorporado ao patrimônio da União durante a 2ª Guerra Mundial, quando o Japão integrava as chamadas forças do Eixo ao lado da Alemanha e Itália,
inimigas dos países aliados, entre os quais o Brasil.
Em 1942, o então presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei nº 4.166/42, que
proibia qualquer manifestação cultural dos japoneses no País. Por conta disso, a edificação, que até então era a sede da Escola Japonesa de Santos,
precisou alterar o nome para Sociedade Instrutiva Vila Mathias.
Mas a declaração de guerra ao Japão, em 8 de julho de 1943, desarticulou o sistema
organizacional da sociedade japonesa e dissolveu as sociedades civis de imigrantes de nações do Eixo. Por muitos anos, a casa abrigou unidade do
Exército, como o Grêmio de Subtenentes e Sargentos da Baixada Santista (Gressfar).
Em 1952, sete anos após o fim da guerra, a então Sociedade Japonesa, hoje denominada
Associação Japonesa, pleiteou sua representação junto à colônia e ao Consulado Japonês. Naquela época, o então presidente da entidade, Shiguejiro
Nakai, já falecido, iniciou as tentativas de resgatar a sede da associação através de meios jurídicos e políticos.
Em 1988, o sucessor de Nakai, Arata Kami, continuou a luta para reaver o casarão,
através de articulação com a então prefeita de Santos Telma de Souza (PT), hoje deputada federal. A mobilização política objetivando a devolução foi
intensivada em 1990. Naquele ano, foi criada a Casa de Cultura Japonesa, que tinha como meta contatar autoridades federais visando o resgate da
edificação.
Em 1993, por iniciativa do então vereador Adelino Rodrigues (PSB), foi instalada na
Câmara uma Comissão Especial de Vereadores (CEV) com o mesmo objetivo.
Em 1994, o então deputado federal Koyu Iha (PSDB) apresentou um projeto de lei
propondo a devolução, mas o texto ficou anos tramitando sem que houvesse uma decisão final. Nos últimos dois anos, deputados federais tentaram que
proposta fosse a plenário sem sucesso.
O próprio presidente Luiz Ignácio Lula da Silva se
manifestou favorável à devolução, mas uma série de entraves burocráticos impediram a concretização, já que se tratava de uma iniciativa inédita, em
termos de legislação do setor.
Quarta-Feira, 23 de Agosto de 2006, 10:11
Posse definitiva não está distante
O chefe de gabinete da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), Miguel Ribeiro, confirmou a
expectativa do ministro Paulo Bernardo de que a cessão definitiva do imóvel não é uma meta distante. "O maior
obstáculo, que foi tirar a área do Exército, já foi superado. Agora partimos para uma segunda fase", disse a A
Tribuna após a cerimônia da assinatura da portaria ministerial.
Cauteloso em arriscar um prazo de quando pode ser feita a cessão definitiva do imóvel,
ele disse esse desfecho pode ocorrer "em 2007 ou em 2008".
Ribeiro classificou como uma "tolice" a resistência que havia de se buscar, oficialmente,
a sucessão da Sociedade Japonesa para a Associação Japonesa.
Já a deputada Telma de Souza lembrou que todo obstáculo encontrado pelo Ministério do
Planejamento ela levava à apreciação da atual diretoria da associação. "Discutimos tudo com eles".
Para ela, a resolução do Governo Federal para o caso não deveria ser "jurídica", mas "política".
A parlamentar fez questão de destacar que o ex-deputado federal Koyu Iha (PSDB) e o
ex-vereador Adelino Rodrigues (PSB) também participaram ativamente da luta pela devolução da casa aos japoneses.
A resistência de retirar uma área do Exército foi vencida com uma contrapartida: a SPU
encontrou outro terreno para as Forças Armadas. Por questão de segurança, não foi divulgada se essa área fica no Estado de São Paulo ou em outro
estado.
100 anos - Presidente da Comissão Especial de Vereadores (CEV) que discute a
agenda de comemoração dos 100 anos de imigração, o vereador Reinaldo Martins (PT), também presente à solenidade, brincou, dizendo que a cessão de
uso gratuito do imóvel era "até mais importante do que a vinda da família imperial".
Depois, informou que o prefeito João Paulo Papa protocolou um pedido no Consulado Japonês para que a família imperial visite Santos.
Conforme Sadao Nakai, após a assinatura da portaria, o próximo passo da associação é
estudar a elaboração da minuta do contrato a ser firmado com a SPU e a Procuradoria da Fazenda, para que a entidade possa realizar as reformas
necessárias e, posteriormente, usar o imóvel. Ele citou que a luta pela posse do casarão vem desde seu avô, Shinguejiro Nakai, que presidiu a
associação. |