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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SHEC
A Humanitária e suas histórias (2)

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Uma das principais bibliotecas santistas; salões onde ocorreram bailes famosos; campanhas assistenciais importantes; a presença de personagens ilustres da história santista e nacional: são alguns dos componentes da história da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio (SHEC), fundada em 1879.

A história dessa entidade foi lembrada em uma revista especial comemorativa do 80º aniversário da SHEC, em 1959:

A sede social da Humanitária, inaugurada em 1931 na Praça José Bonifácio, em foto de 1959
Foto: revista especial Humanitária 1879 - 1959 - 80 anos, Santos-SP, 1959

Um pouco de história da Humanitária

Álvaro Augusto Lopes

O ano de 1879, em que se fundou em Santos uma das primeiras - se não a primeira, em nosso país - associações de caráter beneficente-mutualista, pertence a um dos mais decisivos períodos históricos da comunidade nacional. Vindo após o encerramento da campanha contra o Paraguai, com a morte de Solano Lopes, em 1870, esse ano marcado pelo Destino para o advento de instituição pioneira, no gênero, que seria a Sociedade Humanitária, presenciou ao primeiro esforço de José Bonifácio, o Moço, no Parlamento Nacional, para que se criasse a Federação das Províncias, pouco depois de haver o ministro Saraiva, nomeado em 1878, conseguido obter de Dom Pedro II a nova lei eleitoral, que permitia o voto "direto e universal", com que se tornava mais legítima a representação do povo, nas Câmaras Legislativas.

A emancipação dos escravos negros estava em marcha batida para a vitória, ainda com a ressonância da voz eloqüente de Castro Alves, que a morte emudecera para sempre, em 1871. Na assertiva de Pedro Calmon - "entre os anos de 1870 e 1889, dezenove anos de ebulição doutrinária, houve o desgaste gradual dos partidos políticos, uma maré montante de democracia, a desilusão dos jovens militares condenados à vida medíocre dos quadros dos tempos de paz, em contraste com as carreiras vertiginosas que se fizeram no Paraguai (uma das causas, apontou Cristiano Ottoni, do descontentamento que lavrara no Exército, às vésperas da República)". Naquele período sopravam ventos novos de espírito liberal, fortalecendo o sentimento de solidariedade entre grupos e profissões de várias espécies.

Nesta cidade, havia tempo se vinha fazendo campanha para a arregimentação dos elementos dos empregados no comércio, com o fim de propiciar amparo e socorro, em ocasiões de dificuldades, aos menos favorecidos pela Fortuna. Uma agremiação de caráter inédito, com uma boa biblioteca, sala de leitura, cursos de línguas e ciências de destaque, na chamada "classe caixeiral", de que se vinha tornando eco o jornalzinho domingueiro denominado O Caixeiro, que pouco durou, depois de tornada vencedora a idéia, generosamente defendida em suas colunas.

Assim, no dia doze de outubro do ano de 1879, numa dependência do prédio em que funcionava a Escola do Povo, à Praça Mauá, foi instalada a Associação Humanitária dos Empregados do Comércio, com a presença de grande número de representantes da classe. Aclamou-se, nessa ocasião, uma diretoria provisória, que ficou assim constituída: presidente, Augusto Vieira; secretário, José Bento Fernandes; tesoureiro, José Bernardes de Oliveira.

Era um dia de domingo, propício, pela folga semanal, ao comparecimento dos interessados, numa época em que não existiam férias anuais nem a "semana inglesa". Por isto, só no domingo seguinte se aprovariam os estatutos sociais e se escolheriam nomes para os cargos ainda vagos.

Depois de Augusto Vieira - alma de idealista, que se bateu pela realização dum sonho longamente desejado pela coletividade - ocupou a presidência da primeira diretoria definitiva um outro batalhador, Floriano dos Santos Castro, que lutou para que a Sociedade Humanitária, nos seus passos iniciais, não viesse perecer, à míngua de fé e estímulo entre os componentes, visto que, seis anos depois, não se conseguiu comemorar a data festiva da fundação, "por falta de sócios".

Além de Floriano dos Santos Castro, na presidência, foram os seguintes os membros dessa diretoria inicial, de que tanto dependeria o futuro da novel entidade: vice-presidente, João Nepomuceno Freire; 1º secretário, José Francisco Pinto Martins; 2º secretário, José Bernardes de Oliveira; 1º tesoureiro, Antônio Domingues Martins; 2º tesoureiro, Manoel Joaquim Borges Júnior; beneficente, José Bento Fernandes; procurador, Antônio Rodrigues Lopes; conselheiros, Fernando do Amaral Ribeiro, Francisco Antônio de Souza Júnior, José Domingues Martins e Pedro Alcântara de Souza Aranha.

Alguns desses nomes ficariam ligados, mais tarde, aos de grandes firmas do comércio cafeeiro e atacadista, em que se elevaram pelo esforço do trabalho e da perseverança, juntando-se a outros igualmente bastante conhecidos, como João Guilherme Martins, Antônio Ferreira Duarte, Benedito T. Siqueira, Fernando do Amaral Ribeiro, Gregório Carneiro Bastos, João Batista Florindo e outros.

Aspecto da visita feita às obras do edifício social, em 18 de maio de 1930, 
vendo-se diretores, engenheiros associados e representantes da imprensa
Foto: revista especial Humanitária 1879 - 1959 - 80 anos, Santos-SP, 1959

Em 30 de outubro de 1880, pela assembléia geral, foi aceito e votado um projeto de autoria de José Francisco de Paula Martins, para a criação da biblioteca social, ficando a diretoria autorizada a lhe dar cabal execução. Todavia, a iniciativa foi, no começo, defrontada com obstáculos materiais, quase intransponíveis, motivados por falta de meios financeiros e pela incompreensão de muitos sócios, que não avaliavam o alto alcance cultural dos livros, estragando-os ou mutilando-os, quando os recebiam por empréstimo.

No entanto, pouco a pouco foram afastados esses óbices, e a biblioteca se dilatou em quantidade e qualidade, vindo a ser a maior da cidade. Assim, já em 1887 o número de obras se elevava a 411 em 571 volumes, graças não somente a aquisições feitas, mas também a donativos em espécie e em dinheiro, entre os sócios. Em 1893, já possuía 2.262 volumes, ascendendo em 1901 a 3.413 obras em 4.787 volumes, existindo na sala de leitura 41 jornais e revistas ilustradas.

Desde janeiro de 1883, por deliberação da diretoria, foram criadas aulas de francês, inglês e alemão, que, depois acrescidas dos cursos de português e aritmética, lograram boa freqüência, por parte dos sócios jovens, durante muitos anos, até que, à medida que progredia a instrução em Santos, o interesse foi diminuindo, aconselhando a gradual extinção desse ensino, que tanto auxiliou intelectualmente os seus beneficiários.

Aspecto da assistência, quando da inauguração da sede, em 12 de outubro de 1931
Foto: revista especial Humanitária 1879 - 1959 - 80 anos, Santos-SP, 1959

No que tange aos socorros, em casos de enfermidade, a Sociedade Humanitária foi sempre instituição modelar, fornecendo médico, medicamentos, internação hospitalar, auxílio pecuniário em caso de falecimento, desde os tempos iniciais.

A seção beneficente foi a mais importante dessa entidade, que nunca deixou de cumprir a letra dos estatutos, graças à existência dum brilhante corpo clínico, bastante devotado em atender aos precisados, não cobrando inicialmente nada, pelos seus serviços, mais tarde aceitando apenas o que se denominava "contribuição para transporte", até data não muito distante da atual (N.E.: atual =1959). Foi a Sociedade Humanitária o paradigma, no que se refere o mutualismo beneficente, quando muitos contribuíam para que outros mais necessitados não sofressem senão o inevitável, nas agruras da moléstia e da morte.

Outras iniciativas assinalaram a evolução histórica da Humanitária, devendo-se nelas incluir a formação dum grupo dramático de amadores, idéia aprovada em 1887, e a organização duma banda de música, em começos deste século (N.E.: século XX), formada de um grupo de consócios entusiastas dessa arte.

Durante as epidemias, que irromperam no município em surtos periódicos, desde a fundação, até a pandemia da gripe, em 1918, as salas desta entidade se abriram para acolher doentes, agasalhados e tratados com carinho, nas suas dependências transformadas em hospitais provisórios. Igual procedimento se teve nos momentos críticos de revoluções e guerras, que agitaram o país, primando a Sociedade em pôr o seu prédio social à disposição das autoridades, para socorros de emergência. Foi o que, por exemplo, se verificou em 1932, quando o Movimento Constitucionalista sacrificou algumas dezenas de vidas, entre a mocidade de Santos.

Diretoria da Humanitária em 1939. Sentados, da esquerda para a direita: Antônio Bento de Amorim, Benedito Egídio de Sousa, Manoel Elias Ruiz, Edistio de Camargo Santos e Álvaro Augusto Lopes. Em pé, na mesma ordem: Ernesto Xavier Krone, Valdomiro Furtado de Oliveira, Antônio Domingues Martins e Jaime Franco Rodrigues Junot
Foto: revista especial Humanitária 1879 - 1959 - 80 anos, Santos-SP, 1959

Ao completar o seu vigésimo-terceiro aniversário, em outubro de 1902, publicou-se uma Poliantéia muito bem feita, organizada por uma comissão presidida pelo consagrado jornalista Alberto Veiga, tendo ali colaborado intelectuais do valor de Vicente de Carvalho, Alberto Sousa, Manoel Maria Tourinho, Damasceno Vieira, Olímpio Lima e outros.

Neste valioso documentário, de que extraímos alguns dados informativos, para o presente trabalho, depois de traçar o panorama histórico da Sociedade, o saudoso veterano da imprensa santista, A. Veiga, formulava o seguinte juízo: - "A Sociedade está consolidada, é uma verdade; mas não pode ficar estacionária: é outra verdade. Para desenvolver os múltiplos serviços autorizados nos seus Estatutos, necessita do concurso de todos e dos recursos materiais que a própria classe, sem sacrifício algum, lhe pode fornecer. Para isto basta, em alguns, certa soma de boa vontade; em outros, o propósito de tirar um pouco do muito que dão ao supérfluo".

O apelo contido nas palavras acima, de autoria do fundador do Albergue Noturno de Santos, não resvalou no vácuo, mas deparou acolhida cada vez mais eficiente, por parte da classe dos empregados no comércio, e até, dos próprios elementos da classe patronal, por intermédio de firmas importantes, que sempre reconheceram o alto mérito da obra de assistência, no decorrer de longa atividade, infatigável, que a Sociedade Humanitária tem prestado aos auxiliares do comércio do segundo porto do Brasil.

Desde o início, na sede alugada na antiga Rua Meridional - hoje inexistente -, no edifício próprio, que se ergueu na Rua Amador Bueno, ou agora, no canto da Praça José Bonifácio, a nossa instituição social, através dos empeços sem conta duma existência, em prol dos que precisam de ajuda física e espiritual, jamais desfaleceu no cumprimento dum programa de genuína filantropia.

Em outros locais desta publicação, será dito o que na atualidade representa a Sociedade Humanitária, para uma comunidade que veio lutando, por se afirmar e impor, desde os tempos em que as leis trabalhistas não eram siquer imaginadas, quando os "mangas de alpaca" tremiam ante o espectro da moléstia e da invalidez, sem recursos ao alcance de suas escassas posses, sem as facilidades da instrução noturna, que hoje permitem à juventude acessos aos cursos superiores de ensino. A Sociedade Humanitária veio do empirismo do mutualismo puro, sem intenção de recompensa, quando o lema - "todos por um e um por todos" - não era uma frase de fachada. Hoje, orgulho da cidade que a viu crescer, pode insculpir no seu pórtico esta inscrição magnífica - "Missão Cumprida"!

Em 1931, visitava a Sociedade Humanitária o dr. Lindolfo Color, ministro do Trabalho. 
Ei-lo falando durante a cerimônia que se realizou em sua homenagem
Foto: revista especial Humanitária 1879 - 1959 - 80 anos, Santos-SP, 1959

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