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UMA AÇÃO AO REVÉS DA DITADURA
Quinze anos depois do Anchieta, a intervenção no maior manicômio do mundo
Poluição e loucura, políticas da Ditadura
O modelo brasileiro de internação psiquiátrica não apenas deu seqüência à secular tradição histórica
manicomial, como se reforçou, na contramão da história, a partir da implantação da Ditadura Militar de 1964, que em suas ações ofereceu o perfil de
um regime que apostava na exploração, na poluição que enlouquece e na opressão com repressão.
Por exemplo, nos anos 70 o Brasil pediu "desenvolvimento com poluição", anunciava a Ditadura em
jornais americanos, atraindo indústrias que eram barradas na Europa. Isso enquanto em Cubatão nasciam crianças sem cérebro em face das substâncias
químicas das indústrias e os danos à sanidade mental eram evidentes.
Os Governos dos "gorilas" de 1964 não apenas torturavam: em seu impulso de industrialização, a
Ditadura Militar massificou a indústria da saúde: de 1961 a 1971, informa J.C. Braga na sua Dissertação de Mestrado na UNICAMP em 1978 (A questão
da saúde no Brasil), reportada na revista Saúde e Loucura, a importação de equipamentos médico-hospitalares cresceu 599,9%. E enquanto o
mundo voltava-se para a desospitalização, para o fim dos manicômios, o Brasil os ampliava através do aumento de leitos e na multiplicação da rede
privada contratada.
A.C. Cesarino, no artigo A experiência da Saúde Mental na Prefeitura de São Paulo, publicado na
revista Saúde e Loucura de 1989, destacando o privilegiamento do setor privado com predominância da lógica de mercado para o desenvolvimento,
salienta que no Brasil de 1965, um ano depois do Golpe Militar, eram 110 os hospitais psiquiátricos. Em 1970, seis anos após, eram 178 e em 1978,
eram 351 hospitais psiquiátricos conveniados – com 90% das verbas do INAMPS destinadas para a compra de leitos privados.
A proposta de campanha do então candidato à presidência da República Lula nas eleições de 1989,
presente no programa da Frente Brasil Popular, já advogava a superação do modelo asilar e investimento em serviços alternativos, com objetivo de
reintegrar socialmente o doente mental – em consonância com o movimento social antimanicomial.
Neste ano, dois fatos marcam a luta no país: a ação santista no Anchieta e a apresentação do Projeto
de Lei 3.657, o da Reforma Psiquiátrica, do deputado mineiro Paulo Delgado, que propunha a reestruturação da assistência psiquiátrica brasileira com
a substituição progressiva dos manicômios por serviços alternativos.
Quem pensa que o horror dos manicômios acabou deve lembrar-se que, ainda em 2004, foram revelados
novos escândalos, gerando a intervenção, entre outros, no maior hospital psiquiátrico do Brasil e um dos maiores do mundo - um hospício carioca, na
cidade de Pacambi, a Casa de Saúde Dr. Eiras, com 1.500 internos e 500 mil metros quadrados de área. Um gigantesco depósito de gente que fora
vistoriado em junho de 2000. E em Pernambuco, Itamaracá – em que uma inspeção da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia, em
auditorias feitas em março, constataram diversas e graves infrações à dignidade humana.
Na visita que fizeram a Santos nesse ano os psiquiatras Ricardo Dutra Vaz e Wilson Bittencourt Filho,
que atuavam no "Pólo de Saúde Mental" da Secretaria de Saúde de Pacambi, a terra em que ficava o Dr. Eiras, – vieram conhecer o modelo implantado
aqui. Então, já se falava de uma provável intervenção naquele hospital, em face de denúncias do Sindicato dos Servidores da Saúde.
Mas o Estado não teve capacidade política de implantá-la e apenas passou a supervisão técnica para o
Município. A intervenção só viria 12 anos depois, em 2004. Na reportagem do D.O. Urgente que fala dessa visita, de 1/10/1992 tem o titulo
"Saúde Mental é modelo para cidade do Rio de Janeiro".
"Os manicômios são instituições assassinas", declarou o presidente da Comissão de Direitos
Humanos do Conselho Federal de Psicologia, Marcus Vinícius de Oliveira, oferecendo um atestado para o setor no país que começou a mudar em Santos.
Em agosto de 2004, eram feitas intervenções em mais dez manicômios brasileiros. Valeu o exemplo. |