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O RECONHECIMENTO MUNDIAL DA INTERVENÇÃO
MUNICIPAL NA CASA DE SAÚDE ANCHIETA
"Telma, você foi a primeira pessoa no mundo a assumir responsabilidade por um manicômio
privado, para poder oferecer aos pacientes caminhos para resgatar sua vida e construir um futuro". (Tommasini)
Há 15 anos, Santos se tornava mais célebre e humana, expandindo este sentido para todas as relações
sociais da cidade que se pretendia humanizar, como se fez nesta gestão liderada pela prefeita Telma, que no Anchieta deu o primeiro de seus passos.
A declaração acima é de Mário Tommasini, conselheiro regional (equivale à figura do deputado estadual) de Emiglia-Romana, Trieste, Itália, a cidade
que derrubara o manicômio em 1971. Foi feita a então prefeita de Santos Telma de Souza, na manhã do dia 17 de junho de 1991.
Tommasini reportava-se à intervenção municipal na Casa de Saúde Anchieta – um hospital psiquiátrico
que violava os direitos humanos, elogiando, pouco mais de dois anos após sua implantação, a iniciativa que veio visitar e que ganhou diversos
prêmios internacionais como da Organização Mundial de Saúde – quando Santos mais uma vez deu exemplos para o país e para o mundo. Tommasini era, na
ocasião.
E o Anchieta era um exemplo similar que, arrastando séculos de violência no tratamento de seres
humanos com transtornos mentais, afirmava com crueldade as antigas teorias pseudo-científicas da psiquiatria. Em 3 de maio de 1989, uma nova
paisagem surgia no cenário político santista e colocou fim aquele terror urbano.
Era um passo mundial na defesa dos direitos humanos, presente em todas as publicações nacionais e
internacionais sobre o tema como um marco histórico na luta antimanicomial. A prefeita incorporava o sentido solidário em suas ações pela cidade e a
Santos Libertária se consagrava para além da liberdade e da caridade, como diz o seu brasão, mas para a humanidade.
Foi de Trieste que Santos trouxe o exemplo, se tornando a primeira cidade no mundo a concretizar uma
experiência concreta de dissolução de um hospital psiquiátrico através de métodos terapêuticos modernos, com participação e envolvimento da
comunidade. Esta experiência foi classificada por Guattari, um dos maiores nomes internacionais do setor e responsável pela Reforma Psiquiátrica na
França, como "a quarta revolução mundial da psiquiatria". A terceira havia sido com Basaglia em 1971, esta aplicando o modelo com participação
popular fazendo e garantindo conquistas que, apesar da perda do poder político, continua íntegra na sua estrutura.
Era o dia 17 de junho quando Tommasini foi recebido na Prefeitura de Santos, acompanhado do psiquiatra
Franco Rotelli, coordenador do Programa de Saúde Mental de Trieste e consultor da Organização Mundial de Saúde/OMS para o Brasil, Argentina e
República Dominicana para assuntos de Saúde Mental. "Essa ação se tornou um símbolo da luta antimanicomial", disse na ocasião, visando implantar um
processo de atenção psiquiátrica. O psiquiatra Franco Rotelli informou que o Programa de Saúde Mental de Santos já obteve o reconhecimento mundial.
O Programa de Saúde Mental de Santos teve a colaboração e solidariedade de todos os envolvidos, dos
internos aos seus parentes e vizinhos de bairros diversos, de autoridades nacionais e internacionais como o psiquiatra argentino Valentin Baremblitt
e, como reportamos, do psiquiatra italiano Franco Rotteli, coordenador do Programa de Saúde Mental de Trieste, Mário Tommasini, conselheiro regional
(deputado) de Emiglia-Romana, em Trieste, do coordenador interino de Saúde Mental do Ministério da Saúde Alfredo Schechtman, do representante da
OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde, Itzhac Levaz, e do diretor do Sistema de Informação em Saúde Mental do Instituto Nacional de Saúde Mental
dos Estados Unidos, Ronald Nanderscheid, entre outros, – tendo recebido diversos prêmios mundiais, transformando a cidade em pólo da luta
antimanicomial.
A lição santista da psiquiatria não teve só a ver com a especialidade médica em si, mas tocou todas as
relações sociais da comunidade, disseminando solidariedade.
A situação existente não comovia demais a comunidade local, como de resto a nacional e mundial diante
da opressão dos manicômios, porque estes são marginais. Não no sentido de infratores da lei, mas marginais da sociedade de consumo, desempregados,
filhos de famílias desestruturadas, "gente sem eira nem beira", como se dizia – excluídos. Mas humanos.
A atitude santista foi baseada no exemplo italiano, que evoluiu dos processos americano, inglês e
francês em que apenas se humanizou – e não se extinguiu – o hospital, tendo superado o modelo em eficiência, agilidade e resultados, daí a
importância da visita e da manifestação de Tommasini homenageando este feito mundial.
A importância deste ato no universo da psiquiatria e da luta antimanicomial no Brasil e no mundo
reservam (mais) um capítulo especial na história de Santos na defesa dos direitos e liberdades, notadamente por atacar um dos pilares fundamentais –
o manicômio secular - da manutenção do sistema de controle social e de dominação de uma elite sobre as maiorias, que produz estes excluídos da
cidadania.
O movimento antimanicomial nacional e local, reunido em torno desta questão determinante para a
construção da cidadania, priorizando aqui o fim de arcaicos campos de concentração no meio da cidade, elegeu este ato do governo Telma como um dos
mais importantes da história da psiquiatria mundial e da evolução de seus paradigmas, adotando ideologias libertárias e progressistas no trato com
estes setores excluídos e marginalizados.
O resgate histórico desta questão é fundamental não apenas para a cidade como para a história do
progresso humano. Contá-la sem cientificismo para que maiores grupos possam compreender e se envolver nesta batalha que não terminou – este o nosso
objetivo. |